domingo, 3 de janeiro de 2016

Os apoios fiscais às empresas favorecem as oligarquias sem fomentar o investimento



As oligarquias montaram em Portugal um sistema de fuga e mau aproveitamento do dinheiro dos impostos que se cifra em mais de 25% do PIB, a que se deve juntar o apoio aos bancos de 6.8% do PIB, nos últimos anos. Isto vai para além da economia paralela e das 1000 famílias mais ricas que pagam apenas 0.5% do IRS[1].

E não se pode dizer que daqui sai um reforço do investimento. Em 2010/14 a sua quebra supera a verificada durante a intervenção do FMI em 1983/85.

1 – Quem paga o crescimento da carga fiscal
2 - … e as desigualdades que daí resultam
3 - Os descontos feitos na área do IRC
4 – Subvenções e benefícios públicos



1 – Quem paga o crescimento da carga fiscal

A evolução dos principais impostos nos últimos anos revela um forte crescimento daqueles que são pagos, de facto, pela população que não tem formas de ocultar rendimentos e de fuga ao pagamento de impostos – o IRS e o IVA. A máquina fiscal aumentou muito as suas capacidades de escrutínio e invasão das nossas vidas e, para mais, de forma socialmente discriminatória e marcada por muitos casos de ineficiência e erros de caráter administrativo.

Cabe assinalar o enorme crescimento do IRS que se evidencia como o principal imposto, destronando o IVA. Bons resultados? Para quem? O IVA, por seu turno, parece prosseguir os aumentos anuais e o IRC, em termos médios, mantém-se relativamente estável, ligeiramente abaixo das cobranças realizadas em 2011 e 2013. Finalmente, o IMI irá aumentar 39.7% nos quatro anos findos em 2015, a despeito da desvalorização dos preços dos imóveis, da quebra geral dos rendimentos. Espanta a longa e variada lista de entidades isentas de IMI (contempladas no Estatuto dos Benefícios Fiscais, artº 44º a 50º) que inclui associações religiosas, patronais e mesmo parques de estacionamento, revelando assim a sua grande iniquidade[2] e total ilegitimidade[3].

Em termos de comparação face ao PIB é bem claro o aumento do peso do IRS – 3 a 4% a mais no espaço de quatro anos – muito superior ao crescimento do IVA, cujo aumento das taxas compensou a redução dos consumos, inerente à estratégia de empobrecimento coletivo. Quanto ao IRC cumpriu-se a divinização dos empresários pelo Portas, os tais que, se criam riqueza, exportam-na ou ocultam-na ou, se criam emprego, é com baixos salários, precariedade e apoios públicos; assim, o seu peso no PIB não se altera. 
                                                                                                                                Milhoes €


2011
2012
2013
2014
2015 out
2015 OE
2015 est*
IRS
9831
9099
12325
12877
14760
13168
17000
   % PIB
5,58
5,40
7,28
7,44
8,33
7,43
9,59
IRC
5168
4289
5103
4553
4109
4690
4900
   % PIB
2,93
2,55
3,01
2,63
2,32
2,65
2,77
IVA
13052
12800
13287
13837
12208
14491
14600
   % PIB
7,41
7,60
7,84
8,00
6,89
8,18
8,24
IMI
1168
1230
1306
1468
-
1632
-
   % PIB
0,66
0.73
0.77
0.85
-
0.92
-

                    CGE 2013 e 2014; DGO – Sintese da Execução Orçamental – out/15, OE 2015,
                   * estimativa anualizada dos impostos; PIB nominal superior 2.4% face a 2014
 
Salazar deixou escola com a sua manha de sobreavaliar as receitas extraordinárias e subavaliar as ordinárias (basicamente os impostos) para, no final dizer que a sua gestão criteriosa tinha permitido prescindir do recurso a receitas extraordinárias, dado o desempenho positivo das receitas ordinárias. Ficava a pairar a sua aura de mago das finanças num país de semi-analfabetos, desconhecedores do truque.

Os seus dignos sucessores usam a mesma esperteza saloia beneficiando da despolitização e da ligeireza com que os portugueses encaram a gestão económica e política conduzida pela classe dos mandarins. No capítulo das receitas fiscais, estas são subavaliadas por dois motivos; à partida, para dar à plebe um sinal de moderação da punção fiscal e no final para se vangloriarem pelo seu trabalho ao apresentarem cobranças muito superiores ao previsto, em nome da “eficiência e da eficácia” dos serviços tributários. Comparem-se os valores de receita apontados acima e a afirmação contida no orçamento para 2015 elaborado pelo gang de Passos; “Neste contexto, o Governo decidiu que não deveriam ser aumentados os impostos para alcançar a meta de 2,5% do PIB”  (pag. 51).

2 - … e as desigualdades que daí resultam

A punção fiscal atrás representada através de alguns dos seus mais notórios e gravosos elementos, vem sendo apontada como temporariamente necessária para fazer face ao serviço de dívida, numa simplista unívoca relação causa-efeito para esse endividamento; na realidade, trata-se de uma panóplia de elementos, de fatores sistémicos e conjunturais, de modelo económico e político, que já aflorámos em vários trabalhos[4].

Essa dívida e a austeridade que, no discurso oficial, dela deriva, inserem-se numa política global dirigida contra os povos, no sentido da desvalorização interna, de quebra nos salários reais, nos rendimentos, no valor da propriedade e nos direitos;  no reordenamento dos espaços de acordo com as hierarquias traçadas pelo capitalismo, conduzido pelos seus elementos dominantes – sistema financeiro, transnacionais e capital mafioso – e que vão reduzindo o poder dos Estados, instrumentalizando as respetivas classes políticas.

