sábado, 24 de dezembro de 2011

Os próximos aumentos da electricidade e a política energética das mafias

1 - Aspectos da realidade actual

De acordo com a ladainha da transparência dos mercados e da concorrência, o MIBEL entrou em vigor mas... como é habitual, nestes segmentos que vivem em oligopólio (em português corrente chama-se cambão), os preços da electricidade vão aumentar. Anos atrás a mesma cantata foi ouvida a propósito da introdução do gás natural, mais recentemente o refrão soou a propósito da liberalização dos preços dos combustíveis.

Diz a ERSE que o aumento do preço do petróleo não tem sido reflectido nos preços da electricidade gerando-se um deficit (mais um) tarifário de 421 M euros. Devido ao MIBEL, esses malandros dos consumidores vão deixar de fugir ao pagamento de preços “justos” e portanto, as contas dos “técnicos” da ERSE aprestaram-se a decretar um aumento de 15,7% do preço da electricidade para mais de 80% dos clientes da EDP.

Como se tornou habitual no discurso ideológico neoliberal adoptado pelo mandarinato, a constituição de entidades reguladoras, visa a criação de estruturas técnicas, assépticas, independentes, isentas de instrumentalização do poder político. É o discurso da regulação pelos mecanismos de mercado, em que tudo o que acontece é inelutável, natural, insusceptível de manipulação política, como a sucessão entre dias e noites.

Claro que nada disso é real e acabamos de ver o governo socratóide a intervir para deixar claro que a tal ERSE andava na lua, que a reguladora não tem independência nenhuma e o modelo neoliberal é, portanto um logro. Os socratóides acharam um exagero o aumento proposto pela ERSE e aparecerem a dizer à multidão: roubar sim, mas devagar!

Deve-se sublinhar que o recuo para aumentos de “apenas” 6% não altera qualitativamente a situação de esbulho da multidão. Mantém-se a ideia de onerar a multidão, só que em prestações suaves, pelo que se devem prosseguir com medidas concretas e radicais se necessário, que obriguem a máfia e o capital a reduzir os seus proveitos.

Concerteza que os socratóides sentiram que afectar mais de cinco milhões de pessoas de modo tão gravoso como o propagado pela ERSE, envolvia custos e riscos. Custos de popularidade, decerto, mas também porque o assalto aos rendimentos da multidão poderia conduzir a acções radicais. De facto, os postes e a rede de distribuição constituem alvos fáceis de derrube e de impossível controlo policial e os jornais informam até que ponto a distribuição de electricidade no Iraque é problemática, por sabotagem dos rebeldes.

2 – Como o capital e o seu governo assaltam o nosso rendimento

Sabe-se que a baixa tensão, onde se inclui o consumo doméstico e de pequenas empresas de comércio e serviços representa apenas 43% do consumo de electricidade e que Portugal, na UE-15, é o país com menor capitação de consumo.

Conhece-se também que as empresas grandes consumidoras de energia têm contratos próprios de fornecimento com a EDP ou outras e que os preços nos seus custos não têm subido, a bem da competitividade, está bem de ver, como referiu o comissário Castro Guerra.

E sabe-se ainda que, fruto das recentes quebras no preço, o gasto actual com o petróleo importado é, hoje, claramente inferior ao de meses atrás. No mercado mundial registou-se no dia 20 de Outubro o mais baixo preço do petróleo em 2006 (€ 56) o que corresponde a um custo diário de € 19,6 milhões, contra € 27,5 milhões quando a cotação ultrapassava os € 78 por barril.

Segundo a Deco “as descidas de preços (dos combustíveis) tardam e não acompanham” as dos mercados londrino e nova-iorquino. Isto porque “não existe concorrência benéfica ao consumidor, apesar da liberalização dos preços dos combustíveis no nosso país desde o ano passado”.

É sabido ainda que os preços da electricidade em Espanha são claramente inferiores aos que vigoram na faixa ocidental da Ibéria, não sendo crível que o petróleo importado pelos espanhóis seja mais barato que aqui.

Os lucros da EDP no ano passado foram vultuosos e nada têm a ver com a situação de “chapa ganha, chapa gasta” que a multidão encontra todos os dias, tal como a presença nos telejornais de algum mandarim de ar grave a referir dificuldades e a ameaçar com novas restrições e encargos.

                                                                        Milhões de euros
EDP 2005
Volume de negócios
Resultado líquido
%
Grupo EDP
9677,0
1071,1
11,1
Produção de electricidade - Portugal
1896,6
379,4
20,0
Distribuição de electricidade - Portugal
3767,6
128,7
3,4
Comercialização de electricidade - Portugal
525,0
-71,2
-13,6
      Sector Electricidade - Portugal
6189,2
436,9
7,1
                                                                                                          Fonte: EDP

Dizem os espanhóis que só se interessam pelos consumidores domésticos portugueses se puderem ter preços livres e não como agora, indexados à inflação, no que serão secundados pelos accionistas da EDP, à beira da indigência, como todos sabemos. Para ilustrar essa penúria, registe-se que a Iberdrola, o segundo maior produtor ibérico, aumentou os seus lucros 25,7% até finais do mês passado.

3 – Trabalho versus capital

Na lógica empresarial e governamental, a energia e o trabalho são custos que interessa minimizar para competir; os lucros, na mesma lógica devem aumentar para que possam ser investidos em novos empreendimentos, inovação, bla-bla, bla-bla.

