1 – A procura irrestrita de riqueza é
uma adição
2 - Os níveis de riqueza na Europa e
no mundo
3 - As hierarquias em 2000, 2008 e 2019
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||||| ooooooo
1 – A procura irrestrita de
riqueza é uma adição
A ideia da “mão
invisível” gerada por Adam Smith representa a reprodução de um determinismo
religioso, segundo o qual há divindades caprichosas ou sádicas para incutir nas
pessoas ideias e práticas especificas. A mão invisível representa, pois, uma
lei surgida como algo construído acima das vontades dos humanos que nada podem
fazer para se oporem ou contestarem.
Vigorava então o racionalismo,
a procura de leis para interpretar a natureza mas também as relações entre os
humanos, no âmbito do otimismo e, mesmo do deslumbramento de uma nova camada
social, autoconfiante, em franca progressão quanto a poder político e
apropriação de bens e territórios; mesmo que à custa de guerras de apropriação
daqueles, da pilhagem, da pirataria e da escravatura.
Ultrapassadas as lutas
religiosas, com os deuses desmaterializados e os altares despidos, surgiram
conceitos a merecer respeito e vénias como integrantes de uma nova concepção do
mundo. A classe dos capitalistas sentia a necessidade não só de desbravar novas
terras, plantas, conhecimentos técnicos e científicos mas, de conceptualizar à
sua atividade no sentido do enriquecimento. Os capitalistas, através de
repúblicas (Holanda e Inglaterra), apossaram-se do poder de estado, mesmo que
mais tarde o devolvessem, a casas reais, como topo da representação do divino mas
com um poder político limitado, para que se não tornasse um empecilho (antes
pelo contrário) à acumulação de capital e simbolizasse a unidade da pátria para
a guerra contra a concorrência.
Nesta arquitetura inseria-se
e tornou-se inquestionável o papel da mão invisível, que se veio a confundir
com a própria noção de mercado, físico e como local de encontro, de compras e
vendas. Porém, a ideia de um preço resultante do livre e igualitário encontro
entre compradores e vendedores veio a ser altamente subvertida e gradualmente
substituída pela intervenção de multinacionais, monopólios, offshores, aparelhos de Estado, mandarinatos
corruptos, poder militar, guerra, acordos internacionais, agrupamentos de
países, criação desregulada de dinheiro e dívida por parte do sistema
financeiro.
Assim, a economia
passou da gestão e organização dos bens domésticos, concebida pelos gregos,
tendo como objeto a satisfação das necessidades de uma família, para uma falsa
ciência baseada na criação irrestrita e infinita de riqueza que tem como medida
algo tão grosseiro como o PIB[1]. O consumo, fortemente
incentivado, tornou-se uma compulsão; como compulsão se tornou também a
restrição e desvalorização dos salários pelos capitalistas apoiados pelas
classes políticas, más gestoras de aparelhos de Estado no que se refere a
necessidades populares mas, ágeis como trampolins para financiamentos corruptos
e empreendimentos sem utilidade pública.
A regulação do mercado
consiste no engrandecimento de uma minoria de ricos e em dificuldades para
assalariados (designação que tende a confundir-se com precários) e toda a
panóplia de marginalizados, em países pobres ou ricos, jovens ou velhos, com ou
sem elevadas qualificações. E, como é óbvio, nada disso tem a ver com uma
ciência económica mas com escolhas e decisões políticas, determinadas acima,
pelo conhecido 1% de grandes ricos.
A procura da riqueza,
de modo irrestrito, corresponde a uma adição. Todas as necessidades humanas,
individuais ou coletivas têm um limite. Daí que seja absolutamente demencial
que o valor atribuído pelo mercado às cinco maiores empresas globais –
Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet e Facebook ($ 5.4 biliões, isto é,
5.4*10^12)[2] seja claramente superior
ao PIB da Alemanha ($ 4.0 biliões) ou cerca de 22 vezes o PIB português. Se se
pretender personalizar as cinco maiores fortunas pessoais (Bezos, Gates,
Arnaud, Zuckerberg e Ellison), isto é, um total de $ 414000 mil milhões,
encontra-se um valor próximo de dois anos de PIB português.
2 - Os níveis de riqueza na Europa
e no mundo
Pretende-se neste
documento proceder a uma avaliação das variações da riqueza média por adulto
para os países europeus e alguns outros, de grande relevância – Brasil, China,
EUA e Índia – para além do indicador referido ao Mundo. Por riqueza deve
entender-se o conjunto de imobiliário, ações e outros títulos, equipamento
doméstico e veículos, ouro e joias, depósitos, arte… Em breve, abordaremos,
especificamente, a riqueza financeira média, por adulto.
