sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Eleições europeias 2009 – limitações  e oportunidades

Mais uma volta, mais uma viagem
Mais uma volta para ganhar coragem
                                            (Sérgio Godinho)

A - Panorama global

As eleições para o Parlamento Europeu de domingo 7 de Junho não revelaram nada sobre o interesse dos portugueses sobre os assuntos europeus. Nem foram, particularmente, colocadas questões estruturantes como:

·         A dos poucos poderes efectivos do próprio PE no controlo da Comissão Europeia;
·         A ausência de democracia na escolha dos membros daquela ou do BCE;
·         A nocividade do tratado de Lisboa e os golpes baixos para o impor às populações, sem qualquer consulta;
·         O atavismo calculado das instâncias comunitárias no encarar da crise, sobretudo no seu impacto sobre os níveis de desemprego, na insipiência das políticas sociais levadas a cabo ou na reparação dos desvarios financeiros;
·         A xenofobia imanente no que concerne aos imigrantes;
·         A fixação doentia com o PEC, apesar de flexibilizada temporariamente a sua aplicação, etc

Nos outros países europeus a situação não foi muito distinta. Os níveis de abstenção foram também elevados só sobrando 9 países onde se situou abaixo dos 50% e onde se contam casos de voto obrigatório; e apuraram-se 6 países com níveis de abstenção superiores a 70%, todos a leste, recém-incorporados na UE, o que não parece evidenciar muito entusiasmo por parte dos seus povos. Estes níveis de abstenção revelam o desencanto face ao momento actual da integração, a falta de esperança nas capacidades das chefias aos vários níveis, a escassa atração da oferta eleitoral.

O mapa político no PE sofreu alterações menores do ponto de vista do capital, como aliás estava programado ou, quanto às vantagens para os trabalhadores europeus, mormente os desempregados e os excluidos. Mais PPE e menos PSE não é mudança. Mais ecologistas e fascistas não altera o conluio PPE/PSE que domina o PE.

Um caso curioso de deturpação introduzida pelos media é o que foi por aí dito sobre as eleições na Alemanha.

Disseram os media que Merkel ganhou as eleições com o recuo do SPD, incluindo-se a Alemanha no pacote dos países onde a “esquerda” foi penalizada, posicionando-se, portanto, Merkel como uma triunfadora, imune à crise social e económica, para os eleitores, que assim teriam mostrado a sua gratidão pelas acertadas medidas da chanceler. Acontece que o CDU/CSU a formação de Merkel, já em 2004 tivera uma votação muito superior ao SPD, não havendo aí qualquer novidade. Não disseram, porém, os mesmos media, na sua trivial superficialidade que, num contexto de taxa de abstenção idêntica à observada em 2004,

·         O CDU/CSU de Merkel teve quase 10 M de votos mas… menos 1.5 M do que em 2004;
·         O SPD teve perto de 5.5 M e perdeu apenas 100 mil votos;
·         O conjunto Die Linke/Verdes/Piratas tiveram 5.5 M de votos (pouco mais que o SPD) e aumentaram em quase 750 mil a fasquia de 2004 (os Piratas não existiam, então)

Posto isto torna-se mais esclarecedor saber quem ganhou e quem perdeu, não?

B - A mistificação da integração europeia por conveniência do PS/PSD

Já antes da absorção (há quem lhe chame… adesão) do país à então CEE (1986) o PS/PSD no poder sempre pretendeu que a multidão tivesse sobre a integração europeia, as seguintes ideias:

