domingo, 25 de dezembro de 2011

O referendo sobre a despenalização da IVG e os abortos que a não querem

Como se julga óbvio para todos, ED é a favor da despenalização das mulheres que procedam a uma IVG durante as primeiras 10 semanas de gravidez.
 A questão institucional
A decisão, naquele sentido poderia caber, inteira, na responsabilidade da Assembleia da República. Porém, os ilustres deputados da nação, emanação cinzenta dos directórios dos principais partidos, entenderam não assumir as suas prerrogativas e optaram pela consulta popular.
Tanta devoção, tanto respeito pela auscultação popular comover-nos-ia se não soubéssemos que esse apego pela democracia não reflecte mais do que a atitude cobarde de não afrontar os sectores do “não”, com realce para a sucursal vaticana em Portugal. Se o “sim” ganhar, como se espera, o mandarinato encolhe os ombros perante aqueles sectores fascizantes dizendo que não teve culpa, que esta é de uma multidão pouco esclarecida. Se ganhasse o “não” os mandarins também não se preocupariam, pois as suas mulheres, filhas e namoradas, facilmente poderiam ir a Badajoz provocar o aborto em segurança clínica ou receio de condenação judicial.
Seleccionada a opção pelo referendo, cabe aos defensores dos direitos das mulheres a votação adequada nessa sede, sobretudo a oposição às manobras do polvo vaticano. O que importa é a despenalização das mulheres que abortam.
Direitos, vacuidades jurídicas e ideologia
Tratando-se de uma questão de direitos humanos, política, portanto, a recondução do assunto para o âmbito jurídico, como o faz o professor Marcelo nos seus estultilóquios, é diminuí-la, diluindo-a num indigesto caldo onde bóiam despenalização, liberalização, descriminalização... O objectivo é evidente, lançar a confusão, desvalorizar a importância do referendo e pescar entre os indecisos, adeptos para a abstenção ou para a recusa da despenalização.
Por outro lado, enquadrá-la no contexto ideológico é atropelar a liberdade de actuação de cada um, de acordo com a sua consciência, nos actos que lhe dizem eminentemente respeito.
Ninguém que defenda o “sim” pensará decerto obrigar alguém a abortar contra a sua vontade; uma católica que engravide é livre de abortar ou não, de acordo com as suas conveniências pessoais que, em regra, pesam mais do que as suas convicções religiosas na decisão final. Do mesmo modo, é sabido que ninguém pode abortar retroactivamente, para sossego dos bagões, dos pauloportas e vermes afins. Que nos desculpem os vermes pela comparação.
Inversamente, a Igreja Católica, a mais antiga multinacional, do fundo da fossa de todo o seu historial de crimes e intolerância, quer impor na lei de um estado laico a sua concepção restritiva, absolutista, repressiva. Na concepção típica dos monoteísmos, o Vaticano incha o peito com a Verdade e despreza ou considera desviantes as verdades dos outros: curiosamente e ainda que com concepções práticas distintas, a tríade do capital financeiro, do capital mafioso e as multinacionais, também defende a Verdade, a da concorrência, do mercado, da flexibilidade, etc. Como é sabido, a sotaina e o cifrão sempre se entenderam bem…
Miséria de filosofia
É sintomático que a Igreja Católica, tão defensora da vida que existe nos fetos se mostre menos militante contra os pedófilos que abundam nas sacristias e que violentam crianças, essas sim, gente, com consciência e com identidade. Recorda-se que, recentemente, foi noticiado ter o cardeal Ratzinger, emitido uma circular para que fossem abafados os casos de pedofilia protagonizados pelo clero católico.
Não aceitam a despenalização das mulheres porque estas cometem um crime liquidando uma vida mas, não refilam contra a restritiva lei actual que admite a IVG em casos de violação, malformação do feto, ou risco de vida da futura mãe. Segundo os ditames da Santa Madre Igreja a vida é uma dádiva divina e portanto ela é igual caso se trate de um feto normal ou com malformação. E, a vida que se desenvolveu a partir de uma violação é inferior à que resulta de uma cópula que a mulher desejou ? Como é possível tamanha incoerência ?
Se os piedosos defensores do “não”, condenam o aborto porque não defendem, o planeamento familiar, a educação sexual nas escolas, o uso de contraceptivos, as formas reais de o evitar ?
