terça-feira, 26 de março de 2013

A instrução e o modelo económico para o Sul da Europa (1)



O capitalismo colocou Portugal como periférico no cenário europeu e determina-lhe um perfil educativo adequado às atividades que se lhe digna atribuir

Há um desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do capitalismo em Portugal por um lado; e, as subjetividades da faixa populacional que tem hoje 25/40 anos, bem como a da geração dos seus pais, décadas atrás.



Sumário

1 - Introdução
2 - O perfil educacional dos portugueses
3 - A evolução do enquadramento externo
4 - O modelo económico europeu
5 – O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana




1 - Introdução

O maior nível educacional de uma população dota-a de instrumentos que a podem fazer compreender a realidade e as causas das suas insuficiências coletivas, bem como de empreender formas de garantia dos seus direitos ou, de protesto e organização da contestação. Nada há de determinismo ou linearidade nisto, tendo em conta as capacidades que a manipulação de massas tem vindo a desenvolver sob o impulso de regimes ditatoriais, fascistas ou, meramente corruptos, no seio de uma pseudo-democracia - a democracia de mercado - arquitectada pelo modelo social neoliberal.

Uma coisa é ter os instrumentos, outra a sua utilização; e a boa utilização não resulta sempre como corolário de um elevado nível educacional. Marx, percebendo que um capitalismo desenvolvido exigia trabalhadores com mais instrução intuiu que daí surgiria a maturidade política necessária para a superação do capitalismo. Essa concepção linear foi desmentida em duas situações, historicamente contemporâneas. Cerca de vinte anos após a sua morte, trabalhadores instruídos matavam-se mutuamente numa guerra, em nome da sua pátria e para gáudio dos seus capitalistas; e, na atrasada Rússia um povo semi-analfabeto estoirava um poder imperial e lançava-se numa experiência social e política nova. Esta última, apropriada por um partido de ungidos educados, logo tratou de banir os sovietes, matar os artífices da revolução em Kronstadt e massacrar os camponeses ucranianos, pouco dados à aceitação de qualquer poder.

Em Portugal, apesar da população hoje, ser muito mais instruida que nos tempos do PREC, não parece que esteja imune a ilusões, nacionalistas ou eleitoralistas, de que o pagamento da dívida é exequível dever de gente honrada e, de que o sistema político-económico contém todas as virtualidades para um retorno a uma modesta prosperidade. Esta última só é efetivamente sentida dado o nível baixo de partida, num país que, há cinquenta anos, não tinha estradas decentes, água canalizada e saneamento básico em largas áreas e, em que carro próprio era jóia apenas para uns quantos.

Inversamente, também não há qualquer determinismo na ideia de que uma população miserável e iletrada tem na pobreza e na ignorância a alavanca necessária e suficiente para a contestação e a revolta. A “teoria” do quanto pior, melhor, não passa de uma demagogia para sublimar a impotência política ou o acomodamento dos seus defensores.

O perfil educacional da população portuguesa é muito distinto do apresentado pela grande maioria dos outros países europeus. Para além da sua caraterização estrutural coloca-se-nos uma questão crucial:

As insuficiências desse perfil têm sido um travão ao desenvolvimento ou é a hierarquização das nações europeias que produz esse perfil e não outro mais qualificado?

Uma certa linearidade mecanicista, economicista, conduz a que se considere que o factor super-estrutural (educação) trava o desenvolvimento económico, desincentiva ao investimento externo. Uma visão geopolítica baseada na avaliação das hierarquias geradas pelo capitalismo conduz a que sejam as desigualdades daí resultantes a definir os padrões educacionais numa formação social.


2 - O perfil educacional dos portugueses


A parcela da população com formação superior era, em Portugal, a mais baixa da Europa em 2000 mas, em 2010 ultrapassava as proporções registadas na Turquia, na Roménia e na Itália. Porém situava-se a menos de metade dos indicadores dos países escandinavos e das Ilhas Britânicas, com particular atenção para um dos acompanhantes no grupo dos PIIGS, a Irlanda.

