1 – Estado e sistema financeiro, vigiam o povo
e debicam o que podem
2 - O parasitismo dos mercados financeiros
3 - A crise do coronavírus e suas sequelas
4 - Como cresce uma bolha financeira?
5 - Quando o sistema financeiro encomenda os governos de se apropriarem
das nossas contas bancárias?
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1 - Estado e sistema financeiro, vigiam o
povo e debicam o que podem
A máquina da especulação, resultante da
interação colaborativa entre o sistema financeiro e os Estados, com os seus
bancos centrais e suas classes políticas, tem mantido relativamente intocável
os haveres e as poupanças das pessoas comuns. Nesse campo têm-se contentado em
aplicar taxas e impostos sobre o imobiliário; e, em tempos mais recentes,
criando as célebres comissões bancárias sobre os depósitos e outros (chamados)
serviços.
Há alguns anos todos os pagamentos salariais,
passaram a ser depositados integralmente nas instituições do sistema
financeiro. Certamente, se os salários fossem entregues em dinheiro aos seus
titulares, estes poderiam ser assaltados na rua ou ver assaltada a sua casa e
revolvido o colchão ou esvaziada a gaveta onde a família teria o dinheiro.
Hoje, a haver assalto, ele será proporcionado pelo conluio entre o Estado e o
sistema financeiro, como se assistiu na Grécia em 2015 e, no princípio do
século, na Argentina.
Por outro lado, a intermediação do sistema
financeiro na relação entre entidades pagadoras de salários e trabalhadores,
inicialmente isenta de custos para os titulares, passou, gradualmente a ser
onerada com taxas e comissões para pagar “custos de manutenção de conta” de
utilização de cartões de débito, de crédito e outras criativas figuras. No ano
corrente, os quatro maiores bancos portugueses já ganharam
€ 440 M com as ditas comissões, compensando taxas de juro e de inflação que
têm estado muito baixas.
Depois da obrigatoriedade da conta, a sua
existência tornou-se pasto da conluiada devassa promovida pelo sistema financeiro e pelo
Estado que, em conjunto, recolhem e atualizam, através de cruzamentos criativos
de dados, uma panóplia enorme de elementos pessoais, rendimentos, dados
patrimoniais, compilando ainda, listas de entidades com as quais cada um
interage; seja para pagamento de compras, de prestações, como no âmbito de
relações familiares. E, não é de estranhar que empresas de consultadoria
informática, utilizem o acesso e a gestão dessas bases de dados para venda a
empresas de marketing comercial e político; recordemos a Cambridge Analytica.
Claro que toda essa devassa foi imposta em
nome da nossa “segurança” tal como a vulgarização de cartões de débito ou
crédito começou, primeiro com o não solicitado envio e a utilização gratuita
até que deixou de o ser com a introdução de comissões e outros encargos.
2 - O parasitismo dos mercados financeiros
Em ligação promíscua com o sistema financeiro
estão os Estados, que se financiam junto daquele sistema, contraindo dívida e
que o usam na cobrança dos impostos; já ninguém vai ao balcão dos serviços
fiscais para pagar impostos, taxas ou afins. Todos os impostos passam pelo
sistema financeiro, por transferências de indivíduos e empresas, das suas
contas próprias para a hidra estatal. E, claro, o sistema financeiro sabe
utilizar essa informação para atualizar o perfil de empresas e famílias nas
suas bases de dados; para acompanhar a solvabilidade, a capacidade de
endividamento e o risco de todas as entidades, individuais e coletivas.
Como os bancos são, em regra, instituições
internacionais, os elementos de que dispõem estão incluídos em enormes bases de
dados, interligadas, que contêm dados de centenas de milhões de entidades,
singulares ou coletivas, incluindo estatais. A globalização encontra neste
âmbito o seu mais elevado grau de desenvolvimento. O sistema financeiro unifica
e gere informação sobre empresas – pequenas, grandes, tal como multinacionais -
pessoas comuns, membros de classes políticas, especuladores, criminosos, num
quadro global, no âmbito do qual a nacionalidade é apenas mais um parâmetro de
identificação. O sistema financeiro é o aparelho circulatório do capitalismo, o
elemento central que mantém o capitalismo a funcionar. No contexto da atual
crise do coronavírus é o sistema financeiro que sintetiza a situação das
empresas com dificuldades de escoamento de produção, de vendas ou, financeiras;
bem como o retraimento das pessoas, a quebra da atividade turística e das
viagens. Como se pode ver aqui.
