O
bom trabalho da classe política portuguesa – salários baixos com elevados impostos
Recentemente analisámos
para todos os países da UE (incluindo a GB) indicadores sobre assalariados
e trabalhadores independentes; e, pouco antes, as
desigualdades na Europa.
Desta feita, propomo-nos
observar o salário médio e a carga fiscal que sobre ele incide, para o período
2000/2019, para uma amostra de países europeus – Espanha, França, Grã-Bretanha,
Grécia, Itália, Portugal e República Checa; uns pela sua relação com Portugal,
outro (Grécia) pela similitude com as dificuldades económicas dos últimos anos vividas
em Portugal e, a República Checa como representante da Europa Central[1].
1 - Salário médio anual
Observemos, em primeiro
lugar, a evolução do salário médio anual (em €) para os países referidos.
Durante o período em análise nota-se uma quase integral
estabilidade na hierarquia dos salários médios; perturbada apenas pelos
salários médios gregos que, no período 2004/2009 se situam acima dos registados
em Espanha, decaindo claramente a partir de então. Note-se que o salário médio
grego é, em 2019 semelhante ao vigente em 2004.
Se se excluir o caso da Grã-Bretanha, com uma evolução muito
irregular, há um estreitamento do leque que abrange os restantes, devido, por
um lado, à evolução claramente ascendente do salário médio na República
Checa e, por outro, à estagnação do
indicador francês, mormente durante o consulado de Hollande (2012/17). Assim, a
relação entre os salários médios - francês e checo - que era de 5.9 vezes em
2000 passou a 2.3 em 2019.
Em Portugal a evolução do salário médio apresenta o seu
melhor período em 2000/02 (governo Guterres) seguindo-se-lhe três anos de
estagnação em 2002/04 (governo Durão) na sequência da crise dos dotcom. Segue-se
um ano de eleições (2005), quatro anos de estagnação salarial em 2006/09
(governo Sócrates) e um ano de forte subida em 2010 (Sócrates) a que se segue
um ano de regressão, repartido entre os governos Sócrates e Passos. Passos
inaugura a sua ação com aumentos em 2012/13 a que se segue o nefasto fruto da
intervenção da troika. Finalmente,
inicia-se o periodo de gestão Costa que, apoiado por BE/PC, garante aumentos
regulares até 2019. Na boleia
do coronavírus, prepara-se um novo ciclo de dificuldades, desemprego, deficits,
dívida, incumprimentos, falências…; e, como a crise pandémica afeta toda a
Europa, o recurso à emigração pelos portugueses dificilmente terá ali
acolhimento, como tem acontecido nos últimos decénios.
A aproximação entre os salários médios de Portugal e Grécia a
partir de 2013 resulta, essencialmente,
do torniquete imposto aos gregos e, pouco a políticas de crescimento salarial
por parte dos governos portugueses que, em regra atendem mais à competitividade
das empresas, na mentirosa ideia que dali resultem empregos qualificados e bem
pagos. A enorme quantidade de contratos a prazo, a desvalorização efetiva do
trabalho qualificado (na área da saúde, por exemplo) banalizou-se e, apresenta
formas de precariedade extrema nos casos da Uber ou da Glovo. As facilidades de
despedimento e a massificação do lay-off, à sombra do coronavírus, revelam uma
estratégia de estagnação dos rendimentos do trabalho e de recomposição
empresarial na área do comércio e restauração, com o surgimento de empresas de
maior dimensão, mais hábeis no aproveitamento de uma mão-de-obra desorganizada
e dócil, divorciada de um sindicalismo fechado, oligárquico e ineficaz.
A comparação da relação entre os salários registados no
princípio e no final do período, revela que, face a Portugal,
o
o
salário médio espanhol era 59% superior em 2000 e 47% em 2019
o
o salário
médio grego era 42% superior em 2000 e 14% em 2019
o
o salário
médio italiano era 97% superior em 2000 e 68% em 2019
o
o salário
médio francês era 2.4 vezes superior em 2000 e 1.9 em 2019
o
o salário
médio britânico era 3.7 vezes superior em 2000 e 2.5 em 2019
o
o
salário médio checo era 59% inferior em 2000 e apenas 15% em 2019.
Denota-se um claro
estreitamento das diferenças salariais entre os países considerados. Assim, a
relação entre o salário médio mais alto e o mais baixo, em 2000 era 9.0 e, em
2019, 2.9, na comparação entre a Grã-Bretanha e a República Checa. Nas
comparações atrás efectuadas tomando Portugal como país de referência, os
resultados mostram muito menor dispersão.
Sinteticamente, nos vinte
anos considerados e, no contexto da amostra de países utilizada, o que acontece
é uma notória “moderação” dos crescimentos salariais médios. No caso da Grécia
revelou-se numa verdadeira regressão, mostrando-se o salário médio de 2019
semelhante ao de 2014 e…2004 enquanto a França de Macron coloca os níveis dos
dois últimos anos no patamar alcançado em 2012/13. A Grã-Bretanha dos últimos
anos de governo tory apresenta um
salário médio (€ 46485) claramente inferior ao vigente no tempo do governo
trabalhista, com Blair ou Brown, em 2007 (€ 48537). A evolução mais favorável
quanto à evolução do salário médio, observa-se na República Checa. Em
conclusão, poderá dizer-se que o montante médio dos salários está longe da
homogeneidade e que qualquer extrapolação matemática conduzirá a valores
aproximados apenas no final de muitas décadas ou gerações, colocando os
discursos políticos sobre convergência no âmbito da mais descarada falsidade.
