A África está longe de ter superado as sequelas da
colonização e da existência das predadoras
oligarquias nacionais, açuladas pela cobiça das multinacionais e dos
mecanismos geradores de dívida. Num contexto de forte e desigual crescimento
demográfico permitimo-nos dizer “A África continuará mal”, adaptando uma frase
de René Dumont
Sumário
1- A dolorosa integração da África
pós-colonial no capitalismo global
2 – O perfil demográfico das áreas
geopolíticas africanas
2.1 -
África do Norte
2.2 - África - Âncoras
2.3 – África – países
restantes (43)
////////////////////////////////////////::::::::\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
1- A dolorosa
integração da África pós-colonial no capitalismo global
A população africana
cresce 60% no período 1950/70, 73% nos vinte anos que decorrem entre 1970 e
1990, duplica nos trinta anos terminados em 2010, estimando-se que em 2050 seja
mais de dez vezes superior à população existente um século antes; isto é, cerca
de 2500 M de pessoas. Tudo isso acontece porque a mortalidade baixou, tal como
a natalidade – sobretudo a infantil – apesar das guerras, dos sangrentos e
prolongados conflitos em muitos locais do continente, com intervenções das
potências ex-coloniais, das multinacionais, do sistema financeiro através do
mecanismo da dívida ou, das claras interferências de outras potências. O
crescimento do peso da população africana no mundo tem-se mostrado constante
como se observou recentemente.
Há uma tipificação
variada e entrelaçada quanto às causas nos conflitos africanos. A África, tal
como o Médio Oriente são as regiões com mais frequentes e sangrentos conflitos
nos últimos vinte anos. Muitos são (ou foram) resultantes de conflitos tribais,
onde a ideia de estado-nação não existia (essencialmente a Sul do Sahel) mas,
imposta pelas potências coloniais antes de abandonarem o terreno; são mais
raros os conflitos diretos entre os estados-nação constituídos.
Essa relativa
estabilidade das fronteiras herdadas dos tempos coloniais revela, precisamente
a ausência de uma tradição estatal e daí que fosse, para os africanos,
relativamente indiferente o traçado das fronteiras, atravessadas com toda a
naturalidade, como sempre, pelas pessoas.
Não houve nem há as
guerras que se verificaram na Europa, onde os nacionalismos se arreigaram no
seio da macabra ideia gerada no século XIX de que a cada povo deveria
corresponder um estado-nação, todos julgando-se com direitos a territórios do
outro lado de fronteiras, muitas vezes tomadas como provisórias. Após a II
Guerra, na Europa, as únicas guerras de fronteiras observaram-se no âmbito do
desmantelamento da Jugoslávia ou, mais recentemente, com a anexação russa da
Crimeia e a separação de facto, das regiões orientais da Ucrânia (Donetsk e
Lugansk), no âmbito de entidades estatais com fronteiras de constituição
recente. A constituição da União Europeia e do espaço Schengen vieram a retirar
significado às fronteiras, não sendo imagináveis novas guerras de conquistas
territoriais.
Em África, a ideia de
respeito pelas fronteiras coloniais, por muito aberrantes que aquelas tivessem
sido, foi aceite no cenário da descolonização, com algumas e sangrentas
excepções. Por exemplo, a Etiópia e a Eritreia separaram-se após anos de guerra;
o mesmo aconteceu no Sudão onde o sul, maioritariamente povoado por povos
nilóticos e não muçulmanos, se separou do norte, de preponderância árabe e
islâmica, num processo de partilha de jazigos de petróleo ainda não completo e,
prolongado no Sudão do Sul por uma guerra entre as duas principais tribos
(dinkas e nuer).
No processo de
colonização, a Somália foi repartida pela França, pela Grã-Bretanha e pela
Itália e, numa segunda fase, as duas últimas parcelas juntaram-se num só
estado, ficando a pequena parte gaulesa (o pequeno Djibouti, atualmente
coalhado de bases militares estrangeiras rivais) vindo a aceder mais tarde à
independência. Entretanto, a Somália e a Etiópia entraram em guerra pelo
controlo do Leste etíope (Ogaden) povoado por pastores somalis, com a derrota
da Somália. Mais tarde a guerra civil somali originou, por um lado, a secessão
da parte norte (Somalilandia, a antiga colónia britânica) face à maior parcela
do país, a sul onde continua uma guerra civil.