A nível interno, num país pobre e periférico como Portugal, essa pressão global tem uma manifestação, que adiante quantificaremos, nas isenções, na fraude e na fuga ao pagamento de impostos, cujo exercício os chamados empresários, em conivência com a classe política, têm uma experiência histórica de rapina. O conjunto de benefícios, dívidas, prescrições e subvenções representa 25.6% do PIB, cerca de cinco vezes e meia de encargos dívida pública; por seu turno, os apoios ao sistema financeiro, cujas leviandades deram origem à intervenção da troika, correspondem a 6.8% do PIB.
                                                                                                        € milhões

2013
2014
Benefícios fiscais em sede de IRC (ano)
1.045,0
1.031,0
Dívida à Segurança Social (acumul)
10.553,5
10.941,0
Subvenções e benefícios públicos (ano)
4.389,5
4.379,5
Prescrições de dívida fiscal (ano)
434,0
1.310,0
Divida ao Fisco total (acumul)
21.084,0
21.373,0
     da qual coerciva (acumul)
10.617,0
11.009,0
Dívida incobr. (reg em falhas) (acumul)
3.863,0
3.436,0
                                                          Total
43.382,0
44.484,5
Apoios ao sistema financeiro (2008/14)
11.822,0
                            Fontes: Autoridade Tributária, Conta da Segurança Social, 
                               Inspeção-Geral de Finanças, Tribunal de Contas

Podem ainda extrair-se outros cotejos, como o que coloca o total da dívida fiscal um pouco acima da receita de IVA ou que a equipara a 23 meses de salários da administração central; o apoio dado aos bancos pagaria um ano de aquisição de bens e serviços pela administração central o mesmo sucedendo à dívida para com a Segurança Social; esta, por seu turno corresponde a oito meses de receita de contribuições ou a quase um ano de pagamento de pensões. Falar sobre sustentabilidade da Segurança Social é falar do desbaratar da mesma pelos governos dos últimos quarenta anos, para gáudio de empresários viciados na fraude.

A austeridade dos últimos tempos manifestou-se em acrescido desemprego, em cortes salariais e nas pensões, em novos empregos com salários rebaixados face a tempos pouco atrás, na precariedade laboral e na vida, na imensa emigração, na redução do número de imigrantes, nas dificuldades e aumentos de custos do acesso a serviços sociais e, entre outros, nos níveis de pobreza. Se tudo isto de per si já reduz os rendimentos, o poder de compra e a qualidade de vida, é preciso acrescentar os fortes aumentos da punção fiscal, sobretudo direta, onde as poupanças no consumo não se exercem. Fica assim destruída a ideia de um estado social, estando em seu lugar uma hidra predatória da multidão que se distrai com o chilreio das aves canoras de S. Bento ou dos grilos falantes que catequizam a plebe na tv; a haver um estado social, os grandes beneficiários são os capitalistas - portugueses ou não - e a classe política que gere a punção fiscal.  

O gráfico seguinte mostra sucintamente quem tem sido fustigado pela austeridade, induzida pelos interesses do sistema financeiro e executada, neste período pelo PSD/CDS, com a oposição cordata do resto da classe política; mesmo com a mudança dos atores de turno, espera-se para breve, à sombra do Banif, novo pacote ou, na melhor das hipóteses, um arrepio nas promessas de alívio. Bruxelas, Frankfurt e Berlim assim mandam.

Grosso modo, uma coluna do gráfico seguinte quanto mais acima estiver da linha 1 mais favorável é a distribuição do rendimento global para os trabalhadores. No contexto dos quadros de pessoal relativos a outubro de 2013 consideram-se 164 mil “empregadores” e 2384 mil trabalhadores por conta de outrem, entre os quais se incluem 103 mil indivíduos incluídos na classe política e altos quadros de empresa que serão, certamente os mais bem pagos. Não será necessário (nem é fácil) precisar quanta desigualdade está contida na distribuição de rendimentos. Mas, quanto a estado social, a existir, encolheu claramente. As desigualdades aproximam-se da reprodução da situação observada durante a crise de 1983/85; e desta vez não será o início da entrada de fundos comunitários que salvará a honra do convento.



3 - Os descontos feitos na área do IRC

Sabe-se que o IRC é um imposto com uma forte carga de conveniência política que os próprios empresários de grande calibre encaram com bonomia, pois a sua existência procura convencer os trabalhadores de que não são os únicos a pagar impostos; é um imposto fortemente ideológico. O imposto realmente pago exige uma vasta, complexa e cara maquinaria legal para o seu cálculo, contemplando isenções, deduções que, naturalmente, deixarão incólumes muitas formas de disfarce de rendimentos sob a forma de custos (automóveis particulares, viagens, seguros, stock options…). Essa maquinaria permite também hierarquizar os vários estratos do empresariato entre grandes, médios e pequenos patrões, o que corresponde também a um segmento de reta que tem de um lado os que definem a política fiscal – quanto querem pagar - e do outro, os que apenas têm o dever de pagar. 

Há a considerar também os esquemas de fuga de capitais, sobretudo para o exterior, subfaturação nas vendas e sobrefaturação nas aquisições[5]. Existe uma redução implícita dos custos salariais através da disponibilização, paga por fundos públicos, de trabalhadores jovens e estagiários, comportando-se o Estado como um manageiro, um angariador de trabalho temporário e gratuito para os empresários. A essas formas de financiamento junta-se a prática bem portuguesa do não pagamento das contribuições para a Segurança Social[6], que funciona como um canal tradicional, ínvio e implícito de financiamento das empresas. 

Viu-se acima a evolução da cobrança de IRC nos últimos anos e que ela só tenuemente revela os impactos da crise; para o efeito convirá se refira a manutenção de um conjunto de umas 50 formas contidas na lei para beneficiar empresas, no que se refere ao IRC. Para cada um dos anos considerados e para o total das empresas, esses benefícios correspondem a descontos substanciais num IRC originário e calculado pela soma do valor efetivamente cobrado pelo Estado com os referidos benefícios; representam descontos com uma dimensão que nenhum supermercado oferece aos seus clientes.

2011
2012
2013
2014
19,3%
17,2%
17,0%
18,4%

O mesmo magnânimo Estado para com os patrões é o tal que há uns anos aplicou o fator de sustentabilidade da Segurança Social obrigando os trabalhadores a entregar anos adicionais de vida à atividade laboral, como castigo pela sua maior longevidade. O protagonista desta inovação em terras lusas foi um tal Pedro Marques, enquanto secretário de estado da Segurança Social de Sócrates e agora promovido a ministro do Planeamento e das Infraestruturas no governo Costa. O mesmo Estado persegue os desempregados, encolhendo subsídios de desemprego, encurtando a sua vigência, inventando a humilhante apresentação quinzenal, quando não os obriga a trabalho gratuito na limpeza de matos e bermas de estrada ou a cursos de conteúdo inútil ou idiota. 

O quadro abaixo sintetiza os valores correspondentes a cada tipo de benefício no âmbito do IRC bem como a evolução dos mesmos. 

