sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Capitalismo hoje. Caracterização, crises e eixos estratégicos

Índice

A - Caracterização sumária do capitalismo de hoje

1.      O domínio do capital financeiro
2.      A separação do capital financeiro face à produção de bens ou serviços
3.      Manipulação ideológica
4.      Caos
5.      Genocidio

B - A crise sistémica actual e a sua génese histórica

1.      As diversas crises do capitalismo actual
2.      Modas e ideias feitas. É preciso ir ao fundo do fundo

C - Eixos estratégicos de actuação do capitalismo

1 - Aplicação dos formatos neoliberais
2 – Globalização
3 – Financiarização
4 – A fascização das sociedades

“Os movimentos dos mercados financeiros são o resultado de uma complexa combinação de regras de mercado, estratégias comerciais, medidas de motivação política, planos dos bancos centrais, ideologia dos tecnocratas, psicologia das multidões, manobras de especulação e turbulência de informação com origens em vários locais”
(Manuel Castells, “A Sociedade em rede”)

Este texto de Castells sintetiza vários aspectos que caracterizam o capitalismo de hoje: a imprevisibilidade que gera o caos e o caos que torna inquietante o nosso futuro.

A - Caracterização sumária do capitalismo de hoje
1.      O domínio do capital financeiro

·   O domínio do capital financeiro associado à facilidade e virtualidade da criação da mercadoria dinheiro torna mais atraente o investimento nos seus “produtos” do que na economia real, onde se produzem os bens e os serviços necessários à vida de todos nós. E as empresas produtivas tornam-se, elas próprias, mercadorias submetidas a transformações diversas (aquisições, fusões, reestruturações, desmantelamentos), susceptíveis de gerar despedimentos em massa, transtornar a produção dos seus bens ou serviços, tudo isso para gerar um lucro rápido e vultuoso ao “investidor” financeiro que detenha as suas acções;

·   A liberalização, a isenção fiscal e a desregulamentação dos movimentos de capitais constituem, pois, elementos essenciais para a mobilidade dos mesmos, na procura frenética de aplicações financeiras em qualquer coisa susceptível dos tais lucros rápidos e volumosos, sejam empresas, contratos, mercadorias, títulos, dinheiro, existentes ou virtuais;

·   O volume, a complexidade dos “produtos financeiros” e a (des)informação que circula em seu torno beneficiam quem detiver maior capital para aplicar (é pretensioso e falsificador utilizar o verbo investir), informação para processar ou produzir para o exterior e exigem graus crescentes de concentração;

·   Este carácter ligeiro, a relativa imaterialidade dos “produtos financeiros”, a facilidade da sua transmissão e movimentação geográfica, a ausência de tributação que os Estados criam para favorecer o capital financeiro, ampliaram as formas que este reveste, para além da clássica formulação de Lenin (bancos+indústria) e dotaram-no de um poder exorbitante, que se não cinge à dependência do crédito bancário, por parte das empresas da economia real.

·   Este poder ímpar domesticou totalmente o Estado como agente do capital financeiro, determinando a acção política, como é tradicional, mas procedendo a um controlo mais estreito dos mandarins, determinando a política orçamental e fiscal, relegando as políticas sociais para a categoria dos custos a evitar para que as receitas ficais e o deficit fiquem disponíveis para apoios às empresas e ao investimento público (estes sim, os produtivos e a maximizar).

·   Ao assumir-se como sistema global, transversal às fronteiras dos Estados, cujas barreiras ajudou a abater, o capital financeiro, eximindo-se aos poderes estatais, criou ou colonizou instituições internacionais (FMI, BCE, OCDE) que se tornaram coniventes com os seus objectivos, alheadas das dificuldades criadas, impotentes para actuar concertadamente, única forma de colmatar os desmandos causados do capital financeiro.


2.      A separação do capital financeiro face à produção de bens ou serviços

·   Se se definir a economia como a ciência da afectação dos recursos à satisfação de necessidades humanas, poderia dizer-se que o seu objectivo seria a produção de bens e serviços. Para o capitalismo clássico, porém, a produção é um meio para alcançar o seu principal objectivo – o lucro; na actual fase de domínio do capital financeiro, a produção de bens e serviços nem sequer é muito necessária (ou mesmo conveniente) para alcançar aquele objectivo. As várias pirâmides de Ponzi, cujo casos mais relevantes são o de Maddof e o de Allen Stanford (30000 investidores perderam $ 7000 M), são um exemplo da criação de rendimento (e lucro) sem a geração de valor e à margem das próprias regras montadas pelo capital financeiro;

·   O lugar, por excelência, destinado à formação do lucro é a empresa, pois é a empresa que adquire os recursos, contrata os assalariados, selecciona as tecnologias, procede aos investimentos e distribui os rendinentos gerados. Perante os cidadãos atomizados, as empresas é que detêm o poder, tanto maior quanto a sua dimensão e influência nos governos. Na actual fase de domínio financeiro, a acumulação faz-se, em grande parte, em empresas virtuais, sem trabalhadores, sem bens, que não a propriedade de capitais depositados algures, ou contratos com aplicação futura, verdadeiros encadeados de direitos, com localização tão móvel quanto irrelevante;

·   A criação de dinheiro, cada vez mais desligada das necessidades da troca autonomizam-no como mercadoria e transformam o volume das transacções financeiras e monetárias na principal fonte de rendimentos, desligados estes da produção de bens ou serviços;

·   A escolha dos investimentos é feita de acordo com a rapidez do retorno do capital e da rendabilidade esperada, podendo ou não isso coincidir com a futura satisfação de necessidades reais das pessoas ou de outras empresas. Com o predomínio do capital financeiro, qualquer elemento de ordem física – maquinaria, trabalhadores, matérias-primas, clientes, fornecedores – constitui inconveniente, dado que é entrave à liquidez, à necessidade de mobilidade do capital;

·   A desmaterialização da formação de rendimento transbordou, naturalmente, para as próprias empresas produtoras de bens ou serviços. Assim, através de verdadeiras cadeias de subcontratos, qualquer empresa procura desvincular-se de compromissos duradouros, nomeadamente trabalhadores, que tendem a pertencer a uma empresa fornecedora de mão de obra (tipo de negreiros modernos), distinta daquela que necessita do trabalho; e, no final desta cadeia está o trabalhador, o único produtor nessa cadeia de empresas e “empresários”, finalmente contratado por uma empresa de trabalho temporário. Esses trabalhadores, executam tarefas anos a fio, no mesmo local, sem qualquer vínculo com a empresa onde exercem funções e, em regra, precarizados por parte da empresa adjudicatária do seu trabalho. Esta fórmula de precarização, atomização, fragilização do trabalhador é muito comum, nomeadamente em órgãos do Estado e grandes empresas, sendo particularmemte conhecidos os casos dos “call centers”, áreas de não direitos, verdadeiras galés para degredados do antigamente.


3.      Manipulação ideológica

·   A liberdade dos mercados em geral, é uma mentira. E isso, porque uma grande parte dos sectores de actividade não estão abertos à concorrência, funcionando em oligopólio; porque existem relações estreitas entre algumas empresas e o Estado; porque o Estado protege as empresas nacionais com exigências diversas, de carácter técnico, fiscal e alfandegário; porque existem especificações legais e financeiras para a exploração dos negócios mais rentáveis; porque a ligação aos media constitui um factor de propaganda, visibilidade e informação distorcida. Por outro lado, para a esmagadora maioria das pessoas, aquelas restrições e a ausência de poupanças suficientes, não lhes permite ir além da venda da sua capacidade de trabalho aos capitalistas; e para uma minoria, essas poupanças somente permitem a criação de pequenas empresas, em sectores marginais do ponto de vista da rendabilidade, com pouco capital fixo, ampla utilização de trabalho, fortemente endividadas face à banca ou inseridas em redes de “franchise”, recente xarope de autonomia empresarial para assalariados engolirem;

·   Vive-se num sistema mundializado no que diz respeito à aplicação das suas regras de funcionamento, dominado pelo capital financeiro no seu conjunto (bancos, fundos de pensões…), em ligação com as empresas multinacionais e o capital mafioso, procedente de vários actividades e tráfegos ilegais ou éticamente condenáveis, da corrupção, do tráfego de influências, etc;

·   Essencial para o domínio da oligarquia financeira e dos seus “compagnons de route”, multinacionais, capital mafioso e mandarinato é a atomização dos trabalhadores, a desorganização e o amorfismo da multidão, em geral. Daí a necessidade da superabundância esmagadora e asfixiante de informação, o seu domínio, sobretudo no que se refere à produção de conteúdos. A aposta deliberada na imagem visa confundir, manipular a multidão, embrutecida pela sua omnipresença, pelo convite à não reflexão e ao isolamento, a que os media convidam incessantemente, 24 horas por dia e em qualquer local;

·   Existe um frenesi difusor das ideias de sucesso empresarial, de carreira, de acesso fácil ao topo do bem-estar, o convite à participação na volúpia do casino financeiro, ao investimento, à glorificação do empreendorismo, que contrastam profundamente com a realidade da esmagadora maioria dos seres humanos, com trabalhos mal pagos e parcos de direitos, desemprego, endividamento, falta de acesso a cuidados decentes de saúde, reformas condignas, fome, para não referir a ostentatória promessa de usufruto do luxo, apresentado nos conteúdos acenados pelos media diante do nariz da multidão. Convém, para as oligarquias, encher as cabeças da plebe de sonhos quanto à ascensão social, como forma de aceitação do statu quo político e económico, como ponte para uma adiada melhoria das condições de vida e existência. Convém ao capitalismo que a multidão absorva e pratique na sua vida o apego à velocidade, ao crescimento económico incessante, ao consumo inveterado, à concorrência, à arrogância face ao outro, à natureza e ao ambiente, numa postura ansiosa, neurótica; tudo isso é essencial para a acumulação capitalista.