Essa ligação promíscua Estado/sistema
financeiro tem vários instrumentos de medida. A escassa vida financeira de um
assalariado é escrutinada com todo o detalhe e, perante qualquer desacerto,
submetida à punição através de vasta panóplia de taxas, coimas, multas e
penalidades. Inversamente, a interação e interpenetração entre sociedades de
advogados, e as grandes empresas internacionais de consultadoria, permite
frequentes ausências de rigor e a escandalosa distração por parte dos
reguladores públicos. Nessa lógica mercantil, a profundidade da peritagem
depende do preço pago pelo serviço. Recordamos o caso
BPN em que o Banco de Portugal mandava cartas a solicitar informação que,
por acaso, nunca era fornecida... até que a inteligente nacionalização pelo
governo Sócrates/Teixeira dos Santos se saldou em cerca de € 5000 M saídos do
erário público, numa venda em saldo de património a Isabel dos Santos e com o
despedimento de trabalhadores.
Quando se trata de ricos empresários,
especuladores ou traficantes de influências; de tradicionais criminosos
envolvendo elementos mais palpáveis (drogas, mulheres, armas, órgãos,
migrantes, fármacos…); de gestores de topo ou políticos corruptos, há dezenas e,
dezenas de locais de parqueamento de contas isentadas de intervenções de
autoridades fiscais e de escrutínio. As autoridades fiscais dos estados-nação
tendem a ser muito discretas em casos de envolvimentos em atividades
criminosas, lavagem de dinheiro, etc. Porém, compilam, com muito zelo,
informação para que esses volumosos capitais, não se desviem para
locais de maior compreensão face aos “investidores”. Recorde-se a divulgação de
dados sobre fuga fiscal e burla nos casos dos Panama Papers
ou da “princesa” Isabel dos Santos; neste último caso, mantendo-se ainda sem
seguimento o apuro das fontes de riqueza da mafia angolana de civis e
ex-generais do MPLA, transformados em empresários, bem como do comprometimento
de elementos da classe política portuguesa.
3 - A crise do coronavírus e suas sequelas
O sistema financeiro necessita sempre de
acrescidos volumes de capital; algum será para emprestar a famílias para a
compra de habitação, as quais ficarão com os seus rendimentos comprometidos
durante décadas; e que ficarão sem a casa em caso de impossibilidade de
pagamento. Outra parte será dirigida a empresas, para efeitos de investimento
ou saneamento financeiro, para o qual a própria empresa ou os seus sócios
oferecem garantias para casos de incumprimento. Porém, na realidade, o
reembolso do capital emprestado durará vários ou mesmo, muitos anos; e, se os
banqueiros ficassem sentados à espera da entrada dos juros e das prestações de
empréstimos, compensando essas entradas com a concessão de novos empréstimos e
a distribuição de lucros, morreriam de tédio. O negócio bancário seria igual a
qualquer outro, uma modorra. Não é; e é bastante dinâmico e criativo.
A função típica dos bancos é o financiamento
de pessoas e empresas, tão extenso no tempo quanto possível, cobrando juros,
naturalmente; é assim há séculos mas hoje é muito mais do que isso. Esses
direitos de crédito mantêm-se, eventualmente até ao pagamento integral pelo
devedor mas o banco não fica sentado à espera, contabilizando as prestações
pagas e as que restam por pagar, em contratos que podem admitir 40 ou 50 anos
para a amortização total da dívida.
