A gula das multinacionais encontra sempre um apoio nos governos dos EUA e
na sua propensão para a guerra. Hoje na Venezuela, ontem na Síria, Líbia,
Iraque, Afeganistão…
As últimas intervenções militares
dos EUA no exterior, nas últimas décadas, prendem-se quase sempre com combustíveis
fósseis. Certamente que não é uma coincidência.
É muito longa a lista das
intervenções e guerras dos EUA no âmbito do continente americano, desde as
guerras contra o México e a absorção do Texas no século XIX e os muitos golpes
de estado, sobretudo através de militares aliciados ou subornados para o
efeito, no âmbito da doutrina Monroe segundo a qual a América é dos americanos…
embora haja uns que se arrogam ao direito de intervir e decidir o que convém
aos outros: para além, claro, do esmagamento das nações índias, cujos membros
só deixaram de ser considerados formalmente estrangeiros (!) no século XX.
2019 – Venezuela, um apetecível
filão
Na situação actual na Venezuela a
animosidade de Trump relaciona-se claramente com o petróleo:
·
A bacia petrolífera do Orenoco abrange uma área de 600x70 km
no curso médio do rio mais próximo da foz;
·
Em 2009 o USGS – US Geological Service estimava as reservas
da bacia do Orenoco em 1 400 000 000 000 barris, contra os 1 300 000 000 000
calculados pela PDVSA (a empresa estatal venezuelana de petróleos); e a uma
profundidade entre 150 e 1500 metros;
·
A mesma fonte norte-americana calcula entre 380/652 000 000
000 barris a parcela tecnicamente recuperável no Orenoco o que o coloca como
uma das principais fontes de petróleo recuperável
no mundo. E isso, sem a consideração da utilização da tecnologia SAGT (Steam Assisted Gravity Drainage) como veremos a seguir;
no mundo. E isso, sem a consideração da utilização da tecnologia SAGT (Steam Assisted Gravity Drainage) como veremos a seguir;
·
A consideração do SAGT e outras tecnologias de extração de
petróleo muito denso elevaria essa estimativa para 70% das reservas calculadas;
isto é, para 980 000 000 000 barris. Porém, esses cálculos não contemplam a
utilização de novas tecnologias como o DHSG (Downhole Steam Generation) – que
exige um enorme gasto energético com reatores nucleares produtores de fumo a
uma temperatura de 900o; ou o Solvent Assisted SAGD que consiste na
injeção de vapor impregnado de solventes químicos;
·
Admitindo um consumo global estabilizado em torno de 35 000
000 000 barris anuais, o Orenoco poderia satisfazer as necessidades mundiais
atuais durante cerca de 30 anos. Se se considerar o preço actual (relativamente
baixo) de $ 55/barril as receitas de quem explorar o filão podem avaliar-se em
$ 1 925 000 000 000 por ano… sensivelmente quase oito vezes a dívida pública
portuguesa…
·
As areias betuminosas de Alberta, no Canadá, há muito eram
consideradas uma reserva de petróleo a utilizar quando outras fontes de mais
fácil extração se reduzissem, ou se tornassem insuficientes ou inacessíveis por
razões políticas. A tecnologia SAGT é utilizada para extrair 80% da extração em
Alberta (2.7 M barris/dia).
·
O petróleo extraído em Alberta só é viável para preços de
mercado superiores a $ 35/barril mas, é preciso ter em conta que a sua bacia
petrolífera é mais pequena do que a do Orenoco; que o petróleo venezuelano não
é tão pesado como o canadiano; que o clima venezuelano é mais quente; e que a
costa, para efeitos de exportação, está próxima, ao contrário do que acontece
em Alberta.
Sumariamente descrita a
importância do petróleo venezuelano para a economia global, o quadro seguinte
evidencia a acerba luta entre os EUA e os seus subalternos europeus, por um
lado; e a China e os outros países da OCX – Organização de Cooperação de Xangai,
por outro. Os euro-americanos estão em declínio estratégico e os segundos em
ascensão e desafio face aos EUA, habituados, há cerca de um século, à uma
situação de potência hegemónica; e que em desespero de causa colocam Trump a
decretar sanções à Rússia, à China, ao Irão e a promover o boicote dos negócios
com a Venezuela.