                                                                                                          Fonte: Estado da Educação, 2011

Em Portugal, o incremento registado nessa parcela entre os dois momentos, embora elevado em termos relativos, somente revela um crescimento paralelo ao registado para a maioria dos outros países europeus. Note-se que a parcela de licenciados (ou com habilitações superiores) em Espanha é dupla da portuguesa.

Em que medida esse incremento, não terá sido algo deturpado pela existência de cursos com programas ridículos, outros com licenciaturas facilitadas ou, sem um conteúdo digno? As polémicas sobre as habilitações de Sócrates, Relvas, Passos e outros, adicionadas ao fim de várias ditas universidades envolvidas em escândalos financeiros - com imponentes vigaristas ungidos em magníficos reitores - são elementos que retiram algum do significado real daquele incremento. E retiram certamente muito do brilho com que se pretenderá untar a lógica de mercado estendida ao ensino em geral e ao superior, neste caso.

Sublinhe-se que na Finlândia, o país referenciado no gráfico como tendo o indicador mais elevado, a universidade é exclusivamente pública, não sendo admitidos desvios mercantilistas protagonizados por cobradores de propinas ou de reminiscências medievais quando as ciências necessitavam de aprovação papal.

A tradição lusitana de uma universidade rotineira e pouco estimulante da criação, da experimentação tem uma história baseada em gangs e rivalidades de emproados catedráticos, donos dos saberes e especializados no fomento das referências às obras dos próprios e dos seus amigos, da intolerância para com os diferentes e a exploração e humilhação de mestrandos e doutorandos. Muitos não passam de campeões do biscate, ocupando lugares em empresas e defendem terem as universidades de se orientarem para as necessidades das … empresas.

Por seu turno, a representatividade da população com estudos pelo menos secundários é muito baixa, bastante afastada da apresentada pelos outros países, com excepção da Turquia. A evolução registada em dez anos é positiva também mas, o incremento verificado não se afasta muito da progressão registada nos outros países, pelo que as distâncias relativas pouco se alteram, como se observou também, para as pessoas com cursos superiores.

                                                                                                          Fonte: Estado da Educação, 2011

Mesmo sem se entrar em linha de conta com uma comparação sobre a qualidade do ensino e o desempenho escolar, mostra-se escassa a parcela da população vocacionada para as funções intermédias da produção. E essa escassez não é, certamente indutora da fixação de atividades de elevado valor acrescentado, mormente de atração de investimento estrangeiro qualificado – como o mandarinato tanto acena - a despeito de, há várias décadas, os governos afirmarem não defenderem um modelo de baixos salários e fracas habilitações. Na realidade, a pequena parcela de gente com estas habilitações intermédias, reflete as necessidades dos “empresários” lusos, cujas caraterísticas são pouco abonatórias[1], como no desenvolvimento deste trabalho abordaremos.

A população com instrução aquém do secundário constitui em Portugal, em 2010, pouco menos de 70% do total, embora superasse 80% uma década antes, ombreando com a Turquia na situação mais recente. Em ambos os momentos, muito acima dos indicadores registados para os outros países da orla mediterrânica, atualmente objeto de especiais atenções de “troikas”, “mercados” e agências de notação.

                                                                                                          Fonte: Estado da Educação, 2011

É notória a diferença entre a estrutura educacional em Portugal e Espanha, uma situação que certamente contribui para que a costa ocidental da Ibéria seja tomada, nos meios políticos e dos negócios, como um apêndice, uma periferia, uma subalternidade do estado espanhol, um género de 18ª autonomia ibérica. No contexto de um capitalismo em dificuldades, agressivo e invasivo, este perfil educacional é claramente uma desvantagem[2] embora seja acima de tudo uma consequência do lugar que Portugal ocupa na divisão do trabalho, no quadro comunitário.