4.      Caos

Entre as muitas disfunções geradas pelo capitalismo, salientamos cinco:

·   A exploração do trabalho - com a maciça incorporação de capital fixo e tecnologia, a grande dimensão das empresas e a utilização de técnicas de organização do trabalho - é maior do que alguma outra vez na História. A acumulação capitalista associada é um factor constante de pressão para a contenção do poder de compra dos trabalhadores, um gerador de grandes desequilíbrios na distribuição de rendimentos e de atrofia da produção, em quantidade e qualidade, de bens e serviços essenciais;

·   Para além dessa expropriação clássica do capitalismo existe a invenção dos rendimentos financeiros em cascata, com uma base real mínima e precária cujas dificuldades provocaram recentemente a queda do castelo de areia em que assentava toda a estrutura financeira mundial; e cujos efeitos na produção, no nível de emprego, nas trocas, ainda estão em desenvolvimento, apesar dos números circenses dos mandarins para sossegar a multidão;

·   A ambiente é outro “recurso” que o capitalismo tem utilizado de modo predatório e descuidado, só recentemente adoptando medidas tíbias e com horizonte dilatado para não afectar os interesses das multinacionais e das pulsões expansivas do capitalismo nos países “emergentes”;

·   As transacções de mercadorias a nível mundial, dominadas por multinacionais, são elas também objecto da especulação dirigida por “brokers” em ligação ao capital financeiro, que afecta os stocks, já de si tendencialmente escassos, desestabiliza a produção, incorre em custos inesperados, com impactos nos preços, dramáticos para os países pobres, como se assistiu recentemente, com o petróleo, os cereais e as oleaginosas. O novo dirigente da CFTC, regulador americano para a negociação de futuros de matérias primas, revelou que em 2008 quando o petróleo chegou aos  $147.27 por barril, em New York, isso foi causado pela especulação, contrariamente ao seu sucessor, da administração Bush, que tinha afastado expressamente essa hipótese;

·   A segmentação exagerada do processo produtivo, a autonomização excessiva de funções produtivas ou meramente auxiliares da produção conduzem a partições improdutivas do processo produtivo, dificultando e fragilizando a unidade e as lutas dos trabalhadores, promovendo abaixamentos brutais nos rendimentos do trabalho, gerando cadeias logísticas pesadas, com custos de transporte e distribuição desmesurados e ambientalmente suicidários.


5.      Genocidio

·   Tendo em conta o predomínio da lógica do curto prazo, do lucro instantâneo, da liquidez total, a necessidade da criação de valor através da produção de bens ou serviços tende a centrar-se ou restringir-se à produção de equipamentos de tratamento da informação e de comunicação, de prazer e bem-estar à pequena minoria dos grandes beneficiários dos mercados financeiros (produtos e imobiliário de luxo, viagens e hotelaria de preços proibitivos, carros de altíssima gama e aviões privados…) Fica, portanto, prejudicada a produção de bens e serviços necessários à satisfação das necessidades da Humanidade e esse dano fica melhor evidenciado pelo facto de ser possível alimentar decentemente 12000 M de pessoas com as tecnologias actuais, praticamente o dobro da população humana de hoje;

·   Sendo o trabalho a base de toda a criação de riqueza, os Estados são pródigos no sentido da criação de legislação e regulamentos  que atomizam o trabalhador, que o tornam precário e dependente da permanente venda da sua força de trabalho, em condições que raramente pode decidir a seu favor. Essa política levada a cabo pela generalidade dos mandarinatos nacionais, impulsionada por instâncias plurinacionais como a OCDE, a UE, o FMI, o BCE, reduz o rendimento disponível para a grande massa das populações e portanto induz à estagnação da economia real e ao sacrifício da esmagadora maioria dos seres humanos;

·   Das condições em que se exerce o trabalho resultam enormes bolsas de desemprego, pobreza, insegurança que, obrigam os Estados a afectar fatias importantes dos orçamentos à manutenção da “paz social” necessária à prossecução dos negócios. Esses gastos com pobres em geral, despedidos, desempregados, reformados, geram divisões no mandarinato e nas burguesias quanto à partilha das receitas públicas; no entanto, dada a pressão exercida pelo empresariato para a absorção de receita pública (contratos, subsídios…), o neoliberalismo fomentou um desprezo dos Estados pelos custos sociais, daí resultando agravamento das condições de vida e o surgimento de numerosos novos pobres, marginalizados pelo poder nos países ditos desenvolvidos. Nos países da periferia, como os Estados nunca cumpriram ou cumpriram muito tenuemente essas funções sociais, aqueles problemas só são minorados onde existam fortes redes de apoios sociais (alguns países muçulmanos), extensas economias de auto-subsistência (África) ou a inserção numa florescente economia capitalista informal (Brasil).

·   A esses gastos sociais é preciso acrescentar os encargos públicos com a saúde de uma população, nos países desenvolvidos, com grande longevidade (a parcela dos que têm mais de 65 anos é superior a 20% no Japão, na Itália e na Alemanha). Na lógica do capital, os idosos, fracos consumidores e dependendo de gastos públicos elevados, estão na primeira linha da população dispensável pelo capital, tal como muitos trabalhadores com poucas qualificações, desempregados, funcionários públicos e trabalhadores das áreas sociais em geral. Quando, em 2007, os 1.8 M de pensionistas portugueses por velhice recebiam em média, € 352 por mês é porque o poder não aposta na sua sobrevivência ou bem estar;

·   Esse pendor genocida, que não é novo no capitalismo, torna-se bastante claro quando facilmente é possível gerar rendimentos e lucros rápidos através da inserção no casino financeiro, para o qual a intervenção de trabalhadores é muito reduzida. Tornando-se a criação de valor subalternizada e desligada da contabilização de rendimentos e lucros, a financiarização das economias constitui mais um factor de dispensa de trabalhadores e do trabalho como criação de riqueza social.

B - A crise sistémica actual e a sua génese histórica


1. As diversas crises do capitalismo actual

Em síntese, da situação económica e da configuração do capitalismo global, sobressaem vários grupos de problemas, que se sobrepõem e encadeiam uns nos outros;

·   Uma crise de representação, pois o modelo ocidental da democracia representativa ou de democracia de mercado, com a concentração do poder político em pequenas oligarquias, fornece escassas possibilidades de exercício por parte da multidão, de responsabilidades na gestão social, ou sequer de audição sobre a mesma e vem provocando um descrédito crescente face à legitimidade dessas oligarquias. Na maior parte dos países, a questão da representação apresenta uma acuidade ainda maior pois são  dominantes os regimes ditatoriais ou musculados. O modelo ocidental, por outro lado, fragiliza-se a si próprio, recusando a legitimidade ao Hamas que ganhou o poder em eleições limpas ou validando eleições fraudulentas que favoreceram o serviçal Karzai, no Afeganistão;

·   Uma crise da teoria económica oficial pois os factos demonstraram o seu carácter inconsequente e evidenciaram-na como forma prática de camuflar o enriquecimento de algumas elites, mormente através do parasitismo financeiro; uma crise em que o papel do dólar, a perenidade do deficit americano estão em alto risco e a credibilidade das principais instâncias de regulação ficou de rastos;

·   Uma crise social enorme, com grandes volumes de pessoas sem trabalho, na miséria mesmo com trabalho, com ou sem qualificações, sem acesso aos básicos cuidados de saúde (a dificuldade de Obama para conseguir um sistema universal de saúde, na própria metrópole imperial, é um escândalo), à educação, à habitação, a uma retirada da vida activa em condições dignas. Sobretudo nos países da periferia, as questões da fome e da subnutrição chocam com as capacidades reais da Humanidade em se alimentar;

·   Uma crise da hegemonia ocidental sobre o planeta, cada vez mais contestada pelos outros países, sobretudo de grandes dimensões, com pretensões próprias. Outrora, essas pretensões eram contrariadas com golpes de estado ou pela presença da canhoneira ocidental; hoje, até se assiste a Obama a pedir desculpa por os EUA terem patrocinado o golpe de estado no Irão, em 1958.

Por outro lado, os instrumentos da canhoneira ou da sua ameaça, mesmo quando utilizados, não resolvem literalmente nada, como se observa no Iraque, no Afeganistão ou, no que respeita às exigências colocadas ao Irão; antes pelo contrário, acentuam o descrédito dos países ocidentais. Por seu turno, os resultados da actual crise sobre os países da periferia, gerada pelo sistema financeiro dos países ricos e pelas instituições por elas dominados, apontam no mesmo sentido;

·   Uma crise ambiental caracterizada por um modelo de geração de riqueza baseado numa crença descuidada e estúpida na possibilidade de um crescimento económico irrestrito que precisa de fomentar um consumismo irracional e imbecilizante e cujo impacto coloca em causa, a prazo, as capacidades do planeta para albergar a diversidade da vida, gerada numa evolução de muitos milhões de anos. O capitalismo, na sua sede de lucro, não só arrasa tudo à sua volta como consegue escavar o próprio chão que pisa.


1.      Modas e ideias feitas. É preciso ir ao fundo do fundo

O quadro negro em que a humanidade e o próprio planeta foram colocados pelo capitalismo, necessitam de algumas precisões e de um algum bosquejo histórico para que melhor se compreenda a realidade e entenda o que os manipuladores do sistema debatem e preparam para que o essencial se mantenha: a exploração do trabalho, com o mínimo de custos e restrições.

·   Convém não alimentar ilusões sobre o carácter da actual crise. Ela não corresponde a uma vulgar fase de “cava” do ciclo capitalista; ela é profunda e duradoura e insere-se na tendência de longo prazo do sistema para a entropia, para o caos, para o fomento de dificuldades à humanidade. Obama tem vindo a afirmar que os EUA estão muito longe do fim da crise e, segundo Stiglitz, a recessão vai campear nos próximos quatro anos… o que significará para a província portuguesa do império, 10 anos seguidos de recessão; contrariamente, a camarilha socratóide mostra-se estúpida e insensivelmente optimista, despudoradamente mentirosa e ridiculamente pretensiosa sobre os seus méritos actuais enquanto a bolorenta Balela se apresenta para eleições com um saco cheio de propostas de enriquecimento dos ricos. Por outro lado, todos sabemos que eventuais melhorias nas bolsas não correspondem a nada de real na vida das pessoas ou das empresas, que o digam os que engrossam os números do desemprego.