Dizem ainda adeptos do “não” que uma IVG a mais é uma criança menos que nasce e, portanto, um contributo adicional para a actual baixa natalidade. Quantas famílias gostariam de ter mais filhos se os empregos fossem estáveis e bem remunerados? E se aos jovens, hoje, fossem evidentes boas e abundantes oportunidades de emprego e não ocupações precárias? Por outro lado, a prioridade dada ao engordar dos bancos, com o aumento dos juros para habitação e a lei das rendas, em nada facilitam a disponibilidade de um parco tecto, quanto mais para albergar famílias numerosas. 
Essa miserável figura de proa do “não” que é o Bagão, defende os direitos dos fetos tanto, quanto prejudicou milhões de trabalhadores, abrindo caminho para o dificultar da vida dos desempregados, para facilitar os despedimentos, para aumentar a idade da reforma e limitar as pensões. E, como ministro das finanças conseguiu reformar-se aos 57 anos (entre outras pensões, uma é paga pelo Banco de Portugal, uma das tais…) enquanto retardava para os 65 anos a aposentação do comum dos mortais. 
A Igreja Católica, sempre imutável
Coerentemente, a Igreja Católica demonstra na questão da IVG, o desprezo com que sempre encarou as mulheres, fonte do pecado, costela do homem, enfim, subalterna. Só no século XVIII, já com uma longa existência, o Vaticano, admitiu, após aprofundados estudos teológicos, que as mulheres teriam alma, como os homens; até aí, não passavam de uns seres dúbios que serviam para trabalhar e assegurar a reprodução física de agentes de trabalho.
Em relação à sociedade, cala fundo no âmago dos cardeais, a saudade da inquisição, do índex, da excomunhão, da missa obrigatória, das dízimas, devidamente perfumadas com o cheiro das fogueiras onde ardiam ateus, homossexuais, infiéis, livres-pensadores, bruxos, videntes..., naturalmente, todos possuídos por Satanás. O laicismo, os movimentos de massas, as próprias necessidades do processo produtivo exigente de uma instrução despojada das fantasias bíblicas são barreiras que os impedem de levar em diante os seus tortuosos propósitos. No entanto, estão sempre na primeira fila no combate pela estupidez, pelo sofrimento gratuito, pela rigidez tão dogmática, como cínica; hoje, a IVG ou a contracepção, ontem o divórcio, anteontem as saias curtas ou o cinema.
Como já afirmámos a propósito da questão das caricaturas de Maomé (Vide o nosso blog)) não defendemos a exclusão de pessoas em função das suas convicções religiosas ou a imposição, na esfera pública, de atitudes violadoras dessas convicções. As crenças religiosas pertencem ao domínio privado da consciência de cada um e somente são geradoras de problemas quando os seus prosélitos se organizam para impor as suas idiossincrasias à sociedade, numa atitude de uniformização, tão brutal quanto ineficaz, como o demonstram séculos de perseguições, massacres, inquisições.
Assim, convirá as esquerdas terem em conta o papel larvarmente corruptor do Vaticano e dos entes emplumados que o dirigem e acrescentarem na sua actuação uma maior atenção e acutilância na denúncia da Igreja Católica, no combate à pestilência que dela exala seja através de instituições secretas como a Opus Dei, quer outras mais visíveis como a Rádio Renascença ou a Universidade Católica.
In fine - Sugestão de entretenimento para os cardeais
Não queremos indicar para essa gente tão bem formada o conselho que Abrunhosa dava numa das suas canções, a Cavaco (então primeiro-ministro), para deixar a grei em sossego.

Mas, se na Polónia, recentemente, 46 deputados propuseram Jesus Cristo para rei do país, (a par de Maria, considerada rainha no século XVII), os mais fervorosos adeptos lusos do “não” podem propor para beato o cruzado Bagão, campeão da luta contra esses seres pecaminosos que são as mulheres. E, para santo, o João Morgado, aquele deputado tonto do CDS, glosado por Natália Correia ao admitir o acto sexual só com objectivos reprodutivos.
Nos tempos livres podem também definir melhor as diferenças entre anjos, arcanjos, serafins, querubins, almeirins, joaquins, mandarins e afins. Divertem-nos e não fazem mal ao mundo. 
Os gauleses só temiam que o céu lhes caísse em cima, GT só teme uma excomunhão decretada a pedido do abade Tarcísio, de Castelo de Vide.

Fevereiro 2007

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