A precariedade no trabalho distingue
os mais precários dos menos precários, colocando todos num patamar de
insegurança face ao futuro. Os mais jovens, a despeito das suas mais elevadas
habilitações procuram novas geografias; e os mais velhos encaram um horizonte
carregado onde a hibridação dos seus descontos para a reforma com a volúpia do
sistema financeiro, não augura nada de bom.
Sumário
1 - As três esferas do salariado
2 - Assalariados e independentes
+++++++//////\\\\\\+++++++
1 - As três esferas do salariado
Os capitalistas e as suas classes políticas consideram os trabalhadores –
activos ou susceptíveis de estarem activos – como divididos em três grandes
grupos; os assalariados, os independentes e os desempregados – como três bolsas
de recurso ao trabalho, hierarquizadas em função dos interesses gerais do
capitalismo;
a. Os assalariados são os subalternos do capital em maior número e eventual
organização sindical, com maior estabilidade nos respetivos postos de trabalho
e cuja obediência ou passividade é essencial para o funcionamento do sistema
económico e político – 203.7 M na UE, em 2018, mais 37 M do que em 1995.
Constituem um núcleo duro, o que mantém as atividades económicas munidas de uma
base estável para que a estrutura produtiva funcione sem sobressaltos, num
quadro de obediência às leis do Estado, às ordens dos capitalistas, com uma
ordeira participação nas romarias eleitoriais. É um conjunto essencial para que
os níveis globais de consumo se mantenham numa base estável que permita também
a existência e a sobrevivência de muitas empresas de pequena ou média dimensão
- as conhecidas PME. A sua estabilidade é essencial para a manutenção do
sistema económico e político – a economia de mercado e a democracia, também de
mercado. Essa estabilidade, essa base de rendimentos regulares é também fulcral
para que se garanta, não só o consumo, como também o endividamento, mormente
para posse de habitação.
b. Quanto aos chamados independentes estes
eram, no seio da UE, 37.4 M em 1995 e 35.4 M em 2018. Convém recordar todo o
cinismo que está contido nessa designação, uma vez que em muitos casos, essa
independência significa irregularidade na prestação de trabalho, contratos de
curta duração ou pagos por cada intervenção, atuando esses trabalhadores como
elementos exteriores à entidade à qual prestam serviços. Em Portugal são os
protagonistas dos conhecidos “recibos verdes” ou de contratos a prazo.
Na realidade os seus desempenhos e funções não se distinguem
em nada dos assalariados com a diferença que a sua continuidade em funções se
baliza por um tempo determinado, na maiora parte das vezes, curto, ao contrário
dos assalariados, cujo contrato, a priori, é por tempo indeterminado. Muitas
vezes, os tais independentes são geridos por empresas de trabalho temporário,
cuja existência corresponde a um verdadeiro parasitismo, no âmbito do qual, o
trabalhador é apenas um dependente com escassos direitos e rendimentos irregulares.
A designação de independente é uma edulcoração, uma máscara para a sua
precariedade, quanto a rendimento e na vida.
c. Os desempregados constituem uma terceira bolsa de recursos por parte das
estruturas do capital – empresários e Estado – que se congraçam para manter níveis
socialmente toleráveis de contestação, de revolta, ou ainda, de uma pobreza não
ostensiva dos excluídos, todos, elementos susceptíveis de desagradar aos
investidores estrangeiros e aos turistas. Na Europa comunitária, o desemprego
era da ordem dos 16.9 M em 2018, de 22 M em 1995, com um máximo no período que
vamos considerando de 26.2 M em 2013.
d. Sintetizemos a relevância das três bolsas potenciais de trabalho no tempo
e em relação à população total da UE. Em termos globais a estratégia de
contenção dos rendimentos e dos direitos da população trabalhadora visa uma
maior acumulação de capital nas camadas mais elevadas do empresariato e dos
gestores, o que constitui a pedra de toque da lógica neoliberal. Essa atuação obriga
a uma política que evite o alastramento das situações de precariedade e exclusão
do chamado “mercado de trabalho” susceptíveis de afetar a paz social e afastar
o investimento estrangeiro e promover a fuga de capitais.
1995
|
2007
|
2018
|
||||
Milhões
|
%
|
Milhões
|
%
|
Milhões
|
%
|
|
Assalariados
|
166,7
|
34,5
|
194,2
|
38,9
|
203,7
|
39,7
|
Independentes
|
37,4
|
7,7
|
36,9
|
7,4
|
35,4
|
6,9
|
Desempregados
|
22,2
|
4,6
|
17,0
|
3,4
|
16,9
|
3,3
|
Outra população
|
257,0
|
53,2
|
250,6
|
50,3
|
257,6
|
50,2
|
População total
|
483,3
|
100
|
498,7
|
100
|
513,6
|
100
|
2 - Assalariados e independentes
Uma avaliação da evolução do volume de assalariados e dos chamados
trabalhadores independentes – designação adocicada para situações de continuada
precariedade – revela, para além dos dramas pessoais, a ausência dos efeitos
das chamadas políticas de convergência no seio da UE ou contidas nos programas
dos governos nacionais; políticas essas que resultam sobretudo na fixação de
hierarquias entre os países da União, na gestão dos fundos comunitários, na
fixação doentia no crescimento do PIB, no equilíbrio orçamental ou na gestão
dos refugiados da miséria e das guerras superiormente determinadas e conduzidas
pela suserania dos EUA, com o apoio do pelotão dos mandarins europeus.
