terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Investimento estrangeiro em Portugal - Entre o mito e a propaganda - 3ª parte

A entrada de novo investimento direto estrangeiro (IDE) é acompanhada por uma elevada saída sendo relativamente reduzido o aumento efetivo, como também é pouco relevante o impacto no aumento da capacidade produtiva, no emprego e nas exportações uma vez que parte substancial se acumula no sector financeiro.

Portugal deixou de ter atrativos como destino do investimento estrangeiro mas, apenas como plataforma para terceiros terem uma entrada fácil no grande espaço da UE e como centro de lavagem de dinheiros bastante encardidos. Para os capitalistas europeus, nomeadamente, tornou-se mais atrativo esperar que trabalhadores portugueses surjam nos seus países.

A saída de capitais como rendimento do investimento neste período corresponde a a 127% do PIB de 2013 e as taxas de rendabilidade situam-se, no último ano em torno dos 4%, após nítidas quebras nos últimos anos.  

Sumário

1 - Os fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE) em 1996/2013
2 – O IDE consolidado
3 – Os rendimentos obtidos pelos investidores estrangeiros
4 - Taxas de rendabilidade
  


Este é um terceiro texto sobre o IDE (investimento direto estrangeiro) em Portugal. Nos artigos anteriores observámos a sua posição no contexto da UE e o perfil sectorial do IDE em Portugal[1]; e ainda as origens desse IDE, o investimento e o desinvestimento e ainda a sua importância nas contas externas em tempos recentes[2].

Sublinha-se que, doravante, este tipo de abordagem será dificilmente concretizável devido às alterações que, nesta área, se verificaram nas organizações internacionais que produzem dados estatísticos (Eurostat, FMI, OCDE, BCE); e, como é óbvio, o Banco de Portugal reflete essas alterações. À partida, essas alterações no que se refere à disponibilidade pública vêm tornar mais opaco o conhecimento quantificado da realidade. A realidade dos números ficará confinada aos serventuários do capital financeiro, o qual assim demonstra a pouca consideração que tem pelas pessoas e a valia que dá à democracia, mesmo sob a forma truncada e grotesca de “democracia representativa”.

1 - Os fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE)  em 1996/2013

Observa-se no gráfico seguinte que o volume das saídas de fundos relativos ao IDE, em relação ao das entradas é elevado, variando entre 73% em 2000 e 95% dez anos depois. Trata-se de um indicador de mobilidade dos capitais; isto é, por cada novo investimento estrangeiro de €1000 M, em 2013, devidamente colocado na lapela dos mandarins de turno, há € 950000 que são desinvestidos e rumam a outras paragens.
                                                                

                                                           Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

Comparativamente à evolução do PIB, as entradas/saídas de IDE mantêm-se relativamente estáveis na primeira década do século, depois de um forte crescimento nos finais dos anos noventa. Nos últimos anos, observa-se um elevado crescimento das duas variáveis mas, com uma quebra acentuada em 2013. O aumento líquido do IDE observa-se em todo o período, com maiores volumes em 2000 e 2001, nas vésperas da adopção do euro com 2002 a revelar o impacto da crise das dot.com.

Mais relevante é registar-se que a esse aumento do IDE líquido em Portugal não corresponde um acréscimo da capacidade produtiva do país (FBCF) a qual se vem reduzindo desde o princípio do século. De facto, o IDE em Portugal tem-se vindo a concentrar na área financeira[3], desmistificando-se assim o caráter do investimento estrangeiro como incentivador da capacidade produtiva, do emprego e das exportações, estas últimas tomadas como a salvação da grei nos discursos da idiotia governamental; e como se evidenciou no recente caso de corrupção dos “vistos gold”.

Sabendo-se que o PIB tem tido uma fraca evolução neste século, o valor líquido do IDE, para além de não se refletir em investimento também não se evidencia como compensação para as quebras do consumo público e privado ou do investimento por parte de capitalistas nativos. 

                                                          Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

A comparação das entradas ou saídas dos capitais classificados como IDE, com os fluxos da balança de transações correntes a débito (saídas) ou a crédito (entradas de fundos) revela uma dinâmica muito maior das entradas ou saídas dos capitais classificados como IDE até 2003, posicionando-se, a partir daí num patamar mais baixo, medido em termos de percentagem dos valores da balança corrente; e apesar do dinamismo dos montantes da balança de transações só se ter perdido a partir de 2009. Após o início do empobrecimento programado ainda em curso, a evolução do IDE – que se não inclui na balança corrente - em pouco contribui como compensação para o tradicional deficit naquela balança. De facto, não dominando no IDE, em tempos recentes, as aplicações na produção de bens transacionáveis com o exterior, o seu contributo para o aumento das exportações é escasso.

                                                                             Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

2 – O IDE consolidado

O gráfico que se segue, evidencia a evolução do IDE consolidado, acumulado; isto é, a posição do conjunto dos investidores estrangeiros em Portugal e ainda, como vem evoluindo nos seus componentes básicos. Desde 1996 e no capítulo do investimento mais vocacionado para uma maior permanência (no capital, incluindo os lucros reinvestidos) cresce seis vezes – cinco vezes até 2007 -enquanto o PIB em 2013 é apenas 77% superior ao calculado, dezassete anos atrás. Perante um capitalismo nativo débil, endividado e pouco munido em termos de tecnologia e gestão, Portugal interessa ao capital externo pelas potencialidades de muitos trabalhadores, competentes e pouco reivindicativos ou pela relevância de uma população consumidora superior a dez milhões de pessoas.

