terça-feira, 10 de março de 2020

O salariado na Europa (1)


A precariedade no trabalho distingue os mais precários dos menos precários, colocando todos num patamar de insegurança face ao futuro. Os mais jovens, a despeito das suas mais elevadas habilitações procuram novas geografias; e os mais velhos encaram um horizonte carregado onde a hibridação dos seus descontos para a reforma com a volúpia do sistema financeiro, não augura nada de bom.


Sumário

1 - As três esferas do salariado
2 - Assalariados e independentes

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1 - As três esferas do salariado

Os capitalistas e as suas classes políticas consideram os trabalhadores – activos ou susceptíveis de estarem activos – como divididos em três grandes grupos; os assalariados, os independentes e os desempregados – como três bolsas de recurso ao trabalho, hierarquizadas em função dos interesses gerais do capitalismo;

a.   Os assalariados são os subalternos do capital em maior número e eventual organização sindical, com maior estabilidade nos respetivos postos de trabalho e cuja obediência ou passividade é essencial para o funcionamento do sistema económico e político – 203.7 M na UE, em 2018, mais 37 M do que em 1995. Constituem um núcleo duro, o que mantém as atividades económicas munidas de uma base estável para que a estrutura produtiva funcione sem sobressaltos, num quadro de obediência às leis do Estado, às ordens dos capitalistas, com uma ordeira participação nas romarias eleitoriais. É um conjunto essencial para que os níveis globais de consumo se mantenham numa base estável que permita também a existência e a sobrevivência de muitas empresas de pequena ou média dimensão - as conhecidas PME. A sua estabilidade é essencial para a manutenção do sistema económico e político – a economia de mercado e a democracia, também de mercado. Essa estabilidade, essa base de rendimentos regulares é também fulcral para que se garanta, não só o consumo, como também o endividamento, mormente para posse de habitação.

b.   Quanto aos chamados  independentes estes eram, no seio da UE, 37.4 M em 1995 e 35.4 M em 2018. Convém recordar todo o cinismo que está contido nessa designação, uma vez que em muitos casos, essa independência significa irregularidade na prestação de trabalho, contratos de curta duração ou pagos por cada intervenção, atuando esses trabalhadores como elementos exteriores à entidade à qual prestam serviços. Em Portugal são os protagonistas dos conhecidos “recibos verdes” ou de contratos a prazo.

Na realidade os seus desempenhos e funções não se distinguem em nada dos assalariados com a diferença que a sua continuidade em funções se baliza por um tempo determinado, na maiora parte das vezes, curto, ao contrário dos assalariados, cujo contrato, a priori, é por tempo indeterminado. Muitas vezes, os tais independentes são geridos por empresas de trabalho temporário, cuja existência corresponde a um verdadeiro parasitismo, no âmbito do qual, o trabalhador é apenas um dependente com escassos direitos e rendimentos irregulares. A designação de independente é uma edulcoração, uma máscara para a sua precariedade, quanto a rendimento e na vida.

c.   Os desempregados constituem uma terceira bolsa de recursos por parte das estruturas do capital – empresários e Estado – que se congraçam para manter níveis socialmente toleráveis de contestação, de revolta, ou ainda, de uma pobreza não ostensiva dos excluídos, todos, elementos susceptíveis de desagradar aos investidores estrangeiros e aos turistas. Na Europa comunitária, o desemprego era da ordem dos 16.9 M em 2018, de 22 M em 1995, com um máximo no período que vamos considerando de 26.2 M em 2013.

d.   Sintetizemos a relevância das três bolsas potenciais de trabalho no tempo e em relação à população total da UE. Em termos globais a estratégia de contenção dos rendimentos e dos direitos da população trabalhadora visa uma maior acumulação de capital nas camadas mais elevadas do empresariato e dos gestores, o que constitui a pedra de toque da lógica neoliberal. Essa atuação obriga a uma política que evite o alastramento das situações de precariedade e exclusão do chamado “mercado de trabalho” susceptíveis de afetar a paz social e afastar o investimento estrangeiro e promover a fuga de capitais.


1995
2007
2018
Milhões
%
Milhões
%
Milhões
%
Assalariados
166,7
34,5
194,2
38,9
203,7
39,7
Independentes
37,4
7,7
36,9
7,4
35,4
6,9
Desempregados
22,2
4,6
17,0
3,4
16,9
3,3
Outra população
257,0
53,2
250,6
50,3
257,6
50,2
População total
483,3
100
498,7
100
513,6
100

2 - Assalariados e independentes

Uma avaliação da evolução do volume de assalariados e dos chamados trabalhadores independentes – designação adocicada para situações de continuada precariedade – revela, para além dos dramas pessoais, a ausência dos efeitos das chamadas políticas de convergência no seio da UE ou contidas nos programas dos governos nacionais; políticas essas que resultam sobretudo na fixação de hierarquias entre os países da União, na gestão dos fundos comunitários, na fixação doentia no crescimento do PIB, no equilíbrio orçamental ou na gestão dos refugiados da miséria e das guerras superiormente determinadas e conduzidas pela suserania dos EUA, com o apoio do pelotão dos mandarins europeus.

