As
manobras guerreiras do Império no Médio Oriente
Sumário
1 - Uma Europa
decadente mostra os dentes cariados
2 - Um relance
sobre as últimas virtuosas intervenções do Pentágono/NATO
2.1 – Líbia
2.2 – Iraque
2.3 –
Afeganistão
2.4 – Síria
3 - Dentro de
tragédias e comédias do passado recente sobra o quê?
4 - Irão, o
suculento alvo dos ocidentais
4.1 - História
recente das intervenções ocidentais no Irão
4.2 – A matriz
iraniana de relações externas
4.3 - O nuclear
iraniano
4.4 - O impacto
das sanções energéticas decretadas pela UE
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As manobras guerreiras
do Império no Médio Oriente
A abordagem
geopolítica tem a vantagem da integração multidisciplinar (geografia, história,
economia, culturas, demografia…) e é aquela que permite uma visão global do
mundo.
Por
consequência, embora neste texto nos centremos no Médio Oriente e no Irão em
particular, teremos em conta que não há regiões fechadas, do ponto de vista da
geopolítica e que o planeta é um sistema de vasos comunicantes, sem prejuízo da
existência de especificidades regionais ou locais.
1 - Uma
Europa decadente mostra os dentes cariados
Para os
iluminados lideres europeus, a ausência de problemas na Europa - onde, como se sabe, os níveis de bem-estar
crescem a olhos vistos - justifica o adiamento sine die de qualquer solução para os problemas menores como as
bancarrotas bancárias e dos estados ou o relançamento da economia.
Por isso,
sobra-lhes tempo para decretar sanções contra o Irão, (1) na obediência
habitual às ordens de Washington, onde - aí sim - há uma estratégia mundial e
para o Médio Oriente, em particular. Afinando pela mesma estreiteza
estratégica, reinventaram, a 30 de janeiro, uma fórmula descredibilizada para
amarrarem os países endividados da UE ao fornecimento de rendimentos eternos ao
sistema financeiro e assim evitarem a falência dos grandes bancos europeus.
Estupidamente ou para beneficiarem os grandes empórios petrolíferos, contribuem
para aumentos dos preços, sem revelar que a relevância da Europa para as exportações
iranianas não é muito grande, como adiante se verá.
Que preparam
eles? Provavelmente mais uma cimeira, precedida do habitual encontro da
amálgama Merkosy.
2 - Um
relance sobre as últimas virtuosas intervenções do Pentágono/NATO
Vejam-se
algumas notas sobre as mais recentes, de todas as virtuosas intervenções
militares dos ocidentais;
2.1 - Líbia
Vão surgindo
frequentes e pouco tranquilizadoras notícias sobre a Líbia - conflitos
militares, práticas de tortura, dissensões dentro do novo poder e ações
populares contra o governo de transição imposto na Líbia pela NATO, através da
fórmula democrática da bomba. Ora, depois da humanitária intervenção ocidental,
quantos de nós não suporíamos que os líbios ainda não tinham parado de orar em
agradecimento pelos ocidentais bombardeamentos? Nos próximos tempos se verá o
real sucesso da estratégia de “nation-building” dos EUA, para além da
apropriação dos recursos energéticos do país. (2)
Um aspeto menos
mediatizado é que no seguimento do fim da era Kadhafi, as tropas tuaregs
integradas no exército líbio se posicionaram no Mali, reivindicando a secessão
da parte daquele país habitada por tribos tuaregs. Este povo, na realidade é
uma nação sem Estado (nunca o tiveram) e as fronteiras estabelecidas pela partilha
colonial pouco lhes dizem. O MNLA – Mouvement National pour la Liberation de
l’Azawad atacou/ocupou recentemente várias localidades cerca da “curva” do
Niger, no Mali.
Dada a fraqueza
do exército maliano não é de estranhar que entre em execução o plano
“antiterrorista” com que os EUA têm envolvido os governos da África em geral e
do Sahel em particular, nos últimos anos de intensa atividade do Africom.
2.2 - Iraque
Em finais de
2011 os EUA e os seus ansiosos fiéis abandonaram o Iraque – deixando atrás os
costumeiros “consultores” da tropa local – um lastro com mais de 1 M de civis
mortos e com destruições maciças das infraestruturas do país; são os habituais
problemas colaterais - como se diz na gíria NATO - para pacificar o país.
Contudo, as bombas continuam a rebentar e a fazer vítimas. (3)
Esta retirada,
se bem que não termine a presença militar ou reduza a relevância estratégica
que o Médio Oriente tem para os EUA revela, essencialmente, fracassos e
objetivos não conseguidos.
Da invasão e
posterior ocupação do Iraque pelos EUA e seus apêndices - todos eles desde
muito cedo ansiosos por sair de cena – podem extrair-se algumas notas
relevantes para a abordagem do empenho ocidental atual contra o Irão e a Síria:
a) Recordemos aqui
o coro dos dirigentes ocidentais e do seu maestro, o famoso George W Bush,
todos garantindo ter provas insofismáveis da existência de armas de destruição
massiva no Iraque. Veio a confirmar-se que as tais armas eram inexistentes mas,
o que realmente existiu, foi o seu papel de argumento central numa jogada de
grosseira propaganda. O argumento das armas de destruição massiva contra o Irão
- ou argumentação semelhante - não colherão, decerto, o mesmo apoio que em
2003. Porém, sabe-se ser sempre possível comprar ou arregimentar na ONU uns
quantos fiéis, como as Ilhas Marshall ou o amestrado ministro Portas para
participarem em qualquer número circense.
b) A promessa da
instauração de uma democracia - mesmo que de mercado - falhou clamorosamente.