Petróleo
- Em % do total mundial 2017
Reservas
|
Produção
|
Consumo
|
|
EUA
|
2,9
|
14,1
|
20,2
|
Venezuela
|
17,9
|
2,3
|
0,5
|
Canadá
|
10,0
|
5,2
|
2,5
|
Emiratos Árabes
|
5,8
|
4,2
|
1,0
|
Arábia Saudita
|
15,7
|
12,9
|
4,0
|
Irão
|
9,3
|
5,4
|
1,8
|
Iraque
|
8,8
|
4,9
|
0,8
|
Kuwait
|
6,0
|
3,3
|
0,5
|
Rússia
|
6,3
|
12,2
|
3,3
|
China
|
1,5
|
4,2
|
13.0
|
Europa
|
0,8
|
3,8
|
15,3
|
Fonte: BP Statistical Review of World Energy
Neste contexto de grandes
desequilíbrios entre a localização das reservas e o consumo, entendem-se as
razões para a inclusão da Ásia Central no universo sino-russo, o apoio dos EUA
às monarquias do Golfo, região essencial para o abastecimento da Índia, da
China, do Japão e da Coreia do Sul, devidamente supervisionado pelo dispositivo
militar dos EUA. Como se compreende o ostracismo e a animosidade dos EUA por
não se poder apossar das grandes reservas do Irão; e, claro a preferência dos
EUA pelo abastecimento na costa ocidental de África e sobretudo pela Venezuela,
mais próximos dos EUA do que o Golfo e os jazigos da Rússia ou da Ásia Central,
ligados à Europa por oleodutos. Recorde-se o incómodo da NATO perante a conduta
submarina no Báltico ligando a Rússia à Alemanha, visando passar ao lado da
Polónia, muito ligada aos EUA e com más memórias da Alemanha e da Rússia.
Num contexto de grande luta pelas
reservas de combustíveis fósseis e, se se tiver em conta o potencial energético
da Venezuela, parecem despiciendas as reservas brasileiras (0.8% do total
mundial); mas, não tanto o fornecimento de energia a um país com mais de 200 M
de pessoas, encabeçadas por um ex-soldado lateiro e o financeiro Paulo Guedes,
dispostos a privatizar a Petrobras e a vender o Pre-Sal.
Assim, somam-se na Venezuela as
dificuldades colocadas pelos EUA, desejosos de uma mudança de regime que
favoreça a aquisição das reservas energéticas daquele país pelas
multinacionais, para além da inabilidade de Maduro e dos gritos do tal Guaidó
que já demonstrou – ao defender uma intervenção
militar dos EUA no seu país – o seu papel de marioneta de Trump.
Esse papel de Guaidó já foi denunciado mesmo por Henrique Capriles, um
histórico adversário de Chavez e, posteriormente, de Maduro.
Na ausência de qualquer
previsível atitude hostil da ONU contra a Venezuela, nomeadamente embargos, são
os EUA que tomam a dianteira, no seguimento de uma já antiga hostilidade que
vem do tempo de Chavez; o que não tem impedido que os EUA sejam o principal destino
das exportações venezuelanas (41% do total, essencialmente constituídas por
petróleo, bruto ou refinado) ou, como o primeiro fornecedor externo da
Venezuela (38% do total em 2017). O que não dará qualquer conforto aos EUA é
ver que a China passou a absorver 23% da exportação venezuelana em 2017 contra
11% em 2010, ano do arranque do papel da China no comércio externo da
Venezuela; em contrapartida, a China preencheu 18% da importação venezuelana em
2017 (3.6% em 2005) e procedeu a vultuosos empréstimos ao país sul-americano.
Esta rápida ascensão das relações comerciais sino-venezuelanas – em pleno
“quintal” do tio Sam – não agrada minimamente ao “establishment” dos EUA.
