quarta-feira, 5 de junho de 2019

Europa - os devedores de uma dívida não pagável


A submersão em dívida é de todo o interesse do sistema financeiro, favorece a aceitação de aumentos na punção fiscal e, ao aumentar as desigualdades entre os povos da Europa, alimenta taras nacionalistas e fascizantes, das quais nada virá de tranquilizador.



1 - O aumento geral dos níveis de endividamento

2 - A dívida global nos países da Zona Euro

2.1 - A dívida das famílias

2.2 - A dívida das empresas

2.3 - A dívida pública

2.4 - Composição da dívida em cada país (2000 e 2018)

2.5 – A submersão em dívida

2.6 - Evolução da divida portuguesa




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1 - O aumento geral dos níveis de endividamento


A lógica do capitalismo exige a permanente reprodução de capital; e esta reprodução terá de ser utilizada para uma nova reprodução, num processo que se pretende sem fim e que se interrompe na próxima crise financeira, cuja causa próxima, local ou momento de explosão, dificilmente se prevêem. Um quadro, portanto, de grande imprevisibilidade, de incerteza, que tem como único elemento certo, o desabar da crise sobre seres humanos, de modo mais ou menos regionalizado, essencialmente trabalhadores, reformados, jovens, desempregados, pobres. 


O grande instrumento para a acumulação de capital é, hoje, a sua criação através do sistema financeiro e muito menos a partir da mais-valia subtraída aos trabalhadores industriais, como no século XIX. E daí o papel central da dívida, da sua reprodução e reciclagem, da concertação entre o sistema financeiro e os Estados (e instituições supranacionais) para a captura dos povos e do seu futuro, como instrumentos para a acumulação de capital.


Como dissemos recentemente vamos proceder a uma análise conjunta, integrada, da dívida pública, daquela que é assumida pelas empresas e ainda, da que onera as famílias, os indivíduos. 


Sabe-se que quanto à primeira, a classe política se encarrega de onerar empresas e sobretudo famílias ou indivíduos para o seu pagamento, num processo auto-reprodutivo; há toda uma ladainha no seio das classes políticas em torno do deficit, do gasto público em investimento, modernização, racionalização, que se repercutam na dívida pública, apesar do aumento da carga fiscal, num contexto em que têm prioridade  os apoios concedidos para salvar bancos ou empresas nacionais com caráter majestático. 


As empresas endividam-se para investimento ou melhoria dos seus indicadores financeiros procurando agregar capital através do aumento das taxas de lucro, impondo perdas reais nos salários dos trabalhadores ou aumentando os preços daquilo que vendem… para além procurarem apoios estatais. Para as famílias e particulares resta apenas dimensionar o volume da dívida, ou melhor, das prestações para o seu pagamento, aos níveis salariais atuais ou futuros, reais ou admissíveis. A dívida é uma forma de captura


2 - A dívida global nos países da Zona Euro (ZE)[1]



Tomámos para análise os dados – disponibilizados pelo BCE - relativos aos países europeus que usam o euro como moeda e para dois momentos;  o princípio do século (2000/02) e o passado mais recente (2017/18). Os elementos fornecidos são expressos em percentagem do PIB dos vários países, tratando-se, portanto de uma forma de avaliação da dimensão dos vários tipos de dívida relacionada com a marcha das respetivas economias. Na sua totalidade, a dívida constituída pelos países da ZE, nos momentos considerados, está representada no gráfico que se segue (Gráfico 1). Retiremos algumas notas sobre a sua leitura tendo em conta que os indicadores referidos expressam um (sub)múltiplo do respetivo PIB:


·     A dívida global representava 2.5 vezes o PIB no princípio do século e 3.1 recentemente;


·    Todos os países aumentaram o seu grau de endividamento global excepto a Alemanha que, em 2000/02 estava em linha com a média geral e que se situou aquém desta nos últimos anos (2.3 vezes o seu PIB); 


·    Em  2000 os países com os maiores indicadores de endividamento, eram Chipre (3.9), Holanda (3.7) e Bélgica (3.1); atualmente, esse pódio é ocupado por Luxemburgo (5.6), Chipre (5.2) e Irlanda (4.5); 