Esses créditos são integrados em títulos
colocados à subscrição do mercado para entrarem no circuito, em operações
sucessivas de titularização, integrados e reproduzidos em cascata; os seus
titulares desconhecem totalmente quem é o devedor inicial, pessoa ou empresa,
cuja identidade apenas é conhecida do banco que participou na operação inicial,
de empréstimo; como, no encadeado de títulos em que estão inseridos,
desconhecem qual foi o banco que aceitou proceder a esse empréstimo. O banco
inicial, o prestamista, recupera assim o valor emprestado que passa apenas a
constituir uma base ignota em que se alicerça um extenso e volúvel encadeado de
títulos em constante mudança de mãos; e cuja avaliação pelo mercado determina
operações instantâneas de compra e venda. Tudo se passa no seio de circuitos
eletrónicos, onde a (des)valorização dos títulos faz diminuir/aumentar o valor
acumulado no momento da transação. Essa valorização é maior na proximidade do
vencimento de juros e menor consoante a distância face a esse vencimento; neste
caso, cada especulador estará munido de um computador poderoso com o software
adequado para decidir se será melhor vender de imediato ou manter os títulos,
arrecadando os juros vencidos.
Cada unidade monetária – só uma ínfima parte
se traduz em algo físico como moedas ou notas - é inserta numa rede que se
pretende em constante expansão para alimentar a formação de lucros através da
valorização dos ativos, a valorização e expansão do capital acumulado. O
problema torna-se muito sério se toda a gente tem perspetivas de desvalorização
como aconteceu em 2008, com os subprimes. Estes ativos, na realidade são
apenas registos eletrónicos inseridos numa vastíssima rede de circuitos onde
vasculham poderosíssimos computadores em busca da valorização dos capitais
detidos pelos seus donos; circuitos esses que se movem à velocidade da luz ou,
perto disso e, onde a intervenção humana é quase impossível. É preciso
acreditar nos algoritmos em vigor e tentar melhorá-los para posterior
aplicação, para ganhar vantagem face à concorrência.
4 - Como cresce uma bolha financeira?
a. Suponhamos que uma
empresa gestora de fundos ou um especulador individual, tem para investir uns €
100 M … o que até é coisa pouca! Que irá fazer? Aplicar esse dinheiro em ativos
(ações, obrigações, títulos de dívida pública, derivados, etc) sabendo-se que a
distribuição de lucros (para mais, contingente) só sucederá após o apuramento
de resultados trimestrais, semestrais ou anuais; se existirem lucros! Não,
ninguém fica sentado sobre umas resmas (virtuais) de títulos, à espera que
valorizem para serem vendidos com vantagem ou, para encolherem o seu valor de
transação, na sequência de inevitáveis prejuízos.
b. Noutras eras, o tempo
decorria de forma mais lenta e previsível; hoje, nos mercados especulativos, o
tempo mede-se em nano-segundos, o que só poderosos computadores podem medir.
Daí que o nosso especulador vai procurar ganhar dinheiro no âmbito das fugazes
cotações dos títulos que detém, recolhendo informações sobre as empresas
tituladas ou de outros especuladores mais ou menos (mal)informados. O ritmo de
compra e venda de títulos faz-se a um ritmo muito elevado e as operações acontecem na sequência de pequenas variações
nas cotações dos títulos; por exemplo, sendo positivas produzem ganhos de valor
e são mantidos se as expectativas forem de novas subidas; ou vendidas de
imediato se as expectativas forem de redução da cotação.
c. De 1933 até 1999,
vigorou nos EUA a Segunda Lei Glass-Steagall,
que separava as instituições bancárias comuns, comerciais, daquelas ditas
de investimento, não podendo concorrer umas com as outras porque lhes eram
imputados, legalmente, mercados distintos. As primeiras recolhiam as poupanças
e depósitos de pessoas ou empresas e, estas últimas procediam ao redesconto
junto do FED para antecipar cobranças, para suprir a espera pelo pagamento por
parte do devedor. As segundas dedicavam-se a atividades especulativas.