O posicionamento subalterno da
UE, ou melhor, de menos de metade dos seus membros[1]
é completamente descabido. Em 2017, o principal exportador europeu para a
Venezuela foi a Espanha com 2.1% da importação total daquele país e também como
destino de 1.4% das exportações venezuelanas para a Europa. Isto é, do ponto de
vista comercial, a Venezuela é irrelevante para a UE, mesmo em termos de
abastecimento de petróleo. Assim, não parece haver grandes razões para que um
pelotão europeu se perfile perante Trump; mais inteligente teria sido apoiarem
os esforços da ONU, do México e do Uruguai na procura de soluções pacíficas,
sem tomarem partido nas divergências internas, como é apanágio das relações
entre estados. Ou, observarem o apoio da União
Africana ao governo venezuelano, demarcando-se da agressividade
norte-americana.
Qualquer ideia de defesa da
democracia na Venezuela, ou qualquer outro lugar, por parte da UE é ridícula.
Primeiro, porque cada vez mais, na Europa, os regimes nacionais e as
instituições globais se mostram fechados, reacionários, oligárquicos, numa
relação osmótica com forças políticas xenófobas e nacionalistas; depois, porque
se a democracia (ainda) é um valor na Europa, esta olha para o lado, face aos
regimes das monarquias do Golfo como no que respeita à guerra da Arábia Saudita
e seus pares no Iémen; Europa que considera como respeitável o regime sionista,
racista e genocida, esquecida que está dos acordos para a criação de um estado
palestiniano, mesmo nessa forma recuada de admitirem algo tão aberrante como a
entidade sionista.
Ao seguirem os propósitos
guerreiros dos EUA na Venezuela, os apoiantes dos mesmos colocam em risco as
numerosas comunidades de europeus (sobretudo portugueses, espanhóis e
italianos) e seus descendentes; abrem caminho para riscos de vida ou de perda
de haveres, como de fuga desordenada para os países vizinhos ou sob a forma de
pontes aéreas.
Outras intervenções dos EUA no
mundo (por ordem cronológica)
a)
1980 - Saddam recebe procuração para atacar o
Irão
Banidos do Irão depois da queda
do seu amado Reza Palehvi, os EUA incentivaram o Iraque de Saddam a invadir o
país e apossar-se das reservas do Kuzistão iraniano, como prémio pelo derrube
ou domesticação do novo regime iraniano. Saddam falhou o objetivo e, para se
recompor dos custos de vários anos de guerra (1980/1988), em situação de
urgência, invadiu o Kuwait, também rico em petróleo, para se apropriar do cofre
do emir;
Teheran, a homenagem aos mortos
na guerra
b)
1991 - A primeira guerra do Golfo
Perante tão enorme erro de
cálculo político – os EUA são firmes apoiantes do statu quo no Golfo - o Iraque foi obrigado a sair, a tiro, do Kuwait
(1991), pela tropa do Bush-pai e os seus muitos apoiantes; e, a ficar sem
soberania sobre a zona sul do país e a Curdistão… por acaso as áreas onde estão
os jazigos petrolíferos. Os EUA não derrubaram Saddam, apenas se dedicaram a
controlar o seu armamento, organizando um criminoso embargo que matou
centenas de milhar de civis, mormente crianças.
c)
2001 - O 11 de Setembro e a invasão do
Afeganistão
Na sequência dos acontecimentos
de 11 de Setembro de 2001, o Trump daquele tempo, que se chamava George W.
Bush, decidiu procurar no Afeganistão o chefe da Al-Qaeda (bin Laden) e o seu
anfitrião, o mullah Omar[2]
dirigente máximo dos talibans que haviam chegado ao poder. Este país montanhoso
é povoado por várias tribos de duros pastores, pouco dados à aceitação de
invasores, como os ingleses no século XIX e os soviéticos na recente década de
80 puderam verificar. E não parece que as coligações chefiadas pelos EUA tenham
tido melhor sorte, mesmo depois de adestrarem um exército nacional afegão.
Porém, os EUA, grandes promotores
do empreendedorismo e da criação de valor, apossaram-se do tráfico de heroína cuja
produção se tem centrado no Afeganistão para
compensar a despesa.
