sábado, 24 de dezembro de 2011

O Bezerro de Ouro ou o Enviado Gates

A celebração litúrgica

Até à descolonização, o governo fascista português impôs a ida dos navios mercantes de longo curso a todos os portos grandes, médios e pequenos das colónias. Não é que o negócio fosse interessante (e daí a falência da CTM e da CNN) mas, porque importava mostrar aos "nativos" a grandeza do colonizador.

Em 31 de Janeiro de 1891, estalou no Porto uma revolta republicana, catalizadora do desagrado de alguma burguesia portuguesa face à cedência da monarquia face ao ultimato inglês. Tratava-se de uma burguesia com pretensões, profundamente colonialista e portanto, patrioteira, que se sentia tratada com menosprezo pelo tutor britânico, então dominante no planeta.

Precisamente, em 31 de Janeiro mas, de 2006, é uma burguesia servil, ignorante e frágil que se prostra, agradecida e veneranda, diante do Gates, representante do capital globalizado em busca de negócios. Tal e qual como o corrupto e incapaz governo da monarquia, Sócrates, Sampaio e companhia, ajoelham-se perante um novo Bezerro de Ouro, poucas semanas após o dia de reis, quais magos diante do menino. Em paralelo, pretendem mostrar à multidão, como eles, os mandarins são tão importantes que até recebem a visita do homem mais rico do mundo, rendido aos seus méritos.

Foi vê-los, Sócrates e oito ministros, atentos e atenciosos, babados e sorridentes capitaneando a tropa de representantes do pequeno e médio mandarinato, de directores-gerais e quejandos, inchados com tal distinção. Sobre a sociedade da informação a maioria, se questionada, saberia dizer (tão somente) que "é muito importante"; e, se se aprofundasse a conversa concluir-se-ia que entre teclado e écran de computador...a distinção nem sempre seria clara.

Foi vê-los ainda, inchar o peito de orgulho quando Gates referiu a lusa aptidão para prestações tão tecnológicas como enviar SMS e usar o telemóvel. O mandarinato presente exultou, pois teve assim a confirmação, vinda do altar, que os portugueses se distinguem dos macacos. Alguém terá dito ao suserano que papel higiénico também é bem de consumo comum ?

O protagonista

Sampaio deu ao Gates uma condecoração, coisa que para os americanos conta pouco pois, no seu pragmatismo mercantil, a dita coisa não é convertível em US$. O homem entendeu e bem, que ganha mais (em US$) em despachar uns computadores equipados com o sofrível software MS para Moçambique do que entregar o valor correspondente ao fisco. Para Gates, esse investimento irá conduzir a encomendas futuras, a posicionamentos no mercado, enquanto as almas cândidas vêm nele um benemérito, merecedor de honrarias. Porventura, veremos novamente o Gates desfilar, no Terreiro de Paço, no 10 de Junho, para receber mais uma condecoração, então, das mãos do Cavaco.

Branqueia-se assim, o papel da MS, no tráfego de influências, para fornecer esse empenhado promotor dos direitos humanos que é a US Army; como se esquece o tratamento gratuito da informação na convenção do partido de Bush em 2004; e ainda, as parcerias com o governo chinês, para a limitação do acesso à informação (a filial MS obriga os blogs a abolir palavras como democracia, direitos humanos, liberdade) por parte dos chineses, num mano a mano com os seus congéneres do Google. Por seu turno, Melinda Gates, mulher de Bill participou na Conferência Bilderberg, secreta associação cujo objectivo é influir na governo do mundo, através de métodos bem menos beneméritos que o financiamento da luta contra as doenças em África.

Para a Amnistia Internacional, a MS encontra-se em clara violação do código de conduta empresarial das Nações Unidas, que condena qualquer negócio em que os bens e serviços disponibilizados contribuem para a violação dos direitos humanos. Se alguém vender uma pistola que sabe vir a ser utilizada num assassínio a sua inocência fica demonstrada só porque mais não quis que proceder a um acto comercial?

Sumariamente, os temas abordados pelo Gates foram a modernização administrativa, as práticas de governação e as novas tecnologias. Como é óbvio, levadas a cabo com a introdução maciça de software da MS que, para o efeito, benevolamente, dá formação a um milhão de nativos lusos, em cinco anos, gastando nessas acções 60 M euros.

A IKEA vai construir uma fábrica de mobiliário, este ano, em Ponte de Lima, para 220 trabalhadores, num investimento de 32 M euros e, discriminada pela festa propiciada ao Gates, pensa exigir ao governo um número mediático proporcional, no Ritz, com o Sócrates e 4 ministros e ao Sampaio, meia medalha não sei de quê. Democracia é assim...

Os conteúdos do acordo

A MS foi obrigada na UE a abrir o código fonte à concorrência para não sofrer multas que poderão ascender a 2M euros/dia por abuso de posição dominante e, portanto teve de mudar de agulha para estar no mercado europeu, da mesma maneira que prescindiu das sua fraseologia "democrática" para ajudar os censores chineses.

Nessa guinada mantém contudo o objectivo de dificultar (não é só em Portugal pois há formação para 20 milhões de europeus) o desenvolvimento da produção de software próprio na Europa, daquele em que Gates nada recebe de licenças. A MS, na sua estratégia assemelha-se aos seus confrades da Monsanto que querem colocar sementes OGM em detrimento das sementes tradicionais, não modificadas e que não lhe trazem lucros.

Não se trata de desenvolver as capacidades dos portugueses na utilização de TIC em geral, mas antes de os ambientar e fixar nos produtos MS. Já esquecemos que é melhor aprender a pescar do que esperar que nos dêem o peixe ?