É interessante anotar a
sensibilidade política dos EUA. Em 1993 decidiram desembarcar na Somália para
impor a lei e a ordem do Império, perante as câmaras de televisão; porém a
operação acabou mal com corpos de marines mortos arrastados nas ruas de
Mogadiscio. Depois deste revés, o Pentágono, na sua elevada sapiência, empurrou,
para pacificar a Somália… o exército etíope que havia estado em guerra com a
Somália poucos anos antes, para além de rivalidades antigas. Como as coisas
correram mal para os etíopes, os EUA aliciaram os vizinhos a sul, os quenianos
para pacificar a Somália; e de onde resultaram, em território queniano, atentados
que o al-Shaabab somali veio a desencadear. Paralelamente, a difusa mas sábia
“comunidade internacional” decidiu obviar ao assalto a navios mercantes em águas
somalis, por parte de comunidades de pescadores esfomeados e com as águas
contaminadas por dejetos hospitalares despejados pelos ocidentais. Nesse afã,
sabe-se que uma fragata
portuguesa apresou um barco de borracha[1] com meia dúzia
de somalis a bordo e em águas internacionais; uma heróica intervenção que deve
ter dado origem a meia tonelada de condecorações…
Também no caso do Sahara
Ocidental, as fronteiras coloniais não foram
respeitadas. Primeiro, porque Marrocos ocupou o território que a Espanha
abandonou à sua sorte; isto é, deu carta branca ao senhor do Makhzen, para se
apoderar da concessão de direitos de pesca e
dos fosfatos, conduzindo à fuga de parte da população para campos de refugiados
na Argélia, perante o desinteresse da “comunidade internacional” e a impotência
da ONU.
Entre as guerras de
independência, há a registar as levadas a cabo no Quénia, na Argélia, na
Guiné-Bissau, em Angola, Moçambique, Zimbabwe e Namíbia.
A herança das
fronteiras coloniais consubstanciou-se na invenção de estados-nação, na maior
parte dos casos, onde eles nunca tinham existido, como mosaicos de etnias e
culturas. Sem a presença unificadora e repressiva da potência colonial,
surgiram conflitos internos de vários tipos, entre grupos ou senhores da guerra
estribados nas suas tribos, ainda que sem objetivos secessionistas mas apenas
de controlo do aparelho de estado. São os casos de Angola, RD do Congo, Costa
do Marfim, Libéria, Moçambique, República Centro Africana, Ruanda, Serra Leoa,
Sudão (Darfur) ou Uganda.
Há casos típicos de
extrativismo e banditismo (negócio do marfim) como o do Exército do Senhor, no
Uganda, com incursões no seu exterior; e os cruéis grupos do leste do Congo,
senhores da extração e exportação de diamantes e “terras raras” que rivalizam
com a predação já histórica, praticada pelos senhores de Kinshasa, seja Mobutu,
seja a família Kabila, herdeiros de um território que as potências coloniais,
no século XIX entregaram a um facínora, o rei dos belgas. E não podem ficar
esquecidas as práticas genocidas levadas à prática no Ruanda, onde só uma
demente habilidade local – fomentada pelo colonizador belga - conseguiu
distinguir tutsis de hutus ou vice versa; sabendo-se ainda que essa distinção
tem mais um caráter sociológico do que étnico-cultural, a mesma foi utilizada
para uma redistribuição de terras onde a densidade populacional é grande.
Com conteúdos
secessionistas recordámos acima os que tiveram sucesso mas havendo alguns que
não o têm conseguido como o Biafra que, acarinhado pelo regime fascista
português, pela França e empresas petrolíferas, tentou a independência face à
Nigéria, com um lastro de fome que ficou célebre. O Catanga, nos anos 60 foi
objeto de um projeto secessionista em torno de Tchombé, marionete das empresas
mineiras que atuavam na região e com grandes amigos no governo fascista
português. Cabinda é outro caso que se arrasta há décadas, sem resultados
favoráveis aos secessionistas. E o projeto de unificação post-colonial entre a
Guiné-bissau e Cabo Verde foi efémero, com a separação realizada de modo
pacífico.