3 - A evolução do enquadramento externo


As elites económicas e os seus executores políticos no poder em Portugal depois da “normalização” de 25 de novembro de 1975, nunca tiveram uma lógica de desenvolvimento centrada nas necessidades e no bem estar da população. Depois da queda do fascismo, a deliberada aposta na integração europeia privilegiou o desenvolvimento da exportação adequada ao padrão de capitalização e tecnologia das empresas portuguesas; e estas, dadas as suas debilidades, somente tinham a seu favor os muito baixos salários praticados em Portugal, comparativamente aos outros países europeus, para compensar as maciças importações de energia, matérias-primas, equipamentos e bens alimentares.

Tal como no tempo de Salazar, as necessidades de formação foram-se adequando às solicitações de um empresariato ignorante mas, cúpido e habituado ao apoio do Estado, à sua benevolência para com a fraude e a evasão fiscal.[3]

Durante o fascismo, esse empresariato também defendia o baixo salário mas, como instrumento para outra estratégia. O chamado Estado Novo foi montado nos anos 30, em época de protecionismo feroz e, portanto, com barreiras alfandegárias, condicionamento industrial e muita repressão para que os trabalhadores ficassem mansos. Então, a preocupação não era tanto a exportação mas, a garantia da ausência de concorrência no espaço nacional. Nesse contexto, a instrução era considerada algo próprio para elites e daí, os elevados graus de analfabetismo, sobretudo entre as mulheres; no ensino superior, o importante era a reprodução das reacionárias aristocracias médica e de direito. Mesmo os cantados estudantes das lutas académicas dos anos 60 rapidamente mostraram que o seu progressismo era só verniz, vindo a engrossar as hostes do PS, na menos má das opções.

Nos anos 80 do século passado o acesso aos fundos comunitários tornou-se um maná para esse empresariato, uma “janela de oportunidade” que veio a contribuir para o hiperdesenvolvimento do sector da construção e obras públicas – autoestradas, estradas, rotundas, betão e alcatrão, saneamento. O industrial têxtil virou-se para a construção e o imobiliário, com eventual transferência do têxtil para a Roménia e um lastro de dívidas para com a Segurança Social, à espera da incobrabilidade ou da prescrição. Por seu turno, e perante tanta procura de construção, qualquer trolha passou a industrial de construção, recrutando imigrantes baratos, africanos e do Leste europeu. Para além da verdadeira vigarice que ocorreu em grande parte da utilização das verbas para formação profissional, com algum protagonismo das associações empresariais.

Em meados da década de 90, a AutoEuropa quase monopolizava os fundos (e os benefícios fiscais) afetos à Operação Integrada de Desenvolvimento de Setúbal, área em forte crise resultante do afundamento da metalurgia pesada. E os capitais estrangeiros, mormente espanhóis pagavam bem pelas empresas industriais que lhes interessavam, deixando assim que os magníficos empresários lusos se dedicassem à construção e ao imobiliário, ao sector financeiro ou ainda a titulares de ações das empresas ex-nacionalizadas incluidas no PSI-20; um treino para rentismos mais vultuosos futuros, sob a forma de PPP. Os mais conhecidos viraram-se para esse misto de comércio a retalho e especulação financeira que são os supermercados; tornaram-se os grão-merceeiros, sem o sangue azul dos grão-duques.

Um segundo fôlego de betonização fez-se em torno da Expo 98 e dos estádios de futebol e o terceiro que estava programado (Ota/Alcochete, plataformas logísticas, TGV) ficou comprometido com o endividamento insustentável dos bancos e do seu Estado, selado pelo fecho da torneira do BCE, com o despedimento de Sócrates como brinde gerador do rotativismo no âmbito do partido-estado.

É evidente a alta responsabilidade da UE nesta situação que, certamente, nunca desconheceu as caraterísticas do empresariato luso e da sua venal classe política. Pouco isso lhes importava dado que estavam gerando mercado interno para as suas exportações, cujas receitas teriam um efeito mais prolongado do que os temporários fundos comunitários, saídos dos bolsos dos contribuintes europeus. A UE criava assim uma dependência à qual se veio a acrescentar a dívida financeira dos pequenos bancos portugueses, para com os gigantes alemães, franceses e espanhóis, reproduzida internamente junto de empresas e famílias.