    TIPOS DE BENEFÍCIO EM SEDE DE IRC                        € milhões

2.011
2.012
2.013
2.014
Deduções ao rendimento
75,3
95,6
72.9
73,0
Deduções à coleta
145,2
164,1
425,4
363,4
Isenção definitiva
129,5
237,3
275,9
381,8
Isenção temporária
815,0
226,3
94,9
6,4
Redução de taxa
82,4
173,3
175,4
206,8
Dedução à matéria coletável
0,0
0,0
0,0
0,0
TOTAL
1.247,3
896,7
1.044,5
1031,4
Total corrigido
1.237,2
887,9
1.042,0
1027,8











Fonte:Autoridade Tributária

·   A quebra no total, observada em 2012, não tem continuidade nos anos seguintes, embora ainda não voltem a ser atingidos os valores de 2011. Essa quebra inicial deve-se às isenções temporárias, que representam cerca de 2/3 do total em 2011 enquanto nos outros tipos de benefício se observam situações de crescimento;

·   Para além das deduções ao rendimento, relativamente estáveis no periodo, verifica-se o aumento do peso dos benefícios aparentemente com maior durabilidade - deduções à coleta, isenções definitivas e reduções de taxa. Em tempos de monitorização da troika a ortodoxia manda apoiar as empresas para que gerem resultados positivos, invistam, criem empregos, o que não aconteceu, de todo, num quadro conjuntural adverso. Na realidade, esses benefícios perderam-se, improdutivos, eventualmente na fuga de capitais.

Claramente se verifica neste exemplo, o caráter do Estado capitalista, do seu papel essencial de defensor e organizador dos interesses dos capitalistas, o que, aliás, justifica, historicamente, a sua existência. O que é estranho é haver gente que se diz de “esquerda” que acredita estupidamente na possibilidade de transformação do Estado como ente de bem, numa lógica moralista, a partir da sua ocupação por gente “séria”. Aqueles que referem “o Estado somos todos nós” ou são capitalistas e afirmam a mais meridiana realidade ou, não percebem o que é o Estado ou o capitalismo! Não admira, pois, que alguma dessa gente de “esquerda” se manifeste na disposição de votar no Marcelo para presidente[7], prolongando a presença do homem, durante dezenas de anos no écran, a deslumbrar a plebe com as suas capacidades de dedicado leitor de contracapas de livros. O recente caso da Grécia é sintomático dessa fraseologia enganadora que se contenta com a mudança da cor das paredes do aparelho de estado, protagonizada por uma nova equipa de pintores… desde que de “esquerda”.

Iremos destacar, para cada um dos tipos de benefícios, os elementos concretos dominantes:

3.1 - Deduções ao rendimento (7.1% do total em 2014)

·   Entre as deduções ao rendimento, cerca de metade corresponde a majorações à criação de emprego (art.º 19.º do EBF – Estatuto dos Benefícios Fiscais). Assim, uma empresa que contrate um desempregado com idade inferior a 35 anos ou de longa duração, isto é, com mais de nove meses de inscrição, pode considerar para efeitos fiscais 150% do salário e encargos sociais como custo fiscal; o que corresponde a uma redução do rendimento tributável e da coleta potencial de imposto.

Assim, um trabalhador contratado com um salário de 500 € em 2014 permitiria que a empresa considerasse – para além do custo habitual com o trabalhador (500*14*1.2375=8663 euros ) um custo adicional de 4330 € nas contas, no final do ano. Tendo em consideração que foi contabilizado globalmente em 2014 um total de € 37 M, este valor poderá traduzir-se num máximo de 4270 trabalhadores com trabalho derivado deste dispositivo legal.

A relativa estabilidade deste benefício em 2011/14 revela que o mesmo não entusiasmou as empresas portuguesas.  E isso, mesmo que o tal artº 19º frise o precioso conceito de “criação líquida de postos de trabalho” segundo o qual uma empresa que contrate dois trabalhadores ao abrigo deste dispositivo virado à criação de emprego, com impactos benévolos nas contas, tem a possibilidade de despedir um terceiro. O Estado português, implicitamente, alimenta o despedimento.

A medida é tão relevante que nenhum neoliberal mais assanhado grita contra esta forma de subsidiar empresas, desvirtuar a concorrência, contra esta verdadeira negação das sacrossantas regras do mercado. O que se passa é que ninguém observou um acréscimo do investimento resultante deste benefício fiscal que seria o investimento que gera emprego e mais qualificado; este dispositivo tende a vincar a importância de um efetivo baixo salário, uma estupidez que nunca gera melhorias nas condições de vida mas, muito enraizada entre o empresariato português.

·   Nesta área das deduções ao rendimento sublinham-se as deduções fiscais de € 26.3 M em 2011/13 no âmbito da “eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por sociedades residentes nos PALOP e Timor Leste (art.º 42.º do EBF)”, sobre a qual ocorre à memória, inevitávelmente o nome de Isabel dos Santos, herdeira do soba José Eduardo e outros nomes grados da mafia angolana.

·  Referimos também com valores anuais, em regra superiores a € 20 M, as “majorações aplicadas aos donativos previstos nos artigos 62.º e  62.º - A do EBF” e ainda uns regulares € 3 M relativos a “majorações de quotizações empresariais (art.º 44.º do CIRC – Código do IRC)”.

As primeiras, entre outros casos, aplicam-se a fundações privadas que prossigam objetivos nas áreas sociais, ambientais, desportivas ou educacionais cujas instituições, naturalmente, exercerão atividade condicionada à existência desses donativos e à boa vontade dos donatários. Dito de outro modo, a satisfação de necessidades permanentes e de caráter público torna-se dependente de instituições privadas, limitando-se o Estado a ilibar-se de responsabilidades delegando-as, com incentivos, em quem cria fundações para evitar cargas fiscais gravosas sobre rendimentos e gerar uma imagem pública simpática, eventualmente a contrastar com a de um patrão sovina e despótico. Inclui-se aqui o mecenato científico que obedece ao mesmo princípio de condicionamento à boa vontade do concedente, de geração de precariedade e incerteza.

As segundas, contemplam a consideração como custo nas contas das empresas de 150% do total das quotizações pagas a associações empresariais. Majorações semelhantes não acontecem, por exemplo, com os juros pagos pelas famílias e incluidos nas prestações das casas, por conta de uma política de habitação que se resumiu na sua delegação num trinómio constituido por bancos, construtores civis e autarcas corruptos[8]. Ninguém conhece majorações em IRS para os casos de encargos de saúde ou de educação que têm limites bem estreitos, ao contrário de empresas a quem os governos concedem subsídios para concorrerem com os próprios serviços públicos, como no caso da saúde e da educação.