·         Elemento inevitável, qual força centrífuga que atrai tudo na periferia ou, se se preferir, buraco negro cujo conteúdo ninguém verdadeiramente parece capaz de modelar;
·         Elemento inelutável, imposto por determinação divina que, por esse motivo deve afastar a plebe de qualquer exercício de compreensão, dado o carácter insondável dos desígnios do deus Mercado;
·         Factor de modernidade associado a autoestradas, circos eleitorais, investimento estrangeiro, flexibilidade nas leis laborais, empreendorismo, exportação a todo o custo e reformas, reformas a granel, sempre por acabar mas, por acaso, sempre lesivas dos assalariados e dos pobres;
·         Factor de prosperidade, sobretudo pelo muito, muito dinheiro de transferências de Bruxelas que os países ricos, condoídos com o atraso português têm mandado para remissão dos seus pecados… com fim anunciado para 2013;
·         Coisa complexa demais para as capacidades da plebe e que só o mandarinato, em seu alto saber e elevado espírito de sacrifício consegue perceber, descodificar e negociar a favor do povo, após duros combates com as instâncias comunitárias;
·         Sendo ignaro o povo, seria perigoso para o mesmo, perguntar-lhe, na sua infantilidade ou atraso mental, se queria aderir à CEE, adoptar o Schengen, criminalizar os imigrantes, aceitar o euro, opinar sobre o tratado de Lisboa, balizar a vida pelo PEC e pelos ditames do BCE; já Salazar, ascendente directo do PS/PSD, dizia não estarem os portugueses preparados para o exercício da democracia;
·         Como a crise num país pequeno e atrasado é endémica, os portugueses foram conduzidos à aceitação da desestruturação da economia, ao roubo levado a cabo por empresários e mandarins aos cofres dos fundos europeus e dos impostos domésticos, sob o nome de investimento e inovação, liberalização e modernização;
·         A própria imprensa pouco relevo tem dado à questões europeias e, tal como os assuntos internacionais ou globais, têm menos notoriedade que um jogo do Ronaldo ou as fotos da Carla Bruni. Por seu turno, os deputados europeus têm-se mantido ignorados, na exacta medida em que também pouco se esforçam para ter visibilidade. Recorde-se, que recentemente a lei do controlo da internet (lei Hadopi) só surgiu na imprensa paroquial, em vésperas da sua votação no PE e semanas depois do assunto andar a circular por blogs e emails.

Neste contexto, eleições europeias servem, basicamente, para a multidão se manifestar:

·         Sobre os efeitos presentes da actuação da classe política em geral e do governo Sócrates em particular, sobre as suas condições laborais, nível de vida e perspectivas de futuro, num momento de expressão colectiva de azedume, rancor, desilusão, apreensão e pouca esperança:
·         Através de níveis brutais de abstenção, a sua incompreensão e distanciamento do processo de integração, como que cumprindo o que lhe foi destinado pelo mandarinato, cuja preocupação revelada com a abstenção é hipócrita uma vez que coloca sempre os seus membros no PE, com qualquer nível de participação eleitoral.

A imagem que, em Portugal, se tem da Europa é a dos países ricos da faixa ocidental, embora as clivagens sociais e as bolsas de pobreza aí existentes se tenham agravado ao ponto de o tal “modelo social europeu” estar em cacos, para se ser benevolente e, irreversivelmente morto, para se ser realista. Essa imagem de prosperidade e bem-estar tornou os portugueses europeístas, mais por intermédio dos mitos criados pela sua situação periférica, do que alicerçada em factos concretos; nomeadamente, quando o novo século vem mostrando, ano após ano, um afastamento gradual face à média europeia e à ultrapassagem nos vários “rankings” pela Grécia, República Checa, Chipre, Eslovénia, para não falar da vizinha Espanha, que há muito se distanciou.

O mandarinato mantém esse mito aceso, insistindo na lógica do sacrifício virtuoso, das perdas temporárias, do deficit que é preciso combater, do relançamento sempre adiado para o ano seguinte do ano que há-de vir. E, em paralelo, a multidão assiste diariamente, do fundo das suas dificuldades, ao desvendar da estrutura mafiosa do poder, repartido entre o PS/PSD e os segmentos cimeiros do empresariato e da finança, com enriquecimentos súbitos e escandalosos.