Ao regime autoritário e corrupto de Saddam sucedeu um mandarinato mais
diversificado – mas não menos corrupto - que, logo após a invasão americana
soube aproveitar-se da melhor maneira - a pior para os iraquianos - os
financiamentos e auxílios dos EUA. O exemplo que se pretendia mostrar a regimes
e povos do Médio Oriente, o das alegrias da democracia de mercado, com o
abandono do autoritarismo militar ou feudal, não teve seguidores; as mudanças
na Tunísia e no Egito resultaram essencialmente da esforçada luta da multidão
contra os ditadores e, em nenhum caso, o Iraque serviu de inspiração;
c) O resultado da
intervenção no Iraque não veio afinal a amenizar a antipatia antiamericana e
antiocidental nos países muçulmanos. O Afeganistão continua ocupado e os
paquistaneses não têm apreço algum pelo regime do corrupto Zardari e dos
militares, empresários e torcionários. As monarquias árabes prosseguem
serenamente nas suas manifestações de autoritarismo, repressão e recusa de
direitos civis e políticos para a população. Os palestinianos continuam a ser objeto
da espoliação da sua terra e dos seus haveres às mãos de uma seita racista que
funciona como um cérbero de guarda dos interesses ocidentais, mormente
energéticos, no Médio Oriente;
d) A presença de
militares americanos no Golfo Pérsico e nas terras árabes começou em 1991, no
seguimento da invasão do Kuwait por Saddam. Expulsos os iraquianos da “sua” 19ª
província, os EUA permitiram a manutenção de Saddam, com uma soberania
limitada, com áreas de exclusão aérea e sanções que atingiram duramente a
população; é evidente que a continuidade da presença dos EUA iria continuar sob
o argumento da supervisão do Iraque, da contenção do seu líder, que mesmo
enfraquecido, funcionava como uma falsa ameaça para o Kuwait ou para a Arábia
Saudita;
e) A invasão do
Afeganistão (2001) e, posteriormente do Iraque (2003) foram outras tantas
formas de perpetuar a presença americana no Médio Oriente a qual, entretanto,
se foi expandindo por causa da ameaça “terrorista”, da al-Qaeda e em nome da
contenção do Irão. Agora, com as retiradas do Iraque e proximamente do
Afeganistão, é preciso nomear novas ameaças para justificar a presença em
terras do petróleo e nas rotas de saída do mesmo para países rivais. Os EUA vêm
construindo um dispositivo militar composto por 32 bases na região do Golfo
Pérsico (4) onde se destaca Seeb, Thumrait e Masirah no Oman, Al-Ubeid no
Qatar, o comando da V esquadra no Bahrein, perto de Manama e Camp Arifjan ou
Camp Doha no Kuwait;
2.3 - Afeganistão
Os EUA estão
aqui desde 2001 quando invadiram o país com o pretexto de capturar bin Laden e
o seu hospedeiro, o mullah Omar, chefe dos integristas talibãs que então
governavam o país. Obama anunciou retirar do país em 2014 deixando-o entregue
ao seu homem de mão, Karzai, ligado à CIA e ex-funcionário de uma companhia
petrolífera americana, Unocal, entretanto integrada na Chevron.
O regime de
Karzai caracteriza-se pela corrupção e pela fraude eleitoral a que a tutela
americana fechou os olhos para favorecer o seu pupilo. É a presença militar
americana que garante que a instabilidade não degenere em caos e permite os
investimentos chineses e indianos. Porém, os três milhões de refugiados no
Paquistão e no Irão parece não confiarem muito na continuidade da pax americana.
A orografia e
as dificuldades de circulação acentuam as diferenças étnicas e políticas numa
sociedade rural, com fortes tradições patriarcais e laços tribais, linguísticos
ou étnicos que favorecem a existência de milícias armadas e senhores de guerra.
A guerra e a posição estratégica favoreceram uma atividade florescente de
plantação e tráfico de ópio que tem promovido graves danos sociais, mas que
serve de fonte financeira para o armamento dos senhores da guerra.
Como é evidente
a luta contra o terrorismo e a punição de bin Laden foi um argumento falso para
invadir o Afeganistão, em 2001 mas, suficiente para fomentar uma onda
patrioteira e justiceira nos EUA bem como justificar quebras de direitos e uma
fobia anti-islâmica no país e que se tornou produto de exportação. Mais tarde,
em 2008, o candidato Obama iria referir o subdesenvolvido Afeganistão,
encravado na Ásia e sem acesso ao mar, como a real ameaça à segurança dos EUA!
Há vários
fatores que explicam esta obsessão pelo Afeganistão ou resultam dela;
a) A presença no Afeganistão constitui uma ameaça direta ao Irão,
situando-se em Shindand, a 100km da fronteira comum, a maior base militar
americana no país embora o centro logístico do dispositivo militar dos EUA
esteja em Bagram, a norte de Kabul;
b) Numa propensão proactiva, os EUA tentaram utilizar o Afeganistão
para trazer os imensos recursos energéticos do Turquemenistão e do
Kazaquistão para o Índico, retirando-os
portanto, de rotas dependentes da Rússia e, ao mesmo tempo, sem passar pelo
Irão. Esse projeto fracassou completamente como se explicitará mais adiante.
c) Tal como os soviéticos nos anos 80, os americanos não estudaram
o fracasso dos britânicos no Afeganistão, no século XIX; e esqueceram as
proximidades culturais dos pashtun de um lado ou do outro da artificial
fronteira com o Paquistão (este, mais uma “brilhante” criação britânica para
dividir o seu antigo império das Índias). Consequentemente, a instabilidade
política e social agravou-se no Paquistão, suscetível de provocar conflitos com
a Índia;
d) O cultivo da papoila para a produção de heroína no Afeganistão
(uns 93% da produção mundial em 2007) ocupa mais terra do que a plantação de
coca na América Latina e gera $ 50000 M por ano (5). O cultivo aumentou
substancialmente desde a derrota dos talibãs e constitui peça importante na economia
mafiosa mundial que tanto capital encaminha para o sistema financeiro e a
poderosa Wall Street; ambos, funcionando para o descontentamento da esmagadora
maioria da humanidade. Os senhores da guerra funcionam como os guardiões das
plantações, cobrando para o efeito, sob a bênção dos EUA. Este cultivo repete o
que os EUA fizeram nos anos setenta do século passado no Laos, no Cambodja e na
Birmânia, onde a CIA controlava a heroína e o ópio para financiar a guerra
americana contra os guerrilheiros vietnamitas;
e) Os EUA já gastaram $ 438 000 M e os ingleses £ 18 000 M com a
guerra no Afeganistão e resta saber se, após a sua retirada o ajuste de contas
entre os vários senhores da guerra, os talibãs e Karzai, não irá trazer a este
último a sorte do seu antecessor Najibullah que em 1989, depois da saída dos
soviéticos foi assassinado com requintes bárbaros.
2.4
– Síria
A questão síria – pese embora toda a ambiguidade dessa
designação, está a apresentar novos episódios diários.
Onde há repressão, há resistência. Na Síria há contestação mas,
aparentemente incapaz de vencer o regime e as várias forças sociais que o
apoiam; os cristãos ortodoxos (4%), as oligarcas sunitas, os druzos (3%) ou os
arménios que toleram o poder alauita, seita xiita que representa 12% da população,
que lhes garante a estabilidade; e que provavelmente mudarão de opinião quando
Bashar estiver em queda. Por outro lado, o predomínio dos “Irmãos Muçulmanos”
na contestação a Bashar não atrai muitos dos que preferem o laicismo do regime
sírio a um regime religioso de base sunita, com a imposição da lei corânica.