Assim, até 1998 os bem conhecidos e voláteis subprimes
correspondiam a cerca de 5% dos empréstimos hipotecários, tendo atingido 30% em
2008, quando do início da crise. Isso, porque, em 1999, Clinton revogou a tal
lei Glass-Steagall, permitindo a mistura do crédito normal com as invenções
especulativas, comuns nos dias de hoje; e que foi secundado na Europa porque o
mercado financeiro é um grado exemplo da globalização.
d. A explosão da criação
de crédito, gerou o crescimento da bolha imobiliária, valorizando as casas
hipotecadas e serviu como argumento para agentes imobiliários induzirem os
proprietários de classe média baixa a estenderem a sua dívida imobiliária para
outros gastos, como automóveis. Com a viragem de finais de 2007, o imobiliário
perdeu valor mas os valores da dívida mantiveram-se; o que juntamente com uma
crise de desemprego lançou na ruina muita gente nos EUA. No seu seguimento
faliu o Lehman Brothers, com o devido contágio na Europa, cujas sequelas são
conhecidas.
e. Os países da UE,
entraram na pista com a mesma dança, com a brutal concessão de crédito pelos
bancos centrais a bancos descapitalizados e com as intervenções da troika
para sanear as contas públicas através da venda de bens públicos (Portugal e
Grécia); com uma enorme reestruturação bancária em Espanha e, com o arrastar
durante vários anos da capitalização de bancos italianos tradicionais. No caso
português assistiu-se à chegada de um fundo abutre (Lone Star) ao Novo Banco,
em condições leoninas aceites pelo Estado; e, também, de um abutre sem fundos
(Neelleman) na TAP. Em ambos os casos, no âmbito de processos escabrosos
protagonizados pelas duas alas do corrupto partido-estado português, o PS-PSD;
e com uma integração total de dinheiro público, na ordem dos € 18300
M.
As poupanças dos emigrantes depositadas no BES acabaram por ser
delapidadas com a falência do banco, com o Estado e o Banco de Portugal
(regulador) a colocarem-se de fora, como estipulado pela revogação avançada por
Clinton: e com os ex-administradores do banco, em preparos para mais uma
primavera de sol e… não à sombra, desde 2014.
f. Continuando. É
habitual que empresas cotadas, para indiciarem boa saúde económica, recorram a
empréstimos volumosos, durante poucos dias, junto da banca para compor os
balanços semestrais ou trimestrais que têm de publicar; e isso, para mostrarem
indicadores que façam subir as cotações e que propiciarão ganhos aos detentores
das suas ações, no caso de venda. Claro que ganham mais com a subida das
cotações do que em juros pagos por poucos dias de empréstimo. Um truque fácil e
que rende milhões.
g.
Para animar a
atividade especulativa, um dos instrumentos utilizados é o “quantitative
easing” (QE); um género de soro com que o BCE tem mantido vivo o sistema
bancário europeu. O QE consiste em os Estados emitirem títulos de dívida que os
especuladores irão comprar, como dívida segura, uma vez que cada Estado tem
como executivo um qualquer gang governamental que saberá “honrar” os seus
compromissos através da delegação do seu pagamento, na população. Claro que não
haverá responsáveis pelo dispalfarro ou pelo boondoggle[1];
primeiro, porque a sua presença com responsabilidades governamentais é precária
(haverá eleições e é comum a alternância entre duponds e duponts no
governo); e depois, porque cada Estado tem na sua base uma população, institucionalmente
constituída por pagadores de impostos, tomados como garantes dessas dívidas,
cuja existência foi decidida pela classe política; população essa, despojada de
meios de evitar as leviandades mas não isentada de arcar com as suas nefastas sequelas.
h. Esses títulos de
dívida pública, emitidos pelos Estados, serão comprados pelos especuladores que
rapidamente os apresentarão junto de bancos centrais - BCE, Fed, Banco de
Inglaterra, Banco do Japão… - como garantias (chamadas colaterais) para o
financiamento, por aqueles bancos centrais, dos meios necessários que
incrementam o carrossel dos mercados especulativos. Os bancos centrais, para
dinamizar o crédito e as economias (…ao que dizem) até emprestam dinheiro para especulação
a taxas negativas! Isto é, quem empresta dinheiro paga por isso, e não o
mutuário… uma verdadeira aberração, inventada em tempos neoliberais.
i. Na teoria, uma taxa de
juros baixa é um elemento favorável ao devedor e oferece pouco rendimento ao mutuante.