Atualmente, no Mali, há
um conflito ancorado num ramo da al-Qaeda (o AQMI) que desenvolve um projeto de
separação da população tuaregue, dividida entre vários estados-nação quando
nunca, na História tinham sofrido limitações de circulação no deserto, nas
comunicações entre o Sahel e o Mediterrâneo. Refira-se ainda a Líbia, onde a
intervenção ocidental para a partilha das riquezas energéticas do país conduziu
ao reavivar das diferenças e dos conflitos entre a Cirenaica, a Tripolitânia e
as tribos do sul, estas, com afinidades ancestrais com o mundo tuaregue.
A guerra civil na
Argélia, nos anos 90 é um caso típico de luta social e política, onde as
clivagens étnicas e culturais não tiveram um papel determinante. De um lado,
estava o poder da FLN, que continua no poder após a guerra da independência contra
os franceses; e do outro, um grupo integrista islâmico – a FIS – que entrou na
luta armada depois de bloqueada uma clarificação eleitoral. Nesse contexto, a
barbárie e os assassínios atingiram, como é habitual, a população em geral.
Entretanto, na África
do Sul o regime racista, de apartheid,
foi abolido, sob a égide da sábia figura de Mandela. Porém, a burguesia negra,
assumindo o poder político, guindou-se também ao mundo dos negócios, em
paralelo com a burguesia branca obrigada a aceitar a partilha, sem o estúpido
recurso à separação de “raças” – “the
business must go on”. Os bantustões desapareceram mas, para a esmagadora
maioria da população de origem africana, acelerou-se a integração nas grandes
periferias urbanas, onde o casamento entre a pobreza e a violência se
desenvolve, caraterizando os enormes bairros de lata; com os prédios elegantes
habitados pela minoria branca e os privilegiados negros, ali perto, á vista. Na
antiga Rodésia, por outro lado, o poder da minoria de origem europeia foi
substituido igualmente por uma burguesia negra, cujo maior expoente está em
Mugabe, só recentemente apeado, deixando atrás de si a pobreza e o registo da
maior inflação que a História regista.
Para além destes dois últimos
casos que sobreviveram à já tardia expulsão dos portugueses das suas velhas
colónias, a situação geral do poder em África é a de pequenas oligarquias de
gente muito rica; e, como é sabido por detrás de uma grande riqueza há sempre
um grande roubo, em qualquer latitude.
De origem civil ou com farda militar - no corpo ou no armário - esses
oligarcas governam, na menos má das hipóteses, como cópia fiel das oligarquias
europeias. As estruturas económicas não são comparáveis em termos de
diversificação e são muito centradas na exploração de culturas agrícolas com
procura global ou no extrativismo mineiro onde as multinacionais de várias
origens, dominam. Embora, mesmo numa escala global, já existam milionários
africanos, mormente nigerianos, apresentando a conhecida Isabel dos Santos, uma
posição no top ten que, não sabemos
se se irá manter com a mudança de poder em Angola, nada favorável à tradicional
famiglia Santos.
As sequelas deste
modelo de desenvolvimento, patrocinado pelas instituições globais – Banco
Mundial, OMC e FMI - geram uma interação entre projetos ambientalmente
desastrosos, de monoculturas de plantação, com o abandono das comunidades
rurais para refúgio nas cidades ou na emigração. Os Estados, dominados pelas
oligarquias predadoras, entre medidas para atrair o investimento estrangeiro, a
par da ausência de infraestruturas elementares e da evidenciação de deficits
públicos, estimulam a intervenção do FMI, (em regra, aceite) com vista a uma
ilusória contração de dívida, mesmo depois de concretizados planos de
privatizações e perdas de qualidade de vida para a população; um mecanismo de
aplicação geral que nada tem de inovador, nem tem África como único destino.