·   É interessante sublinhar – e em contraste com o ponto anterior sobre as majorações da quotizações empresariais - a redução da majoração em 140% dos gastos relativos a creches, lactários e jardins de infância em benefício do pessoal da empresa (art.º43.º, n.º 9 do CIRC) cujo valor em 2014 se cifra em € 661 m, contra cerca do dobro em 2011. Suspeitamos que se trata da conjunção entre políticas de “externalização” das empresas e a política social de Portas e dos seus adjuntos.

·    As “Majorações aplicadas aos benefícios fiscais à interioridade [art.º 43.º, n.º1, alíneas c) e d) do EBF]” – € 2.3 M em 2011 – deixaram de se verificar nos anos seguintes, como que a revelar o desinteresse pela desertificação que assola grande parte do território. As reduções de taxa, que adiante serão contempladas, apresentam também fortes decréscimos (v. 3.5 - Reduções de taxa).

3.2 - Deduções à coleta ( 35.2% do total em 2014)

·  O “Regime fiscal de apoio ao investimento (Lei n.º 10/2009, de 10/3 (sucessivamente prorrogada), art.ºs 26.º a 32.º do Código Fiscal do Investimento (revogado) e art.ºs 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Dec-Lei n.º 162/2014. de 31/10)” envolve benefícios que crescem substancialmente no período, atingindo € 118.7 M em 2014.

O preâmbulo descreve as intenções facilitadoras – Reforma do IRC, criação do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento, ambas em 2013 e a redução em 2 pontos percentuais da taxa de IRC - com parcos efeitos sobre o emprego ou, quando os tiveram, foi com a criação de trabalho precário e salários tão atrativos que não estancaram a emigração de 100000 pessoas por ano. Aumenta-se o “limite máximo do crédito de imposto em sede de IRC, sendo aumentadas as majorações previstas para investimentos realizados em regiões com um poder de compra per capita significativamente inferior à média nacional”; aponta-se para a inovaçao tecnológica ou a proteção do ambiente (é politicamente correto falar nestas coisas); alarga-se até dez anos o período de isenção do IMI (as famílias têm-no visto aumentado, como se mostrou em 1); prevê-se a isenção do imposto de selo, a redução ou isenção do IMT e prometem-se situações de apoios comunitários que podem superar € 500000, tudo para atrair investidores ou fomentar o empreendorismo. O discurso é o habitual e a ineficácia também, como se verá adiante.

A durabilidade exigida para a permanência numa região, dos bens que materializam os investimentos que se pretendem criadores de emprego é de 3 a 5 anos (artº 22 nº 4 c) o que é reforçado na al. f) onde se define um “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da al. c)”. 

Apesar de tanto afã legislativo, a verdade é que o investimento não corresponde ao rasgo, certamente encomendado a uma empresa de advogados, como se pode observar pela evolução da FBCF nos últimos anos:
                                                                             € milhões
2010
2011
2012
2013
2014
36938
32452
26672
24707
25183
                                                                       Fonte: Eurostat

Não é regra que a História se repita mas, tem muito significado que no periodo 2010/12 a FBCF tenha decrescido 28% ou 32% se o periodo se alongar até 2014; isto é, um valor superior ao observado em 1983/85 (26%), durante a anterior presença do FMI como orientador técnico da política económica portuguesa – a solo. A retoma nos anos oitenta teve como bóia salvadora os fundos comunitários, subsequentes à diluição na então CEE; atualmente a crise subsiste apesar daqueles fundos, mesmo com o FMI reforçado com relevantes parceiros - essa criação ad hoc de psicopatas[9] chamada Eurogrupo e ainda a Comissão Europeia, o BCE acompanhados de perto pela tutelar figura de Schauble.

·   Foi criado em 2013 um “Crédito fiscal extraordinário ao investimento (Lei n.º 49/2013, de 16/07 )” que, em 2013/14, forneceu € 283.6 M de deduções à coleta; e em 2014 surge uma “Dedução por lucros retidos e reinvestidos pelas PME (art.ºs 27.º a 34.º do CFI)” que originou € 46.8 M de benefícios;

O primeiro diploma confere uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento efetuadas no 2º semestre de 2013 e o segundo destina-se a investimento em favor de nano, mini, micro, pequenas e médias empresas.

· No quadriénio considerado, as deduções relacionadas com “Grandes projetos de investimento (ex-art.º 41.º, n.º1 do EBF , art.ºs 15,º a  21.º do CFI (revogado) art.ºs 2.º a 21,º do CFI aprovado pelo Dec. Lei n.º 162/2014, de 31/10)” computaram-se em € 134.9 M. Por seu turno, o “SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (Lei n.º 40/2005, de 3/08) e SIFIDE II (art.º 133 º da Lei n.º 55-A/2010 de 31/12, art.ºs 33.º a 40.º do CFI (revogado) e art.ºs 35,º a 42,º do CFI aprovado pelo Dec-Lei n.º 162/2014, de 31/10)” dá cobertura a deduções regulares pouco acima dos € 80 M anuais.

Por grandes projetos entende-se os que tenham um valor superior a € 3 M e concluídos até 2020, podendo ser majorados em função do rendimento da região e do volume dos postos de trabalho criados, num quadro de grande detalhe.

·   Finalmente, note-se a parca utilização de deduções inerentes a projetos de investimento à internacionalização (€ 940 mil em 2014) ou ao capital de risco  (€ 537.5 mil) ou ainda concernentes a lucros reinvestidos nos Açores (€ 28 mil).

3.3 - Isenções definitivas ( 37% do total em 2014)

·   Durante o quadriénio regista-se uma isenção de “pessoas coletivas de utilidade pública e de solidariedade social (art.º 10.º do CIRC)” no valor de € 532.5 M.

Trata-se de uma parcela para a consolidação de uma “economia solidária” cuja viabilidade, na realidade, se baseia em subsídios públicos (v. 3.4 - Isenções temporárias), na ligeireza da carga fiscal, em mão de obra feminina com baixos salários; sem que daí se possa concluir pela existência de instituições subsidiadas suficientes que evitem o recurso a serviços privados tout court – creches, lares de idosos – com preços proibitivos para a maioria das famílias. Em muitas situações trata-se de negócios protagonizados por entidades não empresariais, subsidiadas pelo Estado, que as subcontrata como seus dependentes, alicerçando-se assim clientelas em torno do partido no poder; muitas delas inseridas na galáxia da Igreja Católica. E não é dispicienda a existência de uma economia paralela, pouco respeitadora das regras inerentes ao respeito com a dignidade humana, para mais no caso de pessoas dependentes ou diminuídas.