C - Exercícios de aritmética eleitoral

  1. Número de inscritos

A forma como o Estado e os governos tratam desta questão é reveladora do respeito que têm para com a democracia de mercado que montaram e que apregoam como exemplar. Com os meios técnicos existentes e com o afamado Simplex, ainda não conseguiram uma forma de manter o recenseamento actualizado. Percebe-se porquê: os mandarins não deixam de ser eleitos e os subsídios aos partidos são pagos pelo número de votos conseguidos, sendo irrelevante, para esse efeito, a taxa de participação dos inscritos e a presença, entre estes, de muitos milhares de pessoas já falecidas.


1999
2004
2009

%
%
%
INSCRITOS
8.695.600

8.748.600

9.491.492

VOTANTES
3.480.948
40,03
3.394.356
38,80
3.555.088
37,46
Votos expressos






BRANCOS
63.573
1,83
87.193
2,57
164.815
4,64
NULOS
53.245
1,53
47.344
1,39
71.103
2,00
DIRIGIDOS
3.364.130
96,64
3.259.819
96,04
3.318.980
93,36


Como se explica que entre 1999 e 2004 o número de inscritos residentes tenha aumentado 53 mil e, de 2004 para hoje, tenha crescido quase 743 mil? Como é óbvio, isto adultera o cálculo da taxa de abstenção e justifica que o acréscimo do número de votantes (cerca de 160 mil) não tenha impedido a taxa de abstenção de aumentar (61.2% em 2004 para 62.5% no dia 7).

Não se consegue entender, face às dinâmicas populacionais, porque cresce 19% o eleitorado açoriano e mais de 12% em Aveiro, Braga, Leiria, Madeira, Viana do Castelo e Vila Real e apenas 5% em Lisboa ou 7% em Setúbal.

Ainda no capítulo dos inscritos e, não incluidos nos números atrás referidos, há a registar a passagem de quase 20 mil para 168 milhares, do número de eleitores na emigração; e isto, porque se lembraram de colocar os residentes fora da Europa com possibilidades de voto nas eleições europeias, com resultados decepcionantes, como se esperava. Muitos nem saberão que existem eleições europeias ou, estar-se-ão nas tintas para um país que os obrigou a zarpar, por não lhes dar uma vida digna.

A questão dos emigrantes é interessantemente enganadora pois a sua grande maioria, mesmo na Europa, não está inscrita como potencial votante. Na Bélgica, por exemplo, em cerca de 40 mil emigrantes portugueses, os inscritos são apenas 2600, na sua maioria funcionários da UE ou da Nato, cujas tendências de voto não devem ser muito distintas das de quem os nomeou… E, desses inscritos, quantos votam?

Se nas eleições europeias esse número de votos é irrelevante para o total, convém não esquecer que há deputados à AR eleitos pelos emigrantes ou melhor, pelos pouquíssimos que votam entre os poucos que estão inscritos… Esses deputados mais parecem nomeados que eleitos e, invariavelmente são… do PS/PSD, a tal mafia bicéfala.

Os nossos democratas de papelão passariam a ter maior credibilidade se dessem o direito de voto aos imigrantes que vivem e trabalham em Portugal, isto é, no território da UE. Para além de salários mais baixos e precariedade agravada enquanto estrangeiros, nem sequer lhes dão o direito de participar na vida colectiva, como factor de integração; é que, objectivamente o mandarinato não quer, por ordem do patronato, mais interessado na existência de uma reserva de mão de obra desprovida de direitos e, portanto de baixo preço.

Ao preferir dar o direito de voto aos emigrantes e recusar o mesmo direito aos imigrantes em solo europeu, a burguesia portuguesa despreza o chamado “jus solis” e prefere o “jus sanguinis” baseada na “raça” que Cavaco terá comemorado dias atrás.

  1. Número de votantes

Menos virtual é o número dos votantes, que cresceu 4,7% em relação a 2004 mas, apenas 2.1% face a 1999 (primeira eleição para o PE), o que permite se afirme haver uma relativa estabilidade na afluência às urnas.

Essa evolução dos votantes face a 2004 foi, contudo, diferenciada, sendo superior a 10% em Viseu (13%), Braga, Faro e Leiria e negativa nos Açores (-16%), Beja e Portalegre, situando-se em Lisboa um crescimento de 2.1% nos votantes.