a) Contrariamente ao que aconteceu na Tunísia ou no Egito onde se
assistiu (e assiste) a pacíficas contestações de massa, na Síria e talvez não
apenas através de deserções do exército, não relevantes para quebrar a sua
unidade, a oposição tem recorrido às armas. Em termos estritamente legais, essa
opção justifica a intervenção brutal e pesada contra os revoltosos, para mais,
apenas armados com “kalashnikovs”;
b) É uma verdade que um levantamento armado não inserido num forte
apoio da multidão é sempre frágil e fica condenado ao fracasso. Guevara pagou
com a vida a sua visão romântica de revoluções baseadas em vanguardas de
heróis. Qualquer manual de guerrilha reflete o ensinamento de Mao “um revolucionário
deve estar para o povo assim como um peixe está para a água”. Neste sentido, os
insurgentes, ou alargam o seu apoio popular ao ponto de isolar e dividir os
atuais apoiantes de Bashar ou, são esmagados; e não nos parece realista que
aconteça na Síria uma intervenção militar como a observada na Líbia,
protagonizada pela NATO;
c) Na oposição síria não há muitos adeptos de uma intervenção
militar externa para resolver problemas internos, uma vez que o país tem um
historial rico de humilhações, ocupações e agressões, as mais recentes das
quais a partir da entidade israelita. Os casos do Iraque e da Líbia revelaram
bem os altruistas intuitos dos ocidentais; assim, o empenho ocidental contra
Bashar não credibiliza a oposição síria e a crispação dos vizinhos turcos
também não. Recorde-se ainda que a Turquia otomana governou a (Grande) Síria
até à guerra de 1914/18; que os ocupantes franceses brindaram os turcos com uma
fatia de território sírio (o sandjak de Alexandretta, hoje conhecida por
Iskenderun) em 1939 para garantir a neutralidade turca no conflito mundial de
1939/45. Porém, a Turquia recusa uma
intervenção estrangeira e mesmo a fixação de zonas de exclusão aérea na Síria;
d) Há um evidente interesse russo (e da China) em esfriar os
ímpetos ocidentais contra a Síria. A sua aceitação da resolução 1973 contra a
Líbia foi ultrapassada e veio a servir como trampolim para a agressão da NATO
contra aquele país. Terminada a guerra, a redistribuição dos recursos
petrolíferos líbios veio a fazer-se a favor dos ocidentais, mormente franceses
e ingleses, em detrimento da continuidade dos negócios de russos e chineses com
Kadhafi. Daí o veto de ambos – Rússia e China – no Conselho de Segurança da ONU
à proposta ocidental contra a Síria, no passado dia 4 de fevereiro; não
quererão, decerto, ver na Síria, uma repetição dos maus resultados registados
na Líbia. No que se refere ao petróleo e num mundo sedento do seu consumo, a
Siria apesar de não ter reservas impressivas comparadas com as da Líbia (2500 M
barris contra 46400 M barris) não pode ser ignorada;
e) Por outro lado, a Rússia tem uma relação próxima com a Síria
onde detém uma base naval em Tartous, a sua única posição permanente no
Mediterrâneo, qual resquício da grandeza soviética. E, não é difícil imaginar
que, com a queda de Bashar al-Assad, um novo poder, criado pelos EUA, ou
agradecido pelo papel destes na cruzada a favor da “democratização” da
Síria, solicitará aos russos o abandono
de Tartous.
f)
No seguimento deste veto, dia 6 de
fevereiro, os EUA retiram o pessoal diplomático de Damasco ao mesmo tempo que
Obama diz o problema ser resolúvel sem intervenção militar. Curiosamente, os
regimes ocidentais de democracia de mercado para pressionar a queda do regime
ditatorial sírio, utilizam como apoiantes os países da Liga Árabe que, em
grande maioria são ditaduras, quando não monarquias absolutas. Em política a
gratidão tem pouca cotação; o emir do Kuwait terá esquecido que a Síria de
Hafez al-Assad (pai de Bashar) condenou, em 1990, a invasão do Kuwait por Saddam,
embora este e Hafez fossem os chefes supremos de dois partidos irmãos, o Baas
iraquiano e o sírio;
g) A Síria poucos anos atrás constituia o principal obstáculo a um
projeto de construção de condutas entre a Turquia (Ceyhan) e Israel, para o
transporte de petróleo, água e eletricidade ao território sionista, pois
necessariamente teria de atravessar águas territoriais sírias. Uma mudança de
regime em Damasco poderia ser um elemento viabilizador do projeto, considerando
que a Turquia abrandaria a sua crispação com Israel nascida do assalto militar
dos sionistas ao Mavi Marmara em maio
de 2010;
h) Também Israel seria grande beneficiário de mudanças políticas na
Síria, se o novo poder aceitasse de facto, a ocupação dos Golan, em troca de
negócios com Israel e, sobretudo, se dificultasse a vida do Hezbollah no Líbano
ou permitisse o seu isolamento, limitando a influência de Teerão no Líbano;
i)
Finalmente, refira-se que
estrategicamente, a preocupação democrática do Ocidente quanto ao regime de
Damasco prende-se essencialmente com o período de pressão política e militar
contra o Irão, sabendo-se das fortes ligações entre o Irão, a Síria e o governo
libanês.
3 - Dentro
de tragédias e comédias do passado recente sobra o quê?
Inebriados pelo
desmoronamento das ditaduras e do capitalismo de Estado na Rússia e na Europa
de Leste, os ocidentais acreditaram que o seu modelo político e social seria
facilmente transplantável para o mundo islâmico e não só. Se não por intermédio
de uma discutível superioridade moral, pelo menos através de manu militari que, de permeio e menos
mediaticamente, ajudaria ao relançamento da poderosa indústria militar,
ressentida com o fim da Guerra Fria (6).
A
inevitabilidade do pensamento único neoliberal e da democracia de mercado
propagada pelos ocidentais apresenta duas clamorosas negações. Por um lado, o
crescimento económico da China revela que um regime repressivo consegue
conciliar um capitalismo de Estado com a iniciativa privada nacional ou
multinacional e até tornar-se o motor principal do crescimento do PIB ou do
comércio mundial, tornando-se, em paralelo, uma potência financeira. Por outro,
a deriva recessiva, em termos de economia e de direitos, promovida pela tara
neoliberal no Ocidente, retira credibilidade ao modelo ocidental. Se este
modelo se revela gerador de desemprego e pobreza, não pode incentivar as
multidões dos países islâmicos a uma cópia simples pois os seus países já
sofrem demasiado com aqueles problemas.