Esse desmoronar das
comunidades tradicionais origina o abandono das terras, a deslocação para as
cidades que não têm condições para receber tais afluxos de gente, abandonada
pelos chamados poderes públicos. Nessas cidades amontoam-se milhões de pobres em bairros e periferias,
sem condições de salubridade, palco de violência mas, onde fervilha uma
diversificada economia informal. Em África, as megalópoles crescem
aceleradamente, sendo notáveis os casos de Lagos que terá uns 13 milhões de
habitantes, do Cairo, Kinshasa ou Nairobi, onde se situa o maior bairro da lata
do mundo (Kibera) que se estima ter 2.5 milhões de pessoas.
A emigração, sobretudo
para a Europa, procede-se de formas engenhosas e/ou perigosas de atravessamento do Mediterrâneo, onde são comuns as tempestades e o encontro
com polícias marítimas ou agentes do Frontex; estes últimos que rivalizam na
forma de nada resolverem de fundo, cingindo-se ao confinamento e à detenção
para posterior repatriamento. É sabido que a utilização das polícias para a
resolução de problemas sociais só pode ter resultados circunstanciais, jamais
estruturais e, menos ainda, ter efeitos nos desequilíbrios
geopolíticos. Por seu turno, a NATO, com a
operação Active Endeavour até 2016 e, depois dessa data, com a operação
Sea Guardian não resolveu coisa alguma; nem sequer a ação de gangs de
passadores que exercem todos os tipos de violência sobre os candidatos à
entrada na Europa.
A vigilância no
Mediterrâneo serve, sobretudo, para que os europeus adormeçam no regaço das
suas virtuosas classes políticas; mesmo que os resultados apenas evidenciem as
suas incapacidades.
As dificuldades dessa
travessia e a situação de “ilegal” ou “sem papéis” são elementos mistos de
valorização e de submissão por quem as ultrapassa. De valorização, porque os
imigrantes procuram uma vida menos miserável e perigosa da vivida nos seus
países de origem; por outro lado, muitos terão de se submeter aos estratos mais
desqualificados do empresariato europeu que sabem ter nos imigrantes uma massa
de gente que se pode pressionar, roubar, sequestrar e pagar miseravelmente,
servindo-se da sua desgraça, dos poucos direitos que lhes são reconhecidos,
para aumentar os seus lucros e pressionar para baixo os preços vigentes no
“mercado de trabalho” europeu global.
Esse modelo ferozmente
concorrencial, afeta grande parte das sociedades europeias e promove o
desemprego estrutural, a atomização do desempenho laboral, a generalizada
precarização na vida, instila um ambiente de medo, de estúpida canalização do
descontentamento e do medo para a repulsa do Outro (o imigrante africano e/ou
islâmico) e nele se encastra o racismo e a xenofobia institucionalizados em
partidos fascizantes (Le Pen, AfD, Fidesz, Lega Nord…). Estes, aproveitam-se da
deriva para um neoliberalismo assanhado por parte dos partidos inscritos nos
gangs PPE e S&D, que dominam a maioria das classes políticas nacionais, no
seio da UE. Nessa deriva reacionária participam os partidos de “esquerda” que
procuram mais ganhar votos aproximando-se das posições do centro, para acederem
ao pote, do que contribuir para uma alternativa ao sistema político oligárquico
e ao modelo capitalista.
2 – O perfil
demográfico das áreas geopolíticas africanas
Como procedemos para a
Europa, dividimos a África em três conjuntos de territórios[2]. Um deles é a
África do Norte que bordeja a margem sul do Mediterrâneo, muçulmana, árabe e
berbere, no seu essencial e que confronta com a Europa na margem norte, tendo
Gibraltar e Espanha a uns parcos treze quilómtros mas também, bem perto de
Malta e da Sicília. Um segundo conjunto de países, que designámos por África –
Âncoras, foi escolhido por razões do seu potencial económico ou demográfico ou
dada a sua importância nas zonas onde se encontram e que, por isso, se mostram
como as âncoras que marcam a marcha do continente; mesmo que sem contiguidades
entre si. E, finalmente, os restantes países, uns maiores que outros, em regra
pobres, pouco articulados internamente ou sem uma população particularmente
grande.