A avaliação do número de assalariados e independentes na UE no periodo 1995/2018 será aqui realizada considerando dois subperiodos – 1995/2007 e 2007/2018; o primeiro, termina com o rebentamento da bolha financeira e o segundo, contempla as suas sequelas, ainda que aplanadas nos últimos anos. O instrumento de medida mais utilizado será a variação anual média em percentagem; neste contexto, como em outras abordagens que se seguirão.
Traduzindo por palavras os diversos tipos de evolução entre os dois períodos, contidos no gráfico seguinte, observa-se:

·        Uma evolução positiva e crescente entre os dois períodos – Alemanha, Áustria, Eslováquia, Hungria, Malta, Polónia e Suécia – onde é visível o forte predomínio de países na orla da Alemanha;

·           Com evolução positiva mas decrescente entre os dois períodos predominam os países da Europa ocidental e do norte - Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslovénia, Estónia, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Países Baixos; 

·           A República Checa constitui a única situação de passagem de uma evolução negativa para outra, mais recente, positiva;

·           Com índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Roménia, que melhorou em 2007/2018;e a Lituânia que piorou;

·           Finalmente, passaram de uma evolução positiva para outra, negativa - em 2007/2018 – sobretudo, países da orla mediterrânica ou daqueles onde a intervenção da troika, formal ou informal, se verificou – Bulgária, Espanha, Grécia, Letónia e Portugal. 


--||--

Considerando apenas os assalariados, observa-se atrás que o seu número aumenta de peso no total da população europeia como comparativamente ao efetivo de independentes.

·           Para o conjunto da UE, o efetivo de assalariados cresceu, anualmente 1.3% no período 1995/2007 e 2% em tempos mais recentes, em 2007/2018; e esse registo mostra-se na maioria dos países;

·           As excepções partem dos países bem conhecidos pelas suas dificuldades – Grécia, Letónia, Lituânia e Espanha. No último período, sublinhe-se também a regressão no elenco de assalariados na Estónia, na Roménia e na Bulgária;

·           Nos casos de maior crescimento dos efetivos de trabalhadores assalariados destacam-se países que são parques de facilidades para o capital internacional – Luxemburgo, Irlanda, Malta e Chipre. Apenas estes países e Espanha aumentam o seu efetivo de assalariados em mais de 3% por ano, em 2007/2018.

·           No caso português, no período 1995/2007 registavam-se onze países com uma taxa de progressão da mão-de-obra assalariada superior à portuguesa; no período posterior, apesar de um ligeiro aumento da taxa anual de progressão (de 1.3% para 1.6%) esse número passa para dezassete. Neste último caso, exceptuando a Dinamarca e a Grécia, todos os países são do Leste europeu e antigos membros do bloco soviético.

·          Com evolução positiva mas decrescente, entre os dois períodos, incluem-se alguns países da Europa do Sul e do Báltico - Espanha, Grécia, Lituânia e Letónia - que tiveram grandes problemas financeiros e sociais após 2007;

·        A Eslováquia e a República Checa constituem os únicos casos de passagem de uma evolução negativa para outra, mais recente, positiva;

·        Com índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Estónia e a Roménia, tendo esta última apresentado um resultado menos negativo em 2007/2018; e a Bulgária que passou de um índice ligeiramente positivo para outro, negativo.

No capítulo dos independentes, estes são um conjunto de trabalhadores tomados como elementos de “ágil” contratação/dispensa, de acordo com as necessidades conjunturais das empresas; gente cuja presença se pretende seja tomada como mais precária e de mais fácil dispensa do que os assalariados. Como elementos de ajustamento de curto ou médio prazo, na sua maioria, refletem essa natureza, no seio da enorme disparidade de situações entre os países da UE, conforme se observa no gráfico seguinte. 

  
·           O maior número de países reduz o recurso a independentes em 2007/2018 de modo mais vincado do que no período 1995/2007. Nesse grupo, encontram-se dois países de elevados níveis de riqueza – Dinamarca e Suécia – que reduzem o número de independentes mas aumentando substancialmente a contratação de assalariados.

                    milhares

1995
2007
2018
Assalariados
6238,0
6985.1
7675.9
Independentes
503.0
452.0
383.7
Total
6741.0
7437.1
8059.6
% indep no total
7.5
6.1
4.8

Sublinhe-se que o volume de independentes na população trabalhadora se reduz gradualmente e de modo bem vincado;

·           A redução do número de independentes entre os dois períodos verificou-se também em países do Leste ou da orla sul da Europa, intervencionados pela troika – Chipre, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal e Roménia. Para este grupo de países há uma clara redução de independentes, compensada com acréscimos dos assalariados mas, produzindo uma situação de estagnação da população trabalhadora, o que não aconteceu nos dois países escandinavos. Por outro lado, a parcela de independentes é muito mais elevada do que o observado no ponto anterior.