O período considerado
é representado pelo ano 2000, pelo emblemático ano de 2008 e, 2019; o que
permite observar a evolução da riqueza por adulto, nos últimos vinte anos.
Todos os elementos de base são retirados dos relatórios anuais produzidos pelo banco
Credit Suisse com o título de “Global Wealth Databook”.
No gráfico I sublinham-se
vários aspetos:
·
Os
maiores níveis de crescimento da riqueza observam-se particularmente no período
2000/2008, o tempo anterior à crise financeira iniciada ainda em 2007 e que se
arrastou nos anos seguintes; e é esse período que sinteticamente reproduz o
essencial do perfil para o período de vinte anos considerado neste estudo.
·
Entre
2000 e 2008, a nível global, registam-se apenas três situações em que os níveis
de riqueza apresentam um crescimento anual médio inferior ao registado em 2008/2019
- Islândia (1.6%), EUA (2.1%) e Índia (19.6%). Os dois primeiros, com os
valores mais baixos de acréscimo de riqueza, entre todos os países
considerados, refletem alguma antecipação no desencadear da crise financeira,
normalmente tomada como tendo o ano de 2008 como ponto de partida.
·
De
facto, a Islândia teve a sua crise financeira causada por bolhas bancárias
ancoradas em títulos europeus e americanos que conduziram os ativos dos três
principais bancos a um espantoso aumento de 1000% em
quatro anos. A contabilização desses ganhos especulativos repartidos por
cada habitante de Islândia veio a corresponder a uma delirante dívida média de
$ 330000. O delírio de muitos ancorou-se na fraude de outros pelo que, em 2015
já havia 26 banqueiros e afins envolvidos em penas de prisão[3].
·
No
caso dos EUA, o estoiro dos subprimes
ocorreu em julho de 2007 e o seu principal efeito ocorreu no ano seguinte. A
valorização do imobiliário serviu para que agentes especuladores convencessem
pessoas de classe média e média-baixa a contraírem novas dívidas alicerçadas no
valor crescente das suas casas. Quando a bolha especulativa rebentou, o
imobiliário baixou de valor, o desemprego atingiu muitos mas, as dívidas
contraídas mantiveram o seu grau de exigência sem que os devedores as pudessem
pagar. Isso tornou-se emblemático da cadeia da crise financeira que abalou o
mundo, particularmente nos EUA e na Europa.
·
Há
uma forte e generalizada redução dos níveis de crescimento da riqueza no
período 2008/2019 comparativamente ao anterior (2000/2008); este período,
sinteticamente reproduz o essencial do perfil para o período de vinte anos
considerado neste estudo.
·
Em
termos globais, passa-se de um crescimento anual médio da riqueza por adulto, de
6.8% entre 2000 e 2008 para 4.2% de 2008 para 2019. As excepções a esse perfil
são apenas três, de acréscimos de riqueza no período mais recente – Islândia
(de 1.6% anuais no primeiro período passa para 8.8% no mais recente),
seguindo-se a Índia (14.6% e 19.6% anuais) e os EUA (2.1% para 6.9% de
2000/2008 para 2008/2019.
·
Para
o período 2008/2019 a riqueza por adulto cresceu, na Europa apenas 1.3%, um valor
que fica muito aquém dos 4.2% globais; destacam-se no cenário europeu a
Moldávia e da Bulgária, dois países dos mais pobres da Europa, com aumentos
anuais superiores a 10%.
Em 2019, face a 2008, há alguns casos
de redução da riqueza acumulada por adulto. E, esses casos envolvem países bem
conhecidos durante a crise das dívidas públicas. Chipre, apresenta um
decrescimento anual médio da riqueza por adulto de 1.5%; Grécia -3.3%; Itália,
-0.6% de redução média; Espanha, -1.7% de média anual; e ainda a Turquia com
-1.9%. Como é sabido, a Irlanda deglutiu bem a intervenção num grande banco
falido e, Portugal vai sobrevivendo, com um baixo nível de criação (registada)
de riqueza, de salários
e com
elevado pendor para a emigração para além dos omnipresentes e intocáveis gangs partidários de corruptos, salafrários
ou imbecis; … havendo ainda muita justaposição entre essas categorias.
·
É
evidente a estagnação na criação de riqueza na Europa em geral no período
2008/2019 (1.3%), em contraste com a média mundial e com os quatro grandes
países selecionados - China (20.4%), Índia (19.6%) e ainda pelos EUA (6.9%) e
Brasil (6.3% anuais). Sublinhe-se a estagnação evidenciada no Japão, com 0.3%
como média anual do acréscimo de riqueza.