Que os partidos apelem ao voto ou tentem aliciar os simpatizantes uns dos outros faz parte das regras, tal como é aceitável e democrático que alguém defenda e proponha a abstenção, o voto nulo ou em branco.

A abstenção é uma opção legítima como qualquer outra, seja porque há quem se não reveja na oferta eleitoral, porque prefere ir para a praia ou ficar em casa. E, não acreditamos que seja uma opção mais irresponsável do que escolher alguém em função da imagem, da publicidade ou por fidelidade à opção de voto anterior.

Mas o mandarinato gosta de vilipendiar os abstencionistas que, para mais, não estão organizados, não têm “aparatchiks” ou porta-vozes que os defendam, nem tempo de antena. Assim, todos gostam de bater, cobardemente, nos abstencionistas, aproveitando a atomização e incapacidade de resposta dos mesmos. Mas, eppur si muove; e todos conhecemos pessoas que não votaram neste ou naquele acto eleitoral ou em nenhum, por considerarem putrefacta a cleptocracia que nos vão impondo.

Cavaco é dos que não pensa assim. Em pleno periodo de reflexão(?) apelou ao voto, excepcionando-se assim, como “supremo magistrado da nação” às obrigações de toda a gente, considerando que a abstenção é acto condenável e que o “eleitorado” é um terreno de caça, livre até ao momento do voto. Depois disso, o cidadão votante é (e sabe que é), naturalmente esquecido nas suas perspectivas e no seu direito de exigir, a qualquer momento, responsabilidades a quem elegeu. E não esqueçamos que a augusta figura não discerniu que marcar eleições para um domingo de início de uma semana de feriados não seria a melhor forma de favorecer a afluência. Ai aquela cabecinha…

Uma vez que os cidadãos se vêm mostrando cada vez menos atraídos pelo partido-Estado PS/PSD, começam neste, a ficar preocupados com o seu próprio descrédito. Se os eleitores se abstêm em massa e como o PS/PSD, por axioma, tem sempre razão, quem está errado são os seis milhões de cidadãos que não votaram. Portanto, Carlos César, o kaiser dos Açores alvitrou o voto obrigatório! Irão inventar uma coima? Mandam a polícia lá a casa com a urna? E, se aparecerem muitos votos em branco ou nulos instalam uma câmara de filmar para punirem os desobedientes? Orwell, “1984”.

Votar ou não votar são actos que têm por detrás cálculos e reflexões múltiplas e diferenciadas. E nenhuma dessas opções deverá ser considerada como vaca sagrada. O exercício da democracia vai muito para além do voto, contrariamente ao que propõe o mandarinato que só desce às ruas, às feiras e mercados, de vez em quando, rodeado de poluição sonora e papelada, de convivas sorridentes e seguranças de óculos escuros. E, mesmo para quem despreze a cleptocracia e o folclore eleitoral, sabendo que nunca a revolução e a democracia foram instaladas sem a destruição da ordem estabelecida (Allende já cá não está para o confirmar…), votar não é acto vergonhoso mas, um acto de intervenção possível, limitado, a utilizar quando útil e conveniente e nada mais do que isso.

  1. Votos brancos e nulos

O significado dos votos brancos ou nulos no total dos votos entrados nas urnas é conhecido e representa atitudes de rejeição mais genéricas no primeiro caso, mais expressivas no segundo, embora aqui também se registem casos de erro técnico de preenchimento do boletim de voto.

No conjunto, o número de votos brancos ou nulos (quase 235 mil) em 2009 duplicou relativamente a 1999 e aumentou 100 mil comparativamente a 2004, correspondendo a 6.4% dos votos expressos, espelhando a relativa eficácia da campanha feita por correio electrónico e SMS, nesse sentido. No caso dos votos brancos, o seu número aumentou 89% e o dos nulos em 50.2%, entre 2004 e 2009.

O maior peso dos votos em branco verifica-se em Leiria (7.8%), no centro de uma mancha territorial de maior incidência deste tipo de votação, que se estende de Aveiro a Santarém e, onde se inclui também Faro. Os casos de menor relevância do voto em branco registam-se na Madeira e em Trás-os-Montes.