·   O capitalismo vai gerando as modas nas teorias económicas tal como os costureiros no vestuário. Contudo, essas modas não são fúteis, nem fortuitas mas, estruturas complexas e pensadas para a adequação, de forma duradoura, da configuração dos paradigmas de organização económica, à permanente necessidade de acumulação da riqueza criada pelo trabalho, na posse de uma esmagadora minoria de parasitas humanos, nas condições concretas de cada momento histórico.

·   Existe uma racionalidade económica associada a cada modo de produção não existindo, portanto, uma racionalidade económica neutra, desligada das relações sociais, como se fosse um coeficiente técnico transversal às sociedades humanas. Contudo o capitalismo, nas suas modas, tende a considerar a racionalidade que interessa ao seu desenvolvimento como A Racionalidade, eterna e definitiva, outorgada por Deus. Esse carácter filosoficamente imperativo, totalitário, coloca o economicismo mais estreito e conotado socialmente com uma classe, como característica universal, no tempo e no espaço, ignorando que na história da Humanidade, o homem sempre foi o objecto e a medida de todas as coisas; não o lucro, essa inovação capitalista:

·   Para esse economicismo interessa que as pessoas sejam homogéneas, padronizáveis, para facilitar as economias de escala que permitem maximizações de lucros; ou, que sejam moldáveis pela publicidade, para se adaptarem às conveniências da combinação de recursos que maximiza esse mesmo lucro. A conveniente satisfação das necessidades da multidão é uma questão de segunda ordem;

·   Como a espécie humana é incomensuravelmente diversificada, volúvel na satisfação das suas necessidades, objecto de afectos e não programável ou robotizável, a produção de bens e serviços bem como as decisões à mesma respeitantes, só podem ser equilibradas com as necessidades, se essas decisões couberem aos trabalhadores-consumidores, dispensando, por conseguinte, o capitalista, a produção para a obtenção do lucro e o Estado como ente coercivo que garante a desigualdade e os privilégios de alguns.

·   Para que a multidão se submeta pacificamente à racionalidade capitalista, é preciso que a aceite com a inevitabilidade e a bonomia com que aceita a gravidade, mesmo que daí resultem danos enormes na passagem de cada pessoa pela vida. É preciso que as pessoas aceitem ser os “tolos racionais” como designados por Amartya Sen.

Nesse plano, o capitalismo pretende que seja aceite como realidade, inerente à natureza humana, a constituição e assunção de cada pessoa como “homo economicus”, inalterável e inquestionável, quando isso mais não é que um objectivo para o grupo social politica e economicamente dominante.

·   Por exemplo, a concorrência é uma dessas falsas imanências atribuidas como normalidade no funcionamento das sociedades, quaisquer que sejam, Na verdade, é nome que se dá à luta entre os capitalistas, pelo domínio na venda de bens e serviços, dos recursos materiais, das tecnologias mais avançados, do dinheiro mais barato, da força de trabalho mais qualificada, com baixos salários e menores “externalidades” como exigências de segurança laboral, horários de trabalho, direitos sindicais… Essa luta tende a gerar um crescimento muito acentuado da capacidade produtiva mundial, que se confronta com a contenção do poder de compra dos trabalhadores e da esmagadora maioria da população do planeta, tornando-se, portanto, excedentária. Esse subconsumo, criado pela rapina do produto do trabalho pelos capitalistas necessitados de incrementar o capital acumulado, origina a actual crise e conduz, naturalmente, a dificuldades a muitas empresas, falências, deficit público, endividamento, desemprego, pobreza... numa espiral em que a crise se auto-alimenta diariamente.

·   Outro exemplo do carácter classista das modas teóricas do capitalismo prende-se com o risco. Nos media, o risco é sempre referido como o risco do investimento, da possibilidade de a remuneração do capital investido ser inferior à média do “mercado de capitais” ou, não existir e os esforçados empresários poderem perder os seus cabedais, bastas vezes de origem duvidosa à face das próprias leis do seu Estado. Para anular esse risco e atrair o “investimento”, os Estados oferecem múltiplas benesses financeiras, custeiam infraestruturas ou asseguram um nível elevado de receitas, como nos casos das lusitanas Lusoponte ou Liscont-Alcântara;

Não cremos que haja muitos empresários vítimas do risco empresarial entre os pobres que constituem 20% da população portuguesa, embora o mesmo não se possa dizer quanto a trabalhadores que tiveram experiências empresariais e que sucumbiram ao torniquete bancário ou perante a impiedosa carga fiscal.

Muito mais dramático é o risco dos trabalhadores que, vivendo do seu salário, sem conseguirem gerar poupanças, nada têm que os defenda dos riscos da má gestão ou conduta fraudulenta dos patrões. Quando há dificuldades nas empresas, o despedimento é uma das primeiras armas dos patrões, que assim, transferem para a parte mais fraca, os principais ónus dos riscos que não querem assumir. E um temporário acesso aos subsídio de desemprego nada se pode comparar com o património pessoal do capitalista, não comprometido com o negócio, a salvo da derrocada.

·   O capitalismo e as suas instituições criaram e pretendem aplicar a qualquer investimento o critério da rendabilidade empresarial, da recuperação e remuneração do capital investido, com cálculos estandardizados do VAL ou da TIR. Se se estiver a pensar num bem de consumo mais ou menos secundário, não nos tira o sono que um capitalista gaste neurónios para avaliar o risco do negócio e que procure recuperar o “seu” de forma ampliada.

Sucede, porém, que há muitas actividades onde isso não é possível ou minimamente conveniente. A protecção de uma zona ambientalmente delicada, de espécies protegidas, pode envolver investimentos vultuosos, cuja rendabilidade não se pode medir com critérios empresariais, como não se mede a área de um terreno em litros. Em certas circunstâncias, os Estados procuram rendabilizar um investimento ambiental adulterando-o com a incrustração de projectos turísticos, por exemplo. Noutras circunstâncias e sobre a forma de mecenato, o Estado favorece capitalistas ou empresas (directamente ou sob a forma de fundações) com benefícios fiscais, como via de tornar rentáveis e atraentes ao capital privado, certos investimentos.

Nesta linha de pensamento, sendo a água recurso natural de valor inestimável, a cobiça de grandes multinacionais e de mandarins a soldo oferece-se para assegurar a sua boa gestão, elevando substancialmente os seus preços para a população, que ficará assim dependente das intenções de um monopólio para remunerar os seus accionistas.

A construção de uma linha férrea é reveladora das incapacidades do capital. Não é disparate pensar-se que uma linha vá propiciar, digamos, cem anos de serviço, sem prejuizo da sua regular manutenção. Acontece que nenhum capitalista investe em empreendimentos com tão elevada vida útil e mantém aí dinheiro empatado; e por isso o neoliberalismo criou a bela figura de privatizar a utilização da linha e deixar a sua manutenção a uma empresa paga pelo Estado (tipo Refer). No caso da construção de uma nova linha, tratam de constituir uma parceria público-privada para o efeito, na qual os fundos públicos entram com a parte de leão e a fundo perdido, permitindo que as futuras receitas comportem a recuperação do capital privado, muito antes do esgotamento da vida útil da via e com taxas de lucro apetecíveis. Esta lógica aplica-se também a pontes, estradas ou cais para gáudio dos bancos financiadores e das motas-engis ligadas aos partidos adjudicantes. É o ciclo mafioso na sua plenitude.

·         A propaganda dos mandarins engloba, geralmente, conceitos abstratos, sem conteúdo, desligados de qualquer enquadramento ideológico explícito nos quais se pretende envolver os cidadãos de modo cumpulsivo, a internalizar sem a intervenção de polícias ou tribunais. Um desses conceitos é o da acentuação da primazia absoluta do novo sobre o menos novo, para não dizer velho; assim, ser jovem ou ser proveniente de um jovem é melhor do que o que provém de alguém com mais anos, mesmo que seja uma imbecilidade do jovem Cristiano. Por seu turno, a modernidade, “tout-court”, despida de qualquer expressão concreta, é apontada como inelutável e na qual cavalgam os mandarins, como atestado da sua competência e visão; nesse contexto, as auto-estradas são símbolo do progresso mas, a precariedade e o desemprego já o não serão, apesar de paridos pela mesma modernidade actual.

A modernidade e a sua inevitabilidade, como algo forçosamente bom, é utilizada da mesma forma que a ideia de progresso, força imanente a algo desgarrado, na qual os cidadãos não têm que se intrometer ou pretender opinar e construir por si próprios. A modernidade é o termo mais usado por essa espécie de engenheiro, praticante do moderno “jogging”, um tal José Sócrates. enquanto o vetusto Cavaco sempre preferiu o “pugresso”, como lhe sai da sua titubeante expressão oral. Terá mesmo sido o dito cujo que permitiu que os seus amigos lhe tivessem “limpo” as poupancitas de catedrático reformado;

·         Finalmente, outra das taras ideológicas do capitalismo relaciona-se com o crescimento económico. Ao erigir a maximização do lucro como critério condutor da vida social, o capitalismo gera uma constante ansiedade pelo aumento da riqueza, que é como quem diz, pelo crescimento do PIB. Essa tara repercute-se nas pessoas em geral que, integrando a mesma ansiedade nas suas vidas, praticam o consumismo mais insano ou ridículo, para armazenarem bens, para garantirem os novos modelos de qualquer coisa, pondo de lado, como trastes, um volume enorme de bens em perfeito estado de utilização, desperdiçados. Como as necessidades humanas não são infinitas, há uma parcela menor da população mundial, basicamente nos países ricos, cujo consumo global poderá estagnar, não induzindo crescimento económico, sobretudo se forem reduzidas substancialmente as desigualdades e o desperdício, Por outro lado, nos países pobres, a satisfação das gritantes necessidades da maioria não tem de passar, forçosamente, pela repetição dos modelos de desenvolvimento adoptados no passado, nos países ora ricos, que estruturaram, por exemplo, a agricultura, com elevadas incorporações energéticas e desprezo pelo ambiente.