·  Em termos relativos, os maiores aumentos de dívida registam-se na praça forte do sistema financeiro, o Luxemburgo, (de 2.0 para 5.6 vezes o PIB, em 2000/2 e 2017/18, respetivamente); na Irlanda, (de 2.5 para 4.5), onde as multinacionais encontram muitas facilidades; na Grécia esmagada pela troika (de 1.7 para 3.1): e por Chipre, refúgio dos capitais dos oligarcas russos e protagonista de uma crise financeira em 2012 (de 3.9 para 5.2);


·   Os menores indicadores de endividamento, em 2000/02 situavam-se nos países bálticos – Lituânia 0.85, Letónia (1.0) e Estónia (1.3) - na Eslovénia (1.0), na Eslováquia (1.6) e na Grécia (1.7) que, na ocasião, não eram adoptantes do euro, excepto a Grécia que fez essa adopção em 2001. Note-se, porém que o euro foi criado em 1999 e que Malta ou Chipre, que viriam a aderir em 2008 já apresentavam, no princípio do século, indicadores correspondentes 2,1 e 3.9 do PIB, respetivamente;


· Quanto às variações percentuais da dívida global, entre o princípio do século e a atualidade, para a totalidade da ZE, registou-se um aumento de 25.3%. Para além da Alemanha que regista uma redução de 10.2%, os acréscimos mais curtos observam-se na Eslováquia (5.9%), Áustria (10.6%), Holanda (20.6%) e Malta (22.2%). Quanto aos maiores aumentos nas responsabilidades, salientam-se o Luxemburgo (172.5%), Eslovénia (103.4%) e Grécia (85.9%). Os dados da Alemanha, resultantes do seu potencial exportador, permitem uma acumulação de capitais susceptíveis de serem colocados nos países mais frágeis da UE;


·   Quanto a Portugal, o endividamento global, em 2000/01, já era elevado (2.5 vezes o PIB), semelhante aos indicadores apresentados pela Irlanda, pela Alemanha ou pela Espanha, todos ligeiramente acima da média da ZE; e todos somente ultrapassados por Chipre, Holanda e Bélgica.


Quando se observa a situação na atualidade, o endividamento global português cifra-se em 3.5 vezes o PIB, um indicador superado claramente pelo Luxemburgo, por Chipre, Irlanda e Holanda e pouco abaixo do indicador francês.


A dívida global abaixo referida para a ZE pode ser detalhada em três componentes – as partes cujas responsabilidades recaem diretamente sobre os particulares/famílias, as empresas e os Estados.

                                                        (em % do PIB)


Total
Famílias
Empresas
Estados
2000/02
249.9
76.3
105.5
68.2
2017/18
313.2
94.7
135.7
82.8
(var %)
25.3
24.1
28.6
21.5



Gráfico 1


2.1 - A dívida das famílias


O crescimento das dívidas atribuidas às famílias, na sua globalidade, situa-se num nível intermédio entre o observado para as empresas e o relativo aos Estados, como se observa no quadro atrás. E, em termos globais, no período considerado, a dívida das famílias evidenciou um crescimento que a aproxima do total do PIB, no último ano.


Gráfico  2
·     Com a excepção da Alemanha, em todos os países o endividamento familiar tem um crescimento que supera o do PIB. Na Alemanha, aquela dívida, no princípio do século era a quarta mais elevada da ZE e, claramente acima da média do conjunto com um endividamento correspondente a 1.1 vezes o PIB alemão; no último ano esse tipo de dívida situava-se em 0.85 do PIB e, visivelmente abaixo da média global (0.95);


·    Em 2000 a Holanda surgia com o maior índice de endividamento familiar (1.7) muito acima de Chipre (1.2), Irlanda (1.1) e da Alemanha, como referimos. No tempo presente, a Holanda continua a destacar-se (2.1), muito acima do Luxemburgo (1.7) e de Chipre (1.6), que tiveram conspícuos aumentos;


·   Em termos das variações entre 2000/02-2017/18 os casos de maiores aumentos – Lituânia, Eslovénia, Estónia, Grécia e Letónia – registaram-se onde o endividamento das famílias tinha, inicialmente, muito pouco significado comparativamente ao PIB. Inversamente, as situações onde os acréscimos têm pouco significado observam-se onde o nível de endividamento, no princípio do século, já era elevado – Áustria, Irlanda, Holanda e Portugal;