Fonte
primária: UNCTAD/CNUCED
Como se observa no gráfico há uma evolução regular e sem recuos,
sendo sensível a diferença de ritmo entre a África do Norte e os restantes
conjuntos; o que se acentua nas previsões para 2050. O crescimento previsível
mais forte regista-se no conjunto 43 países aqui incluídos em África-Outros,
cuja população será multiplicada por oito relativamente a 1970.
2.1 - África do Norte
Enquadram-se aqui cinco países de civilização muito antiga e de
relação estreita com a Europa e o Médio Oriente. No primeiro caso, com a
instalação de gregos, macedónios, romanos e, fugazmente dos bizantinos; e,
muito mais tarde com a colonização francesa, italiana (Líbia) e inglesa
(Egipto). No segundo caso, com a chegada dos fenícios, fundadores de Cartago,
com a primeira vaga da expansão muçulmana, no século VII, cuja cultura se
tornou dominante em todo o Norte de África, desde então, mesmo quando se
verificou a inclusão da costa sul do Mediterrâneo na esfera otomana de
influência. Inversamente, a presença de norte-africanos na Europa apenas se
verificou no seguimento da destruição do estado visigótico, na Península Ibérica,
em 711 e durante mais de sete séculos, bem como na Sicília, Malta ou Chipre, de
modo muito menos duradouro.
·
A Líbia apresenta até 1990 as maiores taxas de crescimento
demográfico anual na região (3.8 a 5.1%) sendo ultrapassado pelo Egipto desde
então mas, mantendo taxas pouco superiores a 2% e incluindo no capítulo das
previsões para 2050 (1.8%, por ano);
·
A Líbia, que na década terminada em 2010 apresentou um ritmo de
crescimento populacional médio de 1.5%, apenas apresenta uma taxa de 0.3% no
hexénio 2000/2016. As causas são bem conhecidas e prendem-se com a guerra que as potências da
NATO fizeram à Líbia – um perigoso país com apenas 6.1 M de habitantes – para
se apossarem
das suas riquezas energéticas, que vieram a ser
repartidas em função dos bombardeamentos efetuados e que constituíram uma
bofetada aos outorgantes do Nobel da Paz a Barak Obama, em 2009;
·
Cabe a Marrocos o mais baixo ritmo de crescimento demográfico na
região, para o período 1970/2000 (2.7%), substituído pela Tunísia na primeira
década deste século e pela Líbia no hexénio seguinte, como se disse atrás;
·
Neste século, depois de uma geral quebra no ritmo de crescimento
populacional, assiste-se nos seis anos terminados em 2016 a um aumento das
taxas, em todos os países, excepto a Líbia como já se explicou;
·
Quanto às previsões para 2050, contemplam uma quebra
generalizada dos aumentos populacionais que se cifram entre 1.8% para o Egipto
e 0.6% para a Tunísia. A única excepção cabe à Líbia, devido à excepcionalidade
dos últimos anos e que poderá não se concretizar, tendo em conta, o conflito interno
que se desenvolve no país, entre as várias tribos, mormente da Cirenaica e da
Tripolitânia, desde a intervenção da NATO.
2.2
- África - Âncoras
Neste conjunto considerámos seis países. A Nigéria é o país mais
populoso de África e campo aberto ao extrativismo petrolífero das
multinacionais que semeia um desastre
ambiental descomunal nas imediações do delta do
Niger. A Nigéria enquadra uma manta diversificada de etnias, línguas e credos,
sendo dominante o islamismo; e tem na sua história recente um passado com
várias organizações estatais, mormente os califados de Sokoto e de Bornu, entre
outros, combatidos e submetidos pela colonização francesa e inglesa, nos
séculos XIX e XX. A Nigéria tem internamente o problema do Boko Haram, grupo
fanático ligado ao ISIS/Daesh e que se carateriza por raptos e massacres; um
problema que se adiciona ao avanço da seca que empurra população do norte para
sul, provocando reações aumentadas pelas diferenças étnico-religiosas.