No capítulo dos votos nulos, de novo se destaca Leiria onde o conjunto dos votos em branco ou nulos atinge 10.8% dos votos expressos.

  1. Votos dirigidos a partidos

Os partidos que se submeteram ao sufrágio são aqui agrupados em três grupos – esquerda (institucional), direita vulgar (separando o conjunto PS/PSD dos restantes) e direita xenófoba ou fascista.


Votos dirigidos

1999
2004
2009

%
%
%
Esquerda






BE
62.067
1,84
167.039
5,12
381.638
11,50
CDU
358.404
10,65
308.873
9,48
379.001
11,42
MRPP
30.515
0,91
36.000
1,10
43.091
1,30
POUS
5.560
0,17
4.279
0,13
5.093
0,15
total
456.546
13,57
516.191
15,83
808.823
24,37
Direita






Bloco central






PPD/PSD*
1.081.298
32,14
892.961
27,39
1.126.033
33,93
PS
1.498.820
44,55
1.511.214
46,36
944.958
28,47
subtotal
2.580.118
76,69
2.404.175
73,75
2.070.991
62,40
Outros






MD


13.685
0,42


MEP




52.731
1,59
MMS




21.621
0,65
MPT
13.964
0,42
13.500
0,41
23.355
0,70
PH


13.200
0,40
16.942
0,51
PPM
16.219
0,48
15.466
0,47
13.756
0,41
PSN
8.810
0,26




subtotal
38.993
1,16
55.851
1,71
128.405
3,87
total
2.619.111
77,85
2.460.026
75,47
2.199.396
66,27
Direita xenófoba





CDS-PP*
283.397
8,42
236.111
7,24
297.739
8,97
PDA
5.076
0,15
5.417
0,17


PND


33.968
1,04


PNR


8.106
0,25
13.022
0,39
total
288.473
8,57
283.602
8,70
310.761
9,36




*Em 2004 PSD e CDS coligaram-se pelo que a individualização efectuada se baseia na proporção 3.8/1 entre ambos, observada em 1999 e 2009, quando concorreram isolados

Independentemente da distribuição dos votos em forças políticas, observa-se para os três actos eleitorais uma grande estabilidade na votação global (em milhares):

        1999 – 3364           2004 -  3260           2009 – 3319

Tendo em conta o natural crescimento dos inscritos devido ao aumento populacional e ao envelhecimento da população, é evidente que a representatividade dos partidos, em geral, se vem reduzindo, no que concerne à escolha dos deputados europeus, reduzindo consequentemente a força da sua representatividade.

a)    Esquerda

É notório o crescimento da votação na esquerda institucional no seu conjunto, que passa de 13.6% em 1999 para 24.4% do total, em 2009 e que permitiu a passagem de 2 para 5 deputados, com todo o acréscimo a favor do BE.

De facto, em dez anos a CDU mantém a sua votação num mesmo patamar, recuperando no dia 7 as perdas de 2004 enquanto que o BE, sextuplicando a sua votação desde 1999, consegue alcandorar-se à posição de  principal força eleitoral na esquerda institucional.

A CDU coloca-se à frente do BE no Alentejo, na Madeira, em Setúbal e em Lisboa mas, aqui ambos estão praticamente em igualdade. Naqueles distritos, a CDU obtém 56.4% dos seus votos contra 40.7% no caso do BE que, portanto tem uma implantação eleitoral mais homogénea que a CDU, mais confinada ao sul.

No caso do BE o crescimento mais acentuado relativamente a 2004 observa-se na faixa territorial interior de Évora para norte e em Braga onde a votação mais que triplicou; o crescimento mais baixo registou-se em Lisboa e na Madeira (contudo, acima de 70%) mostrando que o episódio Sá Fernandes está esquecido). Por seu turno, o maior crescimento da CDU observa-se em Viseu (+83%) e o mais modesto em Setúbal (7%). Parece claro que as elevadas taxas de crescimento nestas votações correspondem a ex-votantes do PS ou novos eleitores.