Entenderíamos por sector social um conjunto de instituições autónomas que recolhem recursos voluntários na sociedade à qual prestam valiosos serviços, sem a dependência financeira do Estado, ao qual deve incumbir apenas a definição e o zelo pelo cumprimento de regras técnicas de funcionamento. Ora esse sector solidário, na realidade, não é constituído por instituições provenientes da sociedade, independentes, financeiramente autónomas e movidas por intuitos mais ou menos altruístas. Na medida em que a sociedade não crie essas instituições autónomas, para o exercício dessas funções, deveriam surgir soluções supletivas e de proximidade, com gestão local ou regional, devidamente escrutinadas pela sociedade, pelas autarquias e pela população, no âmbito de uma sociedade democrática, onde “o povo é quem mais ordena”; e, jamais centralizadas num qualquer ministro com poderes tentaculares, viabilizador de negócios por troca com apoio político e financeiro à respetiva mafia partidária.

Como a “economia solidária” funciona, trata-se de mais uma “externalização”, uma subempreitada de funções assumidas pelo Estado, em empresas e instituições dele dependentes, ao arrepio da autonomia ontológica imputável às empresas face ao Estado, inerente ao capitalismo nos seus inícios. Os frequentes casos de redes criminosas no aparelho da Segurança Social revelam outras formas de privatização ainda mais pútridas.

A solidariedade é um plano elevado de relações humanas, baseada no afeto e na dádiva; se alguém é pago para garantir a aplicação da solidariedade, esta desaparece e o que resta é um mero negócio, um comércio. Na lógica do capitalismo tardio, onde prepondera a concorrência de cartéis e a concentração de capital, as necessidades de reprodução do capital nunca encontram fontes suficientes e satisfatórias; e daí o seu caráter invasivo e predatório das áreas vocacionalmente não mercantis como a saúde, a educação, a ação social, a segurança social, entre outras, através do domínio e instrumentalização do aparelho de estado, pela classe dos capitalistas.

·   As “atividades culturais, recreativas e desportivas (art.º 11.º do CIRC e art.º 54.º, n.º 1 do EBF)” colheram € 38 M no quadriénio, com particular incidência nos dois últimos anos. São abrangidas as entidades com rendimentos brutos sujeitos a tributação inferiores a € 7500.

·  O setor cooperativo, através de dois dispositivos “Cooperativas (estatuto fiscal cooperativo - Lei N.º 85/98 de 16 de dezembro)” e “Cooperativas (art.º 66.º-A do ABF)” recebeu € 30.3 M no conjunto dos quatro anos.

·   Francamente beneficiados foram os “Fundos de pensões e equiparáveis (art.º 16.º, n.º 1 do EBF) e outros fundos isentos definitivamente” que, apenas nos dois últimos anos foram isentados de pagar € 54.9 M e € 198.5 M de IRC, para além do IMT às autarquias (art.º 16.º, n.º 2 do EBF) e não contemplado naqueles valores. Passada a moda da criação de fundos de pensões privativos de empresas, nomeadamente de bancos, assistiu-se à integração de muitos, na CGA - Caixa Geral de Aposentações e na Segurança Social[10], em condições que prenunciam uma transferência de encargos futuros insusceptíveis de cobertura com as reservas financeiras constituidas. À sombra dos fundos privados de pensões procederam-se a muitas reformas antecipadas para alívio de quadros de pessoal, para melhoria dos indicadores na bolsa e, passada essa onda, chegou a altura da transferência para a esfera pública, para o Estado ou semi-pública no caso da Segurança Social; ou com encargos reduzidos através de benefícios fiscais. A ligeireza por parte dos reguladores na avaliação das condições iniciais de criação de um fundo de pensões e do acompanhamento da viabilidade a longo prazo, de fazerem face às suas responsabilidades futuras, promoveu a assunção dessas responsabilidades por parte do erário público, aliviando ou suprindo responsabilidades privadas; não faltando, na sequência, frequentes alusões dos mandarins à sustentabilidade da Segurança Social ou à contribuição da CGA para os deficits…

3.4 - Isenções temporárias (0.6% do total em 2014)

·  A grande quebra deste tipo de benefícios no período deve-se ao fim das isenções às zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, em 2011 (€ 814 M) e da evolução dos concedidos a “SGPS, Empresas de Capital de Risco (SCR) e Investidores de Capital de Risco (ICR) (art.º 32.º do EBF)” (€ 310 M, concentrados em 2012/13). Os benefícios concedidos à Zona Franca da Madeira foram substituidos parcialmente por reduções de taxa outorgadas às entidades licenciadas, como adiante se referirá (v. 3.5 – Reduções de Taxa)

As sociedades de capital de risco podem deduzir na matéria coletável o valor dos impostos pagos nos últimos cinco anos desde que esse montante seja investido em sociedades com uma caraterística tão imprecisa e subjetiva como terem “potencial de crescimento e valorização” conforme consta no nº 3 do art.º 32.º do EBF. Tendo em conta o volume dos benefícios, será interessante observar-se as principais empresas beneficiárias, onde se encontram empresários do regime e uma empresa – com sede na Zona Franca - que depois de ter recebido em 2012 um benefício de € 59 M, foi liquidada no ano seguinte…
                                2012                                                                                    € 1000
Soc Francisco Manuel dos Santos SGPS SA (Grupo Jerónimo Martins)
79925
FI Madeira SGPS Unipessoal LDA *
59011
Parpública - Participações Publicas SGPS SA
43312
                                * dissolvida e encerrada em 2013[11]

                                2013                                                                                     € 1000
Spiering SGPS LDA  Holding do empresário Ilídio Pinho) *
35658
Tertir - Concessões Portuárias SGPS S A   (Grupo Mota-Engil) **
28243
                               * Acionista da Fomentinvest e patrão de Passos Coelho
                               ** Pelo menos uma outra empresa do grupo foi beneficiada 
                                   - MOTA - ENGIL - Ambiente e Serviços SGPS S A contemplada 
                                   com € 4842 milhares

Quanto às isenções concedidas a “Associações públicas, confederações, associações sindicais e patronais (art.º 55.º do EBF)” regista-se a sua sextuplicação face a 2011 - € 4.4 M em 2013/14 tornando-se na maior parcela destas isenções temporárias (69% do total). Em 2014 o principal beneficiário foi o Centro de Formação Profissional da Industria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte com € 934 mil de isenção de IRC.