É toda uma população que é objecto da promoção comercial dos produtos de uma multinacional, com relevo para as crianças e os jovens, para que o retorno da MS fique assegurado por uma geração.

Finalmente, observa-se à promoção fácil do governo PS e do seu Plano Tecnológico que assim adjudica resultados à MS, em vez de potenciar o desenvolvimento das competências dos técnicos portugueses e de acautelar a saída de dólares para engordar o Gates. Sócrates para cumprir o seu Plano Tecnológico precisa de um dinheiro que é parco no OE e não pode contar com os bravos empresários portugueses que só inovam quando o OE paga; portanto, Gates surge como um decisivo financiador do robot Sócrates, um messias.

Para quem achar que é grande uma "ajuda" aos nativos lusos de 60 M, a distribuir por 5 anos, recorda-se que o mercado das TIC em Portugal, só para 2006 é avaliado em 2600 M euros. Embora a MS veja mais longe do que estes números, o investimento acordado, mesmo nessa base, até é baixo.

O que ficou estabelecido, em resumo, nos tais protocolos?

  • A MS EMEL é uma empresa do Gates vocacionada para a segurança online e a PJ vai-lhe dar colaboração na avaliação das ameaças ao comércio electrónico, (utilização de programas copiados sem pagamento à MS) no âmbito do qual o Gates, magnânimo, irá dar formação específica a agentes da PJ. Sabendo-se da naturalidade com que os nativos lusos usam (e bem!) software "pirateado", um dia temos a PJ a bater-nos à porta, com o emblema da MS.
  • A PSP e a GNR irão trabalhar em ambiente Windows, com licenças a pagar pelo Estado, prontificando-se a MS a certificar. com muito gosto, 50000 agentes. Fala-se que no Plano Tecnológico, Sócrates vai acrescentar um inovador programa chamado MSBófia
  • Pretende-se criar Centros de Desenvolvimento de Software para os sectores industriais, colonizando assim, com brindes de engodo, as empresas portuguesas.
  • Está acautelada a formação de técnicos para PME, 500 estágios em 4600 Parceiros MS, uma sala TIC para a formatação de jovens em produtos MS e a distribuição de currículos ou certificações MS para um milhão de nativos, com predominância para os jovens, criando desde tenra idade a habituação aos produtos MS
  • Em 25 escolas serão testados os novos produtos MS, o Windows Vista e Office 12 e a UMIC, bem como a Fundação para a Computação Científica vão ajudar o Gates na segurança face aos hackers e aos bugs. A própria administração pública passará a trabalhar na lógica global da MS, como verdadeiro departamento interno da MS mas, paga pelo OE português.
  • Os jovens e os professores das ex-colónias também são contemplados, tal como os criadores de filmes e música a quem o Gates vai assegurar os direitos de propriedade.
  • Numa cláusula não divulgada, vai ser instalado um chip MS aos recém-nascidos e Sócrates, que perde muito tempo a instruir ministros e secretários vai receber robots, à sua imagem e semelhança para os cargos governamentais.
 A política que interessa

A defesa dos valores da criatividade e da inovação, da autonomia e do menor custo a médio prazo não é, assim, acautelada pelos sacripantas do governo PS. Em vez da prestação de vassalagem ao Gates e do enfeudamento aos produtos MS deveria:

·         Fomentar-se, no âmbito europeu, a criação de software próprio e público, de modo a aliviar o preço das licenças pagas à MS, na linha do que se assistirá, em breve com o lançamento do Quaereo, motor de busca alternativo ao Google, com maior participação de informação de raiz europeia;
·         Fomentar-se a criatividade dos técnicos portugueses apoiando-os na criação de software próprio, mais fiável que os produtos MS e menos vulneráveis aos ataques dos "hackers". Exemplos ? A maioria dos servidores Web no mundo usam Linux e o programa Samba é mais rápido e estável que o Windows como servidor de ficheiros e impressoras, crescendo o seu uso rapidamente. O governo Lula, aposta claramente no software próprio, assumindo que um país pobre não pode dar-se ao luxo de pagar milhões para engordar a conta bancária do Gates e contratou recentemente com a IBM a introdução de software Linux na administração pública. Por seu turno as corporações empresariais brasileiras têm os programas Senai e Senac que não passaram pelas unhas do Gates.
·         Construir-se software próprio para o conjunto da administração pública, em vez da situação actual em que cada ministério, cada direcção-geral, adquire as suas licenças à MS, contrata os seus fornecedores de serviços informáticos, numa cacofonia caríssima por onde perpassa o saque perpretado pelas consultoras informáticas que funcionam como verdadeiras carraças. É muito plausível que responsáveis das áreas informáticas funcionem como agentes dos fornecedores de serviços informáticos e que haja pagamentos aos partidos do poder; só a instalação de um polvo mafioso justifica a aberração actual na administração pública. Tecnicamente, Linux é o sistema mais indicado para a utilização de bases de dados Oracle, MySQL ou Postgre SQL. O "subdesenvolvido" Brasil desenvolve o programa Kurumin, na tradição de autonomia que o caracteriza há muito, em termos informáticos
·        Criar-se software básico para escolas, PME, entidades não lucrativas, organismos públicos (contabilidade, facturação, gestão de pessoal, processamento de texto, ligação à internet, correio electrónico...) a distribuir com custo simbólico, para incentivar a competitividade e reduzir custos de aquisição de software. Veja-se como bom exemplo, o programa gratuito de preenchimento do modelo de liquidação do IRS
·         Aumentar o uso das TIC e da internet em particular, combatendo o cambão dos fornecedores de (uma falsa) banda larga e forçando à prática de preços susceptíveis de serem pagos num contexto de 750 euros de salário médio.

Fevereiro 2006


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