·    Observe-se em seguida (Gráfico 3), a evolução da dívida das famílias (em % do PIB) para os países mais afetados pela crise financeira. A Irlanda manteve-se sempre com um maior endividamento das famílias do que os restantes e, também com variações mais acentuadas. Portugal e Espanha, depois da crise financeira apresentam um perfil muito idêntico. A Grécia, só a partir de 2013 mostra um endividamento familiar em decrescimento mas, muito distanciado dos níveis observados no início do século. Finalmente, a Itália apresenta não só o indicador mais baixo a partir de 2005 como também o menos irregular;

Gráfico 3                    



2.2 - A dívida das empresas


As empresas apresentam em todo o período um nível de endividamento muito superior ao apresentado pelas famílias ou pelos Estados; e, para mais, com um ritmo de crescimento mais elevado. Na globalidade, na ZE, as dívidas das empresas chegaram recentemente a 135.7% do PIB, com um crescimento de 28.6% desde o princípio do século (Gráfico 4).


·    Entre as empresas registam-se apenas dois casos e, de pequena dimensão, de redução do peso da dívida – Eslováquia (- 8.2%) para se fixar em 0.8 vezes o PIB nacional e Espanha (-1%) fixando-se o endividamento em 1.24 vezes o PIB; 


·    Em 2000, o maior endividamento empresarial localizava-se em Chipre (2.1 vezes o seu PIB) na Holanda (1.5), Malta (1.4) e Bélgica (1.37). Em tempos recentes, a situação mostra-se muito diferente, sobretudo no caso do Luxemburgo onde a dívida das empresas atinge 3.7 vezes o seu PIB, contra 1.2 no início do século. Outro crescimento assinalável revela-se na Irlanda (2.7 vezes o PIB, bem acima da paridade em 2000), enquanto Chipre se posiciona em terceiro lugar com um indicador de 2.6;


·   Assim, é claro que os maiores aumentos no período considerado cabem ao Luxemburgo e a Chipre, muito distanciados dos restantes paises, uma vez que Malta “apenas” regista um aumento de 44.6% no que respeita ao endividamento das suas empresas;


·   O mais baixo nível de endividamento, no princípio, como no final do período em apreço, observa-se na Grécia – com 0.4 e 0.6 vezes o PIB, respetivamente, em contraste total com a dívida pública na qual o país ocupa lugares cimeiros;


·  Portugal, em 2000, tinha um indicador (1.2 vezes o PIB) superior à média da ZE de então, o que deixou de acontecer recentemente; assim, o crescimento do endividamento das empresas portuguesas foi dos mais baixos da ZE (28.6%), só se cifrando acima da Alemanha, da Estónia e da Áustria, para além dos países onde o endividamento decresceu, como atrás observámos;


·   Entre os países mais afetados pela crise financeira, exceptuando a Irlanda e Chipre, o endividamento das empresas manteve-se relativamente estável entre os dois pontos extremos do período; e com graus indiciadores de baixa dinâmica do endividamento, nomeadamente no caso da Espanha onde o indicador se manteve estável. 


  Gráfico 4



2.3 - A dívida pública


A divida pública é aquela que tem uma evolução menos acentuada para o conjunto da ZE. Em 2000/02 somente três países apresentavam dívidas públicas com níveis superiores à média geral, então de 68.2% do PIB – Bélgica (109%), Itália (105%), Grécia (105%), todos evidentes incumpridores das regras para a adopção do euro que se fixavam em 60% e cuja situação real fez abrandar os ímpetos uniformizadores das instituições da UE. 


Passadas cerca de duas décadas, com uma violenta crise financeira de permeio, conviria que as entidades políticas, oligárquicas e sem qualquer suporte ou validação popular (Comissão, BCE, Eurogrupo) tivessem apostado na coesão usando, eventualmente, terapias distintas, caso a caso, num contexto de repartição solidária dos custos da crise, com uma dívida global também solidariamente assumida e anulada nas suas parcelas ilegítimas. Tudo isto, ainda que compreendido num contexto global de capitalismo; ou não sejam as instituições europeias ou nacionais, esmerados gestores dos interesses do sistema financeiro, das multincionais e do capital mafioso, oriundo do crime. 


