quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A crise financeira. O  naufrágio dos PPR e dos fundos de investimento em geral.

Portugal - anos de propaganda sobre os PPR

Há anos que começou a ouvir-se o canto da sereia da modernidade sobre a forma como assegurar o rendimento e o nível de vida dos trabalhadores após a retirada da actividade laboral.

Numa primeira fase (finais dos anos 90), surgiram os arautos da falência da segurança social que, naturalmente, ocultaram o papel do primeiro- ministro Cavaco Silva na descapitalização da mesma, desviando o dinheiro retido e adstrito às pensões futuras para colmatar o deficit do Estado; ou, tolerantes perante as empresas que alegremente se financiavam retendo as contribuições para a Segurança Social que acumulava créditos incobráveis, mais tarde cedidos no âmbito da titularização levada a cabo pela Ferreira Leite em 2003, negócio ruinoso como se sabe.

Em paralelo, o “mercado”, isto é, o sistema financeiro, oferecia a possibilidade de se assegurar o futuro através de fundos de pensões, de capitalização de poupanças, com a habilidade e com as formas expeditas que se vão observando actualmente com toda a nitidez. Um dos arautos desse modelo dá pelo nome de Bagão Félix, hoje, comentador de assuntos económicos que por vezes até parece um esquerdista.

Era tempo de se falar de plafonamentos dos descontos para a Segurança Social e de pilares para canalizar dinheiro dos trabalhadores, mormente dos mais bem pagos, para a gestão privada. O Estado, sempre muito solícito em tudo o que é apoio à “iniciativa privada”, passou a conceder benefícios fiscais aos engajados nessa fórmula; o Estado, prescindia portanto, de receitas para que muitos, entre assustados e convencidos da bondade do sistema, canalizassem poupanças para a sanguessuga financeira. Ninguém encontrou nesses benefícios fonte de deficit, claro está.

A questão é que no mundo financeiro de hoje tudo se baseia em expectativas, na virtualidade; melhor, numa cadeia de expectativas e de confiança. A instituição A regista lucros baseados em expectativas, validadas por empresas de rating e pelas chamadas “casas de investimento” e aceita títulos emitidos pela instituição B ou coloca títulos na instituição C baseada em expectativas sobre o funcionamento do mercado que se tem sempre, não só como infalível mas, como objecto da crença infantil de que se pode cavalgar uma onda que nunca se desfaz na areia da praia.

E chegou a crise atrás do subprime em Agosto de 2007. Estoirou nos EUA como poderia ter rebentado na Europa uma vez que a regulação em ambos os lados do Atlântico é quase nula. Quando o papagaio Sócrates aponta para os nefastos efeitos na Europa da leviandade da regulação americana, está a sacudir a água do seu sujo capote. Recordem-se que o BCE tem como único objectivo a inflação (nas entrelinhas, apenas a contenção salarial) ou como o Banco de Portugal e a CMVM dormiam enquanto no BCP os dinheiros fluíam de modos menos canónicos.

Adiante. Os mandarins, ao mais alto nível, com o Trichet à cabeça e as caixas de ressonância Constâncio e Teixeira dos Santos no fim da cadeia do poder, garantiram, com ares firmes e quiçá sorridentes, ao “mercado” (pois as pessoas são figurantes e irrelevantes) que a Europa era uma fortaleza imune aos desvarios americanos ou que o sistema financeiro português é sólido. Pela maneira como nos costumam divertir com as suas previsões quase sempre falaciosas, podemos pensar que são ignorantes ou aldrabões. Note-se até a leviandade com que o futuro é encarado quando os índices de confiança dos empresários são a base dos indicadores de tendência. Como sempre, na raiz, estão as nebulosas cadeias de expectativas.

Voltando à questão dos PPR, retirámos do Semanário Económico de 22/8 o seguinte ilustrativo título – “77% dos fundos PPR têm retornos negativos”. E, como subtítulo uma frase mais clarividente – “quem investiu em PPR para construir um pé-de-meia para a reforma tem razões para se mostrar apreensivo…”.

Mais detalhadamente ficamos a saber que os PPR mais prudentes, com menor cobertura em acções de empresas obtiveram uma rendabilidade de 0,28% nos 12 meses terminados em Julho último; e que os mais ambiciosos com mais de 35% de investimento em acções, perderam 8,9%.

Alguém poderá dizer que foi culpa do “subprime”, género de peste que tudo pretende justificar. Nada disso. Nos últimos três anos, a média anual da rendabilidade, para o conjunto dos PPR, fixa-se em 1,59%, que passa a 2,6% se se considerarem os últimos cinco anos. Em suma, os PPR não valorizam coisa nenhuma pois nem sequer a inflação compensam, Assim, os mais avisados e os mais enrascados retiraram 460 M euros de PPR nos primeiros sete meses do ano.

De acordo com notícia do Diário Económico de 22/7 e também no que respeita a fundos de pensões, o BCP perdeu 558 M euros, o BPI 250 M euros e o BES 234 M euros no primeiro semestre, devido à desvalorização dos activos que cobriam as suas responsabilidades. Quando as cotações sobem, eles valorizam os activos e aceitam responsabilidades mas, quando elas baixam, surge a desvalorização dos activos, não se reduzindo, naturalmente as responsabilidades; então, os bancos afectam novos activos para manter a cobertura e… quando eles se esgotarem vão à falência ou o paizinho Estado dá uma ajuda, pagando os desvarios dos capitalistas que tanto protege.

Mas não são só os fundos geridos pelo sistema financeiro, nomeadamente pelos bancos que colocam os valores entregues pelas pessoas no “mercado”. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, existente como forma de assegurar o pagamento de pensões em caso de crise grave, tem cerca de 20% do seu pecúlio, equivalente a 1600 M euros, aplicado em títulos e submetido aos riscos que se vêm revelando.