3.5 - Reduções de taxa (20.1% do total em 2014)

·   Em 2011 as reduções de taxa contemplavam maioritariamente a interioridade (€ 69.8 M), colocando-se as dirigidas às “Entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira (art.º 35º e 36.º do EBF)” em segundo plano com € 8.2 M. A partir de 2012 enquanto decrescem substancialmente os apoios à interioridade (€ 5 M em 2014) aumenta escandalosamente o benefício concedido às tais entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira (€ 201.8 M em 2014, com 97.6% do total deste tipo de benefício).

De modo muito sintético, dada a dimensão do referido artº 36, referimos que os benefícios às empresas licenciadas para “operarem” na Zona Franca até ao final de 2014 serão tributados à taxa de 3% se instaladas entre 2007/09, de 4% se com atividade iniciada em 2010/12 e 5% se licenciadas a partir de 2013 e até 2020; isso, porém, foi alterado para 5% para todos os licenciados a partir de 2015 até final de 2020 (Lei 64/2015 de 1/7 e artº 36-A do EBF). O benefício será concedido com limitações dependentes do número de postos de trabalhos, sendo a matéria coletável máxima de € 2.73 M para a criação de (apenas) 1 ou 2 postos… até € 205.5 M se os empregos criados se situarem acima de 100.

Para embelezar o painel de benesses, as atividades industriais terão ainda uma dedução de 50% à coleta do IRC, desde que cumpram duas, pelo menos, das seguintes condições: modernização da economia regional, sua diversificação, contratação de trabalhadores altamente qualificados, melhoria ambiental e criação de 15 empregos mantidos durante cinco anos. Resta avaliar de modo concreto qual o investimento estrangeiro que configura o contributo de 12% da Zona Franca para o total nacional e qual o perfil das saídas de mercadorias da Madeira para o exterior sabendo-se que 78% das exportações em 2014 terão sido da responsabilidade de empresas sediadas na Zona Franca[12]. O caso da Swatch cujos relógios são contabilizados como exportados da Zona Franca da Madeira sem que lá se produza um só ponteiro é conhecido[13]; o mesmo se passa com os produtos de luxo da Dior. Quanto ao emprego descreve-se no livro referido na nota anterior que duas pessoas eram responsáveis por centenas de empresas com sede num só apartamento do Funchal; e não consta que haja um fluxo de pessoas a dirigir-se para a Madeira, para preencher os abundantes postos de trabalho criados na Zona Franca.

Não é difícil ver aqui uma pintura a dourado de todo o quadro da Zona Franca que, beneficiando empresas multinacionais ou negócios mafiosos internacionais, tem como interessada a mafia regional, o PSD/Madeira, também bem inserido no escândalo BANIF. Em paralelo, esse negócio prejudica a vida dos madeirenses, uma vez que elevando os parâmetros da região para efeitos de direito a fundos comunitários, reduz o volume daqueles que cabem à Madeira.

·   Quanto à interioridade ou as regiões periféricas observa-se e de modo transparente, algo de típico no comportamento dos Estados em geral e do português em particular. O desinteresse pela política regional, pelo combate à desertificação de grande parte do território, pela harmonização territorial do desenvolvimento, coexiste com o apoio a empresas que não trazem tecnologias, nem emprego, nem rendimentos para a Madeira, neste caso concreto; apenas se servem da Zona Franca, como o nome indica para se furtarem ao pagamento de impostos quer em Portugal, quer nos seus países de origem[14].


4 –Subvenções e benefícios públicos

4.1 – Tipos de benefícios e principais concedentes

A Inspeção Geral de Finanças tem, nos últimos anos, procedido a uma avaliação das subvenções e benefícios públicos concedidos. O seu valor corresponde a 2.6% e 2.4% do PIB, respetivamente em 2013 e 2014, reduzindo-se o valor médio por beneficiário porque aumentou muito o seu número total, como se observa no quadro seguinte.
Subvenções e Benefícios Públicos
2013
2014
€ milhões
%
€ milhões
%
Total
4389,5
100,0
4379,5
100,0
Transf. Correntes e de Capital
2342,2
53,4
2308,8
52,7
Apoios Comunitários
1160,4
26,4
897,2
20,5
Subvenções/Subsídios Públicos
644,6
14,7
792,0
18,1
Garantias Pessoais
214,4
4,9
297,4
6,8
Outros
27,9
0,6
84,1
1,9
Entid. públ. Concedentes (nº)
534
544
Beneficiários (nº)
38955
49939
valor médio (€1000)
113
88
% PIB
2,6
2,4

Observa-se que mais de metade do total se enquadra como transferências enquanto os fundos comunitários tiveram uma forte quebra entre os dois anos, ao contrário do que sucedeu com subvenções e subsídios.

Cerca de 80% do total distribuido teve origem em apenas 10 das 534/544 instituições contempladas como se pode observar no quadro que se segue .

10 Principais concedentes
2013
2014
€ milhões
%
€ milhões
%
Total
4389,5
100,0
4379,5
100,0
Instituto da Segurança Social
1340,5
30,5
1403,6
32,0
Prog. Oper. Potencial Humano
598,1
13,6
465,8
10,6
Agência Desenv. e Coesão *
465,5
10,6
302,8
6,9
IEFP -Inst. Emp. Formação Prof.
204,1
4,6
438,9
10,0
Fundação Ciência e Tecnologia
227,4
5,2
254,4
5,8
DG Administração Escolar
180,7
4,1
172,8
3,9
DG Tesouro e Finanças
151,8
3,5
234,8
5,4
Inst. Gest. Fin. Segurança Social
107,9
2,5
73,3
1,7
DG Estabelecimentos Escolares
85,2
1,9
85,7
2,0
Autoridade Nac. Proteção Civil
79,1
1,8
68,2
1,6
Outros
949,2
21,6
879,2
20,1
* em 2013, Inst. Fin. Desenv. Regional




Esta distribuição suscita algumas interrogações. O Instituto da Segurança Social agrega à sua volta uma vasta e densa estrutura clientelar que vive do seu papel de distribuidor de fundos públicos a um grande naipe de instituições religiosas, comerciais ou ambas as coisas. Como rede clientelar, utiliza a ação social mais como instrumento para a concretização dos seus fins do que como o objeto de todo um sistema público de solidariedade social. Essa dependência favorece também o partido no poder, sendo conhecida a apetência do CDS, pelas suas relações com a Igreja Católica ou pelo seu amor ao empreendorismo, para a gestão do ministério que contenha a Segurança Social no seu seio; como o CDS tem poucos quadros qualificados – o  ex-ministro Mota Soares é um caso patente - fica aberta a porta ao recrutamento de qualquer oportunista ou marcado pela iliteracia.

