terça-feira, 31 de janeiro de 2012



Os fascistas e os comportamentos fascizantes                    


Sumário

a)    Sobre a presença de fascistas na manifestação de dia 21
b)    Outros comportamentos fascizantes

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a)    Sobre a presença de fascistas na manifestação de dia 21


1.    Perante a tentativa de um grupo de fascistas de integrar uma  manifestação popular, a reação dos manifestantes foi adequada e ponderada, ao afirmarem claramente o seu repúdio pela presença dos energúmenos, para mais, munidos com os habituais instrumentos materiais de agressão física. Aliás, faz parte da sua natureza, a actuação em grupo, a paranóia pelas armas e os tiques militaristas;

2.    Nada custa aceitar a sua interpenetração com os comandos policiais e as altas estirpes do ministério da administração da repressão que, poderão mesmo ter oferecido proteção aos animais para eles gerarem factos políticos convenientes para apresentação nos telejornais hierarquicamente supervisionados  por von Relvas;

3.    Diga-se, a propósito, que dias antes do dia 21, um elemento bafiento que já foi PR - sempre ansioso de ter jornalistas obsequiosamente sorvendo as suas palavras - havia referido que manifestações seguras só as organizadas pelos sindicatos. E tem razão. Por isso há muito lhes chamamos procissões;

4.    A democracia é a sabedoria da tolerância, do respeito pelo outro, sobretudo quando não tem opiniões semelhantes às nossas. Porém, toda a tolerância tem os limites da dignidade que deve revestir a nossa personalidade. Caso contrário, estaremos a adoptar conscientemente, a bonomia inconsciente do boi a caminho do matadouro;

5.    Essa sabedoria ganha-se durante a vida e, tanto mais facilmente, quando se é possuidor de princípios éticos, de uma panóplia de valores inatacável. Para lidar com nazis e fascistas de vários cambiantes é preciso utilizar sabedoria, sem ferir princípios éticos;

6.    Há fascistas de vários cambiantes mas todos convergem no princípio da exclusão do Outro. Uns, fazem-no definindo explicitamente o Outro; que poderá ser o preto, o imigrante, o homossexual ou o anarquista. Outros, preferem excluir pela negação, segregando o que não aceita a omnisciência do partido, as Verdades reveladas por gurus elevados à categoria de profetas, ou a autoridade de esclerosadas hierarquias. Todos - independentemente da fraseologia mais ou menos gongórica, exigente de leituras atentas de catecismos ou da recitação de versículos para demonstrar erudição - são excludentes, exclusivistas, ditatoriais, racistas ou nacionalistas (que é outra forma de racismo, de exclusão do Outro);

7.    Gente desta natureza, não faz parte de qualquer fórmula democrática, por convicção doutrinária dos próprios ou, porque da nossa parte, não podemos aceitar à nossa beira quem tem por axioma a exclusão, o domínio, ou mesmo o extermínio dos adversários. Aí termina a nossa tolerância e começa o activo repúdio, com a utilização das formas e instrumentos adequados às circunstâncias. Essa gente constitui a anti-democracia em acto.

8.    O facto de os grupos fascistas não gostarem da “troika”, da dívida e se preocuparem com questões ambientais tal como nós, que relevância tem essa coincidência? Será admissível envergarmos um abafo para nos distinguirmos de um fascista que está na praia sob o sol de agosto? Teremos de nos abanar com um leque no inverno só porque um fascista diz que está frio? Mais, será que a nossa coerência pessoal e política precisa de ser colocada em contraponto com ideários fascistas para nos olharmos no espelho e nos aferirmos como anti-fascistas? 

9.    Respeitamos e compreendemos a posição filosófica de quem entende poder haver diálogo – em condições muito especiais - com fascistas mas, a actuação no terreno dificilmente é compativel com esses nobres propósitos. Nem sempre a realidade concreta admite a aplicação de princípios justos, em abstracto.

Cremos que não surtiria qualquer efeito, no passado dia 21, tentar parlamentar com os energúmenos para se afastarem da manifestação e por dois motivos.

Primeiro, porque o seu próprio aspecto não era revelador de grandes capacidades para o diálogo;  e depois, porque a sua presença tinha precisamente o objectivo de promover a desestabilização e conotar os manifestantes com desordem. Chamberlain também procurou apaziguar Hitler com os resultados que se conhecem. Aqui, em Portugal, também Mário Soares  procurou um acordo com Caetano para uma transição pacífica do fascismo para um regime de democracia de mercado e também se sabe como terminou o regime fascista;

10.    E por aqui ficariamos no capítulo da matilha de bestas que apareceu na manifestação de dia 21 onde, por razões diversas não pudemos comparecer. Mas há mais matéria para além da intolerância fascista e da nossa intolerância para com eles.


b) Outros comportamentos fascizantes


11.    Vamos em seguida proceder a algumas observações sobre os comportamentos fascizantes de quem não se reconhece fascista - e até goza da simpatia junto da multidão e dos movimentos populares -  mas que adopta atitudes que pouco se diferenciam dos que assumidamente se apresentam como fascistas. E a ingenuidade ou, a impreparação política de muitos, não lhes permite discernir que fascista não tem, forçosamente, de coincidir com botas militares e cabeças rapadas.