Sócrates afirmou que “nunca será permitido que as pensões dos portugueses sejam jogadas na bolsa” o que é mais uma falsidade, como é habitual, sempre que abre a cloaca. Como se está em pré-campanha eleitoral ele, para captar votos, querendo que as pessoas se esqueçam das suas promessas não cumpridas pretende demarcar-se da sua gémea Balela F Leite que defende uma maior inserção no mercado, a privatização de tudo incluindo a saúde e a educação. Enfim, contradições no seio do entulho.

Os fundos de investimento em geral

O panorama atrás referido emana da situação que se observa para o conjunto dos fundos de investimento. No ano terminado em Junho último a “indústria” europeia da especulação havia perdido 800 000 M de euros na valorização dos seus activos e, se o desporto especulativo estivesse num campeonato europeu as medalhas pelas perdas teriam sido assim distribuídas:

Medalha de ouro – Portugal (- 30,79%)
(neste momento solene sugerimos que cantem o hino!!)
Medalha de prata – Lituânia ( - 30,16%)
Medalha de bronze – Polónia (-27,40%)

Em finais de Agosto, a melhor marca europeia nas perdas continuava a pertencer a Portugal (-33,62%) só ultrapassada, a nível mundial pela Coreia (-37,52%). Afinal o “sólido” sistema financeiro português não é só bom a aumentar os juros, a inventar comissões e pequenas falcatruas, como na questão dos arredondamentos.

Sublinhamos, sinteticamente, alguns elementos que contribuem para esta situação:

  1. O mercado bolsista não é uma fonte de financiamento da actividade económica onde se gera a riqueza mas, antes, um redemoinho para onde é atraída parte substancial da poupança mundial;
  1. A realização de rendimentos fáceis e rápidos, só é possível se desligada da base produtiva emanada do trabalho e do esforço, com resultados bem mais comedidos e diluídos no tempo; a sua relevância actual torna a economia mundial infectada por especuladores e rentistas completamente parasitários;
  1. O jogo especulativo, pela dimensão que assumiu leva a reboque a economia real e, a íntima relação existente entre os capitalistas e os Estados, toma a economia real a fonte primacial dos lucros e a esponja que absorve os prejuízos quando as coisas correm mal;
  1. O jogo especulativo é facilitado por regras contabilísticas imprudentes que permitem a avaliação dos activos com a incorporação de mais-valias não consolidadas, resultantes da própria especulação, tendo em vista a apresentação de lucros elevados para distribuição aos accionistas e para a elevação artificial das cotações;
  1. O mesmo jogo é facilitado pelos mecanismos da titularização, da emissão dos chamados “derivados” ou “futuros” que estabelecem extensas cadeias de títulos, dependentes uns dos outros, sem qualquer relação ou sequer conhecimento relativamente ao facto que lhes deu origem, na economia real;
  1. A extrema facilidade da circulação dos capitais gera fluxos de valor incomensurável sob a forma de títulos, sob a forma de compras especulativas de matérias primas ou bens alimentares, forçando assim variações de preços com efeitos devastadores na economia real, desregulamentada e isenta de controlos públicos, de acordo com a teologia neoliberal;
  1. Essa circulação de capitais torna-se ainda mais imprecisa e incontrolada dada a existência dos paraísos fiscais, de onde e para onde os capitais se refugiam sempre que necessário e cuja existência é essencial para a lavagem de dinheiro oriundo dos diversos tráfegos e formas de corrupção, como para a criação de liquidez no sistema financeiro.

Saídas para a crise

Já se está a ver a saída em falso que se prepara. Os bancos centrais fornecem liquidez aos bancos, os Estados absorvem créditos incobráveis e até nacionalizam para reconstituir o funcionamento do “mercado” constituindo meros detalhes, sem importância, o aumento das taxas de juro ou os milhares de desempregados que vão resultar das falências e das fusões de instituições. Os capitalistas, os banqueiros os gestores de topo responsáveis pela indigestão provocada pelo banquete, na pior das hipóteses ficam a aguardar as privatizações que se seguirão daqui a uns poucos anos, à sombra dos muitos milhões que retiveram em bom recato, fora desta turbulência.

A solução qual é?

Cremos que as esquerdas de pendor libertário ou estatizante não detêm um “corpus” de medidas verdadeiramente alternativas para a situação actual. E que a sua constituição é uma necessidade imperiosa, pois nada há a esperar das reuniões do G8, ou dos dirigentes dos países ocidentais.

Num quadro de medidas de aplicação imediata, mesmo sem colocar em causa o funcionamento capitalista da economia mundial seria necessário, para obviar a situações destas, entre outras, as seguintes medidas que se lançam aqui para discussão:

  • Regras prudentes de avaliação dos activos, desligadas das cotações da bolsa;
  • Limitação drástica ou cessação da emissão de produtos derivados;
  • Inviabilização de transferências bancárias provenientes ou destinadas  a “paraísos fiscais” ou registos “off-shore”;
  • Anulação de todos os direitos de propriedade detidos por grandes accionistas e gestores de topo responsáveis por instituições em falência ou sérias dificuldades, com afectação dos seus bens pessoais à redução dos prejuízos das mesmas;
  • Ligação a longo prazo dos níveis das taxas de juro aos índices de actualizações salariais, para créditos de carácter social, como a compra de habitação pelos trabalhadores;
  • Constituição de comissões de verificação dos actos da gestão das instituições, emanadas dos próprios trabalhadores, por eleição directa e com mandatos revogáveis a todo o momento.


Setembro 2008

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