quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Erradicação  da pobreza por lei ?

O Parlamento aprovou hoje, por unanimidade, um projecto de resolução que recomenda a definição de um «limiar de pobreza» que «sirva de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas» para combater o fenómeno. (Diário Digital, 4/7/2008)

1 – Uma lei pândega característica da “silly season”

Decididamente andam a brincar com os pobres. O PS propôs no parlatório uma lei que torna os responsáveis por situações de pobreza violadores de direitos humanos. Logo à noite, os incansáveis representantes do povo, deitar-se-ão felizes como escuteiros depois de concretizarem a boa acção do dia, sabendo para mais, que encontrarão respeito e compreensão do Van Zeller e amigos,

Entretanto, ali perto a mesma besta peéssica acata obediente o aumento dos juros e o engordar dos bancos; o aumento do preço dos bens alimentares e dos combustíveis; aprofunda o código do trabalho; e prepara despedimentos na administração pública... gerando pobreza. Sem um mugido.

Trata-se, uma vez mais, de um caso do pioneirismo português, que visa ensombrar o protagonismo do Sarko(na)zy como pai dos povos europeus. Nem Hitler se lembraria de celebrar missa pelas vítimas dos campos de concentração. “ Porreiro, pá!” foi o conteúdo de um mail enviado ao Sócrates, pelo Cherne, lá de Bruxelas.

Ao que parece eles não pretendem penalizar ninguém, somente vigiar, anunciou ontem um deputadeco socratóide para sossegar algum ministro ou empresário mais distraído. E para vigiar, naturalmente, é preciso nomear uma comissão, um observatório dirigido por um mandarim bem pago, com assessores, secretárias, motoristas, instalações munidas de simplexes e carros topo de gama. Bandos de juristas do partido irão legislar sobre o assunto e preparar decretos, regulamentos, despachos em mais uma reedição de Kafka, autor muito seguido cá na paróquia. Os pobres, esses têm garantida uma definição científica e legal de pobreza que os fará arrotar ao jantar.

A propósito, recordamo-nos da Constituição que previa a construção de uma sociedade sem classes até que apagaram essa referência, dado o ridículo do seu cotejo com a realidade. E as imensas (??) repercussões que as quotas para a participação feminina no parlatório têm sobre a vida real, reduzindo o desemprego feminino, igualando salários para idênticas funções, para homens e mulheres, democratizando a pancadaria doméstica e outros avanços com que tropeçamos ao sair da porta.

Na república do faz-de-conta também existe um SNS no papel e um sistema educativo que cria bons resultados escolares para a estatística do Eurostat, na base de um facilitismo imbecil que incentiva os jovens ao não-esforço, cavando a sua futura impreparação para a vida activa, enquanto sonham com Cristianos Ronaldos.

Os trabalhadores, como os 250 despedidos esta semana da Secla nas Caldas da Rainha, não vão beneficiar em nada dessa lei, pois o  “empregador” não irá sofrer sanções apesar de ser um gerador de pobreza. Os bancos pelas dificuldades que irão causar aos mutuários de crédito à habitação, tornando muitos, utentes habituais do Banco Alimentar, encolherão, impassíveis os ombros. O mesmo sucederá aos causadores dos aumentos dos preços dos bens alimentares.

O carácter consensual da leizeca parida em S. Bento não se irá aplicar aqueles que congeminam a assinam acções geradoras de pobreza. O plasmódio Vieira da Silva, pela redução das condiçoes de acesso ao subsídio de desemprego ou de doença vai responder por isso? O execrável Correia de Campos pelas dificuldades criadas à multidão com a sua “visão” do sistema público de saúde que o Observatório da Saúde considerou ter menos qualidade devido ao financiamento público dos estabelecimentos privados, vai para a cadeia?. E o “maestro” Pinto de Sousa, vulgarmente conhecido por Sócrates fica impune a fazer jogging por aí, rodeado de pides?

Por seu turno a múmia Ferreira Leite - que surge agora como justiceira – gerou  empobrecimento como ministra do Barroso e mãezinha dos aumentos do IMI que têm criado muitos casos de não pagamento, ao ponto de o falso engenheiro quer modificar o seu funcionamento. Será por ignorância que, ao defender a privatização da saúde e da educação, não vê o empobrecimento que daí resulta para grande parte da população? 

Se existisse uma lei séria para sancionar os causadores da pobreza em Portugal nesta década, ministros e directórios do PS/PSD/CDS estariam presos e os seus bens apreendidos, pelos danos causados.

2 – Quem são os pobres, as vítimas do PS/PSD?

De acordo com dados da DGCI pode observar-se a situação da distribuição dos rendimentos em Portugal, que revela a enorme clivagem entre pobres e ricos:


Escalões de rendimento bruto (€)
Declarações de IRS (%)
Rendimento anual declarado (%)
2003
2006
2003
2006
< 13500
63,1
59,3
27,6
24,6
13500-50000
32,2
35,3
48,1
48,9
>50000
4,7
5,4
24,3
26,5


Do quadro acima resultam várias conclusões. Uma, é a redução relativa do rendimento dos mais pobres, cujo volume se mantém quase constante, em cerca de 2,6 milhões de declarações. Outra, é a estagnação do peso do rendimento anual bruto dos escalões intermédios, apesar do número de declarações crescer 200 mil em 2006 face a 2003. A terceira, é o crescimento do peso do rendimento declarado pelos escalões superiores, cujo número se cifra apenas em 238 mil em 2006, contra 194 mil três anos antes.

A partir da mesma fonte sabe-se que o rendimento médio dos que declaram mais de 250 mil euros anuais estagna (??) durante o periodo considerado. Isso sucede porque parte importante do rendimento efectivo de que dispõem está  incluido na contabilidade das empresas – carros, viagens, seguros, cartões de crédito, almoços, em muitos casos,  utilizados também por familiares. E, como para a esmagadora maioria dos trabalhadores essas benesses não são acessíveis, não é difícil concluir que a desigualdade social real, em Portugal é mais acentuada do que o observado no quadro acima.

Outro aspecto interessante é que não deve confundir-se escalões intermédios com classe média. Tendo em conta o nível de vida a que uma família com 13500 a 50000 euros anuais pode aspirar, sobretudo com o aumento dos encargos com  a casa, com os idosos cujas necessidades Sócrates entendeu deverem ser suportados pelos filhos, com as dificuldades de acesso a cuidados de saúde, o desemprego, a falta de emprego para os jovens, o aumento da carga fiscal, esses escalões de rendimento não são uma classe média mas os menos pobres de um país periférico controlado por um empresariato com tanto de ignorante como de cúpido e saloio e pelos seus mandatários políticos, cleptomaníacos compulsivos. Em suma, o conceito de classe média num Portugal que se pretende afirmar como país europeu é um conceito virtual, abstrato, desajustado, de importação.

A caridade tem milhares de anos e nunca resolveu o problema da pobreza em lado algum. Assenta na individualização e segmentação dos pobres entre com ou sem direito a apoios; na discricionaridade de quem os fornece; na ausência do reconhecimento da direito à dignidade por parte das vítimas dos desmandos do capitalismo.

Em suma, a erradicação da pobreza não se faz com votos piedosos de apelo à solidariedade enquanto a riqueza se concentra nuns poucos; nem se consegue mantendo em mãos de alguns o direito de propriedade dos bens de produção, da organização dos recursos e da aplicação dos seus resultados. Tudo isso capeado por um Estado voraz e anti-social. Democracia significa morte do capitalismo.

Julho 2008

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