C - Eixos estratégicos de actuação do capitalismo


1 - Aplicação dos formatos neoliberais

·   Em termos da teoria económica, os clássicos (Adam Smith, Ricardo, Marx) demarcaram bem as relações sociais que estavam por detrás do processo produtivo e que tornavam este como um produto social. Porém, se Ricardo se refugiava na lei natural que assim dispunha a realidade, Marx colocou as características das relações sociais inerentes ao processo produtivo como resultantes do antagonismo entre capitalistas e assalariados, sendo esse conflito o motor da História.

·   Por seu turno, J-B Say e os marginalistas preocuparam-se mais em desligar a ciência económica das realidades sociais, pretendendo que a economia é uma área objectiva, socialmente neutra, redutível a cálculos matemáticos. Nessa linha, a distribuição da riqueza não resulta da correlação de forças entre capitalistas e assalariados, com estes a serem subtraídos de parte do valor do trabalho que produzem mas, segundo Say, de acordo com umas leis chamadas de mercado, em que os detentores dos factores de produção – terra, capital e trabalho – com toda a independência e autonomia, ajustam os preços dos respectivos contributos para a produção. Tecnicamente, a estrutura social onde se insere a posse dos chamados factores de produção, constituia um dado a-histórico, imutável e definitivo, desligado da evolução das sociedades;

·   A mais distraída observação da realidade revela que o fornecedor da força de trabalho está longe de ter a autonomia de discutir, com os capitalistas, ou o dono da terra, o preço do seu “factor de produção”, porquanto o Estado através da lei ou da repressão física ou judicial se encarrega de estabelecer as condições para a formação do preço dos designados factores de produção, favorecendo os capitalistas e prejudicando os trabalhadores. E, portanto, essa actuação do Estado revela que na base da produção de riqueza não está o livre encontro entre detentores de factores de produção, o livre funcionamento do mercado mas, um elemento político, não económico - o Estado -  remetendo para o caixote das aldrabices, as elaborações teóricas de Say e dos marginalistas;

·   Essa mitologia de um mundo de entidades soberanas, iguais – capitalistas e trabalhadores – reveste hoje, em termos ideológicos formas curiosas e ridículas. O termo capitalista pretende-se esquecido e conotado com uma época passada, enterrado na História e é substituído pelos termos pretensamente neutros do ponto de vista social – empresário, empreendedor, empregador, por acaso (?) sempre utilizados de modo respeitoso, mesmo quando aplicado aos mais manifestos criminosos. Por outro lado, o assalariado, apesar de mal pago, precário ou sob a permanente ameaça de despedimento, passa à categoria, também mais neutra e amistosa de “colaborador”, o que, contudo, não permite esconder o seu carácter subalterno e acessório. O assalariado pode mesmo descer na escala da pública consideração; se trabalhar no Estado é um madraço dormindo sobre privilégios, se estiver desempregado é porque não quer trabalhar, se estiver doente é um fingido que defrauda a Segurança Social e, se for pobre e receber SRI é um rico dissimulado.

A existência de trabalhadores ou assalariados é prova suficiente da sua necessidade no processo produtivo, caso contrário, o capitalismo já os tinha extinto. Inversamente,  o patrão, em regra, está a quilómetros de ter qualquer utilidade para o funcionamento da empresa e da sociedade, como afirmámos em “Afinal qual a Função Social do Capitalista”e em “Os Empresários e a Inovação”, textos inseridos neste blog.


O papel parasitário do capitalista, determinado por um elemento não económico mas jurídico, que é a propriedade dos meios de produção, é assegurado pelo Estado, como atrás já foi referido, nada tendo a ver com as reais necessidades do processo produtivo, de bens e serviços. Outra forma curiosa da mesma ladainha é a pretensa igualdade de negociação entre trabalhadores e capitalistas, presente na passada doutrina corporativa ou nas actuais democracias de mercado, com a concertação arbitrada pelo Estado, efectivo representante colectivo dos capitalistas, com visão e interesses estratégicos nem sempre coincidentes com os de muitos dos seus representados;

·   A questão da propriedade dos meios de produção radica muito fundo na ideologia burguesa que, simultaneamente, emana comandos jurídicos e psicológicos para gerar nos trabalhadores um respeito reverencial face à propriedade capitalista. O que as burguesias não fizeram quando se locupletaram nas terras dos aristocratas. Veja-se o seguinte episódio caricatural.

Recentemente, a propósito da morte do anti-fascista Palma Inácio (que morreu na miséria) foi revelada a resistência no seio do poder PS/PSD em o homenagearem com uma comenda. Até achavam graça aos seus actos contra Salazar mas… havia algo difícil de engolir; o assalto ao banco na Figueira da Foz para financiar as actividades anti-fascistas (cujo produto veio quase todo a ser recuperado pelo poder). Aí era a propriedade que estava em jogo e a burguesia portuguesa, como qualquer outra, tem a propriedade como coisa mais sagrada que a honra das suas mãezinhas. Por isso, não há anti-capitalismo que admita a posse de meios de produção que não pelo conjunto dos trabalhadores.

Expurgar da economia política o segundo termo (política), visa considerá-la com um carácter técnico, conjunto de coeficientes técnicos de uma matriz, neutra em face às relações sociais presentes no âmago da produção de riqueza. Tudo se reduziria a cálculos contabilísticos, a problemas de gestão e, as dificuldades e fracassos só podem acontecer por incompetência, trovoadas ou terramotos; daí que neste blog tenhamos afirmado em “BPN - exemplo prático do que é o capitalismo” (ver este blog) que o problema da competência de Vítor Constâncio no caso BPN é lateral, quando se pretende que essa foi a principal causa das conhecidas vigarices que envolvem distintos “empresários”;

·   Essa linha de pensamento contudo, não é a que caracteriza o neoliberalismo cuja falência prática vamos assistindo e, parece que nas esquerdas isso não é muito levado em conta.

Pelo contrário, o neoliberalismo é um modelo global de gestão social que compreende a economia mas, que vai muito além dela ou não fosse o seu principal teórico – Friederich Hayek - não só economista mas, também filósofo e político, acantonado na Sociedade de Mont Pélerin desde 1947, enquanto durou o brilho do formato keynesiano de gestão do capitalismo, mais ou menos coincidente com o período dos chamados “30 gloriosos anos”. Hayek defende claramente que a economia não é uma ciência neutra e tem subjacente opções claras do que é conveniente para o sucesso do capitalismo e que se não restringem às políticas económicas (aliás pouco admissíveis quando se pretende um Estado minimal) mas, também com a recusa da aplicação dos conceitos de solidariedade, justiça social, igualdade… uma vez que a “vida não é justa” e que se não pode rectificar o que a natureza criou.

Evidencia-se assim que, por detrás de qualquer modelo económico, implícita ou explicitamente está sempre um projecto político animado por uma qualquer ideologia; e que não há neutralidade política mesmo para os que se afirmam apolíticos. Hayek tem o mérito da clareza de propósitos e a sua frontal expressão, porém, não caracteriza os executores do seu projecto de sociedade, como os mandarins actuais. Nesses aspectos, Hayek contrastava com lord Keynes que se cingiu essencialmente à economia, embora com uma clarividência ímpar sobre as conveniências do capitalismo e do domínio ocidental sobre o planeta;

·   Como projecto global de domínio, o neoliberalismo de Hayek tem conotações evidentes com o fascismo, com o seu expresso repúdio por políticas de redistribuição, a defesa de um darwinismo social, do elitismo dos ricos, em função dos quais todos os restantes indivíduos devem existir, se conformados à sua pequenez ou, desaparecer, na pobreza ou na inanição se não aceitarem o papel de escravos. Da Escola de Chicago onde Hayek ensinou, saiu também um tal Milton Friedman, menos ideológico que o seu mestre mas que, com os seus “Chicago Boys”, as espingardas e bestialidades da tropa, aplicou as suas ideias no Chile de Pinochet, culminando com a reestruturação económica do país, a obra iniciada pela conspiração da CIA contra o governo de Allende;

·   Após esta primeira aplicação prática no Chile (1973), o neoliberalismo deixou claro o seu programa para animar a economia mundial e assim promover a retoma da acumulação capitalista:

§   Tornar a economia regulada pelos movimentos de capitais e pela política monetária, retirando ao Estado veleidades de intervenção noutras áreas da economia;

§   Desmantelamento do Estado social (onde existisse) para que o riqueza criada não fosse “desperdiçada” em apoios generalizados à população trabalhadora, como sistemas de saúde, de segurança social, combate à pobreza, aparelho burocrático, etc;

§   Defesa de um individualismo exacerbado, com a recusa de conceitos como vontade colectiva, interesses sociais ou semelhantes, pois só existem indivíduos e interesses individuais. “A sociedade não existe”, Thatcher dixit, relembrando os velhos marginalistas;

§   Sistema fiscal e normas salariais regressivas uma vez que sendo os ricos os investidores, convém que neles se concentre a poupança geral, devidamente maximizada; inversamente, desonerar de impostos os pobres é fomentar o aumento do consumo, reduzindo, consequentemente a poupança e prejudicando, portanto o investimento. Sintomaticamente, de acordo com Aglietta e Rébérioux em “Derives du Capitalisme Financier”, a relação entre o salário médio de um operário nos EUA e o de um gestor passou de 1/40 em 1980 para 1/400 em 2003. O bom caminho… como assistimos; tão bom que agora todos os mandarins, com o santo Obama à cabeça, se vêm obrigados a limitar extravagâncias salariais, prémios, “stock options”…

§   Adopção do sistema político adequado à prossecução do aumento da acumulação capitalista. Dentro dos seus princípios ideológicos mecanicistas, anti-éticos e desumanos, o neoliberalismo tanto pode aceitar as liberdades políticas primárias, através dos sistemas representativos ou de democracia de mercado, nos países mais desenvolvidos, como promover golpes de estado e apoiar ditaduras, onde a resistência popular seja mais acerba e/ou onde a criação de riqueza sendo comparativamente menor exija meios mais musculados de domínio das cliques locais. Para impor o neoliberalismo que tresanda no tratado de Lisboa, o referendo poderia ser um instrumento mas, para evitar as incompreensões da intervenção popular, o tratado é melhor aprovado entre amigos (nos parlamentos nacionais) ou objecto de tantos referendos quantos os necessários, entre promessas e ameaças aos irlandeses;


§   O que nenhum neoliberal alguma vez propôs foi o desmantelamento ou a redução do Estado no seu papel repressivo e coercivo. Antes pelo contrário, assistiu-se ao incremento e sofisticação das forças armadas e das polícias, com o recurso extensivo a fórmulas privadas de segurança e manutenção da ordem, videovigilâncias, para defesa da propriedade e a formação de poupanças no bolso dos ricos. Quem deve, teme.