                                                                                                                milhões

1995
2007
2018
Assalariados
28.9
31.6
33.5
Independentes
12.8
9.9
8.1
Total
41.7
41.5
41.6
% indep no total
30.7
23.9
19.5

Note-se que para este conjunto de países a transformação qualitativa não altera o volume global da população trabalhadora que se mostra estagnado, conduzindo em paralelo, à estagnação demográfica, a volumosos fluxos de emigração e envelhecimento da população e onde, para cúmulo, não há vestígios de contestação[1].

·         Há um conjunto de países – Alemanha, Áustria, Bulgária e Irlanda - que mantêm ritmos de crescimento do número de independentes em 1995/2007, regredindo no período seguinte; devendo juntar-se a Itália que apresenta uma variação média nula no período mais recente.
                                                                                                             milhões

1995
2007
2018
Assalariados
57.0
62.4
68.4
Independentes
11.4
13.0
12.1
Total
68.4
75.4
80.5
% indep no total
16.7
17.2
15.0

Como se pode observar, para estes países, no seu conjunto, o volume de independentes pouco se altera mas, em contrapartida o número de assalariados aumenta 20% nos 23 anos em análise. Os efeitos recessivos da crise financeira sobrepondo-se ao desejado crescimento acelerado do PIB terão reduzido o recurso ao trabalho de independentes; um conjunto que funciona como elemento de ajustamento da mão-de-obra utilizada;

·           Deteta-se um grupo de oito países onde o crescimento dos independentes no período 2007/2018 superou o do período anterior. Neste conjunto inscrevem-se: Bélgica, Eslováquia, Estónia, Grã-Bretanha, Luxemburgo, Malta, Holanda e Rep. Checa. Entre estes destacam-se os grandes aumentos anuais médios da Eslováquia (8.5% em 2007/2018 contra 7.5% no período anterior, o que torna o país como o campeão do recurso ao trabalho dos independentes) e ainda de Malta, Estónia e Luxemburgo.

Nota-se, neste caso, que os grandes aumentos verificados se referem a países de escasso número de habitantes e trabalhadores. Assim, em 2018, o Luxemburgo albergava 27000 independentes, Malta 28700 e, mesmo a Eslováquia, havia passado de 177 mil para 322 mil o número de independentes entre 1995 e 2018.

                                                                                                                  milhões

1995
2007
2018
Assalariados
38.8
43.8
47.3
Independentes
6.5
7.2
8.5
Total
45.3
51.0
55.8
% indep no total
14.3
14.1
15.2

·         Para finalizar, há a registar situações pouco comuns. É o caso da Eslovénia e da França que, apresentando um pendor decrescente do seu stock de independentes em 1995/2007, passam no período seguinte a apresentar um maior recurso, ainda que, percentualmente inferior ao verificado para os assalariados.

A Finlândia apresenta uma regressão do número de independentes no primeiro período considerado, que se torna nulo em 2007/2018; e, com a Espanha, acontece exatamente o contrário ao referido para a Finlândia. Finalmente, a Croácia apresenta um débil aumento anual do recrutamento de independentes para o período mais recente (2007/2018), no qual a quebra anual do elenco daqueles trabalhadores se reduz, em média, 4% por ano; uma redução que só a Roménia ultrapassa.

( Segunda parte, a publicar:  As horas de trabalho)


Este e outros textos em: 

http://grazia-tanta.blogspot.com/                            

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents



[1]  Sobre as variações demográficas na Europa e na Península Ibérica, respetivamente veja-se:
Em português:

Salário mínimo, instrumento de controlo social
A longa marcha das desigualdades – 1 (O período 1953/77 e o fim do regime fascista em Portugal )
A longa marcha das desigualdades – 2 Da primeira intervenção do FMI ao cavaquismo (1977/95)
A longa marcha das desigualdades – 3

Custos do trabalho na Europa – espelho da exploração e das desigualdades
Europa, periferias e desastres periféricos

Centro e periferias 1

Centro e periferias na Europa (2) - Portugal, um caso de desastre periférico

Centro e periferias (3) – Portugal, uma periferia ibérica

In english:
Center and peripheries in Europe - The dynamics of inequalities since 1990

Center and peripheries in Europe (2) - Portugal, a case of peripheral disaster

Center and peripheries in Europe (3) - Portugal, an Iberian periphery
  
Evolution of the world population 1950/2050 - The case of Europe

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