Uma captura é uma forma de violência. Uma dívida baseada
na violência é ilegítima, mesmo que aceite pelas classes políticas, onde
coabitam corruptos e distraídos. Só quanto a produtos derivados criados pelo
sistema financeiro cabe a cada ser humano $ 125000; e, mesmo se se contentassem
com juros na ordem dos 3%, cada ser humano, em média teria de contribuir, por
ano com $ 3750 para a engorda do capital financeiro.
Sumário
4 – Ilegitimidade relativa aos meios de
constituição de dívida
5 - A insustentabilidade da dívida
5.1 – A
insustentabilidade da dívida portuguesa
4 – Ilegitimidade
relativa aos meios de constituição de dívida
Uma
dívida pode ter sido contraída tendo em vista a satisfação de uma
inquestionável necessidade coletiva mas, as condições contratuais ou laterais ao contrato de mútuo que envolveram a sua aceitação podem revelar vários
indícios de elementos ilegítimos, que admitem ações de nulidade ou de anulabilidade.
O contrato pode englobar valores ou taxas de juro exagerados para a
concretização do objetivo que o motivou. Pode conter condições capciosas e não
devidamente esclarecidas pelo credor, como no caso dos swaps, sendo difícil aí, descortinar onde houve gestores incautos
ou ignorantes ou se esteve presente uma ligeireza comprada pelos bancos. Pode
haver também compromissos ou relações de não transparência com os executores de
trabalhos financiados, no sentido da contratação de valores acima do habitual
para casos semelhantes. Podem existir ainda efeitos colaterais danosos para
pessoas ou para o ambiente, tornados despiciendos, no âmbito de estudos mal
feitos ou adulterados na sua execução. Finalmente, os capitais mutuados podem
ser provenientes atividades criminosas, de offshores,
para uma conveniente lavagem.
Como
já atrás se disse essas situações são mais fáceis de detetar quando se trata de
um empréstimo com um fim concreto de viabilização de um investimento do que em
casos em que o mesmo se destina a fins
inespecíficos e integrantes de um recurso ao “mercado” como acontece na maior
parte dos casos protagonizados pelo IGCP. Nas situações de trabalhos efetuados
pelas autarquias é plausível a existência de actos corruptos, com benefícios
para elementos das vereações ou seus partidos mas, todas são marcadas pelo
arraigado secretismo típico dos aparelhos de estado, a todos os níveis. E como
não há grupos locais de pressão para a avaliação sistemática dos contratos…
5 - A
insustentabilidade da dívida
Para
além de questões de caráter político e ético, de legitimidade, como acima
referimos, pode proceder-se a algumas notas, a nível global, demonstrativas da
demência que preside ao sistema financeiro, no capítulo da sua sempre crescente
dimensão:
· As moedas e notas
existentes correspondem a $ 694 por ser humano.
· Cada ser humano terá
em média $ 3278 em depósitos à ordem e $ 7264 a prazo, o que significa os
bancos não terem jamais o dinheiro suficiente para devolver aos seus
depositantes.
· Toda a dívida de pessoas,
empresas e estados corresponde a $ 27639/pessoa mas em 2008, no início da crise
financeira era apenas $ 19900, revelando que o sistema financeiro e as classes
políticas “resolveram” a questão da dívida com aumentos de dívida.
· As dívidas públicas
geradas pelas classes políticas, para todos os fins, pesam a cada ser humano $
8292 em responsabilidades, para além dos juros anuais. Na UE pesa €
30920/pessoa e em Portugal € 23127 (cerca de 3 anos e um mês do rendimento de
um trabalhador auferindo o salário mínimo).
· Não é possível saber
o valor dos compromissos contidos nos derivados financeiros mas são estimados
dentro de um amplo intervalo ($ 630/1200 biliões). Tomando um ponto intermédio,
digamos de $ 900 biliões, caberia a cada ser humano… $ 125000.
Como
é sabido, o sistema financeiro funciona como uma teia, uma cascata, um castelo
de cartas, com um equilíbrio instável e que não permite paragens; apenas um
franco crescimento como o exigido em pirâmides de Ponzi. Exige uma criação
constante, imparável de rendimentos e artifícios financeiros para criar
devedores e juros, diferenciais, para se manter e nunca será sanável, como as
dívidas normais entre pessoas. Ou cresce ou morre; e a Humanidade só
consegue sair desta teia destruindo o sistema financeiro na sua actual
configuração, enterrando-o com os seus próprios “direitos” creditícios.