Esta agenda neoliberal cuja aplicação pioneira foi paga duramente pelos trabalhadores chilenos, foi seguida de outras, nos chamados paises do Sul, sob a designação de “ajustamento estrutural” com a obrigatória orientação do FMI enquanto nos países desenvolvidos assumiu o nome de thatcherismo ou reaganismo. Criou-se mesmo o termo “reaganomics” para o modelo económico vigente, baseado em Say, “a oferta cria a sua própria procura”, sem esquecer o recurso à repressão não foi negligenciado, quer por Thatcher sobre os mineiros, quer por Reagan sobre os controladores aéreos. O Estado para estas coisas dá sempre muito jeito mesmo aos mais empedernidos neoliberais…


2 – Globalização

A queda das taxas de lucro e a fixação de crescimentos anémicos nos países desenvolvidos anunciaram, nos anos 70 o fim dos tais “gloriosos 30 anos” de felicidade capitalista; as desvalorizações da libra e do dólar, o fim da convertibilidade deste em ouro, enterraram os acordos de Bretton Woods de 1944, feitos para garantir a supremacia americana no mundo; as subidas do preço da energia em 1973 e 1979 revelaram novos protagonistas com poder, a OPEP e os países petrolíferos do Golfo Pérsico; as multinacionais haviam adquirido um carácter global e as fronteiras existentes, com controlos alfandegários, freavam o seu crescimento; a inflação galopava por campos e vales; e os EUA saiam da Indochina derrotados politica e militarmente enquanto a descolonização se aproximava do final.

O mundo mudara, Keynes ficou fora de moda e a queda do crescimento económico iria colocar em causa o chamado pacto social-democrata que garantia, com a mediação das burocracias sindicais, a troca de ganhos de produtividade para os trabalhadores, pela aceitação, por estes, do sistema capitalista. Alguém se lembrou do profeta Hayek que vinha pregando no deserto nas últimas três décadas e o neoliberalismo foi adoptado, em paralelo com a desregulamentação e a liberalização a nível global que preparou a extensão da base territorial da acumulação capitalista integrando na sua órbita praticamente todos os países capitalistas e pré-capitalistas, em vários estádios de desenvolvimento – É a chamada globalização.

Esta, consiste em vários vectores e movimentos, que interagem e se complementam:

·   A transferência da produção para áreas geográficas de “dumping” salarial, laboral ou ambiental, com a inerente redução de custos, alarga as margens de lucro das multinacionais e aumenta o mercado global através da integração desses novos países. Porém, essa transferência tem como contrapartida a desindustrialização dos países desenvolvidos, com o crescimento de um desemprego estrutural, a perda de poder de compra e da qualidade de vida dos trabalhadores, cujo poder reivindicativo fica condicionado. Esta situação, aliada à feroz concorrência entre as multinacionais, mitiga os efeitos da globalização nas expectativas de crescimento mundial que, simplesmente, tem vivido, nos últimos anos, das elevadas taxas conseguidas pela China;

·   A integração e acelerada expansão da exploração de novas fontes de matérias primas, mormente energéticas e agrícolas, tendo em conta a acerada concorrência, gera novos conflitos pelo seu controlo, armados uns (Iraque e Afeganistão), geoestratégicos outros (luta pelo controlo da Ásia Central e dos oleodutos que lá se iniciam) e desastres ambientais (desmatação no Brasil e pressão para a exploração petrolífera das zonas árticas);

·   O alargamento do campo de acção das empresas num contexto de contenção do poder de compa global gera novas necessidades de investimento e de meios financeiros para esse efeito, acentuando o papel do capital financeiro na sua ligação às multinacionais. A pressão para o aumento da acumulação capitalista tolera, de facto, o branqueamento e a integração de capitais mafiosos e, torna mais ou menos tolerados os vários tráfegos, como o das drogas, das armas, dos imigrantes, das mulheres, dos órgãos humanos, a corrupção etc;

·   O ex-GATT passou a ser uma OMC, revigorada para promover a liberdade de comércio (mais precisamente, a abertura dos mercados dos países do Sul, tal como inventado pela Inglaterra no século XVIII), desregulamentando e isentando os movimentos de mercadorias e capitais e, liberalizando o investimento estrangeiro. Essa liberdade de comércio visa isentar as multinacionais e as grandes instituições financeiras de portagens e entraves para entrarem nos estados nacionais e alargarem assim o seu raio de acção.

Por outro lado, a pressão que se exerce sobre os países pequenos e médios, com menores níveis de desenvolvimento, conduz à transferência para o capital internacional de parte crescente da riqueza criada, em detrimento das burguesias nacionais; nesse contexto, acentua-se a exploração dos trabalhadores desses países neo-colonizados, submetidos aos ditames do capital global e, simultaneamente, obrigando os patrões nacionais a cedências na partilha da riqueza criada, no âmbito de uma colossal concentração de capitais. Esse desiderato assemelha-se, a uma escala mais alargada, à vocação dos Estados centralizados e absolutos comandados pelas burguesias comerciais dos séculos XV ao XIX: desmantelamento dos senhorios regionais e colocação de todo o espaço, então designado como nacional, como coutada própria, incluindo nesta, recursos naturais e trabalhadores;

·   Na Europa, o processo de globalização tem sido mais profundo e inovador. Assistiu-se à passagem da antiga CEE para a UE, no sentido da criação de um espaço económico e político único; ao alargamento territorial da UE a quase todo o continente; ao aprofundamento da mercantilização a que o Tratado de Lisboa pretende dar um carácter constitucional e definitivo; à criação do euro como moeda comum (até agora, para somente 16 países); e a uma desvalorização da própria democracia de mercado com evidentes manifestações fascizantes dos poderes e emanações xenófobas da direita política, estribadas em alguns estratos populacionais.

A globalização tem trazido consigo alterações geoestratégicas na estrutura do poder mundial, tais como;

·   O Pacífico passou a ser a principal área de comércio, ultrapassando o Atlântico, consolidando-se assim, a subalternidade europeia (por muito que custe aos eurocêntristas), como área de menor dinamismo económico, a despeito de ser a maior área de consumo, agravando-se essa situação, do ponto de vista político com a aceitação da suserania americana em questões essenciais como a actuação agressiva da Nato ou o apoio à barbárie israelita;

·   Reduziu-se a relevância da indústria na Europa e nos EUA com a sua transferência para o Oriente, com destaque para a China, com custos laborais e globais muito mais baixos, integrando um movimento de nivelamento por baixo, que favorece as multinacionais e, temporariamente, os trabalhadores desses países, em detrimento dos europeus e norte-americanos;

·   Está estabelecida uma grande interdependência entre os EUA e a China, tornando-se esta um grande fornecedor de mercadorias aos EUA, principal comprador da produção chinesa e, simultaneamente, um investidor de grande relevância nos títulos que o Tesouro americano emite para financiar o deficit, agora acrescido com o apoio estatal aos bancos em bancarrota. Paira sobre esta situação a vulnerabilidade da cotação do dólar e da sua utilização como moeda de reserva, tendo a China avançado recentemente, com  a ideia da sua substituição por DSE (direitos de saque especiais) inventados nos anos 70 como apoio à impossível convertibilidade do dólar em ouro. Também recentemente Stiglitz defendeu a criação de uma nova moeda de reserva global, como peça central para um novo sistema financeiro internacional;

·   Verifica-se uma tendência para um maior equilíbrio entre as nações, devido, nomeadamente, ao crescente peso dos designados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e às dificuldades dos EUA em impedirem a passagem de um mundo centrado em si, para outra estrutura de poder, multipolar. A passagem do G8 para um G14 corresponde à assunção da fraqueza dos paises ricos em manter o sistema mundial de pagamentos, o papel do dólar e o sistema desigual de trocas sem a cooptação e ajuda de vários outras burguesias nacionais, com a particular relevância do governo chinês, curiosamente, dominado por um partido dito comunista.

Note-se que estas mudanças em curso, podem constituir uma vantagem táctica para a Humanidade mas, estratégicamente, não colocam em causa o capitalismo e todo o cortejo de maleitas que lhe são inerentes; apenas dificulta a utilização da força militar nas áreas em disputa, nas quais a superioridade militar deixou de constituir uma vantagem quase absoluta, mesmo em conflitos com pequenos ou médios países.