·
Se
a estagnação na globalidade da Europa é evidente, contempla contudo, diferentes
situações. Por um lado, apresentam-se os países europeus mais pobres, do Leste,
com crescimento dos níveis de riqueza acima da média global. São eles, a
Albânia, a Bielorrússia, a Moldávia, o Montenegro, a Rússia e a Ucrânia, para
além da Islândia e da Suíça; com baixos níveis de criação de riqueza, entre os
não integrados na UE, contam-se a Noruega e a Sérvia.
Gráfico I - Variação
anual média da riqueza por adulto (%)
No gráfico acima, destacamos, em síntese:
·
Os maiores níveis de crescimento da
riqueza observam-se particularmente no período 2000/2008, o anterior à crise
financeira iniciada ainda em 2007 e que se arrastou nos anos seguintes; e é
esse período que, sinteticamente, reproduz o essencial do contributo para o perfil
do período de vinte anos considerado neste texto.
·
Fogem a esse perfil vários países que
nos referidos vinte anos potenciaram elevados aumentos da riqueza - China,
Índia, Moldávia e Bulgária. Como é evidente, o período 2008/2019 não é o que
mais se notabiliza pelo crescimento de riqueza somente surgindo a Islândia
nessa situação, como foi referido atrás. É também neste período que se registam
as quebras na riqueza acumulada de países como Chipre, Grécia, Itália, Espanha
e Turquia, como referido atrás.
3 - As hierarquias em 2000, 2008 e 2019
Sinteticamente,
segue-se a hierarquia dos países quanto aos níveis de riqueza tomando como base
o parâmetro mundial (100= média mundial em cada um dos anos). Adiante
apontaremos alguns factos mais notáveis.
Riqueza por adulto
|
|||||
Afastamentos e aproximações face à média
mundial
|
|||||
2000
|
2008
|
2019
|
|||
Ucrânia
|
2,8
|
Índia
|
9,5
|
Ucrânia
|
12,4
|
Moldávia
|
3,1
|
Moldávia
|
11,4
|
Moldávia
|
17,3
|
BieloRússia
|
6,3
|
Ucrânia
|
13,7
|
Índia
|
20,6
|
Sérvia
|
6,6
|
BieloRússia
|
21,0
|
BieloRússia
|
23,4
|
Índia
|
6,8
|
Brasil
|
28,7
|
Brasil
|
33,2
|
Rússia
|
6,9
|
China
|
37,2
|
Turquia
|
34,4
|
Bulgária
|
12,2
|
Rússia
|
39,3
|
Sérvia
|
35,4
|
China
|
13,7
|
Bulgária
|
41,4
|
Rússia
|
38,6
|
Roménia
|
15,7
|
Sérvia
|
46,0
|
Albânia
|
44,3
|
Montenegro
|
20,5
|
Albânia
|
49,5
|
Bulgária
|
60,2
|
Albânia
|
21,0
|
Roménia
|
63,0
|
Roménia
|
60,8
|
Brasil
|
22,4
|
Turquia
|
63,8
|
Hungria
|
62,6
|
Letónia
|
26,0
|
Hungria
|
67,4
|
Lituânia
|
70,9
|
Estónia
|
30,1
|
Lituânia
|
71,1
|
Montenegro
|
75,5
|
Lituânia
|
33,8
|
Letónia
|
75,6
|
Polónia
|
81,7
|
Rep. Checa
|
37,2
|
Rep. Checa
|
77,2
|
China
|
82,6
|
Turquia
|
37,5
|
Montenegro
|
78,5
|
Letónia
|
85,2
|
Hungria
|
38,4
|
Estónia
|
87,1
|
Croácia
|
88,6
|
Croácia
|
48,3
|
Polónia
|
97,3
|
Rep. Checa
|
91,3
|
Eslováquia
|
51,0
|
Croácia
|
117,8
|
Eslováquia
|
93,4
|
Polónia
|
51,8
|
Eslováquia
|
119,1
|
Estónia
|
110,7
|
Eslovénia
|
117,8
|
Malta
|
211,1
|
Grécia
|
135,7
|
Chipre
|
148,1
|
Eslovénia
|
220,4
|
Chipre
|
164,0
|
Portugal
|
167,1
|
Portugal
|
243,1
|
Eslovénia
|
172,9
|
Malta
|
167,2
|
Chipre
|
284,9
|
Portugal
|
185,0
|
Grécia
|
227,2
|
Finlândia
|
304,1
|
Malta
|
202,6
|
Finlândia
|
233,8
|
Grécia
|
309,1
|
Finlândia
|
258,5
|
Suécia
|
246,5
|
Suécia
|
340,2
|
Espanha
|
292,9
|
Espanha
|
246,7
|
Alemanha
|
366,1
|
Alemanha
|