Após
esta introdução clarificadora, procurar tornar sustentáveis os efeitos das
conveniências do capital financeiro sobre os povos é uma proposta de aceitação ab initio da sua legitimidade; é uma
capa de economicismo, de propaganda, de formatação ideológica, para a aceitação
como normal, do pagamento de uma renda, de um contributo perpétuo para a
continuidade do capitalismo. Os donos de escravos tratavam-nos de modo a que se
mantivessem produtivos, nunca colocando a escravatura como ilegítima; a
caridade é um modelo político de controlo dos pobres e nunca visa debelar as
causas que provocam a pobreza; e, finalmente, a ação social paga pelo Estado,
obriga à perenidade do desemprego ou da pobreza em regimes de docilidade, para
que sejam viabilizadas instituições privadas, mormente ligadas à multinacional
vaticana. A perenidade com que hoje se pretende manter a dívida pública é a
mesma que se exigia para a escravatura.
A
sustentabilidade do pagamento de capital e juros da dívida pública portuguesa,
para mais, crescente, não
existe, com ou sem reestruturação.
Nenhuma dívida é legítima se arrasta consigo uma impossibilidade de pagamento.
Nenhum compromisso de liquidação é válido e aceitável por um povo se configura
um endividamento sem qualquer perspetiva credível de pagamento, de redução e
portanto, perpétuo. E, se esse compromisso parte de uma classe política dócil
para com a suserania do capital, essa classe política só tem de desaparecer, na
emigração ou na prisão. O jurista alemão que em meados do século XIX muito
influenciou o ordenamento jurídico francês – Karl E. Zachariae – reconhecia não
se poder faltar ao compromisso do pagamento da dívida mas que os governos têm um dever de ordem superior
ao de pagar aos seus credores: o de manter vivos os seus cidadãos. E que não
existe outra alternativa que não ignorar as queixas dos seus credores.
5.1 –
A insustentabilidade da dívida portuguesa
A
insustentabilidade para o caso português é de fácil representação gráfica.
Abaixo se verifica que o crescimento da dívida pública – antes ou depois da troika – supera claramente o rendimento
anual gerado pelo país. E não são de esperar alterações à situação actual,
tendo em conta as sombrias perspetivas económicas da UE, o grau
de desigualdades que a carateriza, com a evidente segmentação
entre áreas centrais, ricas e outras, periféricas e pobres; a continuidade
da especialização portuguesa em baixos salários, a escolhida por um
empresariato sem qualificações que não a de gritar por subsídios e isenções
junto da classe política, não é chave para um futuro feliz.
Acrescente-se
que o plano institucional na UE é marcado por um autoritarismo[1] que se
encaixa perfeitamente com a obediência das classes políticas nacionais,
essencialmente enquadradas nas oligarquias europeias PPE e S&D, sendo os
órgãos comunitários ou nacionais preenchidos, maioritariamente, por indivíduos
pertencentes àquelas oligarquias; a função dos adereços políticos apoiantes de
uma pífia reestruturação da dívida é a de contentar a plebe com promessas
ilusórias e manter no essencial a volúpia financeira que carateriza o
capitalismo de hoje. Oferecem tremoços, com etiqueta de camarão.
No
quadro institucional presente na UE, a ausência de um orçamento global ou de um
projeto de mutualização da dívida pública - como seria curial numa união de
estados com propensão federal - fomenta, pelo contrário, uma forma de
cristalização de áreas beneficiárias ou prejudicadas na distribuição dos
rendimentos, entre regiões centrais e periféricas. O que, aliás, também
acontece no seio dos estados-nação onde as diversas partes do território são
entregues às dinâmicas do mercado gerando zonas desertificadas de populações
idosas ou bairros “problemáticos”, onde o investimento não é… rentável.
Na
Zona Euro, o BCE, na sua ortodoxia de não financiar diretamente os estados
membros, tem mantido o quantitative
easing, no âmbito do qual fornece liquidez aos bancos contra a entrega por
estes de garantias credíveis, como serão os títulos de dívida pública
adquiridos previamente nas emissões protagonizadas pelos estados, sedentos,
eles também, de financiamento. A cobra engole a sua própria cauda. Quanto às
populações dos países endividados, essas, não têm quaisquer garantias de
rendimentos estáveis, de trabalho, de melhoria nas suas vidas.