O Egipto, também considerado atrás na área geopolítica da África
do Norte, é o mais populoso país de língua árabe, com uma pequena minoria de
população copta e cuja história remonta a vários milhares de anos anteriores à
era comum; é um das três mais antigas unidades estatais, sendo a China e o Irão
as outras duas. Recentemente houve um presidente eleito – Morsi - afeto à
Irmandade Muçulmana mas, não sendo aceite pelos militares nem pelos EUA, o
Egipto voltou a um regime militar ditatorial, como aliás lhe tem sido habitual.
Tem no Sinai a regular atuação do ISIS/Daesh e uma vizinhança incómoda
constituída por Israel e Arábia Saudita. A sua relevância estratégica deriva do
controlo dessa via jugular de navegação que é o canal do Suez.
A África do Sul, outro denso retalho de línguas e etnias, tem a
particularidade de incluir uma numerosa minoria de descendentes de europeus e
outra, menor, de asiáticos, entre os quais esteve, há uns cem anos, Gandhi. É o
país com maior riqueza global em África, com distribuição muito desigual,
elevado grau de pobreza e corrupção, apesar da extinção do apartheid.
Angola tem vivido da sua riqueza em petróleo e diamantes, cujos
benefícios têm sido apropriados por uma oligarquia de cleptocratas, com ligações
muito próximas com a classe política portuguesa; e onde trabalham muitos
milhares de portugueses. Em contrapartida, é um país desestruturado, com enorme
pobreza e imensas carências infra-estruturais.
A Costa do Marfim foi governada durante trinta anos por um
oligarca megalómano – Houphouet-Boigny, um exemplo de “negro com máscara
branca” como diria Fanon; e que construiu uma enorme e sumptuária basílica na
sua terra natal, no interior do país. A sua sucessão originou conflitos
sangrentos que obrigaram á intervenção militar da ONU. Tem relevância global em
vários produtos agrícolas de importância mundial, como o cacau, o algodão e o
óleo de palma.
Finalmente, o Quénia destaca-se como o principal polo de ligação
ao exterior na costa oriental do continente e Mombaça foi o porto escolhido
pela China para constituir o seu principal entreposto no Índico ocidental, no
âmbito da rede comercial que está em curso.
Como se observou, escolheram-se como âncoras, países cuja
dimensão económica, demográfica ou posição geográfica, são geradoras de atração
nas suas respetivas áreas circundantes, para além do que já se referiu quanto à
África do Norte.
·
Os mais elevados ritmos de crescimento demográfico anual
situam-se na Costa do Marfim até 2000, sendo o indicador para a década de
1970/80 (5.8%), o mais elevado entre todos os países deste grupo, em todo o
lapso de tempo considerado. Porém, regista-se nos períodos que definem o século
actual um marcado decrescimento da dinâmica populacional no país, resultante
dos dois períodos de guerra civil - 2002/07 e 2010/11 - que se verificaram no
país;
·
Ainda no período de tempo contido neste século, os maiores
ritmos de crescimento populacional entre os seis países evidenciam-se em Angola
(4.2% e 3.9% em 2000/10 e 2010/16) e, as razões terão, certamente, ligação com
o fim da guerra civil em 2002; uma inversão face ao acima descrito
relativamente à Costa do Marfim, cujo período de turbulência se situou na
primeira década do século. Em Angola, o comparativamente baixo aumento
populacional registado nas décadas terminadas em 1970 e 1980, (2,4% e 3,2%,
respetivamente) tem correspondência com o período final da luta pela
independência e, posteriormente, com a guerra civil. As guerras que se
arrastaram durante 27 anos provocaram a morte de … 500000 pessoas;
·
A queda das taxas de crescimento populacional é praticamente
constante no longo período considerado, nos casos do Quénia, do Egipto e,
sobretudo da África do Sul que, aliás apresenta as mais reduzidas, entre os
países âncora, desde o período 1980/90, ainda no tempo do apartheid;
·
A Nigéria, que apresenta, com Angola as mais baixas taxas de
crescimento populacional no período 1950/70 regista, a partir daí, um valor
constante, em torno de 3% anuais;
·
Quanto às previsões para 2050, o maior dinamismo demográfico
cabe a Angola (4.8% por ano) e o mais baixo na África do Sul (0.9%) onde,
aliás, através do tempo, se tem assistido a uma lenta mas regular saída de
população de origem europeia. Nigéria e Costa do Marfim são também países onde
se prevê um aumento do ritmo do crescimento populacional até 2050 (3.6% e 3.4%,
respetivamente). Finalmente, prevê-se também uma quebra no dinamismo
demográfico no Egipto (1.8%) e uma continuidade no Quénia relativamente ao
hexénio terminado em 2016.