Pelo contrário, descuraram a oportunidade de domar e reformular a atuação do fragilizado sistema financeiro, acentuando as desigualdades nacionais e regionais no seio da UE. E, em simultâneo, a fina flor dos gangs políticos europeus aceitou a participação - como subservientes grumetes dos piratas Clinton, Bush Júnior ou Obama - nas aventuras dos EUA nos bordos Sul e Leste do Mediterrâneo. Essa atuação, com a confrontação dos fluxos de fugidos das guerras em que a UE se empenhou, promoveu o surgimento ou engrandecimento de taras nacionalistas, xenófobas e fascistas que tanto se têm revelado nas forças políticas mais à direita ou, nas mais discretas, ditas de “esquerda”; sem nada contribuir para a redução das desigualdades que separam as margens do Mediterrâneo.


A confrontação com o gráfico seguinte (Gráfico 5) torna fracassada e até ridícula a ideia inicial de uma dívida pública abaixo dos 60% do PIB, quando nos tempos que correm, sete países têm realidades que ultrapassam largamente essa meta – Grécia (1.7 vezes o PIB), Itália (1.3), Portugal (1.2), Bélgica (0.99), França (0.97), Espanha (0.95) e Chipre, para além da Áustria e da Eslovénia que também não cumprem a premissa inicial para a integração na ZE. Aliás, o conjunto da ZE não a cumpre atualmente pois a dívida pública global é de 82.8% do PIB, piorando face à situação inicial que já ultrapassava os limites definidos pelos cinzentos burocratas de Bruxelas ou Frankfurt, onde se situa o opaco BCE, criado à imagem do vizinho Bundesbank; este, desde sempre obcecado com a inflação, apontado como o principal elemento a controlar na conjuntura da ZE. Assim, as profundas desigualdades nas dinâmicas demográficas existentes na UE, como se não traduzem em unidades monetárias, não contam para os burocratas de Frankfurt.


·   Como se pode observar no gráfico, os maiores acréscimos relativos do peso da dívida pública recairam claramente nos países que protagonizaram a “crise da dívida” – Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Espanha, Eslovénia e Chipre. Embora os endividamentos da França e da Bélgica sejam também elevados, não mereceram muitos comentários dos eurocratas porque “a França é a França” enquanto a Bélgica tem o estatuto de …membro-fundador e sede das principais instituições da UE; argumentos idiotas do tipo … “porque sim” ou “porque não”;


·  As reduções do peso da dívida no PIB observam-se em Malta (-31%), Eslováquia (-11%), Holanda (-10%), Bélgica (-9.3%) e Alemanha (-8.8%);




Gráfico 5



·   A Bélgica, com a Grécia e a Itália preenchiam o pódio dos mais elevados níveis de dívida pública em 2000. Em 2018, a Grécia destaca-se no primeiro lugar, à frente da Itália e, em terceiro lugar, destronando a Bélgica, coloca-se Portugal, recentemente entrado no clube das elevadas dívidas. A Letónia e o Luxemburgo têm os aumentos proporcionalmente mais elevados mas a dimensão das suas dívidas era relativamente baixa no princípio do século e continua a ser. A Estónia destaca-se pelo seu muito baixo nível de endividamento público (5.1% do PIB em 2000 e 7.5% atualmente).


2.4 - Composição da dívida em cada país (2000 e 2018)


Em seguida, disponibilizamos dois gráficos, relativos a 2000/02 e 2018/20, onde é possível observar os contributos, em cada país, dos vários tipos de dívida – das famílias, das empresas e dos Estados – para o total das respetivas dívidas.


Gráfico 6




                                                                                                                                         Gráfico 7




Para sintetizar, evidenciamos no quadro seguinte a hierarquia dos sectores endividados, por ordem decrescente, para cada país e em cada um dos anos que balizam os intervalos de dados. Assim, esses sectores – Estado, empresas e famílias – serão representados, respetivamente por P, E e F; e, por exemplo,  EFP, significa que o país com esse timbre, tem o conjunto das empresas como o maior devedor, F (famílias) o segundo e P (Estado) como o menos endividado. Excluímos Malta porque não apresenta elementos para o endividamento das famílias.