A recordação
das humilhações coloniais e as falhadas ou sabotadas tentativas de repetir a
via ocidental são, lucidamente vistas, como herança colonial, por parte dos
povos. Finalmente, as barreiras colocadas nos países ocidentais às exportações
de outros países ou à entrada de imigrantes - objeto de tratamento racista e
discriminatório - não constituem exemplos de solidariedade individual, nem
coletiva, para a resolução dos problemas do subdesenvolvimento e da pobreza;
Os regimes em
vigor dos países islâmicos, na sua grande maioria, associam-se aos capitais
ocidentais, acoplando-se ao sistema da globalização excludente, tornando-se
ambos cúmplices na manutenção da pobreza e da ausência de direitos, bem como na
repressão das reivindicações dos povos, em todo o mundo e não apenas nos países
mais ou menos emergentes. Ainda em 2011, perante as revoltas populares na
Tunísia e o Egito, os ocidentais, com Hillary Clinton à frente, manifestaram
muito mais preocupação em garantir uma evolução na continuidade do modelo
autoritário do que entusiasmo pela pulsão libertadora dos povos;
O esmagador
poder militar do Pentágono, da NATO e dos seus aliados evidenciou nem sempre
ser suficiente para vencer estrategicamente as guerras em que se metem. Assim,
Israel não conseguiu esmagar o Hezbollah em 2006; os EUA não foram capazes de
estabelecer um regime democrático e a paz no Iraque, mesmo gastando $ 1 bilião;
e no Afeganistão, os EUA procuram sair do atoleiro em que se envolveram, mesmo
que os seus opositores estejam bem longe de ter o seu poder militar,
tecnológico ou financeiro. No fim, quando abandonam a cena, o Pentágono e a
NATO deixam sempre para trás metástases de conflito, de ditaduras, de
sofrimento e de miséria, não se podendo afirmar que o mundo fique mais seguro e
feliz, após a derrota militar dos sucessivos “estados párias”;
A insistência
em guerras e invasões nos últimos vinte anos, por parte dos EUA e dos seus
aliados, incluindo a sucursal israelita, não contribuiu para a preparação de
fórmulas negociais de gestão de conflitos. O conceito do “nation-building”
baseia-se em atitudes racistas de superioridade civilizacional sobre os
“nativos”, no desprezo pela sua cultura, a sua história, a sua diversidade
étnica ou religiosa, confiando apenas no poder das armas para esmagar o
adversário e do dinheiro para comprar mandarins para a representação dos seus
interesses;
Embora as
atitudes da grande maioria dos regimes dos países islâmicos face à Palestina
tenha muito de hipócrita e instrumental para efeitos de propaganda, na
realidade as multidões dos países do Médio Oriente são muito favoráveis aos
palestinianos e contrárias aos sionistas. Ora os EUA e os seus subalternos
europeus tendo, sistematicamente, atitudes desculpabilizantes dos crimes e da
ocupação israelita – quando não claramente apoiantes – inviabilizam a priori, o
desenvolvimento de grandes simpatias na “rua árabe”. Embora não sendo a Turquia
um pais árabe, o seu governo teve de secundar a indignação do seu povo quando
da ação terrorista de Israel sobre o Mavi
Marmara, em prejuízo das relações comerciais e políticas entre a Turquia e
a entidade israelita. Por seu turno, a mudança de regime no Egito teve
consequências imediatas e favoráveis aos palestinianos, com o declarado apoio
dos egípcios. Para salvar a face, a UE, numa lógica assistencialista, procede a
donativos aos palestinianos, sobretudo aos corruptos de Ramallah;
No Iraque, as
multinacionais ocidentais da energia voltaram aos poços que dão acesso a 8.3%
das reservas mundiais de petróleo, como toda a gente já adivinharia, antes da
invasão americana e inglesa. Na Líbia veio a acontecer exatamente o mesmo, com
a aplicação de um critério macabro de partilha - a França assenhoreou-se de um
terço do petróleo líbio, dado que lhe coube um terço dos bombardeamentos
efetuados (7);
No Iraque, logo
no início da conquista, os EUA impuseram a transposição na lei, de aspetos tão
interessantes como a imunidade legal aos empreiteiros estrangeiros e às
empresas de segurança privada, como a famigerada Blackwater; a ausência de
impostos sobre os lucros das mercadorias exportadas; ou a obrigação de comprar
sementes registadas (OGM) às incontornáveis Monsanto ou Cargill (8);
Constituiu-se
um Curdistão iraquiano, semi-independente, tolerante para com os seus irmãos
curdos da Turquia o que, por vezes, gera azia em Erdogan; e, no Iraque, teme-se
que a haver uma mudança radical do poder na Síria, a província de al-Anbar,
fronteira da Síria e de grande maioria sunita, se sinta tentada a uma secessão,
desagradada com o poder xiita de Bagdad. As fronteiras resultantes da partilha
colonial estão, quase todas, prenhes de artificialidades e contrassensos;
Porventura, a
parte que menos agrada aos EUA e suas filiais, é que o antagonismo
anti-iraniano cultivado por Saddam, por encomenda dos EUA, deu lugar a uma
ligação profunda dos iraquianos – povo e governo, maioritariamente xiitas - com
o Irão. Mesmo durante a ocupação americana, as sanções decretadas pela ONU
contra o Irão, a partir de 2006, foram ignoradas totalmente pelos iraquianos
que contribuíram assim para a inocuidade dessas sanções. O sangrento episódio
iraquiano – esperamos os próximos capítulos – faz-nos lembrar que os militares
gritam sempre “missão cumprida” mesmo quando retiram estrategicamente
derrotados.
4 - Irão, o suculento alvo dos ocidentais
O Irão é o
grande inimigo para os EUA e para a turma europeia no chamado “Arco de
Instabilidade”, território que vai do Mediterrâneo até à fronteira oriental do
Paquistão. Porém, parece-nos um osso demasiado grande para os dentes do
Pentágono, hoje; não por razões estritamente militares, naturalmente, mas
sobretudo por razões económicas e políticas.
4.1 - História
recente das intervenções ocidentais no Irão
a) O Irão do
primeiro-ministro Mossadegh, nos anos 50 do século passado, humilhou a
Inglaterra - que exercia uma suserania sobre o país desde 1913 – quando
nacionalizou o petróleo controlado pela antepassada próxima da BP;
b) Em 1953, a CIA
e o MI6 derrubaram Mossadegh, apoiando o xá num regime despótico. Os iranianos
só se livraram da dinastia Pahlevi em 1979, após uma revolução democrática que
depois foi suplantada pela aplicação da “sharia” imposta pelo clero xiita, em
torno de Khomeini, considerado pelo povo como um consequente opositor do xá. Na
vida real, porém, há muitas situações de tolerância relativamente aos rigores
da lei islâmica;
c) Ainda em 1979,
no âmbito dessa revolução democrática, o antiamericanismo popular veio para a
rua e os estudantes ocuparam a embaixada dos EUA, sequestrando dezenas de
funcionários para eventual troca pelo xá, refugiado nos EUA. Insatisfeitos, os
EUA tentaram uma operação militar de resgate mas, falharam estrondosamente,
deixando destroços de aeronaves no deserto iraniano. Entretanto, congelaram os
bens iranianos nos EUA que libertaram, dois anos depois, quando foram entregues
os funcionários da embaixada.
d) Com o derrube
do xá, foi dissolvida, também em 1979, a CENTO, organização militar dominada
pelos EUA e Inglaterra mas, onde participavam além do Irão, o Iraque, o
Paquistão e a Turquia, como elos de cerco da URSS;
e) Em 1980, o
Iraque de Saddam Hussein pretendeu inverter a evolução democrática no Irão,
aproveitando as divisões entre partidários de Khomeini e a esquerda iraniana,
para evitar qualquer contágio junto dos iraquianos xiitas e ainda retirar
vantagens territoriais em áreas petrolíferas;
f)
Começa então a guerra Irão-Iraque, com apoios internacionais
muito desiguais; os EUA e a Arábia Saudita financiam Saddam havendo também
apoios do Egito e da URSS; esta, vendedora de armas a Saddam, mudou de campo
quando os EUA se tornaram dominantes no apoio ao Iraque. Os apoiantes do Irão
eram apenas a Síria e a Líbia.