A margem de atração do BE junto de anteriores votantes no PS é maior que para a CDU, pela imagem de dinamismo e inovação mais evidente no BE e que contrasta com uma CDU portadora de uma imagem fechada e das recordações de autoritarismo que ficaram do periodo 1974/75. Porque se trata de formações organizativa e sociologicamente distintas, não são significativas as transferências internas entre o BE e a CDU, para além de alguns sectores dos “renovadores” do PCP, em trânsito para o BE; isso, apesar de projectos políticos muito aproximados, posicionamentos concretos muitas vezes idênticos e de ambos terem mais ou menos subjacente um cadavérico “modelo social europeu” que o neoliberalismo e os partidos confederados no PPE/PSE já inviabilizaram.

Este crescimento da esquerda institucional, mormente do BE, levanta várias questões:

·         Um rápido crescimento eleitoral, para se consolidar, exige um enorme esforço de organização, de envolvimento de militantes, iniciativas e, essa consolidação a nível social constitui tarefa impossível no quadro estrito de organizações partidárias. A História mostra suficientes casos, para que se não saiba que a movimentação social só existe se, livremente expressa na sua diversidade e iniciativa, onde naturalmente, cabem também os contributos das organizações partidárias. A revolução russa de 1917 e a espanhola de 1936/39 mostram bem que o seu fracasso foi trazido, em parte, por grupos restritos de pretensos iluminados, desejosos de controlar a luta de massas;

·         Estará a esquerda institucional com disposição para colaborar, numa base igualitária, com organizações e militantes sociais autónomos, tendo presente que a principal riqueza da multidão é a sua diversidade e não o seu confinamento em estruturas com programas e práticas muito específicas? Será a esquerda institucional capaz de aceitar a autonomia de todos os componentes da rede de relações e contestações que se geram na dinâmica social? A luta contra o capitalismo, o autoritarismo e os seus agentes, nas suas múltiplas formas não terá futuro se concebida para ser levada a cabo com vanguardismos, por uma elite de ungidos. Vencer o capitalismo é bem mais difícil que vencer uma qualquer eleição; é obra de massas, em toda a sua diversidade e mobilidade de pensar e agir;

·         É óbvio que o crescimento da esquerda nas urnas reflecte o repúdio do governo, do seu odioso chefe, da escumalha que o compõe e a continuidade de Sócrates é um bónus que o PS vem oferecendo. Para mais, o aldrabão polarizou tudo em seu torno, no governo e no partido, afastando potenciais críticos (Ferro, Carrilho, Cravinho), secando tudo à sua volta, só mantendo as pilecas políticas conhecidas pelo seu ridículo uns, (Pino&Lino), pelo seu pendor fascizante (Correia de Campos e Milu) ou nulidades como o transgénico Jaime e o comissário do ambiente. Portanto, até às próximas eleições, a alternativa a Sócrates é Sócrates.

·         Entre vários cenários pós-eleitorais possíveis, um é o de Sócrates desaparecer como “furher”, mantendo-se o PS no poder e outro, é o primeiro-ministro ser uma figura do PSD, tipo Balela FL. No primeiro caso, muitos dos que agora votaram à esquerda, contra o PS poderão voltar a encostar-se a essa formação de direita, cheios de esperança numa mudança; no segundo caso, muitos ficarão convencidos que os problemas resultarão da presença do PSD, eventualmente com Paulo Portas atrelado, no governo e voltarão ao PS que, com nova cara falará grosso contra o governo. É o ritual da alternância, a execução do bipartidarismo, em que muitos, por ignorância, displicência ou catequizados pelos media, acreditam.

·         Esses possíveis retornos ao voto PS, para serem minorados exigem uma trabalho muito pesado e credível por parte da esquerda, como o envolvimento dos descontentes em iniciativas de luta, de perspectivação para a criação de dificuldades à gestão capitalista, combate aos despedimentos, à redução dos padrões de vida da multidão, à delapidação territorial e ambiental com os PIN, etc. Estará a esquerda institucional com vontade e capacidade para enveredar por esse caminho? Ou prefere, como na Itália, suicidar-se politicamente aos pés de Berlusconi, incapaz de gerar alternativas e promover luta acirrada ao burlão?