A avaliação do número de assalariados e independentes na UE no periodo
1995/2018 será aqui realizada considerando dois subperiodos – 1995/2007 e 2007/2018;
o primeiro, termina com o rebentamento da bolha financeira e o segundo,
contempla as suas sequelas, ainda que aplanadas nos últimos anos. O instrumento
de medida mais utilizado será a variação anual média em percentagem; neste
contexto, como em outras abordagens que se seguirão.
Traduzindo por palavras os diversos
tipos de evolução entre os dois períodos, contidos no gráfico seguinte,
observa-se:
· Uma
evolução positiva e crescente entre os dois períodos – Alemanha, Áustria,
Eslováquia, Hungria, Malta, Polónia e Suécia – onde é visível o forte
predomínio de países na orla da Alemanha;
·
Com
evolução positiva mas decrescente entre os dois períodos predominam os países
da Europa ocidental e do norte - Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslovénia,
Estónia, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Países
Baixos;
·
A
República Checa constitui a única situação de passagem de uma evolução negativa
para outra, mais recente, positiva;
·
Com
índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Roménia, que melhorou em
2007/2018;e a Lituânia que piorou;
·
Finalmente,
passaram de uma evolução positiva para outra, negativa - em 2007/2018 –
sobretudo, países da orla mediterrânica ou daqueles onde a intervenção da troika, formal ou informal, se verificou
– Bulgária, Espanha, Grécia, Letónia e Portugal.
--||--
Considerando apenas os assalariados,
observa-se atrás que o seu número aumenta de peso no total da população
europeia como comparativamente ao efetivo de independentes.
·
Para
o conjunto da UE, o efetivo de assalariados cresceu, anualmente 1.3% no período
1995/2007 e 2% em tempos mais recentes, em 2007/2018; e esse registo mostra-se
na maioria dos países;
·
As
excepções partem dos países bem conhecidos pelas suas dificuldades – Grécia,
Letónia, Lituânia e Espanha. No último período, sublinhe-se também a regressão
no elenco de assalariados na Estónia, na Roménia e na Bulgária;
·
Nos
casos de maior crescimento dos efetivos de trabalhadores assalariados destacam-se
países que são parques de facilidades para o capital internacional –
Luxemburgo, Irlanda, Malta e Chipre. Apenas estes países e Espanha aumentam o
seu efetivo de assalariados em mais de 3% por ano, em 2007/2018.
·
No
caso português, no período 1995/2007 registavam-se onze países com uma taxa de
progressão da mão-de-obra assalariada superior à portuguesa; no período
posterior, apesar de um ligeiro aumento da taxa anual de progressão (de 1.3%
para 1.6%) esse número passa para dezassete. Neste último caso, exceptuando a
Dinamarca e a Grécia, todos os países são do Leste europeu e antigos membros do
bloco soviético.
· Com
evolução positiva mas decrescente, entre os dois períodos, incluem-se alguns
países da Europa do Sul e do Báltico - Espanha, Grécia, Lituânia e Letónia - que
tiveram grandes problemas financeiros e sociais após 2007;
· A
Eslováquia e a República Checa constituem os únicos casos de passagem de uma
evolução negativa para outra, mais recente, positiva;
· Com
índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Estónia e a Roménia, tendo
esta última apresentado um resultado menos negativo em 2007/2018; e a Bulgária
que passou de um índice ligeiramente positivo para outro, negativo.
No capítulo dos independentes, estes são um conjunto de
trabalhadores tomados como elementos de “ágil” contratação/dispensa, de acordo
com as necessidades conjunturais das empresas; gente cuja presença se pretende seja
tomada como mais precária e de mais fácil dispensa do que os assalariados. Como
elementos de ajustamento de curto ou médio prazo, na sua maioria, refletem essa
natureza, no seio da enorme disparidade de situações entre os países da UE,
conforme se observa no gráfico seguinte.