Sabe-se ainda que uma taxa de juros, para compensar de algum modo o mutuante,
deverá ser superior à taxa de inflação. Porém, a teoria foi mandada para o lixo
e inventada a norma das taxas de juro negativas nos empréstimos concedidos
pelos bancos centrais; o que é uma aberração económica pois nenhuma mente
saudável empresta dinheiro sabendo de antemão que o não vai recuperar na
íntegra; e, com a agravante de a inflação, baixa nos tempos que correm
corresponder a outra forma de desvalorização do capital para o mutuante. Os
neoliberais são uns verdadeiros ginastas; conseguem fazer um pino e uma espargata
em simultâneo. A economia - que não é uma ciência respeitável - tornou-se um
campo de experimentações empíricas e anti-sociais para dotar de valor os haveres
dos ricos em registos electrónicos e que inflam o baço conceito de PIB.
j. Assim, todos ficam
contentes. Os especuladores porque são pagos para contraírem empréstimos junto
dos bancos centrais. Os bancos centrais porque se tornam credores dos respetivos
Estados, facilitando o aumento da dívida pública, com implicações óbvias sobre
a população que paga impostos e na exata medida da habitual exação por parte
das classes políticas. As últimas, na sua típica e promíscua relação com o
sistema financeiro, cativam os habitantes dos estados-nação para pagarem os
serviços de dívida, aceitando o seu papel de intermediários na alimentação do
sistema financeiro, mormente dos capitais especulativos. As classes
políticas, sabendo que podem recorrer, com caráter de normalidade a emissões de
dívida (os especuladores, no seu recato, agradecem), ao mesmo tempo acenam
aos povos com os impactos do investimento e promessas de crescimento do PIB, de
redução do desemprego e outros contos de embalar. Em contrapartida, os bancos
centrais não utilizam as mesmas ferramentas para melhorar o bem-estar da
população. Torna-se muito clara, a concertação
entre o sistema financeiro, os bancos centrais e as classes políticas, por
um lado; e, por outro, as medidas de austeridade, de compressão de rendimentos
da generalidade dos povos, obrigados a arcar com acréscimos de dívida pública,
aplicados, em primeira instância, no financiamento dos especuladores
financeiros.
k. Tradicionalmente, os
bancos comerciais recorrem aos bancos centrais para se financiarem,
destinando-se esses fundos para o empréstimo a empresas e particulares. Na
volúpia financeira que se vive, as instituições financeiras e as suas
associadas gestoras de fundos e afins, não têm solidez alguma. A sua existência
depende do movimento, em espiral crescente. Parar é morrer; uma espiral em
regressão conduz a algo de infinitesimal, próximo da inexistência, é um simples
e abstrato conceito matemático.
São os bancos comerciais que (ainda) têm balcões abertos ao público.
São eles que financiam empresas e famílias, sobretudo quando se trata de
investimento, com reembolso ajustado a médio ou longo prazo, em regra; e,
forçosamente, os empréstimos são garantidos por hipotecas.
Durante a fase aguda dos tempos da troika, em Portugal e
Espanha, famílias atingidas pelo desemprego ficaram impossibilitadas de pagar
as prestações dos empréstimos concedidos para a compra de habitação; o mesmo
acontecendo com empresas imobiliárias e de construção, confrontadas com uma
redução substancial de clientes. Como se tratou de uma verdadeira epidemia, os
bancos faziam avaliações caso a caso, reformulando planos de amortização ou
apropriando-se dos imóveis, após despejo dos moradores. Se os valores em dívida
eram baixos, a apropriação pelos bancos era apelativa, pois permitiria uma
revenda lucrativa; se ainda eram elevados, as famílias ficavam sem a casa mas
com dívida pois os bancos teriam de os revender por valores muito inferiores aos
vigentes no auge da volúpia imobiliária especulativa. Não espanta ninguém que
muitos bancos tenham falido, outros “emagrecido”, desfazendo-se de ativos e
trabalhadores e, recorrendo a nacionalizações salvadoras, como é tanto do
agrado das “esquerdas”[2].