Pela sua dimensão, os BRIC tenderão a afirmar o seu peso económico e populacional, nas suas respectivas áreas de influência, perante a maioria dos outros países, mais pequenos, como forma de engrandecer as suas burguesias, a despeito das disputas com os poderes dos países ocidentais e com os seus próprios trabalhadores. Os seus objectivos nacionais, nesse campo são idênticos aos de todas as burguesias, com a diferença que as suas dimensões lhes permitem alargar mais as suas influências, manter moeda e sistemas financeiros próprios, bem como políticas económicas relativamente autónomas, sem contudo se desconectarem da economia global, nem deixarem de se procurarem constituir, os BRIC, em participantes na exploração das riquezas dos países mais pequenos. Como exemplo, veja-se a hegemonia da Rússia no Cáucaso e na Ásia Central e as disputas com a UE, na Ucrânia ou, com os EUA na Geórgia e nas repúblicas ricas em recursos energéticos; ou a influência da China no Sudão ou em Angola, neste último caso gerando alguma preocupação dos EUA; a procura de liderança brasileira na integração económica latino-americana; e, não sendo tão marcadas as tentativas de influência da Índia, dado o antagonismo com o Paquistão e o isolamento de Myanmar, elas não deixaram de se observar no conflito cingalês;

·   Observam-se grandes migrações internacionais, com um alargamento crescente das distâncias entre as origens e os destinos dos migrantes que se deslocam para os EUA, para a Europa e para os países petrolíferos do Golfo. São utilizadas pelo capitalismo com forma de pressionar, para baixo os salários, as condições laborais e a precarização das vidas com o arrastamento de situações de “ilegalidade” que, tanto permite uma conveniente tolerância com a sua presença, como a sua liminar expulsão ou reclusão. A presença de trabalhadores migrantes serve ainda para criar manifestações xenófobas lideradas pela direita política, formas de encontrar bodes expiatórios para segmentos relevantes das populações acossadas pelas dificuldades económicas e pela insegurança;

·   Tanto são favorecidas as dinâmicas desagregadoras de estados (URSS, Jugoslávia, Geórgia) como são preparadas novas agregações (na UE e América Latina), mesmo quando essas alterações políticas se processam com toda a tolerância relativamente a ditaduras mais ou menos explícitas e regimes absolutamente corruptos, num contexto de acrescidas dificuldades à vida das populações, exacerbação de diferenças étnicas e religiosas, criação de zonas francas para tráfegos mafiosos (Kosovo, Afeganistão, Guiné-Bissau).

O programa neoliberal generalizadamente adoptado na Europa, na América do Norte (e forçadamente na do Sul), ou em África, num quadro nacional, foi muito menos seguido nos chamados “tigres asiáticos” e na China que continuaram com crescimentos elevados, baseados no proteccionismo exterior e na intervenção fortíssima do Estado como entidade financiadora, investidora e reguladora dos custos salariais, através de regimes políticos muito musculados.

Essa aplicação da agenda neoliberal, contudo, não inverteu a tendência global, decrescente das taxas de crescimento. De 3.5% na década de sessenta e 2.4% na de setenta do século passado, essas taxas encolheram e cifraram-se em 1.4% na década de oitenta e de 1.1% na de noventa, apesar da descabelada aplicação das receitas neoliberais, do alargamento da sua base territorial de aplicação, com o desmantelamento da URSS e o fim da concorrência política e ideológica do capitalismo de Estado, onde a exacerbação de modelo keynesiano era protagonizada por uma burguesia burocrática e corrupta, enfeitada com penas de esquerda.

Para o agravamento da estagnação económica e insuficiência da acumulação, contribuiram, decididamente as medidas neoliberais de restrição dos rendimentos monetários ou dos serviços prestados pelos Estados à população, com impactos óbvios na procura de bens e serviços; ou a não condução para  o investimento dos rendimentos dos ricos, para além do seu bem estar pessoal e produção de bens de luxo, manifestamente insuficientes como motores do crescimento mundial. Por muito que isso custe à Balela Ferreira Leite quando estupidamente defende e se oferece para proteger o parasitismo dos ricos. E as coisas, globalmente, não foram piores porque na Ásia o modelo não foi aplicado cabalmente, observando-se a integração de milhões de trabalhadores que apesar de sobre-explorados, vêm melhorando o seu nível de vida, antes miserável.

A especulação, facilitada pela mobilidade do capital gerou diversas crises monetárias e financeiras em diversos locais (Portugal (1983/85 e 1993/95), México 1994/95, Tailândia em 1997, Rússia em 1998 e Argentina já neste século (2001)  - sempre com a prestimosa assistência do FMI, alicerçada num roteiro onde constam: desvalorização da moeda, redução do deficit, contenção salarial, privatizações, liberalização dos mercados - e ainda os casos da bolsa de New York em 1987 e da libra em 1992.

A crise actual revela, claramente que a globalização não evitou a manutenção das baixas taxas de crescimento, nem resolveu os problemas da acumulação capitalista; revela, que este eixo estratégico de actuação do capitalismo não constituiu uma sua etapa superior e, mesmo que o tivesse sido, não durou muito.


3 – Financiarização

O capital não poderia conceber cingir-se à rendabilidade normal dos negócios, nem sequer à rendabilidade dos negócios chorudos. E como a economia real acompanha de perto o crescimento das necessidades humanas (embora contidas pelo próprio sistema) inventaram a financiarização, a extração de lucros rápidos, a sucessão infinita de ganhos, a partir de quase nada, sem recurso a trabalhadores, instalações ou cobradores de impostos.

·   O capital financeiro deixou de ser o produto da fusão da indústria com a banca dentro do mesmo conglomerado, como definido por Hilferding e Lenin ou, trave mestra do infraestrutura económica do chamado capitalismo renano, também vigente no Japão, pré-neoliberal. O capital financeiro ganhou uma total autonomia de actuação, cria a sua própria base de criação de capital, desligada da economia real tornando-se esta um mero instrumento de aplicação e rendabilização de liquidez, com a ausência de qualquer preocupação de longo prazo. Dito de outro modo, o capital financeiro é como o monstro Golem da mitologia judaica, que acaba por devorar quem o criou e esperava poder controlá-lo eternamente;

·   Apesar das loas sobre a igualdade de oportunidades, do fomento do empreendorismo e da empresarialização, sabe-se que o oligopólio, o domínio não concorrencial dos mercados, é a regra. No domínio da concorrência perfeita, para além dos livros de teoria económica, só se encontram pequenos negócios, em que os seus detentores são mais trabalhadores que empresários capitalistas, como os cafés de bairro, os cabeleireiros e actividades semelhantes. Quanto maiores as rendabilidades esperadas, maiores são as exigências legais, os empenhos políticos e o pendor para a cartelização. António de Sousa, novo dirigente da AP de Bancos referiu, recentemente, como teve de aceitar a constituição do BPP, com um tal João Rendeiro à cabeça, apesar das conhecidas dúvidas quanto à sua idoneidade; e, o BPN teria sido criado pelo Zeca Diabo, se nele não estivesse envolvida a escória do cavaquismo, no poder?

A financiarização, envolvendo uma panóplia de formas de acesso a moldes de elevada rendabilização de capital, não está acessível a qualquer empresa mas, apenas ao sector financeiro, aos fundos soberanos e aos grandes oligopólios mundiais – há quem lhe chame a quarta renda diferencial, a somar à renda da terra, do capital e ao rendimento do trabalho, definidos por Marx. Calcula-se em apenas 5000 o número de entidades que, a nível global, têm acesso a este truque. O mercado dos produtos financeiros, não é um mercado livre como é ensinado nas “madrassas” universitárias e regurgitado pelos jornais económicos;

·   Uma vez que a economia real não podia oferecer taxas de lucro elevadas pois a procura, limitada pela contenção do poder de compra da multidão e apesar da globalização, circulavam por aí enormes quantidades de dinheiro com uma necessidade vital de valorização, que só poderia concretizar-se no âmbito do sector financeiro; a financiarização tornou-se assom, a principal forma de elevar a rendabilidade das aplicações do capital. A nível mundial, os activos financeiros representavam 201% do PIB em 1990 e 350% em 2007 (1000% nos EUA), evidenciando, através do tempo, um crescendo de desconexão entre a economia real e o mundo financeiro;

·   A financiarização pode gerar lucros mas, não cria valor pois, não envolve trabalho ou a produção de bens ou serviços. Por isso, os valores financeiros são voláteis, com variações brutais e até aleatórias, quando escapam às previsões das chamadas “grandes casas de investimento” e a despeito da inconsistência das classificações das empresas de “rating”. Essa volatilidade obriga à venda de um produto financeiro logo a seguir à compra, numa tentativa de minimizar a probabilidade de o ter nas mãos quando houver quebra do seu valor, a chamada “correcção”, de aproximação aos valores contabilísticos, emagrecidos da gordura especulativa; ou obriga à sua manutenção, em conjuntura altista, durante a fase da formação da bolha especulativa. A questão, nada fácil de adivinhar, é o momento para vender antes em que a bolha rebente ou esperar que a “correcção” aconteça para proceder à compra, na perspectiva de uma alta futura. Este ciclo entre a bolha e a “correcção”, ou vice-versa, repete-se frequentemente, afectando os níveis das taxas de juro, os valores das “commodities” portanto, a economia real, em regra já muito endividada e originando crises – mais de 100 desde a desregulamentação e liberalização dos mercados de capitais nos anos 80;

·   Os bancos, com baixa rendabilidade na sua actividade típica – recolher depósitos e proceder a empréstimos, diversificaram muito o seu leque de actividades. Para o efeito, dispõem-se a criar formas arriscadas de aplicação de capitais, propiciadoras de melhores remunerações para eles, bancos e para os seus clientes, esperando todos que tudo corra bem e que os índices de valorização dos títulos subam, subam, acima das núvens. A concorrência pela captação de capitais obriga os bancos a ignorar as origens mafiosas de muito do dinheiro que anda por aí (a economia do crime corresponde a 10% do PIB mundial), facilitando-se assim, a integração desses capitais mafiosos na economia real (investimentos imobiliários e na hotelaria, basicamente) intensificando-se, por conseguinte, a aliança entre o sistema financeiro e o crime organizado ou a corrupção dos mandarins;