Entretanto, a moeda única, facilitando o acesso e embaratecendo o preço do crédito fechava o círculo da dependência, da inclusão dos países do Sul europeu na esfera de domínio do capital financeiro concentrado nas margens do Reno, do Meno e do Spree. Essa esfera continua em construção, contempla um Drang nach Osten e um Drang nach Suden[4] para a constituição de áreas de dependência económica e financeira, com salários baixos e qualificações várias que, dentro de alguns anos, serão comparáveis às dos chineses, evitando a excessiva dependência dos senhores da Europa de uma potência como a China.


4 - O modelo económico europeu


Na realidade, os capitalistas do norte da Europa, há muito tomaram a integração dos países do Sul europeu na UE como uma forma de integrarem na sua órbita a produção de bens de consumo e produtos intermédios, com menores investimentos em capital e menos exigentes de trabalho qualificado mas, com muitos consumidores. Os bens de equipamento ou de mais elevada tecnologia produzidos na UE, com maior incorporação de capital e trabalho especializado seriam produzidos no Norte da Europa – Alemanha, Holanda, França e Suécia – para exportação à escala mundial, incluindo para os parentes do Sul. É conhecida a coincidência (?) entre o redimensionamento em baixa da indústria têxtil e do vestuário em Portugal e a venda de teares alemães para as fábricas chinesas que, com o fim do acordo Multifibras em 2005, começaram a vender livremente na Europa a sua produção.

Os principais parceiros comerciais e o tipo de exportações e importações dos  abaixo referidos quatro países incluidos nos PIIGS (para simplificar não tomámos Chipre e Irlanda) são indicativos e revelam a importância da área comunitária para todos os países da UE. A contiguidade e a proximidade geográfica são elementos de grande importância para essas relações e evidenciam a forte presença da Alemanha e da Holanda, para além da China como a principal referência extra-europeia.
  
Espanha
Exportações
Destinos
máquinas, automóveis, alimentos, fármacos, turismo
França – 18.7%, Alemanha 10.7%, Portugal – 9.1%, Itália 9%, Inglaterra – 6.3% (2011)
Importações
Origens
Máquinas e equipamentos, combustíveis, químicos, semi-acabados, alimentos, bens de consumo
Alemanha – 12.6%, França – 11.5%, Itália – 7.3%, China 6.8%, Holanda – 5.6%, Inglaterra – 4.9% (2010)
Grécia
Exportações
Destinos
turismo, têxtil, produtos alimentares e metálicos
Itália – 9.5% Alemanha - 7.9%, Turquia-7.9%, Chipre - 6.1%, Bulgária – 5.5%, (2011) Suiça - 5.4% Inglaterra - 5.3%, Bélgica - 5.1%, (2010), EUA - 5.2% (2011), China – 4.8% (2010)

Importações
Origens
máquinas, equipamentos de transporte e produtos químicos e combustíveis
Alemanha (10.6%), Itália (9.2%) Rússia (9.4%) China (5.7%) Holanda (5.5%) França (5%) e Irão (4.5%) (2011)

Portugal
Exportações
Destinos
máquinas, automóveis, alimentos, madeira e cortiça, têxtil e calçado, turismo
Espanha – 26.6%, Alemanha 13%, França – 11.8%, Inglaterra – 5.5%, Angola – 5.2%, Holanda – 3.8% Itália 3.8% (2010)
Importações
Origens
Máquinas e equipamentos, combustíveis, alimentos, bens de consumo
Espanha – 31.2%, Alemanha – 13.9%, França – 7.3%, Itália – 5.7%, Holanda – 5.1%, Inglaterra – 3.8% (2010)
Itália
Exportações
Destinos
máquinas, automóveis, turismo alimentos, eletrodomésticos têxtil e calçado
Alemanha 13.3%, França – 11.8%, EUA – 5.9% Espanha – 5.4%, Suiça – 5.4%, Inglaterra – 4.7%, (2011)
Importações
Origens
máquinas e equipamentos, combustíveis, alimentos, químicos
Alemanha – 16.5%, França – 8.8%, China – 7.7% Holanda – 5.5%, Espanha – 4.7%, (2011)