Neste contexto, a massa monetária em circulação, na sua diversidade,
soma valores assombrosos e sempre crescentes, tornando-se cada vez mais
virtual; e, na minguante parte contemplada nas transações da população global,
mais e mais controlada. A parcela mais volumosa e dinâmica, a que é
incrementada com maior rapidez e também maior susceptibilidade de bruscas
variações, é aquela que está sob controlo da especulação financeira, totalmente
desligada da produção de bens e serviços para consumo dos 7300 M de habitantes
da Terra; enforma, globalmente uma atividade de casino.
Ver aqui;http://money.visualcapitalist.com/all-of-the-worlds-money-and-markets-in-one-visualization/
Ver aqui;http://money.visualcapitalist.com/all-of-the-worlds-money-and-markets-in-one-visualization/
l.
Tradicionalmente, os
bancos comerciais recorrem aos bancos centrais para se refinanciarem.
Entretanto, os últimos enchem os seus ativos com títulos de dívida pública
dados como garantia pelas instituições financeiras especulativas; como estas
são muito voláteis, num caso de crise desvanecem-se, o mesmo não sucedendo com
as garantias colocadas junto dos bancos centrais sob a forma de títulos de
dívida pública. Isto é, os especuladores esfumam-se no ar e são os bancos
centrais que ficam acumulando dívida pública de Estados altamente endividados e
fazendo face a crises económicas, financeiras, sociais e políticas. Serão
chegados tempos de jubileus ou de write-off para evitar o sufoco de
povos assoberbados com dívidas, desemprego, etc? Se, numa escala
suficientemente generalizada, o capitalismo falece e poderá recorrer a uma
santa aliança entre gangs de direita e de “esquerda”, numa rebobinagem do
sistema, como aconteceu na Grécia do Syriza? Ou, numa escala menos gravosa, no
Portugal de 2015/19 com a social-democracia (BE/PCP) atrelada ao carro mais
potente do partido-estado, o PS, no âmbito da dita geringonça? Ou ainda, como
está acontecendo em Espanha, com a coligação entre o PSOE e a sua muleta,
Unidas Podemos?
5 - Quando o sistema financeiro encomendará os governos de se
apropriarem das nossas contas bancárias?
A grande reserva do sistema financeiro, para
situações de grande crise não são, obviamente, os voláteis mercados
especulativos, repletos de registos electrónicos em forma de pirâmides de Ponzi;
são as contas bancárias pessoais e familiares, os seus depósitos de poupança e
fundos de pensões. Estes, constituem de facto, haveres, poupanças de gente
normal que vive ou viveu do seu trabalho.
No caso da UE registamos o Regulamento UE
2017/1131 do PE Conselho, de 14/6/2017 relativo aos fundos do mercado monetário;
e, nos EUA, o Dodd-Frank Act. Em ambos os casos, documentos enormes, numa
linguagem própria para iniciados, repletos de subtilezas.
O Regulamento da UE diz: (16) O objetivo de
preservar o valor do investimento não pode ser entendido como uma promessa de
garantia de capital por FMM (fundos do mercado monetário), mas apenas como um
objetivo que um OICVM (organismos de investimento colectivo em valores
mobiliários) e um FIA (fundos de investimento alternativos) procurem alcançar[3]. Em suma, falamos de abnegados gestores do dinheiro alheio… que podem
não ser capazes de uma gestão séria e eficiente do ponto de vista dos
depositantes.