305,8
|
Alemanha
|
305,7
|
Islândia
|
398,0
|
Itália
|
330,5
|
Irlanda
|
329,1
|
Grã-Bretanha
|
416,6
|
Japão
|
336,1
|
Noruega
|
333,7
|
Bélgica
|
454,6
|
Bélgica
|
347,4
|
França
|
336,5
|
Irlanda
|
454,9
|
Suécia
|
374,4
|
Áustria
|
341,6
|
Japão
|
474,4
|
Noruega
|
377,3
|
Dinamarca
|
351,9
|
Noruega
|
498,8
|
Irlanda
|
384,4
|
Bélgica
|
376,7
|
Áustria
|
504,8
|
Áustria
|
388,0
|
Itália
|
382,0
|
EUA
|
508,3
|
França
|
389,7
|
Holanda
|
420,2
|
Itália
|
513,7
|
Holanda
|
393,9
|
Luxemburgo
|
437,4
|
Espanha
|
524,1
|
Grã-Bretanha
|
395,3
|
Grã-Bretanha
|
473,8
|
Dinamarca
|
539,2
|
Dinamarca
|
400,9
|
Islândia
|
544,6
|
Holanda
|
552,8
|
Luxemburgo
|
505,3
|
Japão
|
611,1
|
França
|
565,3
|
Islândia
|
537,6
|
EUA
|
670,7
|
Luxemburgo
|
684,5
|
EUA
|
610,3
|
Suíça
|
736,6
|
Suíça
|
812,6
|
Suíça
|
797,0
|
Europa
|
198,2
|
Europa
|
279,0
|
Europa
|
217,3
|
MUNDO
|
100
|
MUNDO
|
100
|
MUNDO
|
100
|
$ 31415
|
$ 48507
|
$ 70849
|
- Vários países apresentam evidentes melhorias na posição hierárquica. Uns, são países relativamente pobres e que subiram na hierarquia acima gerada – Bulgária, China, Estónia, Letónia, Montenegro Rep. Checa e Roménia; outros, tomados como ricos, melhoraram também a sua posição – Áustria, Dinamarca, França, Irlanda (a despeito da crise financeira), Noruega e Suécia.
- Os casos de recuo na hierarquia contemplam, essencialmente, países mais pobres – Brasil, Hungria, Lituânia, Polónia, Turquia; e ainda a Bélgica.
- A posição de Portugal não sofre grandes mudanças; porém, ultrapassa a Grécia, esmagada pela troika.
- A Espanha mostra significativo acréscimo de riqueza em 2008 mas decai substancialmente em 2019, enquanto os EUA apresentam a situação inversa.
- A Grã-Bretanha e a Islândia apresentam fortes perdas de posição em 2008 mas recuperam claramente em 2019, voltando para posições próximas das observadas em 2000 no âmbito das hierarquias evidenciadas acima. Com a Itália sucede o inverso, estabilidade em 2000 e 2008 e forte quebra em 2019.
- O Japão desce na sua posição hierárquica em 2008 e 2019 enquanto, pelo contrário, a Suíça se consolida como “o cofre-forte mundial” aumentando as suas distâncias sobre a concorrência.
Não se pode dizer que
o capitalismo apresente a mesma face ou, a mesma dinâmica, em todas as
latitudes ou longitudes. A diversidade e as desigualdades são a forma de se
manter vivo e atuante; capaz mesmo de considerar a pandemia como fonte de
negócios.
(continua)
Outros
documentos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] No plano de contas da UE (SEC
2010) enquadram-se os gastos militares como … investimento; isto é, a aquisição
de uma bala de canhão é reprodutora de riqueza (leia-se PIB)
[3] https://zap.aeiou.pt/islandia-ja-condenou-26-banqueiros-prisao-pela-crise-financeira-de-2008-86996.
Como é sabido, a interpenetração entre a classe política portuguesa e a pastosa
casta judiciária, mantém em liberdade e no gozo de uma boa vida, desde 2014, o
conhecido Ricardo Salgado, sintomaticamente conhecido por DDT (Dono Disto Tudo). Portugal costuma ser
referido como terra de brandos costumes, sobretudo quando se fala das corruptas
estruturas do poder.
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