A distribuição do comércio externo dos países comunitários (interno na UE e com o espaço extra-comunitário), permite que se observe ser a Alemanha o principal país nos dois tipos de trocas e para os dois fluxos, de exportação e importação. Por seu turno, aquele país, juntamente com a Holanda e a Bélgica têm uma responsabilidade no comércio comunitário muito para além da sua representatividade na população da UE, o mesmo sucedendo com a Irlanda, numa escala mais modesta. Todos os restantes países identificados no quadro seguinte apresentam uma situação inversa, com uma participação no comércio inferior ao seu peso populacional.

Distribuição do comércio comunitário (orlas sul e ocidental)


População (%)
Comércio Intra-europeu (2011)
Comércio extra-europeu (2012)
Import. (%)
Export. (%)
Import. (%)
Export. (%)
UE
100
€ 2737482 M
€ 2804798 M
 €1790770 M
€ 1686213 M
Alemanha
16,3
20,9
22,4
18,5
27,8
Bélgica
2,2
8,3
8,8
6,1
6,2
Espanha
9,2
5,6
5,2
6,6
4,9
França
13,0
12,7
9,3
9,6
10,8
Grécia
2,3
0,8
0,4
1,4
0,9
Holanda
3,3
7,3
13,2
14,0
7,3
Inglaterra
12,4
8,6
6,5
15,6
10,9
Irlanda
0,9
1,2
1,9
0,9
2,2
Itália
12,1
7,9
7,5
10,0
10,7
Portugal
2,1
1,6
1,1
0,9
0,8
soma
73,6
74,9
76,3
83,6
82,5
                                                                                                              Fonte: Eurostat

Como é sabido, o comércio externo sempre foi um instrumento privilegiado pelo capitalismo para proceder à acumulação; e, quando há conflitos comerciais, de luta por mercados a guerra é sempre um recurso disponível para mudar a correlação dos protagonistas em jogo. A guerra tem sido praticada quase sem interrupções mas, de modo localizado, uma vez que guerras generalizadas serão forçosamente nucleares; e estas, para além de colocarem em causa a própria vida no planeta, dificilmente terão um vencedor, em termos estritamente militares.

Dada a grande densidade das interligações económicas e políticas entre os vários estados; a omnipresença unificadora do sistema financeiro, a existência estruturante/desestruturante das multinacionais e do capital mafioso; a presença decisiva de órgãos plurinacionais que reproduzem a hierarquia das nações; e a constituição de oligarquias políticas de caráter global - a internacional socialista, o partido socialista europeu (PSE) ou o partido popular europeu (PPE) -  a submissão da maioria das nações e dos povos consegue-se, hoje, sem intervenções militares, sem a política da canhoneira. As guerras são essencialmente contra os povos -  como sempre - e, pelas razões apontadas, podem ser conduzidas por outros meios que não os militares, como diria Clausewitz.

Na bem urdida hierarquia comunitária - e melhor executada - não é certamente coincidência que os países mais pobres ou com mais dificuldades de “ajustamento estrutural” à constante re-hierarquização sejam aqueles em que a parcela da população comunitária é claramente superior ao seu peso no comércio global. E, como sabemos, não se pode pensar que exista neles um elevado grau de auto-suficiência de base nacional, que os faça reduzir o peso das relações exteriores e manter elevados coeficientes de felicidade.