No princípio do século, na Argentina, uma
sequência desastrosa de medidas neoliberais, com enormes dívidas, inflação,
desvalorização da moeda, falências, desemprego e pobreza, levou o governo de La
Rua, para evitar a corrida aos bancos, a inventar o corralito; isto é,
as contas bancárias ficaram congeladas, primeiro por 90 dias e depois com a
possibilidade de levantamentos de 250 e depois 300 pesos, após conversão cada
vez mais desfavorável do dólar. Para além dos cacerolazos da classe
média, surgiu o movimento dos piqueteros, trabalhadores que tomaram
conta das empresas, adoptando a autogestão. De todo esse processo vieram a
beneficiar os fundos abutres, em conluio com tribunais internacionais,
estabelecidos como zeladores da ordem neoliberal e em prejuízo dos argentinos,
como é evidente.
Em 2015 exerceu-se grande pressão sobre a
Grécia, por parte das instituições da troika e, na proximidade do
referendo, houve uma corrida aos bancos. Em resposta, o governo limitou a €
60/dia e por conta, os levantamentos em multibanco.
De qualquer dos modos, a grande maioria de
pessoas e empresas têm o dinheiro em contas bancárias e, há sempre limitações
para o volume a retirar das máquinas; os bancos, mesmo imperceptivelmente,
podem sempre reduzir o volume de dinheiro com que carregam as máquinas; ou
ainda, o número de máquinas com dinheiro. Sinteticamente, mesmo fora de um
contexto de crise grave, o sistema financeiro pode limitar o levantamento de
dinheiro ou a utilização das máquinas para transferências de dinheiro,
pagamentos, etc. No âmbito individual, não há qualquer ação que seja eficaz; só
ações, radicais e envolvendo grandes massas de gente, espalhadas por vastos
territórios continentais.
A questão do dinheiro e seu controlo mostra à
evidência não só a sua importância para a circulação do valor e das
mercadorias, elementos fulcrais para o capitalismo como também a ligação
uterina ou gemelar entre o Estado e o capitalismo, hoje dominado pelo seu elemento
dominante – o sistema financeiro - cuja relativa imaterialidade lhe dá uma
mobilidade imensa e total. Essa imaterialidade, já evidente no divórcio entre o
valor nominal do papel-moeda e o seu valor intrínseco, enquanto pedaço de
papel, aumentou substancialmente com a sua transformação em circuitos
eletrónicos, multiplicáveis quantas vezes se quiser e com uma mobilidade que se
confunde com a velocidade da luz.
As pessoas comuns estão, por seu turno, sob o
controlo da parceria sistema financeiro/Estado como marionetas, sem qualquer
poder sobre as suas vidas. E, enjauladas, nos tempos presentes, pelos aparelhos
de estado, brutais monitores da vigente crise humanitária derivada da incúria
inserta no laissez-faire inerente ao capitalismo globalizado, empenhado numa
acumulação que o planeta não comporta.
No último dia 17, o BCE colocou à disposição
de 110 bancos € 109130.5 M com
vencimento a três meses e com a taxa negativa ( -0.5%) para dar liquidez ao
sistema bancário; o que terá uma repercussão nula no combate ao coronavírus.
Dois dias depois, o mesmo BCE foi mais longe e criou o PEPP
(Programa de Compra de Emergência Pandémica) no valor de € 750000 M gerados
pelo BCE e para compra de dívida pública incluindo a grega até agora,
proscrita; e passou a incluir nesse programa dívida de empresas não
financeiras. Perante uma crise anormal… business as usual!
Ainda mais recentemente, a Comissão Europeia
perante esta enorme crise indicou que vai “esquecer-se” dos limites aos
deficits estatais. E, que irá (se houver unanimidade) inovar com a criação de
“eurobonds” títulos de dívida da UE, sem a atual fórmula discriminatória que
permite apenas dívidas nacionais, acentuando, portanto, as clivagens entre os
estados-membros; terá sido uma forma de evitar o isolamento regressivo da
Itália, assolada pelo vírus. Tudo isto, mais as medidas estatais de adiamento
para as empresas do cumprimento das obrigações fiscais; os encargos acrescidos
com a saúde; a paragem ou redução da atividade de empresas durante três meses e
a quarentena, não deixarão de ter impacto na vida e no rendimento das pessoas.