·
O maior número de países reduz o
recurso a independentes em 2007/2018 de modo mais vincado do que no período
1995/2007. Nesse grupo, encontram-se dois países de elevados níveis de riqueza
– Dinamarca e Suécia – que reduzem o número de independentes mas aumentando
substancialmente a contratação de assalariados.
milhares
1995
|
2007
|
2018
|
|
Assalariados
|
6238,0
|
6985.1
|
7675.9
|
Independentes
|
503.0
|
452.0
|
383.7
|
Total
|
6741.0
|
7437.1
|
8059.6
|
% indep no total
|
7.5
|
6.1
|
4.8
|
Sublinhe-se que o volume de independentes na população
trabalhadora se reduz gradualmente e de modo bem vincado;
·
A redução do número de independentes
entre os dois períodos verificou-se também em países do Leste ou da orla sul da
Europa, intervencionados pela troika –
Chipre, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal e Roménia. Para
este grupo de países há uma clara redução de independentes, compensada com
acréscimos dos assalariados mas, produzindo uma situação de estagnação da
população trabalhadora, o que não aconteceu nos dois países escandinavos. Por
outro lado, a parcela de independentes é muito mais elevada do que o observado no
ponto anterior.
milhões
1995
|
2007
|
2018
|
|
Assalariados
|
28.9
|
31.6
|
33.5
|
Independentes
|
12.8
|
9.9
|
8.1
|
Total
|
41.7
|
41.5
|
41.6
|
% indep no total
|
30.7
|
23.9
|
19.5
|
Note-se que para este conjunto de países a transformação
qualitativa não altera o volume global da população trabalhadora que se mostra
estagnado, conduzindo em paralelo, à estagnação demográfica, a volumosos fluxos
de emigração e envelhecimento da população e onde, para cúmulo, não há
vestígios de contestação[1].
·
Há um conjunto de países – Alemanha,
Áustria, Bulgária e Irlanda - que mantêm ritmos de crescimento do número de
independentes em 1995/2007, regredindo no período seguinte; devendo juntar-se a
Itália que apresenta uma variação média nula no período mais recente.
milhões
1995
|
2007
|
2018
|
|
Assalariados
|
57.0
|
62.4
|
68.4
|
Independentes
|
11.4
|
13.0
|
12.1
|
Total
|
68.4
|
75.4
|
80.5
|
% indep no total
|
16.7
|
17.2
|
15.0
|
Como se pode observar, para estes países, no seu conjunto, o
volume de independentes pouco se altera mas, em contrapartida o número de
assalariados aumenta 20% nos 23 anos em análise. Os efeitos recessivos da crise
financeira sobrepondo-se ao desejado crescimento acelerado do PIB terão
reduzido o recurso ao trabalho de independentes; um conjunto que funciona como
elemento de ajustamento da mão-de-obra utilizada;
·
Deteta-se um grupo de oito países
onde o crescimento dos independentes no período 2007/2018 superou o do período
anterior. Neste conjunto inscrevem-se: Bélgica, Eslováquia, Estónia,
Grã-Bretanha, Luxemburgo, Malta, Holanda e Rep. Checa. Entre estes destacam-se
os grandes aumentos anuais médios da Eslováquia (8.5% em 2007/2018 contra 7.5%
no período anterior, o que torna o país como o campeão do recurso ao trabalho
dos independentes) e ainda de Malta, Estónia e Luxemburgo.
Nota-se, neste caso, que os grandes aumentos verificados se
referem a países de escasso número de habitantes e trabalhadores. Assim, em
2018, o Luxemburgo albergava 27000 independentes, Malta 28700 e, mesmo a
Eslováquia, havia passado de 177 mil para 322 mil o número de independentes
entre 1995 e 2018.
milhões
1995
|
2007
|
2018
|
|
Assalariados
|
38.8
|
43.8
|
47.3
|
Independentes
|
6.5
|
7.2
|
8.5
|
Total
|
45.3
|
51.0
|
55.8
|
% indep no total
|
14.3
|
14.1
|
15.2
|
·
Para
finalizar, há a registar situações pouco comuns. É o caso da Eslovénia e da
França que, apresentando um pendor decrescente do seu stock de independentes em 1995/2007, passam no período seguinte a
apresentar um maior recurso, ainda que, percentualmente inferior ao verificado
para os assalariados.
A Finlândia apresenta uma
regressão do número de independentes no primeiro período considerado, que se
torna nulo em 2007/2018; e, com a Espanha, acontece exatamente o contrário ao
referido para a Finlândia. Finalmente, a Croácia apresenta um débil aumento
anual do recrutamento de independentes para o período mais recente (2007/2018),
no qual a quebra anual do elenco daqueles trabalhadores se reduz, em média, 4%
por ano; uma redução que só a Roménia ultrapassa.
( Segunda parte, a
publicar: As horas de trabalho)
Este
e outros textos em:
Em português:
Salário mínimo, instrumento de controlo social
A longa marcha das desigualdades – 1 (O período
1953/77 e o fim do regime fascista em Portugal )
A longa marcha das desigualdades – 2 Da primeira
intervenção do FMI ao cavaquismo (1977/95)
A longa marcha das desigualdades – 3
Custos do trabalho na Europa – espelho da exploração e das desigualdades
Europa, periferias e desastres periféricos
Centro e periferias 1
Centro e periferias na Europa (2) - Portugal, um caso de desastre
periférico
Centro e periferias (3) – Portugal, uma periferia ibérica
In english:
Center and peripheries in Europe - The dynamics of inequalities since 1990
Center and peripheries in Europe (2) - Portugal, a case of peripheral
disaster
Center and peripheries in Europe (3) - Portugal, an Iberian periphery
Evolution of the world population 1950/2050 - The case of Europe
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