Observe-se que os quatro principais países, especificamente da orla sul – Espanha, Grécia, Itália e Portugal – representam mais de um quarto da população da UE (25.7%) e respondem apenas por 17.3% da exportação comunitária para o espaço exterior. A Alemanha apresenta proporções próximas mas, invertidas – 16.3% da população e 27.8% das exportações para o exterior. Se se considerarem os países ibéricos e a Grécia, essa subalternidade é ainda mais pronunciada e mostra a sua periferização – 13.6% da população somente contribui com 6.6% para a exportação com destinos extra-comunitários. Os três últimos países, em conjunto, com o dobro da população da Holanda, têm uma participação na exportação comunitária para o exterior inferior à neerlandesa.

Há pois, uma subalternização do sul da Europa na participação do comércio exterior da UE, na participação nos lucros da globalização neoliberal – por isso, habitualmente, dita de excludente – um processo de empobrecimento generalizado, de redução de direitos humanos e laborais, que torne atraentes os resultados da fria análise custo-benefício praticada pelos governos, com programas (ou folhas de excel…) oferecidos pelo sistema financeiro.

Estas desigualdades melhor se observam através do sentido e do volume dos saldos das balanças correntes (entre exportações e importações de bens, serviços e entradas ou saídas de rendimentos e transferências). A formação de excedentes comerciais num país é um indicador de capacidades de investimento, mormente no exterior, de acumulação consolidada de capitais no sistema financeiro e de equilíbrio financeiro do conjunto das empresas instaladas nesse país.

A avaliação dos saldos acumulados desde 2002 (ano da adopção do euro) revela uma clara partição entre os principais países do euro e, portanto, que todas as políticas de criação de coesão entre os países nunca passaram de ilusão e propaganda. E demonstra que os fundos de coesão e outras políticas comunitárias mais não foram que o pagamento efetuado aos mandarins locais (do Sul) para executarem o mandato que lhes é conferido. Outra parte desse pagamento é efetuado, no caso português, em “géneros” como a tolerância face ao não funcionamento do sistema judiciário que facilita e encobre a corrupção; embora todos digam que o sistema de justiça é um entrave ao investimento, à concorrência…
  
                                             Balança corrente (M euros)   Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos
Saldos negativos
Alemanha
1.336.079
Espanha
-611.758
Holanda
403.504
Itália
-266.534
Áustria
73.947
Grécia
-210.543
Finlândia
53.097
França
-169.495
Bélgica
38.901
Portugal
-156.035


Irlanda
-29.408
Total
1.905.528
Total
-1.443.773
                                                                                               Fonte: Eurostat

O mesmo indicador - saldo acumulado da balança corrente - calculado para alguns países e para o periodo 1991-2001, lapso de tempo imediatamente anterior à adopção do euro, revela dados interessantes (M euros):
                       
Alemanha
(-)   197446
Holanda
(+)  144602
Espanha
(-)   121128
Grécia
(-)     42886
Itália
(+)    94073
Portugal   (1993/2001)
(-)     56148
                                                                                        Fonte: Eurostat

A Alemanha que vinha acarretando com um deficit, passou a ter saldo positivo no século XXI, para o qual terá contribuido a política de perda de poder de compra pelos trabalhadores alemães. A Holanda triplica os seus proventos enquanto a Itália troca um saldo positivo por outro, muito superior mas, de sinal contrário. Por seu turno, a Espanha e a Grécia quintuplicam os seus deficits da balança corrente.

No caso português, - não há compatibilidade total de séries estatísticas - para o periodo 1993/2001, o tradicional deficit é bastante inferior ao da década seguinte, revelando o aumento do desequilíbrio externo, resultante de um modelo económico assente na construção/imobiliário, atividade direta e indiretamente (famílias) financiada pelo crédito bancário externo que alimentou os bancos portugueses.

Esse modelo foi temporariamente beneficiário de uma moeda forte e juros baixos; e, não tendo o país grandes atrativos para a fixação de capitais estrangeiros na produção de bens transacionáveis no exterior; não tendo um empresariato autóctone minimamente capaz[5]; suportando uma classe política corrupta e culturalmente[6] indigente e nem sequer um movimento sindical agressivo, o desastre era previsível.