País
2002/02
2018/20
País
2002/02
2018/20
Austria
EFP
EFP
Italy
PEF
PEF
Belgium
EPF
EFP
Lithuania
EPF
EPF
Cyprus
EFP
EFP
Luxembour.
EFP
EFP
Germany
FEP
EFP
Latvia
EPF
EFP
Estonia
EFP
EFP
Netherlan.
FEP
FEP
Spain
EFP
EFP
Portugal
EFP
EPF
Finland
EFP
EFP
Slovakia
EPF
EFP
France
EPF
EPF
Slovenia
EPF
EFP
Greece
PEF
PFE
Euro area
EFP
EFP
Ireland
FEP
EFP






2.5 – A submersão em dívida


Nas sociedades e no plano global há uma óbvia ligação entre os três tipos de dívida – familiar, empresarial e pública. As sequelas da sua existência, direta ou indiretamente, são fruto das manobras de empresas e dos Estados para reciclarem as suas dívidas e alijarem as suas responsabilidades sobre a população; para além da dívida familiar, ancorada no consumismo ou, resultante à outorga pelos Estados à chamada iniciativa privada (leia-se especuladores imobiliários e sistema financeiro) da resolução da questão da habitação, muitas vezes contemplada nas Constituições como uma obrigação… estatal.


A submersão das pessoas em dívida – particularmente no chamado Ocidente – torna-as mais dependentes do trabalho, cada vez mais extenso em termos de dedicação horária e menos racional; e submissas porque sabem ter a sua vida balizada por décadas de dívida que, em muitos casos, se não extinguirão até ao momento da morte.


A volúpia da dívida pode, por consequência, ser avaliada em termos do peso dessa dívida no total, individualizada em cada um dos estados-nação da ZE.


Vejamos, em primeiro lugar o valor médio de dívida (global) por habitante, nos pontos extremos do intervalo de dados – 2000 e 2018 – bem como a variação percentual do total da dívida nesse período que impende sobre os seres humanos que vivem nos estados-nação incluidos na ZE. E isso, sem que a situação naqueles países que não são membros da ZE constitua uma vacina contra o endividamento dos seus povos.


Gráfico 8




Há notas interessantes a retirar deste gráfico 8:


·  Em 2000, só em dois países (Luxemburgo e Holanda), a capitação da dívida ultrapassava - e por pouco - os 100000 €. Atualmente esse número de países passa a nove; isto é, quase metade… No princípio do século nove países tinham uma dívida por habitante inferior à média do conjunto (54809 €); atualmente restam quatro;


·   Em todos os países houve um aumento da dívida global por habitante. Porém, os países onde os aumentos do endividamento foram mais notórios foram aqueles onde a dívida era e continua a estar, muito abaixo da média global – Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia e Lituânia;


·   Excluindo os países citados no ponto anterior, o maior acréscimo da dívida per capita regista-se na Irlanda, onde o aumento do endividamento empresarial foi enorme, ainda que suplantado pelo do Luxemburgo. Esta situação deve-se a legislação fiscal e facilidades dadas às empresas globais para se domiciliarem naqueles países; um tratamento benevolente que, de modo algum é extensivo às pessoas que vivem na ZE ou mesmo em toda a UE;


·  Na Alemanha observa-se o mais baixo crescimento deste indicador porque o decréscimo, no período, de dívidas das famílias e do Estado, foi mais do que compensado pelo acréscimo das dívidas empresariais;


·   Portugal apresenta um crescimento do indicador da dívida média por habitante (113%) um pouco acima do valor médio da UE (99.8%).


Outra forma de observar o grau de endividamento conjunto dos três elementos socio-económicos dos países da ZE baseia-se na avaliação da sua dimensão, medida em anos de rendimento médio (aproximadamente o PIB per capita).