2.3
– África – países restantes (43)
Até 1990 há um equilíbrio na proporção entre a soma da população
conjunta da África do Norte e dos países Âncora face aos Outros países
africanos – na ordem dos 110 pessoas nestes últimos por cada 100 habitantes nos
primeiros. Essa proporção passou a alterar-se, paulatinamente, para cerca de
116 em 2000, 125 em 2010, 130 em 2016, calculando-se que em 2050 essa relação
seja de 156. Essa tendência, a concretizar-se, revelará uma alteração
significativa na distribuição pelo território, da população africana e que
poderá resultar da menor atração dos países Âncora para a captação de população
nas regiões vizinhas, agudizando-se a situação social nestas últimas. Por outro
lado, a Europa, a manter os baixos níveis de crescimento económico, em paralelo
com o aumento da animosidade e a xenofobia face a emigrantes e refugiados,
poderá não constituir uma oportunidade de vida para muitos africanos, mormente
dos oriundos de países onde a pressão demográfica coincidir com estagnação
económica; ou, onde os conflitos armados se desenrolem, com os seus cortejos de
violência sobre as populações, deslocações massivas, haveres pilhados ou
destruídos, campos de refugiados ou alargamento da extensão dos bairros de
lata.
De modo mais otimista, pode admitir-se que aquela tendência de
níveis de aumento da população poderá ser acompanhada por maior capacidade
nesses 43 restantes países para enquadrar os seus próprios naturais, numa
lógica pouco aderente à realidade do “crescimento sustentado”, em regra,
bastante desigual; ou ainda, do surgimento entre estes últimos de novas
âncoras, susceptíveis de criar novos fluxos de deslocação interna, em África,
com a criação de novas centralidades.
Tendo em consideração, as crispações geopolíticas que se vão
consolidando, mormente entre EUA e Rússia/China; a continuidade ou
aprofundamento das desigualdades entre os países; a própria desestruturação
dentro de muitos desses estados-nação, com o aumento de conflitos sociais
transformados em étnicos e religiosos, no caso de África; tendo ainda em
consideração as suas desarticulações, tudo nos recorda o aviso de René Dumont,
em 1962, no seu livro “A África Começa Mal” que hoje poderia ser reescrito com
um novo título, “A África Continua Mal”, tendo como eventual edição seguinte um
“A África Vai Para Pior”.
Não sendo conveniente, por fastidioso, proceder a uma descrição
da situação em cada um dos 43 países africanos aqui agrupados, restringimo-nos
aos maiores, do ponto de vista demográfico.
·
A Etiópia é, em 2016 o único destes países com mais de 100 M de
habitantes, mesmo que se tenha separado da Eritreia em 1993. A Eritreia, com
3.4 M de habitantes em 2000 havia sido incorporada – como se fosse uma
propriedade fundiária - na Etiópia do imperador Hailé Selassié, em 1951, pela
Grã-Bretanha, sem ter em conta as diferenças culturais, religiosas e
linguísticas; desse acto surgiu uma guerra de 31 anos que só terminou em 1991.
