quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Sobre o referendo da Grécia e o que virá a seguir

A coisa está preta. Os gregos decidiram que não estão dispostos a arcar com a salvação dos bancos… a não ser que a Alemanha pague o preço. Já que os querem remeter para um terceiro mundo pouco lhes importa se usarão o euro ou voltarão à velha dracma. Uma coisa já sabem, que não há solidariedade com a Grécia, apenas com os bancos.

Se a Alemanha não pagar o preço da salvação da Grécia para salvar os bancos estoira com o mercado de proximidade que viabiliza as suas exportações e verá novas grécias a surgirem – Itália, Espanha e a Bélgica surge claramente no horizonte, para além da pasmaceira lusitana; e com eles novas saídas do euro, se este não sair sozinho de cena, como que em jogada de antecipação.

A solução deste imbróglio idiota é assumir-se que tem de haver falências bancárias, fusões de bancos, limpeza dos seus activos tóxicos e incobráveis com ajustarmento do balanço global do sector bancário. Assumir fortes perdas para accionistas e detentores especulativos de títulos, mais ou menos fictícios, como os tais derivados e CDS’s. O capital financeiro em circulação, contabilizado em valores astronómicos e portanto, profundamente artificial, tem de se adaptar à economia real, à formação de poupanças. É o modelo neoliberal dos mercados financeiros de “alavancagem” da economia, a espiral do crédito e do consumo inveterado que, para além do mais, destrói o ambiente, é um modelo demente de civilização que está em causa.

Essas perdas atingirão fortemente os fundos de pensões, cujas receitas dependem das valorizações constantes dos títulos onde aplicam os descontos dos segurados e da distribuição de lucros baseados na artificialidade daquelas valorizações. É todo o sistema de segurança na velhice e na doença que rebenta, colocando bem claro que o modelo neoliberal de capitalização da segurança social tem pés de barro e vai falir.

A ligação entre o capital financeiro e os Estados, sempre abertos a salvar o sistema revela que tão capitalista é a finança como os Estados. Apoiam-se mutuamente e as classes políticas estão bem por dentro desse filme e pretendem salvar o sistema (e a sua folgada existência) à custa das populações, tornadas excedentárias, como o revelou recentemente o secretário Mestre, ao incentivar os jovens a emigrar. É que o idiota ainda não percebeu que a globalização unificou o mundo e que não há planeta alternativo.

Na Lusolândia, o Passos estará agora ao telefone com o Ricardo Salgado enquanto o cego tecnocrata Gaspar prepara novos cortes em contato com os ex-colegas do BCE e o Cavaco prepara um novo discurso moralista depois de reunir um tal conselho de Estado. A chamada esquerda mantém-se no seu ritmo de sempre, na sua visão nacionalista, com procissões na avenida e um pontapé para a frente com uma greve geral, sem perspectivas de mobilização transformadora. E desejará um feliz natal ao povinho, prometendo “novas” lutas lá para fevereiro, como é norma.

Os gregos, para obrigar o governo a recorrer a um referendo lutaram valentemente, com mais uma dezena de greves, centenas de manifestações e concentrações, confrontos com a polícia e sofrimento. Aqui, numa situação inusitada de desastre, o ritmo e a intensidade dos protestos mantém-se dentro da rotina. O importante parece ser mesmo os jogos de futebol desta semana…

De há um ano atrás, essa esquerda de esferovite ficou unidinha atrás de biombo da CGTP e, agora, com propostas tão conciliadoras como a renegociação da dívida, cuja tradução deverá ser; “nós pagamos a salvação dos bancos mas… em prestações suaves”. E, portanto, apontam para uma auditoria à dívida sem quererem assumir a sua vontade de manter o sistema de oleamento do capital financeiro a partir da punção fiscal e do papel cleptocrático do Estado. Fingem que não sabem que todo o funcionamento do Estado neoliberal está montado para aquele oleamento; e que mesmo que fizessem uma auditoria à divida existente no dia X, passado um ano de trabalho, nova dívida teria sido gerada porque os agentes do oleamento do sistema financeiro e do sector privado continuariam em cena.

Qualquer transformação séria em Portugal  o que exige transformações democráticas de fundo, uma mobilização de massa para transformar as coisas; exige que se olhe para o sistema e se não fique pasmado a olhar para a crise que aquele provoca.

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31/10/2011

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