·   Essa desregulamentação, ligada à volatilidade do valor dos “produtos” financeiros e à sua opacidade, resultante da cadeia de titularizações em que estão inseridos, explica o fracasso dos reguladores em geral e dos bancos centrais, na actual crise que, de facto, não passam de mantos diáfanos que ondulam, ligeiros, sobre o sistema financeiro mas, bem mais compenetrados na aldrabice estatística para favorecerem o mandarinato. E por isso, ninguém deve estranhar os aproveitamentos criminosos do sistema, durante décadas, como no caso Maddof, pela sua dimensão; ou, os episódios BPN, BPP e BCP, só invulgares pelo cenário de impunidade existente em Portugal, típico de um capitalismo subalterno, neocolonial;

·   Na incerteza em que se vive, os bancos cuidam, criteriosamente, da sua liquidez; procedem a fusões; procuram crédito o mais barato possível, utilizando para isso os avales dos Estados ou o financiamento directo propiciado pelos bancos centrais; ou aumentam ligeiramente os capitais próprios por obrigação legal. Ninguém, contudo, sabe como retirar dos activos do sistema financeiro os tais tóxicos que sobrevalorizam os haveres contabilizados e constituem prejuízos ocultos, dando assim um exemplo preverso de balanços falsificados que não são permitidos noutros sectores de actividade. Stiglitz para reforçar a transparência do mercado financeiro propõe, nada menos que o desmantelamento dos grandes bancos, o que em nossa opinião, para além de ser uma tirada lírica, não garantiria a propensão de todos os bancos e operadores financeiros para os ganhos fáceis na especulação. Os desejos de todos, são os de aumentar a liquidez disponível para empréstimos que vitalizem a economia real utilizando baixas taxas de juro para combater a recessão e procurar incentivar o investimento. A questão é saber se há confiança suficiente para investir, aproveitando tais taxas, esperando uma breve retoma capaz de fazer as empresas aguentar a inevitável subida das taxas de juro;

·   Passar os olhos pela imprensa económica tradicional e observar as informações prestadas sobre as cotações das bolsas faz pensar que se trata de periódicos marcianos. Todas aquelas variações que, naturalmente, produzem resultados vantajosos para os “investidores” e prenunciam a retoma, constituem um mundo que em nada se coaduna com as dificuldades das empresas em vender os seus produtos, em obter financiamentos, em pagar os seus compromissos ou com as dificuldades permanentes de quem trabalha, sem esquecer os muitos milhões que nem trabalho têm.


4 – A fascização das sociedades

(Abordámos especificamente este tema neste blog sob o nome de “O novo fascismo que está em marcha”)

Já acima referimos que o modelo de concertação social criado em meados do século passado, quando as taxas de crescimento eram elevadas e havia a ameaça ideológica do capitalismo de Estado, acabou há muito tempo, com a implantação do neoliberalismo desregulador, descabelado e fascizante. E as dificuldades de desenvolvimento da economia real, de satisfazer a população do planeta, crescente em número e exigências materiais e democráticas, também deixam a nu os limites da democracia de mercado como modelo político exemplar. E, para se defender, o capitalismo vem procedendo, passo a passo à implantação de medidas de controlo, vigilância e divisão da multidão, incentivando o isolamento, o subjectivismo individualista, a entrega ao voyeurismo mediático, como peças determinantes para o conformismo. E grave, é a insuficiente crítica da esquerda ao modelo político, económico e social do capitalismo de Estado, que permite confusões entre a multidão e o aproveitamento pela propaganda da direita que procura identificar todo o pensamento de esquerda com os modelos do chamado “socialismo real”; promover essa separação de águas é um dos nossos objectivos.

·   É feita uma segmentação clara entre a população, cujas camadas mais ricas são objecto de apoios financeiros, facilidades fiscais, protecção legislativa, dignificação das suas funções, enquanto a esmagadora maioria é confrontada por um lado, com os rigores da lei, do risco inerente à precariedade, no trabalho e nas condições de vida, à escravatura do crédito que cativa os rendimentos e os pertences durante toda a existência e, por outro lado, com a tendência para um retorno à lógica assistencialista e caritativa que diminui, fragiliza e acentua a precariedade da vida dos que caem na pobreza.

Esses dois segmentos populacionais, muitas vezes nem sequer se encontram fisicamente. Os ricos, vivem em condomínios fechados, zonas residenciais escolhidas, saem directos para as suas funções, sem contacto com transportes públicos, relacionam-se com os seus pares, nos negócios e na vida privada; do mundo da maioria, conhecem o jardineiro, os domésticos, o motorista e pouco mais;

·   No caso português, os funcionários públicos foram submetidos a uma segmentação fulcral sob este ponto de vista, promovida pelo gang socratóide. Garantem-se maiores regalias, nomeadamente o vínculo definitivo aos agentes da estrutura repressiva – militares, polícias e juizes – tornando-se todos os outros (grande maioria e onde avultam os docentes e os quadros da saúde) objectos passíveis de despedimento, menores regalias e forte controlo biopolítico.

Por outro lado, à velha tendência totalitária de colocar nos cargos de chefia da administração pública gente afecta ao gang do poder (ou, pelo menos, permeáveis aos seus humores) vieram agora juntar-se os sistemas de avaliação, o SIADAP e o dos professores, para dividir, fragilizar e colocar os trabalhadores ao arbítrio do regime fascizante em construção, naquilo que se designa por controlo biopolítico;

·   No mesmo sentido, cautelarmente, Sócrates lançou recentemente a ideia de criar uma rede de bufos, com nomes falsos, na administração pública, para combater o crime financeiro e a criminalidade organizada. Estamos mesmo em crer que os visados devem ser os ministros, para assim se evitarem novos casos Freeport... E quanto ao crime financeiro perguntamos se também vão infiltrar as adminitrações dos bancos para evitar casos como o BPN…

Como é óbvio, pretende-se intimidar a arraia miúda, gerar a desconfiança e a delação, eventualmente com uns trocos extra ao fim do mês (isentos de IRS) e apresentar na abertura dos telejornais uma mão cheia de pequenos corruptos apanhados ou um punhado de polícias subornados para não passarem multas. É isso que irá resultar da presença dos bufos, para além de um ou outro caso proveniente das lutas intestinas no seio do PSPSD;

·   O empresário-modelo Belmiro cujos negócios não andam prósperos (casos da indústria, Tróia, centros comerciais e telecomunicações), ao depender particularmente da distribuição, bem merece o epíteto de grão-merceeiro. Pois bem, tempos atrás apresentou uma solução para a crise: como a capacidade produtiva não utilizada será da ordem dos 25%, há que adequar o volume de emprego e portanto fazer chegar o desemprego também a 25%! A linear lógica cartesiana do engenheiro encontrará aplauso nas centúrias neoliberais, nomeadamente num tenebroso António Borges, vice da bolorenta Balela e seu eventual ministro das finanças;

·   A constante exacerbação da insegurança e a exortação ao sacrifício de todos têm como pano de fundo diversos objectivos. Um, é o de assustar a multidão, face à criminalidade, aos imigrantes, ao indefinido “outro” e fomentar o seu acolhimento, temeroso e submisso ao protector governo, ao imenso conhecimento do mandarinato. O outro, é o de suscitar o sacrifício de todos, pobres ou ricos, trabalhadores ou capitalistas, num espírito de unidade e coesão, enganador e capcioso, na exploração dum patriotismo, cuja base material se tem diluido com a globalização da produção, a abertura de fronteiras e a integração económica dos países;

·   O controlo da internet é algo que os poderes há muito ambicionam.  Por um lado, as multinacionais vêem os seus lucros reduzidos por efeito da partilha de música, filmes e livros entre a multidão, um tráfego que lhes escapa completamente, dada a criatividade da comunidade dos cibernautas. Por outro, a frequente entrada de “hackers” nos ficheiros de grandes instituições, tão simpáticas como os bancos ou o Pentágono, é um perigo constante para os poderosos, cuja segurança não está jamais garantida, apesar dos custos enormes com a segurança informática. Finalmente, os Estados e os poderes não gostam que a internet seja uma democracia entre os seus utilizadores, pela facilidade de comunicação, escrita ou oral, pela enorme e quase instantânea troca de conteúdos que pode abranger rapidamente o mundo inteiro, apesar de muitas manchas de pessoas sem acesso à internet, nomeadamente nos países mais pobres ou dos controlos estatais já existentes, por exemplo na China e no Irão. Recorde-se, como a troca de opiniões mobilizou os espanhóis, quase à boca das urnas, para rejeitarem o fascista Aznar que foi penalizado por manipulação grosseira das explosões na Atocha, em 2004; sem que o governo espanhol o suspeitasse ou pudesse intervir, se o tivesse sabido;

·   Em Maio de 2009, o Parlamento Europeu teve a meritória e rara coragem de rejeitar um projecto da Comissão Europeia. Pretendia esta, que o acesso à internet não fosse irrestrito, como agora mas, condicionado por pacotes de acessos fornecidos pelos operadores de telecomunicações e que cada pessoa escolheria em função da oferta existente e do preço a pagar, como acontece com a televisão por cabo. A mesma Comissão que tanto pugna pela liberdade de circulação de bens e capitais pretendia restringir a da informação; numa palavra, os operadores, licenciados que são pelos Estados exerceriam o altruista papel de nos defender do terrorismo, da pedofilia e, porventura, também da chuva, da azia… As distribuidoras de música e filmes que “naturalmente” não foram consultadas neste processo, por acaso sairiam altamente beneficiadas… E os governos veriam assim diminuida a circulação da informação crítica ou daquela que os media convencionais ocultam, das denúncias das injustiças, da corrupção e das violências, de debate democrático, de contestação, de organização das resistências.