A quebra de ritmo de crescimento a partir de 2007 revela a concorrência dos países da periferia Leste, recentemente incorporados na UE (2004 e 2007), mais próximos da Alemanha, com melhores qualificações e menores salários que os portugueses; e revela também a estagnação da economia europeia e algum desinteresse pela periferia Sul por parte dos capitalistas do Centro da UE. Note-se, que as privatizações decretadas pela troika foram aproveitadas em grande parte por capitais chineses, angolanos e até brasileiros, pendor grotescamente confirmado pelo trabalho de fancaria protagonizado por Portas com os seus vistos gold. Portugal deixou de ter atrativos como destino do investimento estrangeiro mas, apenas como plataforma para terceiros terem uma entrada fácil no grande espaço da UE e como centro de lavagem de dinheiros bastante encardidos. Para os capitalistas europeus, nomeadamente, tornou-se mais atrativo esperar que trabalhadores portugueses surjam nos seus países em situação de desespero, dispostos a aceitar trabalho por preços “competitivos”; Passos, ao incitar à emigração, mostrou-se brilhante no seu repelente papel de manageiro.

Se o “outro investimento” tem uma evolução pouco distanciada dos investimentos em capital, diretamente ou através de lucros reinvestidos, o mesmo não acontece com o investimento de carteira que cai abruptamente a partir de 2009, parecendo estabilizar no último ano de que se possuem dados.

                                                              Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

3 – Os rendimentos obtidos pelos investidores estrangeiros

Interessa-nos agora os fluxos dos rendimentos do IDE gerados em Portugal, contabilizados como saídos para o exterior - em termos físicos ou meramente contabilizando um acréscimo de direitos por parte de entidades externas - e observar a sua composição. Esses fluxos inserem-se numa balança de rendimentos que contempla, para além de capitais (97% a 99% do total) os rendimentos do trabalho, que cobrem a reduzida fatia restante. Englobam-se nos rendimentos do capital aqueles que resultam da posse de ações, outras participações ou da concessão de empréstimos; e de obrigações ou outros títulos de dívida, sem ligação com qualquer investimento direto, sem outro objetivo que não o rendimento desses títulos ou o jogo especulativo com os mesmos.

Comecemos por considerar a balança de rendimentos do investimento e os seus componentes, na parte correspondente à saída de capitais (débito), para o período 1996/2013. A saída de capitais por este efeito neste período corresponde a pouco menos do que a dívida pública atual ou, mais precisamente a 127% do PIB de 2013.

Será também curioso apresentar a evolução dos rendimentos do capital beneficiando entidades externas por cada elemento da população com emprego, tomando esta pelo valor médio do período – cerca de 4.7 milhões de pessoas – e ainda quanto isso significa em tempo de trabalho.

A distribuição do total dos rendimentos do investimento saídos de Portugal apresenta, no gráfico abaixo, duas fases de crescimento – uma, anterior a 2001 e outra em 2004/08 – e duas de quebra, uma em 2002/03 em virtude do início do abrandamento da economia e da crise global associada ao fim da bolha dot.com e a posterior a 2008, como resultado da crise financeira europeia e do afundamento da economia portuguesa.

As remunerações do investimento em carteira compreendem as que se prendem com juros de empréstimos em que os mutuantes não têm participação no mutuário, bem como lucros de ações ou participações que envolvam objetivos de mera aplicação de capital, sem intenções de intervenção na gestão e ainda, os rendimentos associados a derivados financeiros. Todos, em geral, com propósitos de curto prazo, evidenciam os efeitos da conjuntura retomando, a partir de 2009, uma evolução regular. No capítulo dos rendimentos do outro investimento, uma categoria compósita e residual, a sua evolução é paralela à do total dos rendimentos mas, com uma quebra mais acentuada que aqueles em 2009/10.

                                                                      Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

As remunerações do investimento em carteira compreendem as que se prendem com juros de empréstimos em que os mutuantes não têm participação no mutuário, bem como lucros de ações ou participações que envolvam objetivos de mera aplicação de capital, sem intenções de intervenção na gestão e ainda, os rendimentos associados a derivados financeiros. Todos, em geral, com propósitos de curto prazo, evidenciam os efeitos da conjuntura retomando, a partir de 2009, uma evolução regular. No capítulo dos rendimentos do outro investimento, uma categoria compósita e residual, a sua evolução é paralela à do total dos rendimentos mas, com uma quebra mais acentuada que aqueles em 2009/10.