g) Entre as forças
militares no terreno havia grande desigualdade em homens e equipamento. O
Iraque tinha uma grande superioridade militar, embora o Irão fosse bem mais
populoso. Porém, Saddam terá descurado a homogeneidade política e cultural do
Irão, um dos mais antigos estados do mundo que, por exemplo, recusou o uso do
árabe e voltou ao farsi, pouco depois da islamização – ao contrário do que
aconteceu na Síria, na Mesopotâmia e na África do norte. E isso a despeito da
diversidade linguística e étnica;
h) Essa
desigualdade de forças fez com que as baixas iranianas tenham sido muito
superiores, - 500000/1 milhão de mortos - contra 300000 iraquianos que até
utilizaram armas químicas e bombardearam as instalações nucleares de Bushehr. O
uso de armas químicas por Saddam desta vez não foi condenado porque o ditador
estava do lado americano da guerra;
i)
A política externa do Irão que se sucedeu à guerra com o Iraque
tem sido a do jugular da animosidade dos EUA e o rompimento do cerco e
isolamento internacional proposto pelos EUA. Nesse sentido, o Irão não
reconhece a existência de Israel e tem criado pontes políticas com a Síria, o
Hezbollah libanês e o Hamas palestiniano;
j)
Em relação às intervenções militares dos EUA no Iraque e no
Afeganistão – nas suas fronteiras ocidental e oriental, respetivamente - o Irão
tem-se mantido cauteloso mas, sem prejudicar os laços históricos com a maioria
xiita no Iraque (60% do total) ou com o Afeganistão, onde há afinidades
linguísticas ou religiosas com hazaras, tadjiks, aimaks e pashtuns;
4.2 – A
matriz iraniana de relações externas
A globalização,
para a qual tanto pugnaram as multinacionais e o sistema financeiro, provocou
um efeito perverso no habitual poder ocidental. Em vez de todos os estados e
povos do mundo se perfilarem, em submissa vassalagem para com os EUA - como se
terá pensado ou desejado após o desmoronamento
da URSS - o que se verificou foi um nítido enfraquecimento das economias e da
capacidade de intervenção política das potências ocidentais, em contrapartida
de uma nova potência – a China – que se vem afirmando, mais e mais, com
influência mundial; e, para além da China, vai-se verificando uma reafirmação
da Rússia e o surgimento de potências regionais como o Brasil e a Índia e, num
outro plano, a África do Sul, a Turquia, o Irão.
Neste contexto,
face ao declínio económico ocidental, as principais potências regionais do
Oriente - Próximo e Médio - têm procurado um realinhamento político e
económico, dirigindo-se para leste e sul, e incrementando também as relações
entre si.
a) Duas dessas
potências – Turquia e Irão – têm alicerçado fortes relações de cooperação. A
Turquia, depois do desabar da URSS sentiu-se menos ameaçada, estabeleceu pontes
com as nações turcófonas da Ásia Central e, sem se descartar da NATO e das
bases militares americanas, tem assumido uma grande independência na cena
internacional. Por outro lado, a Turquia entendeu que a entrada na UE não passa
de uma quimera que entusiasma cada vez menos a população;
b) A política
externa do AKP de Erdogan é a de se colocar como ponte entre o leste e o oeste
e, no que diz respeito ao Irão, são vultuosos os seus investimentos ali,
assumindo recentemente, com o Brasil, um relevante papel de intermediação na
pressão americana sobre o Irão, a propósito do nuclear (ver 4.3 neste
documento). Nesse âmbito de ponte entre dois mundos, a Turquia recebe gás do
Irão através de duas condutas que saem de Tabriz, tal como é atravessada desde
2005 pelo BTC (Baku-Tiblisi-Ceyhan), oleoduto dominado pela BP e com o alto
patrocínio americano, para impedir rotas do petróleo através da Rússia ou do
Irão. Em paralelo, o BTC transporta gás do Turquemenistão até Erzurum na
Turquia, a incorporar no projeto Nabucco, cuja viabilidade está muito
comprometida;
c) A Leste e Norte
do Irão, estão os países ligados à OCX – Organização de Cooperação de Xangai
nascida em 2001, a partir dos “cinco de Xangai” (Rússia, China, Cazaquistão,
Quirguizistão e Tadjiquistão) criado em 1996, a que se juntou o Uzbequistão.
Mais tarde, aderiram como observadores, o Irão, a Índia, a Mongólia (2006) e o
Paquistão. Estes países rodeiam, quase totalmente, um “enclave” americano
chamado Afeganistão;
d) A OCX – pese
embora as rivalidades e até animosidades entre alguns dos seus membros ou
observadores – tem uma existência que nada convém aos EUA. Unir as enormes
populações da China e da Índia, com o poder financeiro da China, as reservas
energéticas da Rússia, do Irão e do Casaquistão e ainda o poder militar da
Rússia e da China - para além de que
quatro dos dez parceiros detêm armas nucleares - é um elemento estruturante na
geopolítica mundial. Recentemente, os dois principais membros efetivos do OCX
vetaram os propósitos ocidentais quanto à Síria e não demonstram qualquer
interesse em participar seriamente em sanções contra o Irão;
e) A Índia recebe
uns 15% das suas necessidades energéticas a partir do Irão que é a sua fonte
mais próxima de energia. Uma via de abastecimento é a partir de Chabahar, porto
a sudeste iraniano, fora do golfo Pérsico e onde a Índia investe no seu
desenvolvimento, com eventual construção de um oleoduto submarino, para evitar
a passagem por solo paquistanês. Um outro desenvolvimento estratégico seria a
construção de um corredor multimodal que, ligaria Bombaim a S. Petersburgo, com
ramificações para a Europa e a Ásia Central; atravessando todo o território
iraniano e o Turquemenistão, que assim enviaria o seu gás para a Índia, através
de um sistema de trocas com gás iraniano. Este projeto não agrada aos
ocidentais, que ficariam sempre de fora (9);
f)
Em março de 2010, Irão e Paquistão assinaram um acordo para a
construção de um oleoduto ligando os dois países, tendo a infraestrutura em
território iraniano sido completada em julho de 2011, depois de vencidas as
pressões americanas de vários anos, que preferiam transportar eletricidade do
Tadjikistão através do Afeganistão. O projeto visa o estabelecimento de ramais
dentro do Paquistão e uma passagem para a Índia, com ramais subsequentes que poderão
atingir o Bangla Desh (10);
g) Em janeiro de
2010 foi iniciada a trasfega do gás do campo de Dauletabad no sul do
Turquemenistão e Khangiran no nordeste iraniano (11), onde se integra na rede
interna do Irão, abrindo assim uma nova porta de saída para as imensas reservas
turcomanas, depois do início de uma outra ligação a oeste, em 1997 junto à
fronteira entre os dois países, no Caspio (12);
h) Para além do
petróleo e do gás, o Irão está colocado nos dez primeiros lugares mundiais na
produção de zinco, chumbo, cobalto, alumínio, manganês e cobre (13).