     Gráfico 9



·     Os cálculos apontam que, para o conjunto da ZE, a não haver renovações e acréscimos à dívida conjunta, esta desapareceria em 3.1 anos, contra 2.5 calculados para o ano 2000;


·    Em 2000, as dívidas mais duradouras, no âmbito atrás referido, revelavam-se em Chipre (3.9 anos), na Holanda (3.7) e na Bélgica (3.1), enquanto as mais reduzidas se situavam na Letónia (pouco mais de 9 meses) e a Eslovénia e a Letónia (um ano). Recentemente, a dívida mais pesada mostrou-se no Luxemburgo (5.6 anos), seguindo-se-lhe Chipre (5.2) e Irlanda (4.5); locais, como já se disse, que funcionam como refúgio de capitais, relapsos a cargas fiscais elevadas ou como lavandarias;


·    Luxemburgo e Irlanda são os países onde mais cresceu a relação entre a dívida total e o PIB. Em sentido contrário, onde o indicador teve maior proximidade entre os dois anos considerados foi na Eslováquia e na Áustria, onde a variação foi mínima. Um caso especial, único na ZE, é o da Alemanha, onde o indicador que estamos comentando se reduziu, de 2.5 para 2.3 anos;


·    O endividamento português, medido em anos de rendimento, em 2000 cifra-se em 2.5, o valor coincidente com o que reflete todo o conjunto da ZE; porém, em 2018, cifra-se em 3.5 anos, acima da média global (3.1), encontrando-se situações indicadores de uma carga debitória mais pesada nos casos de Luxemburgo, Bélgica e Holanda que constituem plataformas logísticas do capital global, como da França e ainda de Chipre e Irlanda que, como Portugal foram submetidos a intervenções musculadas de “requilíbrio financeiro”. 


2.6 - Evolução da divida portuguesa


Tendo como referência a dimensão do PIB, como instrumento de medida das variações da dívida, observámos dois elementos reveladores da marcha da economia nas duas últimas décadas – a evolução do valor do PIB e a das remunerações dos trabalhadores; aí, se observa facilmente o grupo social mais prejudicado com a evolução da conjuntura política e económica. Sinteticamente, este gráfico revela o caráter anti-social do actual regime pós-fascista e o plano em que se vêm desenvolvendo níveis elevados de endividamento.


Gráfico 10



Neste século a dívida do Estado e as dos agregados familiares ou empresariais apresentam um perfil que separa, claramente, um período pré-troika de um seguinte, pós-troika. Isto é, 2000/12 e 2012/18.


·    Nesses termos, o rendimento nominal só em 2015 volta a atingir o valor de 2008 ou 2010, os máximos até então. Em 2010 inicia-se também um período de quebra relativa das remunerações do trabalho que apenas cessa em 2016, sem que o afastamento em relação à marcha do produto global, tenha diminuido, antes pelo contrário;


·     O gráfico seguinte (Gráfico 11) mostra que o peso da dívida, na sua totalidade, acelera até 2012 como resultado, essencialmente da redução do próprio PIB; o que nada tem de positivo, pois a base de sustentação do pagamento da dívida, dos seus encargos ou, das condições de vida da população, encolheu. Em 2000 o total da dívida equivalia a cerca de 2,5 vezes o PIB, para evoluir até 4.3 vezes, doze anos depois e regredir para 3.5 vezes no ano transacto. 


No capitalismo avançado, a redução do caudal de endividamento constitui sempre um sintoma de regressão da atividade económica, do investimento ou da geração de rendimentos. O capitalismo é, por natureza, um sistema dinâmico, focado no crescimento infinito do lucro, do PIB, do consumo; e a espiral da dívida alimenta essa dinâmica, de modo permanente, como condição de sobrevivência, capturando e arrastando os seres humanos nessa volúpia; 


Dívida Portuguesa (% do PIB)                                                          Gráfico 11

·  A evolução acima espelhada mostra um endividamento crescente para os três segmentos mas, com momentos de retrocesso distintos. Para as famílias, o máximo do endividamento, em percentagem do PIB sucede em 2009, regredindo a partir daí, como reflexo do desemprego, da emigração, da estagnação ou regressão salarial, da perda de poder de compra e ainda, devido à penúria de capitais no sistema bancário. Este último foi objeto de uma enorme recomposição com a entrada de € 23800 M de dinheiro público, reveladora da histórica atuação dos Estados em geral, a favor do capital; e isso vem, em grande parte, permitindo a sobrevivência do sistema bancário que, na sequência, tornou a concessão de crédito muito mais parcimoniosa, ao contrário do que se verificara antes, como ressalta dos actos de gestão danosa e/ou corrupta que ainda se não conhecem devidamente, mais de dez anos depois da sua concretização;