12.    Os regimes de democracia de mercado vêm sendo transformados gradualmente em ditaduras, onde tudo é decidido através da rotação de gente não eleita – banqueiros, empresários e políticos, bastas vezes também não eleitos como os casos do Álvaro que para total imbecil lhe falta somente ter penas e os durões, os van repolhos, os montis, os papademos e outros papas muito lestos na engorda com as papas que lhes não demos.

13.    Vem-se tornando relativamente claro que os regimes de democracia de mercado vão caminhando lenta mas, decididamente para fórmulas autoritárias e fascizantes de gestão social e política. Está em marcha um novo tipo de fascismo (1) genocida e excludente da grande massa das populações que não precisa de promover necessariamente a ausência de eleições, estabelecer formalmente a censura ou impedir as pessoas de criticar os governos. O novo fascismo que está em implantação também não se vai revestir de milícias de dementes como os aparecidos no dia 21, embora momentaneamente, eles possam ser úteis. Todos os regimes de domínio da multidão se servem, quanto baste, de idiotas úteis, como grupinhos de carecas, com os seus adereços típicos. As SA de Hitler dirigidas pelo Ernst Roehm desempenharam um papel de arruaceiros e provocadores, convenientes para a ascenção dos nazis ao poder mas que foram eliminados quando Hitler se assegurou da fidelidade da Wehrmacht.

14.    O novo fascismo serve-se, naturalmente, de instituições “democráticas” como as polícias várias e a tropa, no seu objectivo de se segurar no poder e punir os recalcitrantes em o aceitar. Porém, mais grave que isso é que a aceitação da nova situação se insinua nos cérebros como uma capacidade invasiva assinalável, que anula protestos e gera conformismos. Nada há de novo nisto, pois todos os regimes políticos criaram, historicamente, fórmulas de tornar dóceis os trabalhadores, no trabalho e no não-trabalho.

15.    Mais difícil entre os grupos e movimentos alternativos bem como entre militantes partidários da esquerda institucional é a verificação ou a aceitação de que existem posturas fascizantes no seu seio, sob várias formas e, em regra, com vocabulário democrático ou socializante.

16.    Em torno da Cimeira da NATO em Lisboa, em novembro de 2010 são conhecidas as posições do PC de criminalização de um grupo independente (PAGAN) que decidiu manifestar-se contra a NATO sem ter de prestar vassalagem aquele partido. Essa criminalização passou pela utilização da imprensa e pelo recurso ao aparelho de Estado – queixa junto da polícia apresentada pela USL  e orientação operacional dada à polícia para conter e cercar os activistas anti-NATO mantendo-os sob custódia durante a manifestação, como de facto veio a acontecer. Este tema está, aliás, rodeado de episódios pitorescos e reveladores. na altura divulgados (2);

17.    Ainda no âmbito dos protestos contra a NATO, nenhum deputado na AR deu relevo ao que se passou na manifestação, nem à prisão de 42 activistas durante mais de 24 horas, por terem efectuado uma ação de desobediência civil contra a presença da NATO; esse silêncio grita bem alto a conivência da “esquerda” institucional com o poder, contra os direitos democráticos de manifestação se os protagonistas não aceitarem a sua suserania;

18.    Desde os primeiros passos da constituição da Plataforma 15 O foi bem visível a presença de um grupo de provocadores - aureolados com a realização da manifestação de 12 março - mas cujo objectivo inicial foi anular o carácter internacional da manifestação de outubro deslocando-o, como então foi dito, para a “agenda dos sindicatos”. Frustrado esse intento canalizaram as suas atenções no sentido do aproveitamento da Plataforma e da ingenuidade de muitos dos seus membros para a promoção de um objectivo partidarizado e recuado – a auditoria cidadã à dívida;

19.    Esse grupo designado por M12M, entretanto transformado num género de empresa de eventos políticos, por conta da CGTP, tem confessadamente boas relações com a polícia.  Aliás, os seus membros mostraram-se muito colaborantes em 15 outubro com a polícia contra as centenas de manifestantes que ocuparam as escadarias da AR. E, claro, tendo cumprido a sua missão, afastou-se, logo no dia 16, da Plataforma 15 O, demonstrando claramente que o seu objectivo não está na mobilização e na união contra o sistema mas apenas contra o governo, para a contenção da contestação no quadro dos partidos e das centrais sindicais.  (3), (4), (5) e (6);

20.     Os activistas da Plataforma 15 assistiram passivamente a uma tentativa de saneamento político, protagonizada por membros ou funcionários da dita empresa de eventos, contra adversários políticos porque foram incapazes de perceber que no seu seio incorporavam gente cujo comportamento transparecia totalmente o ideário anti-democrático – agressão, calúnia, autoritarismo, nacionalismo, provocação - com a procura do desvio das bandeiras do movimento, para incorporação nos objectivos dos seus mandantes;

21.     Mais recentemente, no âmbito do estreitamento da diversidade dentro dos media, protagonizada pelo ministro Relvas, assistiram-se a situações distintas no sentido da governamentalização da informação.