4.3 - O
nuclear iraniano
O programa
nuclear iraniano foi iniciado nos anos 50, com a ajuda dos EUA e suspenso após
a revolução de 1979. Nessa ocasião, a empresa alemã Kraftwerk Union AG, ligada
à Siemens e à AEG Telefunken abandonaram a construção da central de Bushehr
devido à pressão dos EUA.
Em 1995, o
Irão, depois de se refazer dos danos da guerra com o Iraque, retomou o seu
programa nuclear, nomeadamente para concluir Bushehr, no âmbito de um acordo
com a Rússia, afirmando entretanto que esse programa de centrais nucleares se
desenvolverá também em Arak e Darkhovin/Ahvaz para produzir 6000 Mw de
eletricidade até 2010. Para o efeito, tem ou projeta ter, reatores de pesquisa
em Tabriz, Ramsar e Teherão, outras instalações em Natanz e Isfahan e explorar
as minas de urânio no sudeste (Saghand e Jasd).
Desde essa
retoma do programa nuclear os EUA, secundados pelos aliados europeus e pela
filial israelita, vêm procedendo a acusações nunca fundamentadas de que existe
um projeto oculto de produção de armas nucleares. Revelando que o cão ladra
sempre, primeiro e mais alto do que o dono, Israel vem demonstrando o seu
apetite por um bombardeamento das instalações nucleares iranianas, à semelhança
do que fez em Osirak, no Iraque, em 1981. O dono, porém, tem a mão firme e vai
impedindo a ação, como impediu a retaliação israelita quando Saddam enviava
mísseis Skud, em 1991, sobre Israel; porém, a ação mantém-se latente.
As sanções
aprovadas pela ONU iniciaram-se em 2006, no âmbito da habitual utilização da
instituição para dar cobertura aos interesses dos EUA e do resto da turma
ocidental. Noam Chomsky, em março de 2010, expressa claramente que "o Irão
é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos.
Militarmente essa ameaça é irrelevante”.
A crispação
americana tem infetado o processo de obtenção do combustível nuclear pelo Irão,
o que não acontece com mais nenhum país com centrais nucleares. Em 2009, o Irão
pediu a assistência da AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) para a
obtenção de combustível para a pesquisa com fins de uso médico, tendo-se
sucedido um conjunto de peripécias diplomáticas para o controlo ocidental da
tramitação do material, da tecnologia do enriquecimento e da transformação em
combustível destinado ao Irão. Recusando as exigências ocidentais o Irão
iniciou, em Natanz, (fevereiro 2010) o enriquecimento do urânio a 20%.
Os EUA e os seus
aliados propuseram então mais sanções contra o Irão e para distender a
situação, o Brasil e a Turquia elaboraram com o Irão (maio de 2010) um acordo
sobre a troca de urânio a 3.5% por outro, enriquecido a 20%, reafirmando “o
direito de todos os países à investigação, produção e uso da energia nuclear,
com fins pacíficos, sem discriminação" (14). Este acordo, embora
semelhante às propostas ocidentais não demoveram os EUA da aprovação de novas
sanções contra o Irão, no âmbito da ONU.
Ora, o urânio
enriquecido a 20% não tem aplicação na produção de armas atómicas pois nestas é
usado urânio a 80% (ou mesmo 90%, como na bomba enviada pelos EUA contra
Hiroshima). Embora Ahmadinejad tenha anunciado tanto a capacidade como o
desinteresse do Irão em enriquecer o urânio a 80%, isso deve ser considerado
com objetivos políticos e até a AIEA considera que o Irão só pode proceder ao
enriquecimento até 20%.
Entretanto, (abril de
2010) Obama afirmou a nova doutrina nuclear americana segundo a qual os EUA não
usariam armas nucleares contra países que não as possuam e subscrevam o Tratado
de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP (15), excluindo a Coreia do Norte e
o Irão dessa garantia. Claro que essa garantia valerá pouco dado o precedente
perante o Japão em 1945 ou do uso de munições com urânio empobrecido no Iraque,
em 1991 ou, na Sérvia, em 1999. É, contudo, um facto político a ter em conta,
uma manifestação evidente de hostilidade.
Sendo o Irão
subscritor do TNP e não tendo - até prova em contrário - armas nucleares, é
evidente a ameaça. Uma vez mais, os EUA se arrogam a ter mais direitos do que
os outros estados, a auto-intitularem-se zeladores e intérpretes de quem tem,
ou não tem direito a ter as tais armas, a assumir a perpetuidade do seu arsenal
nuclear e os dos outros membros do clube nuclear. Sabe-se, contudo, que a paz e
a segurança no mundo só teriam a ganhar se fossem desmanteladas todas as armas
de destruição massiva, mormente de cariz nuclear.
Por outro lado e pela
mesma ocasião, um consultor da AIEA afirma que a quantidade do urânio
armazenado pelo Irão tem estado estável há muito tempo e que “a possibilidade
de o Irão continuar a fabricar uma arma nuclear com um estoque de urânio
escondido é totalmente falsa”. Segundo o mesmo técnico “Acredito que o problema
não é a questão nuclear. Há vários interesses geopolíticos em jogo, pois o Irão
tem um papel de equilíbrio no Oriente Médio. É um contrapeso a países como
Arábia Saudita e Emirados Árabes, aliados locais dos EUA. O Irão também tem
relações com grupos palestinos, que desestabilizam Israel. Acho que hoje o
problema é político, não técnico.” (17)
A hipocrisia é
enorme. A Índia e o Paquistão têm assumidamente armas nucleares e não assinaram
o TPN, o mesmo acontecendo com a entidade israelita, que não assume a sua posse
e cujo programa de armamento nuclear foi iniciado em 1967, com a colaboração
francesa (18).
Na sequência da
revisão do TNP em 2010 foi programada uma conferência para a desnuclearização
do Médio Oriente e para a qual foram convidados todos os estados da região
incluindo a entidade israelita, que não é signatária do tratado, embora detenha
umas 200 armas nucleares, bem como capacidade de as transportar nos seus
mísseis Jericho, para alvos a 11500 km de voo.
Esta capacidade
detida por Israel, de lançar uma bomba nuclear, no Rio de Janeiro, por exemplo,
bem longe da região de onde poderão surgir ameaças à sua segurança, não é o
produto de um delírio dos seus militares. Essa capacidade atesta que Israel é
uma fortaleza ocidental no Próximo Oriente e que faz parte do dispositivo
militar-estratégico ocidental cuja cabeça é o Pentágono; o que, portanto,
justifica todo o apoio financeiro, económico e diplomático ocidental à entidade
israelita. A essa integração a nível militar deve juntar-se uma outra, bem
conhecida, entre a CIA e a Mossad.
Para compor o ramo
das acusações americanas contra o Irão, um ex-oficial americano, cientista
político senior da “recomendável” RAND Corporation, Seth Jones, escreveu na
revista Foreign Affairs um artigo onde revela a presença de milhares de membros
da al-Qaeda no Irão, ali refugiados quando os EUA invadiram o Afeganistão.