·     A retração da divida empresarial, face à evolução do PIB, começa em 2013 e ainda não cessou, situando-se no último ano ao nível do registado em 2002. Continua, porém a constituir o mais relevante dos três conjuntos, em termos de dívida;


·   A dívida pública, que se mantém com um crescimento anual moderado até 2008, explode no ano seguinte até atingir 130.6% do PIB em 2014, regredindo desde então, porque entretanto os governos encontraram uma forma eficaz de se financiar, de minorar os deficits, com menor recurso à dívida – a punção fiscal. Aí se observam as típicas discriminações sociais (Gráfico 12): os governos oneram o trabalho em detrimento do empresariato que, como costumam dizer “cria empregos”, por coincidência precários e de baixo salário, tal como gera desemprego, sem esquecer os trabalhadores obrigados a ser “empresários”, os ditos “recibos verdes” e os frequentadores habituais da formação dada pelo IEFP que, muitas vezes é somente um entretenimento (por exemplo, cursos de “empreendedorismo no feminino” ou de alemão para pessoas perto da reforma ou com deficiências de português).


Gráfico 12



·    A dívida pública inicia o período com níveis de endividamento inferiores a metade da dívida empresarial, o que deixa de acontecer em 2009, ano do início da sua grande expansão. Embora quer a dívida pública, quer a privada venham a reduzir a sua dimensão em termos de percentagem do PIB, a aproximação tem sido paulatina, podendo admitir-se que o Estado possa assumir o pódio da dívida dentro de poucos anos.


·     A dívida das famílias sempre foi inferior à das empresas. Na comparação com a dívida pública, esta última com o seu crescimento, foi-se aproximando da dimensão atingida pela dívida familiar, com a paridade a ser alcançada em 2012; e, a partir de então, a subida da relevância da dívida pública remete para o terceiro lugar a dívida familiar, que reduz claramente o seu peso no produto social.


Como a situação económica em Portugal não apresenta um futuro pujante – à bolha imobiliário-turística suceder-se-á a ressaca inerente a todas as bolhas – é a divida pública que se vai mostrando como a mais dinâmica. Por um lado, porque as pequenas poupanças subscrevem dívida pública para, na melhor das hipóteses, compensarem a inflação; e por outro, nos leilões de dívida, surgem os especuladores em busca de títulos que possam ser aceites, de imediato, como garantias pelo BCE, em troca de empréstimos em euros.


Este e outros textos em:









[1] Note-se que houve vários momentos de adopção do euro, depois do tempo inaugural em 1999. Foram os casos de Eslovénia (2007), Chipre e Malta (2008), Eslováquia (2009), Estónia (2011), Letónia (2014 e Lituânia 2015), para além da Grécia que procedeu a essa adopção logo em 2001. Essa realidade obriga a que se procure a existência de um padrão de impactos inequivocamente relacionados com a adopção da moeda para os países citados. No caso da dívida das famílias há casos de redução do seu peso no PIB (Estónia e Letónia), de quase estagnação (Eslovénia e Lituânia) e dois casos de franco crescimento da dívida (Chipre e Eslováquia) que, após a adopção do euro mantêm a tendência anterior. No capítulo da dívida das empresas e face às respetivas datas de integração na ZE, observou-se uma subida do seu peso em Chipre, Malta e Lituânia; nos dois primeiros casos, em continuidade face ao período anterior; e, finalmente na Letónia e na Eslovénia, há uma nítida quebra do endividamento. Quanto à dívida pública, há um claro aumento da sua relevância em Chipre e na Eslovénia, na sequência da crise financeira mas, bem mais moderada na Eslováquia; observam-se ainda reduções do seu peso no PIB em Malta, na Letónia e na Lituânia, mantendo-se estável este tipo de endividamento na Estónia. Neste contexto, não é possível estabelecer-se um padrão, uma relação comum entre o endividamento e a integração num espaço de moeda única.

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