Outra
forma de se avaliar a asfixia portuguesa face à dívida pública – e a
insustentabilidade desta - entre 2015 e 2016, consiste em se admitir que a
dívida se manteria ao nível de 2015 e que o correspondente ao aumento de dívida
projetado para o ano em curso (2016) teria sido evitado por um incremento de
rendimento, para além do acréscimo real plausível para o PIB no mesmo ano. Sem
excluir a relevância dos € 8433 M desembolsados em 2016 relativos aos encargos
com a dívida acumulada, toda a função dívida contida na simulação
corresponderia a 12.2% do PIB (7.5% para evitar novos acréscimos do
endividamento e 4.7% relativos aos encargos). O que é impossível de se
verificar, mesmo com fortes níveis de austeridade.
€
1000 M
Real/projetado
|
Simulação
|
|||
PIB
|
Dívida pública
|
PIB
|
Dívida pública
|
|
2015
|
179.4
|
231.0
|
179.4
|
231.0
|
2016
|
185.3
|
238.6
|
192.9
|
231.0
|
Variação
|
5.9
|
7.6
|
13.5
|
-
|
(%)
|
3.3
|
3.3
|
7.5
|
-
|
Outras
comparações se podem fazer. Em 2016 o acréscimo da dívida pública previsto
corresponde a cerca de metade da receita com o IVA, o que quer dizer que numa
ida ao supermercado, o correspondente a 11.5% das compras foi direitinho para o
sistema financeiro global. Para evitar novos aumentos da dívida e fazer face
aos encargos seria necessário obter um valor um superior à receita do IRS, isto
é, duplicar a receita daquele imposto. What
a wonderful (finance) world!
A
taxa implícita de juros (encargos/montante global da dívida) mantém-se
praticamente constante nos últimos anos, entre 3 e 3.5%, tal como acontece com
a parcela do PIB destinada ao pagamento anual de encargos com a dívida mas
essa, entre 4 e 4.5%, se se cumprir a estimativa governamental para 2017.
Atendendo a que o volume global da dívida não apresenta qualquer sinal de que
venha a reduzir-se, a atividade do IGCP continuará a ser a de contrair novos
empréstimos em substituição de outros com datas de pagamento próximas. O
futuro, nesse contexto, não é auspicioso, “os
portugueses não serão capazes de sair da austeridade”, como disse Varoufakis.
Mais
recentemente, em 8 de dezembro, o BCE
anunciou alterações para a compra de títulos de dívida pública que
provavelmente virão a desembocar num aumento significativo nas taxas de juro
para as emissões efetuadas pelo IGCP. A situação conhecida não
permite perspetivas positivas.
Qualquer
reestruturação passa essencialmente pela aceitação das intratáveis instituições
da UE e do FMI
que são detentoras de 21.7 e 7.7% do total da dívida pública, respetivamente.
Naturalmente teriam de considerar Portugal num pacote que englobaria outros
devedores, como a Grécia ou Chipre e que, muito provavelmente entrariam numa
postura de salve-se quem puder, sem qualquer concertação ou solidariedade.
Muito mais difícil seria conseguir uma reestruturação que incluísse alteração
nas taxas de juro por parte dos credores pertencentes ao sistema financeiro ou
particulares; a não ser, como aconteceu com a Grécia em 2012, perante uma séria
ameaça de incumprimento.
Como
foi dito
recentemente, um alívio de 1%
na taxa de juro, a conseguir em Bruxelas, passaria o actual encargo total com a
dívida – cerca de € 800 por habitante – para € 748, o que pouco alteraria a
situação de fundo. E, referimos ainda um exercício
efetuado há algum tempo e cujos resultados se mostram em linha com os aqui
reproduzidos.
Na
antiga Roma, por exemplo, os escravos que prestassem fielmente bons serviços
aos senhores passavam à categoria de libertos; mas, a subserviência não
eliminou a escravatura.
Este e outros
textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
[1] A resolução de 10/9/2015 da Assembleia Geral da ONU
refere que “Um estado soberano tem direito (...)
de elaborar suas políticas macroeconômicas, incluída a reestruturação da
sua dívida soberana, direito que não deve se ver frustrado ou obstruído por
medidas abusivas”, conforme a resolução.”
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