Em regra, essas instituições fundem-se com o poder, defensor implícito de uma paliativa caridade, para manterem uma casta de dignitários e comerciantes que, por sua vez exploram uma mão-de-obra essencialmente feminina, paga com salários de miséria. Para que essa fusão funcione, tornou-se política ministerial a redução de trabalhadores, oficialmente para redução da despesa pública, da racionalização dos serviços, intuitos que caem bem na lapela do ministro de turno. Fazer caridade tendo o Estado como mediador e fornecedor de óbulos não está nos cânones, é um descanso, um produto derivado do neoliberalismo.

A concretização dessa política de externalização de funções pode observar-se nestes elementos calculados a partir das Contas da Segurança Social:  

  • crescimento de 5.8% das transferências para instituições sem fins lucrativos (2010/14)
  • crescimento 11.9% dos serviços prestados pela banca e outros (2013/14)
  • redução de 13.6% dos gastos com pessoal (2010/14)
No capítulo das instituições com intervenção nas áreas do emprego, desemprego e qualificação é conhecido o caráter histórico da má aplicação dos fundos comunitários que irão escorregar para detentores de empresas de formação, com pouco benefício para a população trabalhadora. Passados 30 anos após a integraçao na antiga CEE e da chegada de fundos comunitários continua a observar-se um grande fosso entre a formação da população portuguesa e a dos outros países europeus, como observámos, tempos atrás[15]. Sabe-se do entretenimento que o IEFP propicia a desempregados com cursos de inglês básico (por exemplo) a pessoas de pouca instrução com mais de 45 anos ou de um imbecil “empreendorismo no feminino”; como também se sabe dos artifícios que o IEFP organiza para excluir dezenas de milhar de desempregados das estatísticas do desemprego e como cuidadosamente burocratiza a entrada de jovens em estágios remunerados ou mantém desempregados sob o humilhante regime de apresentação quinzenal. Uma mesma lógica de arrastamento de uma precariedade na vida é praticada pela FCT relativamente aos bolseiros.

A Agência para o Desenvolvimento e a Coesão não é mais do que o distribuidor de fundos comunitários para regiões e autarquias e que deveria combater as desigualdades regionais (que se acentuaram apesar de 30 anos de fundos de coesão), valorizar os recursos endógenos (num país que exporta muitos milhares de jovens qualificados… com o incentivo do anterior primeiro-ministro) e cujo organograma pretende rivalizar com o do Pentágono, tantas são as unidades organizativas.

As instituições ligadas à educação apresentam como principais destinatários, como adiante se observará, grupos privados que beneficiam de fortes apoios de fundos públicos e de ações de instâncias governamentais para os favorecer. O caso do Grupo GPS, ligado à maçonaria está suficientemente documentado[16].

4.2 – Subvenções e subsídios não reembolsáveis

O quadro abaixo enumera os principais beneficiários de subvenções/subsídios não reembolsáveis que absorveram em 2013 e 2014, respetivamente, 64.4 e 65.5% do total concedido.
         

Subvenções/Subsídios não Reemb. - 2013
Subvenções/Subsídios não Reemb. - 2014
ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.
81,6
Fundo de Contragarantia Mútuo
100,0
Caixa Económica Montepio Geral
62,5
Eletricidade dos Açores, S.A.
65,0
Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.
46,8
Caixa Económica Montepio Geral
62,5
Fundo Reestruturação do Sector Solidário
30,0
EPAL-Emp. Públ. Águas Livres, S.A.
50,3
Grupo GPS (Gestão Particip Sociais SGPS)
28,7
Grupo GPS (Gest. Particip Soc. SGPS)
26,9
Saneam. Integr. Municíp. Tejo e Trancão
24,5
Cruz Vermelha Portuguesa
21,6
Cruz Vermelha Portuguesa
22,3
AGDA - Águas Públ. Alentejo, S.A.
17,4
Escola Nacional de Bombeiros
15,1
Águas do Ribatejo, E.M. S.A.
17,1
Didáxis - Cooperativa de Ensino, C.R.L.
13,3
AdP - Águas de Portugal, SGPS, S.A.
15,8
AGDA - Águas Públicas do Alentejo, S.A.
13,2
Escola Nacional de Bombeiros
14,3
Fibroglobal – Comunic. Eletrónicas S.A.
11,9
Águas do Noroeste S.A.
13,7
Águas da Região de Aveiro, S.A
11,6
ATL - Assoc. de Turismo de Lisboa
13,0
Grupo Salesianos
11,4
VRSA  - Soc. Gest. Urbana E.M. S.A.
12,6
Assoc. de Jardins Escola João de Deus
10,9
Inst. de Biologia Molecular e Celular
12,4
CAP – Confed. dos Agricultores Portugal
10,9
SIMDOURO – Saneam. Grande Porto
12,1
Administração do Porto de Lisboa, S.A.
10,5
DIDAXIS - Coop. de Ensino CRL
11,6
Fundação Inatel
9,7
Investim. Habitacionais da Madeira
11,4


Assoc. Jardins Escolas João de Deus
10,4


Grupo Salesianos
10,3


Assoc. IST Investig e Desenv.
10,4


Cáritas Diocesana de Coimbra
10,3


Esta listagem oferece informação muito interessante, para além de algumas situações já retratadas atrás, como o caso do grupo GPS. No que se refere à ANA, depois da decisão da sua privatização em dezembro de 2012, por € 3080 M[17] logo no ano seguinte, os seus novos acionistas são brindados pelo governo com uma subvenção de € 81.6 M. Por seu turno, a Caixa Económica/Montepio Geral, provavelmente o próximo abalo no precário sistema financeiro de capitais portugueses, também recebeu dois brindes avultados, não se sabendo o que diferencia o MG dos outros bancos, para além de assembleias gerais tumultuosas e com acusações de fraude.