2 - E como evolui a
carga fiscal?
As taxas médias de imposto
que incidem sobre o salário médio dos trabalhadores em cada um dos países
selecionados é apresentada no quadro seguinte, para o mesmo lapso de tempo –
2000/2019.
O intervalo em que se
situam as taxas de imposto mantém a mesma amplitude mas, com uma subida de
cerca de 1.5 pontos percentuais, reveladora de um aumento generalizado dessas
taxas, com excepção para França e Grã-Bretanha que apresentam em 2019 taxas
inferiores às que vigoraram em 2000.
França e Itália iniciam o
século com valores próximos até 2006 com a Itália a destacar-se desde então
como destacada detentora de elevadas e crescentes taxas de imposto, entre 2005
e 2012, seguindo-se um quadro de estabilidade, quebrado nos dois últimos anos.
França e Grã-Bretanha
apresentam um perfil de taxas mais reduzidas, mormente a segunda que, em 2000
tinha a terceira taxa mais elevada e, no último ano, só tem apenas a Espanha como
único caso de taxa de imposto mais baixa que a sua.
A Espanha apresenta em
todos os anos a mais baixa das taxas, mesmo quando estas subiram claramente, no
período 2010/2012 (tendo Zapatero como presidente do governo, durante a crise financeira),
com prolongamento por mais dois anos, já no tempo de Rajoy; este, veio a
reduzi-las em 2015, em perto de 2 pp, com poucas mudanças nos anos que se
seguiram.
O caso português é sui
generis. Apresenta em 2013 a maior subida anual entre os países considerados
durante o período 2000/2019. Até 2011 manteve-se uma taxa com pequenas
variações, em torno dos 22/23%, a que se seguiu uma baixa muito ligeira em
2012.
Porém, em 2013, é bem
evidente a pressão exercida pela troika
sobre o governo Passos; e daí surgiu uma subida dos impostos sobre o salário
médio de 22.8% para 27.4% logo no ano seguinte. A chegada de Costa ao governo,
em 2015 ainda fez a carga fiscal aumentar para 28.4% do salário médio, com uma
ligeira redução, desde então.
Na Grécia a taxa de imposto
cresce substancialmente no período 2001/2006, a que se segue uma forte queda
até 2010 com o governo Pasok; este, perante a crise que se vinha afirmando,
eleva a taxa para os maiores valores de sempre em 2011/12. Certamente isso terá
sido um fator para a vitória da ND em 2012 que veio a reduzir substancialmente
o imposto sobre o trabalho até 2015 quando a vitória do Syriza, em luta feroz
com as instituições da UE, leva a um novo aumento da taxa que incide sobre o
salário médio grego.
Em geral, nos últimos anos
revela-se um pendor decrescente para as taxas de imposto em França, Portugal, Grã-Bretanha
e em Espanha, comparativamente a períodos anteriores. A tendência oposta
mostra-se na República Checa, na Grécia e ainda, de modo mais débil, na Itália.
Assim, sinteticamente, em
2019, à hierarquia decrescente do valor do salário médio não corresponde uma
hierarquia semelhante para a taxa de imposto.
|
Salário médio (€)
2019
|
Taxa de imposto (%) 2019
|
Salário médio (€)
2000
|
Taxa de imposto
(%) 2000
|
|||||
1
|
GB
|
46485
|
Itália
|
31.6
|
GB
|
40871
|
França
|
29.2
|
|
2
|
França
|
36547
|
França
|
27.3
|
França
|
26712
|
Itália
|
29.0
|
|
3
|
Itália
|
31602
|
Portugal
|
26.9
|
Itália
|
21550
|
GB
|
25.8
|
|
4
|
Espanha
|
27537
|
Grécia
|
26.1
|
Espanha
|
17319
|
R.
Checa
|
22.5
|
|
5
|
Grécia
|
21382
|
R.
Checa
|
25.0
|
Grécia
|
15459
|
Portugal
|
22.4
|
|
6
|
Portugal
|
18787
|
GB
|
23.3
|
Portugal
|
10922
|
Grécia
|
21.6
|
|
7
|
R.
Checa
|
15924
|
Espanha
|
21.4
|
R.
Checa
|
4520
|
Espanha
|
19.8
|
E, por outro lado, são visíveis as
diferenças no período 2000/19 nos valores dos salários médios e nas taxas de
imposto.
|
Variação 2000/19
|
|
|
Salário médio (€)
|
Taxa de imposto (%)
|
Espanha
|
10218
|
1.6
|
França
|
9835
|
1.9
|
GB
|
5614
|
2.5
|
Grécia
|
5923
|
4.5
|
Itália
|
10052
|
2.6
|
Portugal
|
7865
|
4.5
|
R.
Checa
|
11404
|
2.5
|
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[1] Todos os elementos numéricos
aqui utilizados foram colhidos na base de dados do jornal económico espanhol Expansión
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