E trarão os governos sem margem para falhar, num intenso stress.
A dívida
pública na Europa tem uma distribuição muito desigual e taxas de juro também
desiguais, em nada correspondendo à tão falada coesão económica, social e
política. No âmbito dessas diferenças, Conte, o primeiro ministro italiano
exigiu uma solução dentro de dez dias. Nem perante esta ameaça, os autocratas
europeus perdem o que resta do seu bacoco nacionalismo.
Em contrapartida, os EUA decidiram-se por um
plano de estímulos no valor de $ 2 biliões (triliões na contagem usada nos EUA).
Neste contexto, nenhuma empresa que beneficie deste empréstimo pode pagar
dividendos; $ 500000 M destinam-se a grandes empresas, estados e cidades; o
comércio de retalho e a hotelaria beneficiam de empréstimos, subsídios e
auxílios no desemprego; institui-se às pessoas de baixos ou médios rendimentos,
pagamentos e $ 1200 por adulto e $ 500 por criança; o seguro de desemprego
passa para quatro meses; as companhias aéreas podem participar num programa de
$ 25000 M se permitirem uma participação acionista do Estado; empresas ferroviárias
e de transporte público podem receber subsídios para cobrir perdas relacionadas
com o coronavírus; entre outras medidas, as empresas de transporte aéreo não
podem despedir nem fazer cortes nos salários dos trabalhadores; para as
pequenas empresas destinam-se $ 350000 M de empréstimos; são destinados a
vacinas, terapias, diagnósticos e outras necessidades médicas, US $ 11000 M;
quem tiver dificuldades financeiras para pagamento das prestações da habitação
pode ter 60 dias de tolerância, prazo que pode ser estendido por 30 dias,
quatro vezes, etc.
Um particular significado político tem o facto
de empresas de Trump, Pence, e suas famílias ou, membros do Congresso e
secretários de estado, não poderem recorrer a empréstimos públicos.[4]
Claro que dos dois lados do Atlântico a
fanática aceitação do capitalismo afasta qualquer acto inteligente no sentido
de uma outra sociedade. Na margem esquerda paira o autoritarismo de um
ignorante; e, na margem direita, um magote de cinzentos burocratas que se
rasteiram uns aos outros.
Este e outros textos em:
[1] Curiosos vocábulos em castelhano e inglês,
respetivamente, para designar leviandade financeira, gastos desnecessários e
fraudulentos
[2] Quando da falência do
“sólido” BES em 2014, fizemos
parte ativa da contestação a qualquer envolvimento de dinheiros públicos,
com o silêncio da chamada esquerda portuguesa. Explicadas as nossas ideias
sobre o assunto, os presentes reunidos em assembleia aberta junto da sede do
banco não encontraram nada mais inteligente do que clamar pela tradicional
ladainha do trotsko-estalinismo, a “nacionalização”. Os governos fizeram-lhes a
vontade criaram o Novo Banco e entregaram-no ao Lone Star, continuando a abastece-lo,
mesmo depois disso. Claro que também estavam esquecidos do BPN
nacionalizado pelo governo Sócrates em 2008, vendido mais tarde com preço
de salvado a Isabel dos Santos; e de quanto custou ao erário público a
capitalização de empresas
nacionalizadas em 1975, vendidas limpas e reestruturadas a capitais
privados (agradecidos pela recapitalização com dinheiro público) a partir do
primeiro consulado de Cavaco (1985). Casos que demonstram à saciedade o papel
dos Estados como protetores e benfeitores dos capitalistas nacionais, desde a
constituição dos estados-nação.
[3] Em Portugal em março/2019
havia 13 entidades gestoras, 152 fundos e os valores sob gestão eram de € 11687
M
[4] https://www.zerohedge.com/political/coronavirus-bill-may-suffer-further-delay-after-gop-senators-demand-fix-massive-drafting?utm_campaign=&utm_content=ZeroHedge%3A+The+Durden+Dispatch&utm_medium=email&utm_source=zh_newsletter
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