No sector das águas pretendia-se uma privatização e para o efeito, nada melhor do que a colocação de muitos milhões de euros para tornar as empresas mais aliciantes para os compradores, entre os quais pairam interesses partidários.

A Cruz Vermelha Portuguesa é também uma feliz contemplada nos dois anos, o que certamente, não será para exercer uma função social, se se atender aos preços praticados nos seus serviços médicos[18].

Sublinha-se a subvenção dada a uma confederação patronal, a CAP-Confederação dos Agricultores de Portugal.

No campo da educação, havendo tantas carências em escolas públicas, só no âmbito da corrupção sistémica, do clientelismo ou das ligações partidárias é que se entendem as subvenções dadas a escolas privadas vocacionadas para classes médias altas e altas como, para além do já citado Grupo GPS, da Didáxis, do Grupo Salesianos e da Associação de Jardins Escola João de Deus; e, eventualmente outras se pudessemos dispor da longa lista dos beneficiados.

4.3 – Transferências correntes e de capital

Há uma grande coincidência entre os conjuntos dos principais beneficiários de subvenções ou de transferências se bem que os últimos tenham aqui uma representatividade muito inferior a registada para as subvenções – 7.2% e 5.9% do total, respetivamente em 2013 e 2014.

Transf. Correntes e de Capital - 2013
Transf. Correntes e de Capital - 2014
Fundo Reestrut. Sector Solidário
30,0
Grupo GPS
23,9
Grupo GPS
25,7
Cruz Vermelha Portuguesa
14,8
Cruz Vermelha Portuguesa
15,6
Escola Nacional de Bombeiros
14,1
Escola Nacional de Bombeiros
14,1
Assoc. Jardins Escolas João  Deus
10,0
Assoc. Jardins Escolas João  Deus
9,5
Cascais Dinâmica- E.M. SA
9,3
Fundação INATEL
9,5
Cáritas Diocesana de Coimbra
9,4
Cáritas Diocesana de Coimbra
9,1
Didáxis - Coop. de Ensino, C.R.L.
8,4
Didáxis - Coop. de Ensino, C.R.L.
9,1
Santa Casa Misericórdia Cascais
7,6
Santa Casa Misericórdia Cascais
8,8
Grupo Salesianos
8,6
Grupo Salesianos
8,4
Fundação Casa da Música
7,2
Associação de Turismo Algarve
7,5
Associação de Turismo de Lisboa
7,0
Associação de Turismo de Lisboa
7,2
Fundação Centro Cultural Belém
7,3
Fundação Centro Cultural Belém
6,8
GEBALIS - Bairros Municip Lisboa,
8,3
Casa Povo Santa Maria de Lamas
6,7



As entidades com intervenção na área da educação e ainda a Cruz Vermelha ou o Fundo de Reestruturação do Setor Solidário, para além de subvenções, incluem-se entre os principais beneficiários de transferências correntes e de capital, evidenciando-se claramente como entidades bem inseridas no regime político vigente.

Destacamos finalmente, a presença de associações empresariais do setor turístico, a coqueluche que o regime considera como uma das principais alavancas do “crescimento”, esquecendo a forte componente importada da atividade, os baixos salários, a sazonalidade e a escassa singularidade de Portugal como destino turístico, com resultados atualmente favorecidos pela violência que tem marcado o norte de África.

4.4  - Apoios comunitários

No capítulo dos apoios comunitários os principais beneficiários representam 10.2 e 18.2% do total concedido, em 2013 e 2014.

Pesam, em ambos os anos, entidades relacionadas com a água, preparando infraestruturas regionais que desenvolvam processos de concentração dos sistemas de captação e distribuição susceptíveis de interessar os grandes empórios globais das águas, numa futura privatização. Note-se ainda que a CAP-Confederação dos Agricultores de Portugal junta estes apoios aos recolhidos sob a forma de subvenções ou subsídios.

Apoios Comunitários - 2013
Apoios Comunitários - 2014
Saneam. Integrado  Municip Tejo e Trancão, S.A.
24,4
CEIIA - Centro Excelência e Inovação na Ind. Automóvel
7,9
Águas Públicas do Alentejo, S.A.
12,6
Águas Públicas do Alentejo, S.A.
16,9
Fibroglobal-Comunic. Eletrón. S.A.
11,9
SMAS - Serviços Municip.Água, Saneam Piscinas Viseu
7,8
ADRA - Águas da Região de Aveiro, S.A
11,6
ADRA - Águas da Região de Aveiro, S.A
9,3
Ostelecom Norte, Lda
10,9
ÁGUAS DO NOROESTE, S.A.
13,6
CAP – Confeder. Agricultores de Portugal
10,2
CAP – Confeder. Agricultores de Portugal
8,0
Associação EGP - University of Porto Business School
9,4
SIMDOURO - Saneamento do Grande Porto, S.A.
12,1
Administração dos Portos do Douro e Leixões, S.A.
9,2
Centro de Neurociências e Biologia Celular
7,4
Empresa das Águas de Santarém EM, S.A.
9,1
Instituto de Biologia Molecular e Celular
9,7
Águas do Algarve, S.A.
9,0
Assoc. Minho Park Monção- Parq Empres. Noroeste Penins.
7,3


AR - Águas do Ribatejo, S.A.
17,1


Este e outros textos em:

http://grazia-tanta.blogspot.com/                              

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents




[2]  Os fundos imobiliárias estando isentos passaram a pagar metade do IMI
Se acabassem as isenções de que os partidos políticos gozam isso teria permitido um aumento de  7.6% à receita de IMI em 2http://www.inverbis.pt/2014/atualidade/sistemapolitico/662-imoveis-partidos-imi
[9]  Assim designado por Varoufakis recentemente
[10] Numa primeira instância os fundos de pensões dos bancos corresponderam a receitas de € 5950 M, o da PT € 1097 M, ambos  em 2012/3 e ainda o do BPN e da IFAP
[13]  Elementos desenvolvidos em “Suite 605” de João Pedro Martins
[14]  Segundo João Pedro Martins no seu livro “Suite 605” a “Madeira perdeu 900 milhões de euros devido às exportações fictícias que inflacionaram artificialmente o PIB” e convive com “30% da população da Madeira a viver abaixo do limiar da pobreza”.

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