Entre os refugiados afegãos no Irão (um milhão em 2003) nada custa a admitir
que militantes da al-Qaeda se tivessem juntado à multidão para salvar a pele.
Curioso mesmo é que esse facto só agora seja conhecido, dez anos depois do
acontecimento, numa fase em que a propaganda ocidental se mostra acesa na
diabolização do Irão. Pelo que se vê, mesmo após a morte de bin Laden, a
al-Qaeda continua a ser um argumento político útil ao Pentágono (19).
É portanto, enganador
continuar com a lenda do nuclear militar iraniano. É pior que enganador, é
aceitar uma discussão nos termos convenientes pelos EUA e pela sua filial
israelita que visam apenas isolar o Irão e manter a supremacia americana e
ocidental no Médio Oriente, bem como o controlo das suas fontes de energia.
Esse controlo não significa para os acidentais, mormente os EUA, apenas o
abastecimento próprio (ver 4.4 neste documento) mas, sobretudo, terem o poder
de interferir nos abastecimentos de rivais estratégicos como a China, a Índia,
o Japão ou a Coreia do Sul, muito dependentes dos fornecimentos energéticos
provenientes do Golfo Pérsico; e assim ter o poder de determinar a marcha das
suas economias.
Talvez não esteja na
agenda dos EUA uma nova guerra em larga escala. Este ano (2012) os EUA
iniciarão uma integração entre o exército afegão e as tropas ocidentais para
dar ao primeiro mais experiência no combate aos talibãs mas, também para
reduzir substancialmente o combate direto dos ocidentais com os opositores da
sua presença. É a repetição do processo de vietnamização da guerra, cujos
resultados se conhecem e que não deixaram de ser considerados como uma derrota
dos EUA e dos seus aliados; é também a repetição do processo iniciado no
Iraque, anos atrás.
Estes processos
constituem acima de tudo formas suaves de sair do terreno sem alcançarem uma
vitória estatégica, eliminando a ameaça do inimigo, dando a ideia de que a
intervenção militar e a “ajuda” permitiram dotar os “nativos” de capacidades
próprias e autónomas de sucesso futuro, de evolução virtuosa no caminho da
democracia e da civilização. Uma vez que as intervenções militares têm como
objetivo muito específico satisfazer os interesses do invasor e ocupante, as
transformações sociais e políticas não são as necessárias ou as aceites pelo
povo; e daí que a luta se reacenda e intensifique após a saída militar dos
invasores.
Esses processos de
passagem das responsabilidades militares para soldados locais tem ainda várias
vantagens; caem bem junto da opinião pública americana que vê os seus soldados
regressarem a casa, pois quanto aos mercenários ninguém se importa que
continuem no terreno e atuem sem escrutínio público; alivia os cofres do estado
americano, a braços com o desemprego, a pobreza e o essencial apoio ao sistema
financeiro; constitui uma forma disfarçada de assunção de derrota.
Parece estar um curso
uma estratégia militar de não invasão do território inimigo, com a ocupação do
seu solo, com a gestão da desordem administrativa, dos refugiados, dos
atentados, com a responsabilidade pela reconstrução de infraestruturas … mesmo que isso possa beneficiar empresas
americanas, colocadas na primeira linha das adjudicações.
Recorde-se que no
novo conceito estratégico da NATO (2010) são definidas quatro fases de “gestão
das crises” - a proteção preventiva, a
gestão pró-ativa das crises, a utilização da força militar e a estabilização
post-intervenção – reconhecendo-se ser esta última a mais cara, a mais
demorada, a mais difícil e a geradora de mais custos humanos e financeiros para
os invasores.
Para evitar essa
última fase, na Líbia, a intervenção militar baseou-se nos bombardeamentos, na
utilização da recolha de informação e no apoio logístico aos grupos armados
anti-Kadhafi. Derrotado Kadhafi e reafetos os direitos
sobre os recursos petrolíferos a favor dos ocidentais, ninguém se parece
preocupar com a concertação entre os vários grupos armados, que se digladiam
entre si, nem muito menos com a reconstrução dos danos causados pela guerra,
essencialmente, sequelas da intervenção ocidental.
Também no Bahrain e
perante as manifestações populares foram tropas sauditas e dos Emiratos Árabes
Unidos que intervieram para a manutenção do poder da familia al-Khalifa, apesar
de se situar no Bahrain a sede do comando da V Esquadra americana e dos
militares ali presentes rondarem os 5000, para além das guarnições de uns 30
navios.
Esta assunção de
debilidade estratégica torna-se mais clara perante a dimensão do Irão e dos
contornos geopolíticos das suas imediações. Por isso preferirão medidas de
caráter económico, assassínios e sabotagens, contando na região com o
incondicional apoio da sinistra Mossad; ou mesmo ações provocatórias com aviões
não tripulados ou outras, com a intervenção de grupos especiais, eventualmente
criados em países vassalos da região do Golfo. Neste aspeto, a Arábia Saudita
seria o melhor colocado pois os seus gastos militares correspondem a 11,2% do
PIB em 2010, contra 2,5% para o Irão, em 2007.
Para além da sua
fortaleza israelita, os EUA em 2012, diferentemente ao acontecido em 1979, não
têm um Saddam para confrontar o Irão e veem-se obrigados a estar numa primeira
linha na confrontação, num jogo de bluff
pouco promissor mas, perigoso; a Arábia Saudita e os Emiratos podem funcionar
como auxiliares mas, não para protagonizarem, por procuração, uma confrontação
direta com o Irão. Mas, tal como Israel, adorariam que os EUA cilindrassem o
Irão e ocupassem militarmente (ainda mais) a região pois isso garantiria a
perpetuidade das várias casas reais do Golfo, como protetorados dos americanos,
como o foram dos británicos até à descolonização.
Porém, qualquer
conflito militar no Golfo iria afetar, com duração indefinida, todo o sistema
mundial de distribuição da energia e os seus preços (acrescido em mais 30%
segundo o FMI) (20), o que no estado calamitoso das economias ocidentais só
viria a acentuar o seu declínio. E disso, a Casa Branca e o Pentágono estão bem
conscientes.
4.4 - O impacto
das sanções energéticas decretadas pela UE
Em 2010, os ratios reservas comprovadas/produção,
para o petróleo e para o gás natural, referidas ou calculadas a partir de
informação contida no Statistical Review of World Energy relativo a 2010,
revelam as enormes reservas existentes nas margens do Golfo Pérsico e, em
contrapartida, a penúria estratégica da China e dos EUA, que os obriga a
garantir no exterior os seus abastecimentos energéticos.
O Irão, com as
terceiras maiores reservas, em valores absolutos no capítulo do petróleo –
depois da Arábia Saudita e da Venezuela - e as segundas – depois da Rússia - no
que se refere ao gás, torna-se no país com maior relevância em termos
energéticos, sobretudo, porque detém no seu território grandes quantidades dos
dois mais versáteis dos combustíveis fósseis. Note-se que os produtores
europeus de gás têm reservas relativamente limitadas, medidas atraves do ratio
acima referido – Noruega com 18.8 anos, Holanda 17 e Inglaterra 5.3 anos.