Se os grandes consumidores industriais podem negociar o preço, escolher o fornecedor e repercutir os custos, os consumidores domésticos não, pelo que serão estes a suportar os aumentos e, globalmente, a assistir a uma redistribuição de rendimentos que, dos seus bolsos se encaminham para os resultados das distribuidoras de energia eléctrica.

Para os consumidores imputam-lhe a aceitação passiva das decisões de um intocável regulador que não elegeram e que não os consulta para nada; ou a decisão paternalista de um governo mafioso. Democracias de mercado são assim.

Quanto ao trabalho, qualquer acréscimo é considerado como obsceno, dada a situação económica portuguesa e lá está o coro dos governos, dos BCE, das CIPs, dos Constâncios, a exigirem contenção salarial que, só magnanimamente, admitem possa compensar a inflação. Aquilo que é “óbvio” para as remunerações do trabalho não é válido para os lucros empresariais.

4 - Notas sobre a política energética implícita na actuação do PS/PSD

Como é habitual cada vez que há alternância no governo entre as Torres Gémeas (PS para PSD ou vice-versa), sempre a situação herdada é apresentada como calamitosa e que é preciso reformas; no entanto, todos os problemas ou a ausência da sua resolução têm o carimbo daquelas duas instituições especializadas em tráfego de influências.

A falta de política energética tem causas pouco abonatórias para a burguesia portuguesa e para os partidos que se revezam no poder há 30 anos, PS e PSD.

·        Assim, alegremente, o peso do petróleo e do gás natural no consumo de energia final passou de 57% em 1990 para 65,6% em 2004. Recordam-se as grosseiras trafulhices em torno do aproveitamento do Côa protagonizadas pela EDP no final do cavaquismo. Agora que há apoios comunitários para distribuir, surgem interessados nas eólicas os inovadores empresários do costume, emergindo a propósito acesas disputas de lobbies, mas onde a EDP e os seus parceiros, “surpreendentemente” levaram a melhor.

O amor pelo ambiente e por uma real política de diversificação das fontes de energia conduziu a uma espera de dois anos para a autorização do parque solar em Moura e só recentemente o governo veio a legislar no sentido da incorporação de painéis solares nos novos edifícios, mantendo, no entanto, o IVA a 21% para o equipamento relacionado com a energia solar.

·         Para o imobilismo conta muito a punção fiscal. O ISP (€ 3285 M no OE de 2006) adicionado ao IVA incidente sobre os derivados do petróleo constituem uma fonte de receita essencial para os governos, sobretudo numa época de utilização maciça do OE para a redistribuição de rendimentos em prejuizo dos grupos sociais desfavorecidos.

·         A especulação imobiliária e financeira dá resultados num prazo mais curto que o investimento na modernização energéticas das empresas que fica adiado e, perante o incumprimento global dos compromissos de redução das emissões poluentes torna-se mais fácil utilizar a macabra transacção de direitos de poluir junto de quem não utiliza esse “direito”. É o mercado, sabiam?.

·         O desconexo sistema de transportes públicos conduziria a uma melhor mobilidade das pessoas se racionalizado, com um funcionamento integrado e menor custo energético. Para não afectar as empresas de transportes privadas prefere-se aumentar preços, reduzir carreiras e frequências, reduzir a comodidade das pessoas, ignorar as virtualidades do multimodal.

·         Políticas de fomento do transporte público não existem. A existirem seria necessário afrontar as Brisas, as Lusopontes, as Bragaparques e combater o estacionamento caótico (que deve, por inédito a nível europeu, constituir atracção turística!)

·         O lobby dos vendedores de automóveis não se cansa de gritar contra o IA  (€ 1200 M previstos) que encarece os preços e é imensa a importação de veículos mais velhos, mais poluentes, sobretudo para as empresas transportadoras. Assim, o lobby do automóvel, com as Brisas, as petrolíferas e a inércia dos governos constituem os verdadeiros impulsionadores do uso irracional do automóvel (há, em média um automóvel por cada dois habitantes);

·         A apetência pelo exibicionismo kitsch gera edifícios como as torres Taveira, nas Amoreiras, em Lisboa ou o mastodonte onde funciona a sede da CGD cujo consumo energético no ano da inauguração era equiparado ao do concelho do Barreiro. Edifícios cheios de vidraças e sem janelas são uma aberração num clima temperado e exigem gastos brutais de energia em ar condicionado o qual se tornou recentemente moda nas residências, para colmatar a má qualidade da construção (dos materiais, da exposição solar...)

·         E, para terminar, veja-se quem são os responsáveis pelo consumo de energia e da dinâmica irracional que torna desastrosa a situação actual


1990
1995
2000
2004
Variação 1990/2004 (%)
Consumo de energia final (Mtpe)
12,1
14,2
18,3
19,5
61,2
       serviços (%)
6,6
7,7
9,8
12,8
212,5
       indústria (%)
38,8
36,6
35,0
33,3
38,3
       doméstico (%)
19,8
17,6
15,8
15,9
29,2
       transportes (%)
29,8
31,0
36,6
35,4
91,7
       outros (%)
5,0
7,0
2,7
2,6
-16,7
                                                                                                             Fonte: EDP (adaptação)


PS – Para quem não saiba. A EDP contratou, como assessor do seu presidente, António Mexia, ex-ministro dos Transportes do Santana Lopes o idiota que dá pela última designação, com a remuneração mensal de € 10000. Amor com amor se paga mas quem de facto paga
estas pérolas de gestão somos todos nós.

Outubro 2006

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