·         As cisões que se foram verificando historicamente, no PS, nunca enfraqueceram consistentemente a agremiação, nem fortaleceram as forças políticas de esquerda, por diversas razões. Primeira, porque entre os militantes do PS houve sempre mais candidatos a um tacho do que gente de esquerda; depois, porque o PS nunca foi um partido de esquerda, mesmo quando berrava nas ruas, em 1975, “partido socialista, partido marxista!” perante o ar sorridente do seu mentor Carlucci, embaixador americano; ainda porque o PS nunca foi um partido de massas, com um passado de luta antifascista e implantação sindical, como o PSOE espanhol; finalmente, porque Manuel Alegre é uma figura tíbia, palavrosa e sem projecto político palpável que interesse à multidão, sem capacidade de avançar para roturas como Oskar Lafontaine ou Jean-Luc Mélachton. Em suma, alimentar esperanças de roturas importantes no PS é o fomento do sebastianismo e, colocar fora dos movimentos de contestação ao governo e ao capitalismo, o factor decisivo para o seu fortalecimento.

·         Os recentes resultados eleitorais, com grandes perdas para a direita, na sua mais vasta acepção, só terão valido alguma coisa se conduzirem a um maior fôlego militante, à preparação dos trabalhadores para a luta, para a resistência, para iniciativas contra o poder PS/PSD. Se tudo se reconduzir depois dos próximos actos eleitorais ao voyeurismo dos debates na AR e a uma maior presença nos órgãos autárquicos, o balão tenderá a esvaziar-se.

b)    Direita comum

O conjunto formado pelas Torres Gêmeas (PS/PSD) e pelas pequenas formações conservadoras que vão surgindo nessa área ideológica, baseadas na aceitação do capitalismo e da democracia de mercado, apresenta uma queda continuada quer no que se refere à percentagem de votantes, quer ao seu número físico.

1999   - 2619 mil votantes representando 77.9% do total
2009 - 2199 mil votantes representando 66.3% do total

o que representa uma quebra de 420 mil votantes e de 11.6% na sua representatividade no total daqueles. Esta evolução terá decerto, uma forte relação com o acentuar das desigualdades, a grande polarização entre muito ricos e a imensa maioria de pobres e remediados, com o esfarelamento duma pouco numerosa classe média. Eleitoralmente, o voto conservador vai muito para além das camadas sociais intermédias, atraindo também muitos trabalhadores e pobres, ideologicamente colonizados pelos interesses dominantes. Este facto, não é específico de Portugal, é típico de todas as sociedades actuais onde a ideologia dominante cava fundo no seio daqueles cujos interesses objectivos seriam o de desapossar as camadas possidentes.

A quebra da direita comum manifesta-se, em 2009, em todos os distritos, comparativamente a 2004. Neste último ano, a direita comum era maioritária em todos os distritos, obtendo os seus mais baixos resultados em Setúbal (58.7%) e Beja (59%) mas ultrapassando 83% em 9 distritos. No dia 7 de Maio último, a direita comum ficou aquém de 50% em três distritos (Beja, Évora e Setúbal) e, somente nos Açores passou dos 80% e por escassa margem. Em termos relativos, as perdas ultrapassam os 10 pontos percentuais em sete distritos, onde sobressai Faro (-15,2 pp); as menores perdas verificaram-se na Madeira, onde reina o impune “democrata” Alberto João.

É o conjunto das pequenos partidos que atenuam as perdas da direita comum, uma vez que os seus votantes triplicaram nos últimos dez anos, em grande parte devido ao desempenho do novo MEP. Em 1999 representavam 1.2% dos votantes e recentemente 3.9%.