O crescimento das remunerações do IDE saídas de Portugal apresenta três momentos de quebras, que se vão acentuando em profundidade e duração, em 2002, 2007/08 e a partir de 2011, seguindo-se nos dois primeiros casos, períodos de elevado crescimento. Os negócios em Portugal, para o capital estrangeiro, serão mais aliciantes na compra de participações e ativos, mormente em contexto de privatizações impostas pela troika, do que pela sua rendabilidade imediata; embora a sua rendabilidade global não seja despicienda. As dificuldades das empresas portuguesas, historicamente muito endividadas, as restrições de acesso a novos créditos e a regressão do poder de compra da população, tornam-nas presas fáceis e baratas para a aquisição por capitalistas estrangeiros; que as inserirão nos seus negócios globais e com distribuição de rendimentos adiada.

A evolução recente dos vários tipos de rendimentos do investimento, saídos de Portugal precisa ser complementada com uma aferição do peso de cada um desses componentes no total.

                                                       Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

Como atrás se disse e é verificável no gráfico acima, a representatividade dos rendimentos do IDE reduz-se nos últimos anos, evidenciando a sua menor rendabilidade como adiante se observará (4. Taxas de rendabilidade), correspondendo à evolução económica em Portugal que se revelou débil numa primeira fase, caindo no desastre periférico a partir de 2009. O crescimento do peso dos outros tipos de investimento reflete a preponderância para operações de curto prazo, de rendabilidade assegurada ou mesmo especulativas, sem qualquer impacto na estrutura produtiva ou na sua modernização.

Restringindo agora a abordagem ao IDE, observe-se a evolução dos vários tipos de origens dos rendimentos ali contabilizados, no período considerado.


                                               Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

Em relação ao total dos rendimentos constituídos em torno do IDE, é particularmente claro que aumentou substancialmente o nível dos rendimentos de empréstimos, sobretudo a partir de 2006, depois de um ponto elevado em 2000/02, tempo de implantação do euro. Será que as empresas estrangeiras instaladas em Portugal encontram condições de financiamento mais favoráveis fora do país, beneficiando da ligação às suas casas-mãe, aproveitando-se de excedentes formados naquelas, numa lógica de aproveitamento de sinergias de grupo? Em anos mais recentes, esse financiamento externo estará também relacionado com as dificuldades dos bancos portugueses que necessitaram do artifício da subscrição de dívida pública para se financiarem ou que recorreram à linha de crédito incluída no empréstimo da troika.

O crescimento referido para a saída de rendimentos dos empréstimos contrasta com o dinamismo muito menor dos lucros distribuídos, em queda depois de 2010, por razões que se prendem com as quebras da atividade e de poder de compra, de todos bem conhecidas. Pior que isso é a evolução dos lucros reinvestidos, que estagna a partir de 2005/06 indicando a falta de perspetivas de crescimento por parte das empresas, a ausência de investimento e a insuficiente confiança numa evolução interessante do “mercado” português.

4 - Taxas de rendabilidade

Nem em todas as rubricas em que se repartem os rendimentos do investimento externo em Portugal se pode fazer uma correspondência com o valor consolidado do mesmo para se calcular uma taxa implícita de rendabilidade. Por exemplo, no caso do IDE, os lucros distribuídos, tal como os reinvestidos nas empresas, têm uma relação direta com o valor investido. Isso não acontece com os juros dos empréstimos concedidos pelas casas-mãe às suas antenas em Portugal que, em princípio se devem relacionar com capitais cedidos por empréstimo e como reforço do valor investido e incorporado no capital. Não se conhecendo o montante acumulado de empréstimos tomaram-se os juros pagos correspondentes, como equiparados a lucros; isso corresponderá a algum empolamento da rendabilidade do IDE considerada no gráfico abaixo. Contudo, refira-se que os rendimentos saídos como juros de empréstimos de sócios/acionistas têm um significado irregular, no período considerado, mas limitado; correspondem a 6.5% dos rendimentos do IDE relativos a ações e participações, em 2013.

O IDE propriamente dito revela no período em análise as contingências próprias da conjuntura pois o investimento direto, sendo mais estável, tem menos mobilidade para se esquivar às flutuações típicas dos ciclos mais curtos do capitalismo. As taxas de rendabilidade implícitas do IDE revelam relativa estabilidade até 2001, caindo no ano seguinte – adopção do euro e crise das dot.com - para iniciarem um ciclo de crescimento que atinge um cômputo superior a 7% em 2006; o início da crise financeira global reduziu ligeiramente a taxa em 2007/08 mas subiu vertiginosamente nos dois anos seguintes atingindo um máximo da ordem dos 10% em 2010, quando as dificuldades dos bancos afetam as contas públicas e os níveis de emprego. A partir daí, as contrações do poder de compra e dos níveis de investimento mostram os seus impactos sobre os níveis de rendabilidade dos capitais estrangeiros em Portugal.

                                                            Fonte primária já não disponível: Banco de Portugal

Nos investimentos de carteira, os seus dois componentes apresentam taxas de rendabilidade diferenciadas até ao início do século, quase se confundindo desde então. As diferenças de rendabilidade face ao IDE acentuam-se a partir de 2003 e só voltam a aproximar-se quase dez anos depois. Quanto ao outro investimento, ele apresenta taxas de rendabilidade próximas dos investimentos em carteira mas, caindo substancialmente a partir de 2009, para valores em torno de 1.5%


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