•    Foi saneado da Antena 1 um jornalista que “ousou” criticar o regime angolano cujas relações com o gang PSD/PS são excelentes. Criticar a ditadura angolana é atentar contra as mafias portuguesas e daí o lamentável afastamento do jornalista com quem nos solidarizamos;

•    Simultaneamente foi também afastada da Antena 1 uma tal Raquel Freire cuja linguagem vanguardista não agradava ao Goebbels luso, Relvas. Sucede que na Convenção para a Auditoria Cidadã, onde Raquel foi protagonista e representante num recente encontro internacional, foi excluida o CADPP – Comité para a Anulação da Dívida Pública Portuguesa porque defende a suspensão do pagamento da dívida. O pluralismo reinante na Convenção exclui tudo o que for contrário à posição de renegociação da dívida, defendida pela “esquerda” institucional. Um dos membros do CADPP só conseguiu participar na qualidade de tradutor.

Quem com ferros tenta matar pode queixar-se de ser com ferros abatido?

22.     Ora o debate sobre o fascismo não está a ser feito no seio dos movimentos ou grupos anti-governamentais ou mesmo nos mais radicais, anti-sistema. Gritar “fascismo nunca mais” tendo como referência o regime de Salazar ou Caetano é demasiado curto e não tem em consideração que o fascismo também tem evoluido com o tempo, utiliza outra linguagem, outros métodos, procurando demasiadas vezes incorporar temas simpáticos para a esquerda, para os trabalhadores;

23.    Outro aspecto da imaturidade da esquerda não institucional no capítulo da prática política democrática prende-se com o consenso enquanto fórmula delibrativa. O consenso une, concilia posições divergentes visa a manutenção da unidade da multidão, a definição de plataformas de harmonização em torno de assuntos concretos, evitando a formação de minorias e a imposição da vontade de maiorias que, tendencialmente, provocam cisões. E essas cisões favorecem dois tipos de intersesses: os do poder cleptocrático e proto-fascista ancorado nas democracias de mercado e os dos grupos de iluminados detentores da Verdade com objectivos de controlo da massa ignara, à qual competirá – nos seus catecismos -seguir obedientemente a supremacia da vanguarda.

24.    Ora em Portugal, as práticas democráticas têm escassas tradições. Ocupa, históricamente cerca de 280 anos de Inquisição, 48 de fascismo salazarento, seguidos do conservadorismo autoritário instituido pelo golpe militar de novembro de 1975. Durante o periodo de 1974/75 houve várias estruturas auto-gestionárias e de democracia de base que foram esmagadas pelo rolo compressor do poder PS/PSD aliado aos protagonistas do controlo social, CGTP/PCP. E este lastro histórico de medo e obediência patriarcal pesa na cultura do português médio.

25.    Refira-se ainda o recente congresso da CGTP revela a contínua fidelidade habitual ao modelo do controlo por parte do partido da “classe operária”. Como é possível pretender que um partido com 442 mil votos nas eleições de 2011 – e muitos não serão decerto trabalhadores activos – imponha um membro do seu comité central como representante máximo de uma central sindical que se pretende hegemónica e representante de 3.8 M de trabalhadores por conta de outrém, 0.8 M por conta própria, 0.7 M de desempregados e 2.4 M de pensionistas? Trata-se da continuidade da lógica vanguardista, da salvaguarda de um cego aparelho burocrático ou da garantia da continuação de um papel central – o do controlo social – no âmbito de um capitalismo dependente e frágil? Todas essas lógicas se fundem num mesmo sentido – o do esmagamento de qualquer veleidade de auto-organização e revolta da multidão.

26.    Em suma, torna-se absolutamente necessário, para a multidão dos trabalhadores, dos ex-trabalhadores, dos pobres e dos estudantes, a construção de uma unidade de acção, baseada em objectivos concretos, definidos democraticamente em consensos alargados, desligados de ideologias castrantes, de lógicas organizativas autoritárias; e contra o capitalismo, o seu governo, em demarcação clara face à esclerose da “esquerda” institucional.

Dir-nos–ão que tal desiderato não é fácil e não é, de facto. Mas, a alternativa é o agravamento da situação actual de empobrecimento, de escravidão e genocídio. Como diz Ruy Barbosa “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!”

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Notas

(1)    http://www.slideshare.net/durgarrai/o-novo-fascismo-que-est-em-marcha
(2)     http://www.slideshare.net/durgarrai/a-misria-da-esquerda-que-anda-por-a-um-case-study-a-cimeira-da-nato
(3)    http://www.publico.pt/Sociedade/geracao-a-rasca-diz-que-colabora-com-a-policia-como-acontece-em-qualquer-manifestacao_1484330
(4)    http://www.speakerscorner.org.pt/os-autoproclamados
(5)    http://spectrum.weblog.com.pt/arquivo/2011/11/todos_infiltrad.html
(6)    http://merdoze.wordpress.com/


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Este e outros textos em:

http://pt.scribd.com/documents#all?sort=date&sort_direction=ascending&page=1

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

http://grazia-tanta.blogspot.com/

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