sábado, 24 de dezembro de 2011

Portugal: democracia ou cleptocracia ?

Terminou há pouco um longo periodo de folclore eleitoral. Acabado o tempo das promessas e dos sorrisos iniciou-se a fase do cenho franzido e do roubo despudorado.

Para a multidão assaltada pelos gangs no poder que se apresentam sob  várias formas - governo, elencos camarários, empresários e capital em geral - exige-se submissão, resignação, sacrifício e confiança nas … instituições democráticas.

Democracia ? Em Portugal ?

Para quem entenda que democracia é mais do que eleições periódicas, partidos políticos e poder dizer mal do governo sem risco de prisão, há um logro democrático que pode ser observado sob diversos ângulos.

1 - As eleições

A importância das eleições dos deputados para a AR deriva de dois factores: um é, de facto, a de conduzir à legitimação do gang governamental ao qual irá caber a criação de condições para facilitar a acumulação capitalista e manter serena a multidão (com televisão mas também com bastonada, se necessário); o outro é o de encenar uma representação da multidão nas instituições políticas. Vejamos a questão da representação.

Os 230 lugares na AR visam a representação do eleitorado todo. Eles são o número de representantes dos cidadãos eleitores (8,934 milhões em 2005), o que corresponde a um por cada 38842 cidadãos. Não interessa, no contexto, aqui vertido se são muitos ou poucos; interessa apenas que a 5,750 milhões de votantes em partidos corresponde, de facto, à eleição de 148 deputados cabendo aos não votantes os lugares de 82 deputados que não entenderam por bem eleger.

Como os lugares na AR foram todos preenchidos, existe uma usurpação pelos gangs partidários dominantes dos lugares afectos à população não votante, aqueles (e são muitos) que manifestaram desconfiança ou repúdio perante o cardápio de partidos concorrentes.

A abstenção é um indicador fortíssimo da saúde e vitalidade de uma democracia; é um sintoma de repúdio do mandarinato e das falsas escolhas que se apresentam em democracia de mercado.

Se o mandarinato estivesse preocupado com a democracia aceitaria esses lugares vagos como medida da sua real legitimidade global e seria obrigado a gerar iniciativas que fomentassem a participação da multidão nos actos eleitorais; a promover acções que conduzissem a multidão a um maior empenho na acção política; a um maior respeito pela satisfação das necessidades globais e maior cuidado nas promessas que saem das gargantas dos mandarins com tanta ligeireza como de impunidade, nos casos, escandalosamente comuns, de incumprimento.

Não procedem dessa maneira porque eles são os beneficiados com o divórcio entre a política e a multidão. Quanto mais alheada e mansa andar a multidão mais folga o mandarinato e mais impunemente funciona o sistema cleptocrático; e por isso eles apresentam aqueles discursos redondos e vazios, de palavras codificadas que se dirigem mais aos seus adversários e menos ao eleitorado.

Portanto, eles ocupam todos os lugares (com as mordomias e os fundos públicos inerentes), como se os abstencionistas  e aqueles que votaram nulo ou em branco os tivessem, também, legitimado. Assim, quem se abstém constitui um enorme grupo de despojados de valor político democrático como se a sua opção tivesse menos legitimidade que a dos votantes.

Nos sistemas mais maduros no sentido do totalitarismo, essa usurpação pode mesmo acentuar-se nos casos em que se exige uma percentagem (5% na Alemanha) para um partido estar presente no parlamento, gerando-se assim um outro vector de despojados de representação, constituido pelos votantes em formações que, por serem minoritárias são colocadas à margem.

Em Portugal, isso vem sendo falado no seio dos gangs dominantes (as duas Torres Gémeas, PS e PPD) e constitui uma forma de afunilar ainda mais o debate político nos media num estreito leque de pequenas diferenças formais (é o bipolarismo, o rotativismo…). Caminha-se para uma putrefacção corrupta idêntica à vigente na monarquia constitucional, cujas características foram retratadas por Eça de Queirós e outros vultos contemporâneos e que ocultou ou disfarçou os problemas que se vieram a conduzir ao regicídio e à instauração da república.

Outros sistemas eleitorais torneiam essa questão do divórcio entre a multidão e os gangs partidários instituindo o voto obrigatório (Brasil, Bélgica, por exemplo) sem contar com aquele tipo grosseiro de fraude eleitoral que dá votações de 99%, típicas das ditaduras tradicionais e não concebíveis nas democracias (ou ditaduras) de mercado.

Há muito também que as Torres Gémeas vêm discutindo as vantagens de elencos camarários monocolores, para “agilizar a gestão”, isto é, facilitar a corrupção, assim tornada restrita a membros de uma só máfia partidária, sem concorrência ou o incómodo de vereadores da oposição.

2 – Os arranjos “democráticos” post-eleitorais

Terminada a contagem dos votos até o simulacro de democracia desaparece para tudo se cingir aos jogos de poder dentro do gang dominante o que se pode tornar ainda mais complexo se houver necessidade de coligação entre vários gangs. Isso processa-se a vários níveis.

Primeiro, porque a hierarquia nas listas eleitorais é completamente subvertida uma vez que quem preenche de facto os lugares de deputado são figuras extraidas dos lugares secundários dessas listas uma vez que os elementos mais mediáticos, colocados nos lugares cimeiros apenas aí figuram como isco para iludir eleitores menos atentos.

Depois, porque os chefes de gang obrigam os futuros deputados, antes da tomada de posse, a assinar uma carta de renúncia ao mandato, sem data, que fica na posse da direcção do gang. Resta assim garantida a “independência” do deputado… a sua intransigente defesa dos interesses do povo… Os deputados saberão que só falam quando autorizados pelos seus chefes, sobre os assuntos põe eles  determinados e nos termos pelos mesmos definidos.

Finalmente, ao nível da constituição do governo muitas atribuições são dadas a não eleitos (ao contrário, por exemplo da Grã-Bretanha), demasiadas vezes figuras obscuras, simples incompetentes, traficantes de influências saídos de empresas de advogados ou indicados pelo poder financeiro e ainda pelos cooptados aos níveis secundários do gang governamental.

E ninguém poderá, seriamente, argumentar que o governo está legitimado pelas eleições porquanto entre as promessas eleitorais e a política real levada a cabo pela máfia governamental vai uma grande distância. Quem votou neles decerto se sente vigarizado e para o demonstrar aí está o resultado do PS através do seu candidato Mário Soares e da votação obtida pelo Alegre. Recorde-se que o mandarinato para justificar as diferenças entre o prometido e a prescrição a aplicar à multidão, encenou aquela paródia da consulta ao sumo-sacerdote Constâncio sobre o estado da economia. Se só depois das eleições de inteiraram do estado da economia é porque são ignorantes e levianos; logo, não servem.

3 – Legitimidade ?

Neste contexto de sobrerepresentação dos partidos presentes na AR, um deles, o PS com o robot Sócrates à frente afirma-se com maioria absoluta com base em 28,8% do eleitorado ! Assente na ausência de qualquer escrutínio durante 4 anos, a mafia socratóide age, como possuidora de um poder absoluto, em verdadeira ditadura: e, nesse âmbito sente-se legitimada para reduzir o poder de compra da esmagadora maioria da população de trabalhadores, no activo ou no desemprego e ex-trabalhadores, mantendo ou melhorando os rendimentos do sector financeiro e dos promotores de OPAs, exagerando grosseiramente, os resultados do combate à fraude e evasão fiscal ou contributiva, como se os problemas se resolvessem com um maior rigor junto dos trabalhadores com subsídio de desemprego ou por doença.

Por outro lado, os resultados valem o que valem, dependem dos contextos e do modo como os media apresentam as candidaturas. Sete meses antes do 25 de Abril, Caetano ganhou as eleições e bem se viu então o apoio que realmente detinha. Nos países do Leste europeu, no periodo 1989/91 assistiu-se a todas as reviravoltas políticas, reconversão de mandarins, etc: contudo, meses antes, os governos ditos comunistas tinham vencido eleições de modo esmagador.

Pretendem, em suma, convencer a multidão que a simples existência de eleições garante a expressão democrática dos anseios da multidão, o que não é verdade, mais ainda quando o gang no governo subverte totalmente o que havia proclamado antes do escrutínio. Visa-se, pois, criar uma ilusão de legitimidade que tende a inibir as vozes discordantes e críticas e garantir a sonolenta aquiescência dos restantes. Por outro lado, a multidão afastada da acção política, induzida a aceitar como natural que alguns se especializem nessa área, como em qualquer outra, tende a votar com um elevado sentimento de resignação ou leviandade.

Perante esta falta de legitimidade e de democracia não tem a multidão qualquer dever de aceitação das instituições nem daqueles que as dominam. Ainda recentemente um estudo divulgado na imprensa referia o desencanto dos portugueses face ao país, extraindo ainda os técnicos, das respostas, a ideia de que se poderá estar no limiar de motins e sublevações populares. Está aberta a larga estrada da desobediência, da contestação, da não colaboração com o poder dos gangsters.

Julho 2006

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