Assim, do ponto de vista demográfico, se a separação da Eritreia não teve
relevância na Etiópia, já o mesmo não se pode dizer quanto ao facto da última
ter deixado de ter acesso direto ao litoral;
·
A República Democrática do Congo (RDC) é o segundo país mais
populoso deste conjunto com 79 M de habitantes em 2016. Riquíssimo em recursos
naturais, não deixa de ser um dos países mais pobres do mundo, revelando o
domínio da cleptocracia tradicional no poder (Mobutu durante 32 anos e a
família Kabila até hoje); e ainda, a desarticulação do país em regiões dominadas
por poderes oligárquicos e milícias mafiosas, em articulação com os interesses
do capital internacional, mais recentemente centrado nas cobiçadas “terras
raras”;
·
Nos lugares seguintes quanto ao volume da população em 2016,
seguem-se, a Tanzânia (56 M), o Uganda (41 M) e o Sudão (40 M), recordando-se,
neste último caso que o Sudão do Sul (12 M) se separou em 2011, após um longo
período de guerra com o Sudão (norte); e que continua em estado de guerra,
internamente, desde então, para além de um contencioso com o Sudão
sobre a partilha de recursos petrolíferos;
·
Os mais pequenos países de África são as Seycheles e S. Tomé e
Príncipe, respetivamente com 200 mil e 94 mil habitantes em 2016. As ilhas
Seychelles constituem, no caso das movimentações de capitais que têm Portugal
como parte, um offshore de segunda
linha; e, S. Tomé e Príncipe, só em 2016 surge nesse “mercado” como se poderá
observar aqui;
·
Para o período 1970/2016, as mais elevadas taxas anuais médias
de crescimento populacional (não há nenhum caso de redução como observámos
na Europa) registam-se no Sahara Ocidental
(13.1%), ocupado por Marrocos; no Djibuti (10.7%) onde se observa um verdadeiro
engarrafamento de bases militares estrangeiras; e ainda o Niger (7.8%), a
Gâmbia (7.7%) e o Uganda (7.4%), entre os quais somente o Uganda (41 M) e o
Niger (21 M) têm uma população numerosa em 2016. Inversamente, o crescimento mais
baixo observa-se nas Seychelles (1.7%) e Cabo Verde (2.2%) que, como se sabe
são arquipélagos, no segundo caso com uma tradicional e forte emigração; o
Lesotho (2.5%) que é uma monarquia encravada na África do Sul; a República
Centro-Africana (3.3%) onde lavra uma guerra pelo domínio de minas de ouro; e a
Guiné-Bissau (3.4%) onde confluem os dejetos contaminados provenientes de
países avançados e as movimentações de drogas com destino à Europa;
·
No capítulo das previsões para 2050 todas as taxas de crescimento
demográfico se mostram inferiores às correspondentes registadas no período
1970/2016; no entanto, há situações em que as diferenças são mínimas – Mali e
Burundi;
·
O maior crescimento populacional até 2050 é apontado para um
país do Sahel, o Niger (6.8%), um indicador ligeiramente abaixo do observado em
1970/2016 e muito acima dos indicadores mais elevados seguintes, previstos para
o Uganda (4.6%) e República Democrática do Congo e Tanzânia (4.4%), três dos
quatro países mais populosos entre os 43 países incluídos nos Outros;
·
Ainda no que se refere a previsões para 2050, os menores
dinamismos demográficos anuais recaem em países como Seychelles (0.1%),
Djibuti, Cabo Verde (1.1%), Lesotho (1.3%), Botswana (1.5%), Suazilândia (1.6%),
Namíbia e Serra Leoa (2.2%). Nos casos das Seychelles e de Cabo Verde
sublinha-se a continuidade do baixo crescimento populacional atrás registado
para o período 1970/2016. Entre os restantes que destacámos é evidente a forte
presença de países que rodeiam a África do Sul que apenas crescerá do ponto de
vista populacional 0.9 % por ano até 2050.
O mapa que se segue espelha a evolução demográfica dos países
africanos expectável para 2050 (em % de crescimento anual).
- Observa-se, muito claramente, que os mais baixos ritmos de crescimento demográfico se concentram exclusivamente a Norte e a Sul do continente (vermelho e laranja);
- Por seu turno, os maiores ritmos de crescimento concentram-se grosso modo entre o Sahel e o Índico (azul e verde), surgindo dispersas as áreas com valores intermédios para o crescimento populacional (amarelo).
Evolução da população
africana em 2050 face a 2016
Em breve - idêntica abordagem para a Ásia
Abordagem anterior - idêntica
abordagem para a Europa
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
África - Âncoras – África do Sul, Angola, Costa do Marfim,
Egipto, Nigéria e Quénia
África – Outros – Todos os restantes 43 países
( a consideração do Egipto na África do Norte e como Âncora é intencional)
Sem comentários:
Enviar um comentário