O crescimento dos resultados dos pequenos partidos da direita comum revela uma erosão crescente do PS/PSD e que existe uma parte do eleitorado do chamado bloco central que se não desloca nem para a esquerda, nem se refugia na direita xenófoba, antes procura novos caminhos, dentro da mesma área politica, ainda que sem resultados em termos práticos até agora. Definem-se estes movimentos por apelos à ética, ao ambiente, ao mérito ou mesmo… ao regresso à monarquia.

O PS/PSD tem uma evolução que merece especial destaque dado o seu carácter de partido-Estado, com duas facções que se digladiam, para encenar divergências programáticas pouco relevantes:

·         O PS/PSD perdeu mais de meio milhão de votantes em dez anos de eleições para o PE, independentemente da distribuição dos resultados no seu interior;
·         Em dez anos o PS/PSD deixa de ultrapassar os 3/4 dos votantes para ficar claramente abaixo dos 2/3;
·         O PS perde em 2009 quase 18%  e 565 mil votos face a 2004 situando-se 5.4% aquém do irmão gêmeo, quando detinha mais 19% do eleitorado do que o PSD, há cinco anos;
·         O PSD, apesar do esforço do gordinho Rangel, limita-se, praticamente, a recuperar os votos perdidos em 2004, relativamente a 1999, pelo que os ganhos do gang são escassos, só ganhando relevância por comparação com as perdas socratóides. Pensando bem, a contratação de Obélix por Olívia Palito, teve um sucesso oferecido por Sócrates;
·         O governo anti-social e genocida de Sócrates é o grande perdedor no âmbito do chamado bloco central e, transparece que muitos votantes descobriram o logro da alternância entre o PS e o PSD, preferindo desviar o seu sentido de voto para a esquerda ou para a abstenção, uma vez que a atração exercida pela direita xenófoba, foi marginal.

Comparativamente a 2004 o PS/PSD perde votos em todos os distritos, mais acentuadamente nos Açores e em Beja, conseguindo o menor desequilíbrio em Viseu e Vila Real. Tal como os resultados eleitorais distribuidos pelas duas formações, grosso modo se inverteram, o PS evidencia as suas perdas em todo o território, enquanto o PSD melhora significativamente os seus resultados em quase todos os distritos.

Essa inversão é a forma por que se pretende exprimir o rotativismo empobrecedor em que as mudanças no poder se restringem às moscas mas, criando a ilusão junto da multidão que essa alternância é virtuosa e prenhe de benefícios; ou, gerando o conformismo de que nada há que possa evitar a pestilência e as moscas. Contudo, a efectiva penalização do PS/PSD e a subida das simpatias pela esquerda são sinais claramente positivos .

c)    Direita xenófoba ou fascista

A direita xenófoba (CDS+PNR) agarrada aos seus temas caros, a segurança, a criminalidade e a imigração, também saiu beneficiada das eleições, aumentando 27000 votos e 0.66% no total dos votantes. Beneficiada mas, com um brilho muito menos intenso que o reflexo da dentadura de Paulo Portas.

Os ganhos do CDS repartem-se em duas fatias quase iguais. Uma, correspondente à recuperação dos seus eleitores desavindos que haviam apoiado Manuel Monteiro em 2004; e, a outra, por captação de novos apoiantes. Em relação a 1999, ultrapassado o episódio PND, o CDS pouco evoluiu; passou de 8.4% para 9% do total dos votantes, captando apenas mais 14000 novos apoiantes.

Os melhores resultados relativos do CDS verificaram-se em Aveiro (11.5%), Viana do Castelo, Viseu e Braga, num quadro de relativa homogeneidade onde destoam as votações no Alentejo e Setúbal.

Por seu turno, a votação nos fascistas do PNR aumentou substancialmente mas, continuam marginal eleitoralmente. Sublinha-se que 53.8% dos seus eleitores se situam em Lisboa, Setúbal ou Faro, distritos com forte população imigrante e guetos como a Bela Vista e a Fonte Santa e onde tiveram percentagens da ordem dos 0.6/0.7%. Com a devida atenção e para os devidos efeitos.

Mais uma volta, mais uma viagem
Mais uma volta para ganhar coragem
                                            (Sérgio Godinho)

Junho 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário