sábado, 24 de dezembro de 2011

A democracia de mercado e a actuação da esquerda

O capitalismo é um sistema global e como tal não pode ser subvertido no quadro nacional, de qualquer nação e apenas no contexto de grandes espaços económicos e políticos, tendo como protagonista dessa subversão uma multidão imensa de trabalhadores em acção coordenada e radicalizada no sentido de mudanças profundas na sociedade, no poder económico e político, com novas formas organizativas e decisórias.

O domínio capitalista da multidão de explorados baseia-se não somente na força do aparelho coercivo do Estado mas, numa modelagem ideológica da multidão como em nenhum outro sistema político, utilizando meios poderosos, também sem precedentes históricos.

Essa modelagem visa essencialmente que a multidão considere como natural e inevitável a sua própria exploração e como real ou efectivo o seu (quase nulo) controlo democrático da acção política e das grandes decisões.

Uma dessas ilusões tem a ver com os processos eleitorais, restringindo aqui a análise às democracias de mercado. E essa ilusão resulta tanto de condições objectivas – controlo do processo pelo mandarinato e dos media pelo poder económico – como de razões subjectivas – alienação da gestão da sociedade, por parte da multidão.
  
Como se disse em artigo anterior, as eleições valem o que valem, de acordo com o espaço e o tempo em que decorrem. Não se defende o abandono liminar de todos os pleitos eleitorais mas, apoia-se o concurso da esquerda às eleições em democracia de mercado enquanto existir uma fatia substantiva da multidão que acredita nas mesmas, como via de progresso e de democratização das estruturas sociais e económicas.

Porém, não basta, como tem vindo a ser feito pela esquerda institucional, apontar os problemas existentes e as soluções técnicas em capitalismo e democracia de mercado, por muito meritórias que sejam. E isso porque essas soluções ou são aceitáveis pelo poder capitalista que assim até poderá surgir como subscritor de propostas de “esquerda” ou são preteridas pelo mandarinato na contabilidade dos custos e proveitos, dos equilíbrios entre os vários interesses que constituem o bloco hegemónico do poder.

Vejam-se, por exemplo, dois assuntos de extrema importância actual para a multidão em Portugal: o desemprego e a segurança social. O primeiro não tem solução, no quadro da globalização, em que o trabalhador é algo de descartável, como qualquer mercadoria e, nesse contexto, os governos nada mais fazem do que orar para que a exportação aumente. Quanto ao segundo, como no quadro actual nenhum governo em Portugal vai onerar as empresas com uma contribuição social proporcional à real produtividade do trabalho (ver artigo sobre a Segurança Social em ESQUERDADESALINHADA.BLOGS.SAPO.PT) só há lugar à redução de benefícios, ao aumento da idade da reforma, à penalização das pessoas por adiarem a morte para mais tarde, o que escrupulosamente a máfia socratóide cumpre, com o gasto alibi do deficit e o aplauso discreto da direita pura e dura.

Assim, deve a esquerda manifestar a insuficiência da democracia de mercado para a resolução dos problemas e definir claramente a ausência de soluções reais naquele quadro. E que não interessa colaborar com o poder mas, pelo contrário prejudicar a sua acção que é, de facto, prejudicar o funcionamento do capitalismo, a coligação mundial das multinacionais, do capital financeiro e dos negócios mafiosos, contra a Humanidade. A cada fracção da multidão mundial, as suas devidas responsabilidades na libertação colectiva da tara capitalista.

Admita-se, por absurdo, que se mantém a rotina das eleições legislativas no estreito âmbito da democracia de mercado. Acreditará alguém, com seriedade que a esquerda institucional alcançará a maioria na AR ? O BE, por exemplo, mesmo que mantenha regularmente os ganhos registados em 2005 (mais 5 deputados) só conseguiria a maioria absoluta na AR dentro de … 74 anos, passadas três gerações ! Por coincidência, o tempo que durou a corrupta monarquia constitucional portuguesa até à revolução republicana.

O plena e exclusiva actuação da esquerda no plano institucional nada tem conseguido senão originar governos com actuação cada vez mais agressiva, contra a multidão. Essa actuação suscita, em regra, escolhas assustadoras como a que opôs Chirac a Le Pen, redundantes (Prodi ou Berlusconi) e poderá colocar aos portugueses, daqui a cinco anos a preferência por Cavaco face a um opositor do tipo Paulo Portas.

Compete à esquerda e aos seus militantes, mesmo para os que consideram importante a provisória pertença ou colaboração no quadro da esquerda institucional:

·         Fomentar a desobediência, a insubordinação, o desprezo pela lei do Estado cleptocrático, com a utilização das instituições para aqueles efeitos e o aproveitamento das escassas oportunidades que elas oferecem a favor da multidão;

·         Assentar a acção política em núcleos de acção e agitação particularmente fora das instituições da democracia de mercado, demonstrando os limites da actuação das mesmas (AR, assembleias municipais e de freguesia, tribunais…) e gerar confiança na actuação autónoma da multidão;

·         Recriar as organizações de massas, legais, como os sindicatos retirando-lhes toda a carga de conservadorismo e gestão burocrática das leis, abrindo-os a sectores sociais importantes como os desempregados, os imigrantes, os trabalhadores precários.

·         Promover a unidade de acção anticapitalista com os trabalhadores de outros países, anulando a tara nacionalista que a direita gosta de promover e a esquerda institucional tanto esquece.

16/7/2006

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