O gráfico seguinte demonstra, em Portugal, um gradual agravamento da situação até 2001, um recuo nos dois anos seguintes (já com o euro) e depois um forte crescimento até 2008 a que se segue, nos dois últimos anos, uma grande quebra, como consequência da estratégia de empobrecimento extensivo e acelerado da população, dimanado da troika e do capital financeiro. A adopção da moeda única não evidencia uma relação direta com a degradação das contas externas; estas, nos últimos anos, na sequência da estagnação económica e do empobrecimento refletem sobretudo, a queda das importações.

                                                                                                                                    Fonte: Eurostat

5 – O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana

O maior poder económico dos países do norte da Europa, a sua estrutura produtiva mais capitalizada e tecnológica, apostada em bens e serviços de maior valor acrescentado tem exigido, há mais de um século, trabalhadores mais qualificados e susceptíveis e maior produtividade. No mesmo sentido Bismarck criou um primórdio de segurança social, ainda nos finais do século XIX.

Adequadamente, o perfil educacional dos povos do sul da Europa, mostra-se menos rico, refletindo, em geral, as menores exigências da sua especialização económica, as necessidades dos seus capitalistas, os seus respetivos lugares na hierarquia europeia. Por isso, os fundos comunitários tiveram uma particular incidência no betão, em estradas e auto-estradas, na rede capilar da circulação das mercadorias e menos com verdadeiras reformas estruturais, como por exemplo, o sistema judicial ou o sistema educativo. A integração europeia sempre contemplou, essencialmente, um processo de especialização económica e de geração de suseranias e subalternidades.

Tenhamos presente que a compra das principais empresas com sede em Portugal por capitais estrangeiros, gera dois mundos, que confluem para uma mesma realidade. Esses capitais externos inserem a produção feita em Portugal, em lógicas mais globais – ibéricas, europeias ou mundiais – onde o preço do trabalho é determinante. Por seu turno, a vasta paleta de pequenas, médias e nano empresas - que carateriza o tecido empresarial português de raiz - pouco providas de tecnologias, capacidade de gestão, vocacionadas para um minguante mercado interno estarão em condições técnicas e subjetivas de requerer trabalhadores mais qualificados? A sua falência é sem duvida um elemento que contribui para o elevado desemprego.

O sector imobiliário não é um indutor de emprego, nem exige um vasto número de altas qualificações. O turismo também não. O “tecnológico” negócio do trabalho temporário, bem como o das limpezas e da segurança privada baseia-se em altas qualificações ou, pelo contrário, desvalorizam essas qualificações através de um nivelamento por baixo de precárias remunerações? O comércio, sobretudo de retalho é muito exigente de gente qualificada? Os ignóbeis “call-centers” exigem gente qualificada mas, a paga é inferior à de um servente na construção civil, em trabalho informal, para igual precariedade.

Há um desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do capitalismo em Portugal por um lado; e, as subjetividades da faixa populacional que tem hoje 25/40 anos, bem como a da geração dos seus pais, décadas atrás.

Na tradição portuguesa de forte iliteracia, a posse de uma licenciatura constituiu, durante décadas, não somente uma garantia de emprego (tendencialmente para toda a vida) como ainda de acesso a um rendimento que incluiria o licenciado numa classe média, pelo menos inferior. O acesso à função pública (ensino, saúde, ao restante aparelho de estado ou, o ingresso numa grande empresa, constituia um quadro tranquilizador de vida.

O início da chegada dos fundos comunitários, teve impactos diretos e indiretos na subjetividade da geração de quantos eram adultos jovens quando o fascismo se finou. E, decididamente, transportaram aquele modelo cultural para os seus filhos, para a atual geração da precariedade, todos os que têm agora entre 25 e 40 anos. A melhoria dos rendimentos, o acesso a casa própria, a automóvel e toda a panóplia de aparelhos de uso doméstico ou pessoal, era mais do que suficiente para a colocação dos filhos na universidade; e o surgimento do “mercado das propinas”, da mercantilização do ensino superior, mormente privado, parecia abrir portas a toda a gente. E a propaganda do partido-estado anunciava o nascimento de mais um milagre económico, o tigre lusitano em esforçada perseguição do seu irmão celta.