(anos de
produção – nível de 2010)
Petróleo
|
Gás natural
|
||
Mundo
|
46.2
|
Mundo
|
58.6
|
Arábia Saudita
|
72.4
|
Arábia Saudita
|
13.6
|
China
|
10.0
|
Argélia
|
56,0
|
EUA
|
11,3
|
CChina
|
28,9
|
Irão
|
88.4
|
Emiratos Ár. Un.
|
117,6
|
Iraque
|
128.1
|
EUA
|
12,6
|
Kuwait
|
110.9
|
Irão
|
213,8
|
México
|
10,6
|
Qatar
|
217.0
|
Rússia
|
20,6
|
Rússia
|
76.0
|
Venezuela
|
234,1
|
Turquemenistão
|
189,4
|
Assim como a
China vem desenvolvendo afanosamente um ambicioso plano de construção de barragens
hidroelétricas e centrais nucleares, ao mesmo tempo que investe nas renováveis
(e daí o seu interesse pela EDP), o Irão procurará garantir uma duração maior
das suas reservas e das exportações energéticas, criando uma alternativa
nuclear, almejada desde os tempos do último dos Palehvi.
Em 2010,
comparativamente a 1995 e de acordo com elementos publicados pela CNUCED,
destacamos os elementos seguintes sobre o comércio externo iraniano e que
revelam a enorme relevância dos produtos energéticos nas exportações;
Variação do total das exportações
|
5,5 vezes
|
Variação das exportações de petróleo,
bruto ou refinado
|
5.7vezes
|
Variação das exportações de gás,
natural ou não
|
14.3 vezes
|
Variação da restante exportação
|
4.4 vezes
|
A repartição
espacial das exportações iranianas em geral e dos produtos energéticos revela
as transformações estruturais do comércio e da produção mundiais que se
consubstanciam no declínio do domínio ocidental após cerca de três séculos de
predomínio. Essas transformações globais provocam tensões, conflitos e
ajustamentos estratégicos que re-hierarquizam os estados.
Os equilíbrios
nas transações energéticas são normalmente instáveis e, são muitos os fatores
que afetam os preços. Quando os burocratas da UE decidiram cancelar as
importações petrolíferas do Irão a partir de julho, para mostrar serviço à
suserania estratégica dos EUA, decerto saberão que daí não surgirão
dificuldades inultrapassáveis para o Irão. E, dentro da proverbial sapiência
dos burocratas, espera-se que a retaliação, pelo Irão, de suspender as
exportações petrolíferas para França e Inglaterra, anunciada a 19 de fevereiro,
não venha a constituir mais um elemento de sacrifício para os povos europeus
O mais provável
será uma reafetação da logística das origens e dos destinos, com ou sem redução
da exportação global do Irão. Entre os principais clientes do Irão, a China e a
Índia, por exemplo, não estarão muito dispostos a acertar o passo com a UE
recusando o petróleo iraniano, até porque o dinamismo económico que vivem
tornam-nos ávidos de petróleo e pouco dispostos a colaborar com elementos de
instabilidade no fornecimento energético; e, por outro lado, o Japão e a Coreia
do Sul só muito relutantemente e perante fortes pressões ocidentais, entrarão
no jogo do boicote.
Nos últimos
quinze anos assiste-se a uma quebra constante do peso do conjunto dos países da
Europa “desenvolvida” no total das exportações de petróleo bruto ou dos seus
refinados: 42,8% em 1995 e somente 22.5% em 2010. A perda de posição dos países
europeus e, em menor escala, do Japão e da Coreia do Sul, é nitidamente
compensada pelo relevo crescente das importações chinesas e indianas; estas, em
conjunto, eram irrelevantes no contexto das exportações iranianas em 1995 mas,
evidenciam o crescimento do peso da China desde então e o da Índia, a partir de
2006. A partir de 2007, o conjunto das exportações iranianas para a China e a
Índia ultrapassa claramente as que se dirigem para a Europa.
Fonte primária: CNUCED
A exportação
iraniana de gás representa, em 2010 apenas 2,3% das exportações totais, contra
79,3% do petróleo e dos seus refinados no mesmo ano. Dentro desse contexto, a
importância relativa da Europa “desenvolvida” representa apenas 7.8% do total,
embora em anos recentes tenha tido maior representatividade.
Fonte primária:CNUCED
Avalie-se, em
seguida, a estrutura das importações da Europa e dos EUA para se aquilatar a
dependência face aos fornecedores do Médio Oriente, tomando de empréstimo
elementos colhidos na Statistical Review of World Energy relativa a 2010.
A importação
global de petróleo bruto ou refinado por parte da Europa e dos EUA tem um
quantitativo próximo – 12094 mil barris/dia no primeiro caso e 11689 mil
barris/dia para os EUA, para o ano de referência, 2010. O peso dos
fornecimentos provenientes do Médio Oriente é maior na Europa do que nos EUA, o
que no primeiro caso, as sanções podem conduzir a uma maior dependência da
Rússia. Notam-se ainda diferenças nítidas relativas à posição geográfica mas,
essencialmente, no que concerne ao grau de concentração nas quatro principais
áreas fornecedoras da Europa, por um lado e, dos EUA, por outro.
(%)
Europa
|
EUA
|
||
Países da ex-URSS
|
49,5
|
Canadá
|
21,7
|
Médio Oriente
|
19,5
|
América Sul e Cent.
|
18,9
|
Norte de África
|
13,9
|
Médio Oriente
|
14,8
|
África Ocidental
|
7,6
|
África Ocidental
|
14,4
|
Outros
|
9,6
|
Outros
|
30,2
|
É duvidoso que
os EUA se queiram envolver numa nova guerra de grande extensão territorial e
temporal; e os seus aliados europeus muito menos, pois as guerras do Império
não são simpáticas na Europa. Aliás, na intervenção na Líbia, os intervenientes
europeus demonstraram não ter um dispositivo adequado e, nem sequer conseguiram
manter um abastecimento adequado em
munições da frente de combate (21).
Quando se fala
de guerra, ao aterrar na colónia ibérica da Troika, é incontornável recordar
que todos os submarinos têm portas sendo único o caso de Portas que fazem
lembrar submarinos.
Portas, com o
seu exaltado ar de pregador, parece um Torquemada a exortar à queima dos infiéis iranianos, ou o
protagonista de um festival pimba da mentira, beneficiando da ignorância ou da
subserviência do jornalismo luso, em matéria de geopolítica. Todos nos
recordamos também da emanação do seu integrismo católico contra o chamado
“barco do amor” que transportava militantes em defesa da IVG, em 2005, contra o
qual se ridicularizou com o envio de uma canhoneira... já que os submarinos
ainda não tinham entrado ao serviço.
- - - - -- - - - -- ----------
Notas:
(21)
Este e outros textos em:
Chegoume iste ensaio polo e mail ao colectivo.renderen de galiza . e atopei o teu bolg . realmente bó. pasarei por eiqui de cando en vez pra aprender algo. sáude dende ourense milhocorvo.blogspot
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