Como não temos muitas ilusões sobre as apetências do Parlamento Europeu para a defesa dos direitos e bem estar dos europeus, suspeitamos que para tão inusitada e positiva decisão pesaram, mais do que a mobilização dos cibernautas, o facto de as eleições europeias se realizarem um mês depois (Junho) e os interesses de muitos negócios para os quais interessa a internet nos moldes actuais, aberta e irrestrita. E por isso esperamos pelos próximos episódios, saltando-nos à memória as palavras censura e “1984”;

·   Há uns dez anos foi denunciado um sistema de vigilância e espionagem de comunicações (o Echelon) que vigorava desde 1948, com os EUA capitaneando alguns países anglófonos e que, para além de estarem atentos ao que era transmitido para lá da “Cortina de Ferro”, cuja utilidade se desconhece, tinha uma missão mais rentável que era a da espionagem industrial sobre países europeus.

O 11 de Setembro veio justificar todas as medidas de controlo da informação, com uma exaustão demencial, como a de conhecer os livros consultados pelos frequentadores das bibliotecas americanas. Porém, em Londres, apesar de pejada de câmaras de video-vigilância, os atentados no metro aconteceram. Esquecem-se que a informação, massificada em volumes inauditos perde utilidade prática e que, passadas poucas horas de observação, qualquer vigilante se aborrece, se distrai e de facto, passa à categoria de peneira tentando filtrar o sol.

Na província portuguesa, o nacional socialista Sócrates, que gosta de andar na moda, decidiu obrigar as operadoras de telecomunicações a arquivar durante um ano, os emails e as chamadas telefónicas, identificando emissor, destinatário, momento da transmissão e duração da comunicação que ficarão disponíveis para os juizes utilizarem e para as bófias espiolharem. Por  enquanto, sublinhamos, por enquanto, não irão guardar os conteúdos mas, num PIDACC próximo, poderá ser contemplada a compra de mais suportes para que isso seja possível. Porque será, que de novo nos lembramos de Orwell?

·   Os sistemas políticos de democracia de mercado procuram arduamente fechar-se sobre si próprios, insinuando a sua representatividade relativamente às populações. Na realidade, os ditos representantes (muitos nem sequer se submetem a qualquer votação) apenas representam os interesses do capital financeiro, das multinacionais e da economia mafiosa. E muitos, pelas suas qualidades democráticas, políticas ou técnicas, suscitam mais troça do que respeito.

É curioso observar como os jornais revelam todos os dias opiniões e entrevistas com oligarcas e patrões a favor das maiorias absolutas como única forma de assegurar a governabilidade, quer apostando na maioria clara de um dos partidos do sistema, quer favorecendo a coligação entre ambas as facções que definem o bipartidarismo; e isso, num quadro empobrecedor de encerramento do quadro das escolhas, aos partidos do sistema que, qualquer análise distraída evidencia não apresentarem nada de alternativo às dificuldades existentes, nem sequer dirigentes ou quadros com outro préstimo, que não a solícita atenção aos interesses dos capitalistas em geral.

Sabendo-se como a acção dos governos suplanta, de longe, a actividade legislativa dos parlamentos, para mais, em regra governamentalizados, em clara inversão do que estipulam os textos constitucionais e a teoria política, tiram-se duas conclusões. Uma, que a fulcral importância dos governos como gestores do orçamento e emissores de leis e regulamentos passa em grande parte à margem de qualquer controlo democrático; e, por outro lado, a manutenção da formalidade litúrgica dos parlamentos é uma forma de mostrar à plebe uma caricatura da sua representação.

Dentro dessa linha, também nas instàncias da UE se mostra bem o enorme poder dos conselhos de ministros europeus e dos comissários, que ninguém elegeu, relativamente a um quase castrado Parlamento Europeu. E é este o modelo que os governos da UE e dos EUA gostam de apresentar e impor aos outros povos, como exemplo de democracia.

Essa caricatura assumiu, recentemente, a propósito da constituição europeia/tratado de Lisboa, formas claras de imposição autoritária, fascizante, por parte do poder político, dito democrático. Assim, os franceses, que haviam rejeitado a panaceia em referendo, foram considerados incompetentes e substituidos na decisão por uma votação entre amigos e compadres, a tralha do Sarko(na)zy e os nacionais socialistas lá do sítio. Na Irlanda, o povo votou contra os interesses dos poderes económicos e estes, logo se aprestaram a encomendar aos mandarins a criação de um cabaz de promessas para convencer os irlandeses a votar convenientemente; promessas, aliás que poderão, facilmente, ser torneadas ou esquecidas logo a seguir.

Em Portugal o biltre Sócrates prometeu um referendo sobre o tratado mas, na senda de Salazar, entendeu que os portugueses não estavam preparados para compreender as elevadas razões da escolha. E a “challenger” Ferreira Leite, nem isso pensa; porque isso envolve custos públicos ou, porque nem sequer pensa.

Em todas estas situações, a multidão foi ignorada, afastada, desconsiderada, infantilizada, como é apanágio dos regimes ditatoriais. Hitler, lá das cinzas que dele sobraram, deve exultar com tantos seguidores.

·   O aparelho da justiça é pesado, desconexo e controlado pelo poder político nas mais altas instâncias, contribuindo para que a aplicação da teoria dos três poderes não passe de uma farsa. É lesto em penalizar os pobres e muito bem montado para desonerar os ricos e poderosos, os criminosos de colarinho branco ou simples pedófilos, se pertencentes à mesma cáfila. As suas insuficiências e os costumeiros arrastamentos e prescrições servem essencialmente, como temas mediáticos para contentar o voyeurismo social em torno dos criminosos e de investigadores, magistrados, procuradores, cuja actividade redunda, precisamente, trabalhar para criar prescrições, ausências de provas, a aplicação de leis feitas para ter um efeito desonerador ou, penas suspensas;

·   As forças militares, sobretudo com o fim do serviço militar obrigatório acentuaram a sua postura corporativa, quer pelas reivindicações públicas da baixa oficialidade que pretende elevar a sua relevância como milícia do regime cleptocrático quer, pelo respeito que o mandarinato lhes atribui. O seu poder efectivo de guarda pretoriana é relativamente pacífico e dissimulado mas, transparece, por exemplo, quando Obama teve de aceitar, imposto pelo Pentágono, como secretário da defesa um tal Robert Gates, transitado do governo de Bush.

A sua ligação a funções policiais, a interpenetração entre quadros das forças armadas e das polícias, a sua proximidade no que respeita à vigilância da multidão foram reforçadas no âmbito da histeria anti-terrorista aumentando, no seu seio as tradições anti-sociais, elitistas, fascizantes, xenófobas e de malformação cívica. Esse amor à autoridade, à “disciplina”, à obediência cega e sem contestação, à ordem, emanaram recentemente do discurso de um general reformado que, perante uma conveniente plateia de gente do CDS, defendeu a possível prisão de crianças com 12 anos.

Outra das formas de integração das forças armadas com a “sociedade civil” é a assunção por esta última de funções no âmbito da segurança em geral e da actividade militar em particular.

O caso mais emblemático e que servirá de exemplo para outros países é o da utilização de pessoal pertencente a empresas privadas, mesmo em cenário de guerra. Em Junho último e de acordo com notícia de “Democracy Now” baseada em dados oficiais, os EUA tinham no Afeganistão e no Iraque, respectivamente, 58000 e 132000 soldados e 74000 e 120000 contratados. Por seu turno, a revista “Nation”  revelava que o polvo Blackwater (ligada a um fascista chamado Dick Cheney, ex-vice do consagrado G W Bush) foi contratado por Obama para fornecer serviços de segurança, naqueles dois países ocupados, no valor de 174 M de dólares  e de várias dezenas de milhões para “serviços de aviação” (bombardeamento de casamentos e outros ajuntamentos de pessoas, tomados invariavelmente como talibans). Acrescenta-se que a Blackwater (designação apropriada) pertence a um tal Erik Prince que se considera um cruzado “cuja missão é eliminar muçulmanos e a fé islâmica da face do planeta”. Almas piedosas!

Prosseguindo na exploração da lógica da privatização defendida pelos neoliberais, melhor seria extinguir as forças armadas e deixar que as multinacionais e os bancos contratem actividades guerreiras e de segurança musculada a empresas privadas especializadas; só não o fazem porque a utilização do dinheiro dos impostos para pagar essas actividades lhes sai mais barato;

·   Na ausência de ideias mobilizadoras, o capitalismo vem utilizando uma técnica muito antiga, na base de todos os autoritarismos, todos eles antónimos de democracia – o culto do chefe. O autoritarismo é mau quando polarizado em figuras mediocres, voláteis, qual marca de sabonete e, quando assente em figuras de alto quilate político, não deixa de ser mau; é pois, um mal absoluto.

O chefe pretende ser apresentado como um símbolo de visão estratégica, de conhecimento da realidade, de capacidade transformadora, de modernidade, de competência, de elo unificador de classes, multidões e povos. Perón mobilizava os pobres descamisados; de Gaulle pelo seu nacionalismo de militar; Salazar pela capacidade de castração e de gerar obediência, que tudo previa e acautelava, menos o estado da última cadeira em que se sentou; Hitler pelos ataques histéricos contra tudo o que não fosse ariano; e Stalin que, regando a sua passagem pelo mundo com sangue e terror, tropeçou na morte quando já o faziam pai imortal dos povos.

Hoje, os lideres são fugazes, produtos de moda, construidos por fazedores de imagem que definem poses, vestes, palavras e trejeitos. São produtos cosméticos treinados para enganar, como os cães-polícias para morder; não têm outro préstimo. E a instabilidade natural da crise sistémica que é o capitalismo, mais aquela que é gerada pelo frenesi precarizante introduzido nas nossas vidas, obriga a uma rotação de produtos (chefes) com uma velocidade enorme. Assim, surgem, na cena portuguesa do regime cleptocrático, produtos frágeis, voláteis, chumbados em qualquer teste de qualidade, não fora a ajuda prestimosa dos media, que os promovem ou mandam para a galeria dos monos; Cavaco, Ferro, Sócrates, Durão para além das pilecas Santana, Menezes, M Mendes ou Ferreira Leite.

Agosto 2009






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