Não era, em meados dos anos 70 previsível que o neoliberalismo - mal se falava de Milton Friedman, apesar da primeira experiência neoliberal no Chile de Pinochet - originasse 30 anos depois, desemprego em massa, despedimentos vulgarizados, cortes e mais cortes em salários, pensões, direitos e um regime político tão alérgico ao bemestar da grande maioria da população.

Também não era imaginável que voltasse uma emigração aos níveis dos últimos anos do fascismo, com uma agravante – engloba muitos dos qualificados filhos dos adultos jovens que viveram o 25 de Abril, muitos dos quais estão, eles próprios, condenados a um definitivo desemprego. Ninguém pensaria que os filhos, quando crescessem tivessem de regressar, com cônjuges e rebentos, a casa dos pais e repartir com eles as suas reformas, pouco nutridas, sequelas de um Estado social que pouco ultrapassou o nível da miragem, em Portugal.

Todos se terão esquecido, pelas razões apontadas, entre outras, que as hierarquias do capitalismo são móveis. Essa mobilidade destruiu toda a histórica e deficiente estrutura produtiva portuguesa, não criou riqueza mas, alguns ricos e obriga portugueses hoje, a fazerem as malas para Angola, quase quarenta anos depois de lá terem saído, também cabisbaixos, à procura de um lugar que já não havia em África.

O novo patamar de Portugal no seio da Europa - claramente dirigida de Berlim - não subscreveu o sonho dos jovens adultos que viveram o 25 de Abril e recusa um futuro para os seus filhos, mesmo com títulos universitários; friamente, o neoliberalismo escolhe alguns, que tenderá uns, a integrar nas metrópoles do capital e outros, a quem relegará para a arrumação de quartos na hotelaria suiça, ou entregará aos cuidados de engajadores de mão de obra semi-escrava.

Convém esclarecer que não subscrevemos qualquer ideia de que o estudo, o conhecimento sejam ferramentas despiciendas; jamais, em qualquer circunstância se deve deixar de pensar, interpretar, avaliar, debater, agir.

Decididamente, houve uma geração que foi enganada pelas promessas de “uma Europa conosco” e uma outra, que nem teve a oportunidade de ser enganada, pois abriu os olhos já com o engano consumado.

Urge a construção, pelos portugueses, de uma nova subjetividade, mais adequada a um empobrecimento e envelhecimento acelerados que só poderá ser evitado no âmbito de um processo de ruptura com o paradigma económico, com um sistema político putrefacto e um modelo de representação excludente e infantilizante.

                                                                                                    (continua)

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Este e outros textos em:





    http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
[2]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/11/reflexao-sobre-o-falhanco-do-capitalismo.html
[3]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
[4]  “Avanço para Leste” é uma referência ao sonho nacionalista alemão criado no século XIX e adoptado por Hitler, de colonização de territórios eslavos, a Leste; nos tempos atuais e dado o domínio da Alemanha dentro da UE e da zona euro, em particular, pode falar-se de um Drang nach Suden , avanço para Sul.
[5]  http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
[6]  http://pt.scribd.com/doc/15634632/O-sistema-partidario-portugues

1 comentário:

  1. Deste texto depreendo que a instrução nos países periféricos da Europa tende a ser aquela que é associada ao "estigma" da periferia, cada vez mais a visão que o norte tem do sul. No entanto chamo a atenção para o facto do nosso problema a este nível vir lá bem de trás na História. Na realidade ou nunca houve uma verdadeira preocupação com a educação e quando houve foi "sol de pouca dura".
    Hoje, internamente a preocupação com a educação é na realidade nula ou quase nula, por isso não espanta que exteriormente se reforce a visão algo estigmatizada, associando Portugal a um "Estado periférico". Basta associar a nossa História ao momento presente, para de uma forma distanciada percebermos como é fácil concluir tal coisa.

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