Do ponto de vista político de
grande potência, a invasão do Afeganistão – país sem recursos petrolíferos –
fez parte da “war against terror” decretada por G. W. Bush, humilhado pela
vulnerabilidade dos EUA a uma ação suicida bem montada pela al-Qaeda. Era
necessária uma retaliação para encobrir as enormes falhas da segurança
norte-americana e elevar o orgulho e a moral do Império. E, o alvo parecia
fácil – um dos países mais pobres da Ásia, governado por um grupo sunita rigorista
– os talibans, os “estudantes de teologia”. Hoje, passados 18 anos da invasão,
os talibans dominam grande parte do país, o governo de Cabul e a embaixada dos
EUA estão acantonados numa zona fortemente protegida da capital e não conseguem
evitar os frequentes e sangrentos atentados levados a cabo pelos insurgentes.
Porém, o tosco Trump, no princípio do seu mandato mandou experimentar no
Afeganistão “a mãe de todas
as bombas” numa zona esvaziada de população para o efeito e que… terá
dado boleia aos talibans… com o espetáculo que acima se pode ver; entretanto,
Trump mudou de ideias e prenuncia a
retirada total.
Do ponto de vista estratégico, os
EUA procuraram cumprir vários objetivos. Primeiro, estabelecer uma plataforma
para controlar ou condicionar as repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central ricas
em hidrocarbonetos (Turquemenistão e Cazaquistão); em segundo lugar,
posicionou-se nas “traseiras” da Rússia e da China (a instabilizar, se
conveniente, chegando mesmo a ter uma base militar no Quirguizistão, a 40 km de
uma outra, russa); e ainda, porque serviria de base para cercar o Irão[3],
utilizar os generais paquistaneses e, constituir enfim, um reforço em terra,
para as muitas bases militares e frotas que os EUA mantêm, em permanência, no
Golfo, na Turquia, no Índico e nos mares da China.
A presença militar dos EUA no
Afeganistão é ineficaz a vários níveis. Primeiro porque o governo de Cabul
depende do apoio dos EUA e não é difícil ver que os talibans, ou uma coligação
com a sua presença, voltará a dominar o país. O capital estrangeiro investido
no país é chinês e indiano, estando prevista para breve uma ligação direta por
estrada, entre a China e o Afeganistão, pelo corredor de Wakhan.
d)
2001 – A criação na Eurásia de um bloco
político, económico e militar
A intervenção dos EUA no
Afeganistão acelerou a integração económica e a cooperação política na Ásia,
que veio a desembocar na constituição da OCX – Organização de Cooperação de
Xangai, em 2001, com posteriores alargamentos e à qual pertencem a China, a
Rússia, a Índia e o Paquistão, entre outros. Essa integração favorece o
desenvolvimento das vias de comunicação, denominadas “One Road and One Belt
Initiative” (ou Rota da Seda) que envolvem também capitais europeus (incluindo
Portugal); mas com a ostensiva ausência dos EUA… como se compreende.
A Rota da Seda, nas suas várias
vertentes marítima e rodo-ferroviária tende a integrar não só a Eurásia mas
também a África, reduzindo a margem de manobra dos EUA que, fiéis à doutrina de
Mackinder, Alfred Mahan ou Saul Cohen, apostam num “cordão sanitário” de bases
marítimas, aéreas e de frotas de guerra, numa estratégia de domínio herdada do
império britânico, capaz de manter a “ordem colonial” em áreas politica e
economicamente dominadas e desestruturadas; e que hoje, não são, de todo,
caraterísticas dos países asiáticos. A esse grande projeto fica associada a
Europa, mormente oriental, para a qual, já há alguns anos as transações com a
China superam as que se fazem com os EUA. As reticências partem dos países
europeus da fachada atlântica, mais fiéis adeptos da NATO, como a Noruega, a
Grã-Bretanha, a Holanda e… Portugal (sobre a geopolítica que envolve a Europa
veja-se [4].
e)
2003 – A invasão do Iraque
A invasão, ocupação e
desmembramento do Iraque, em 2003, acontece sob os auspícios de uma coisa
nebulosa chamada “comunidade internacional” que, por acaso, tem sempre uma
opinião, sobre qualquer assunto, coincidente com os EUA… Claro que o mundo
tremia perante a ameaça das armas de destruição massiva que Saddam possuiria e
até as crianças logo comiam a sopa quando os pais falavam dessas armas… No ano
seguinte, porém, o relatório Duelfer do Grupo de Pesquisa do Iraque demonstrou
não existirem tais armas … apesar de Bush ter mostrado a Blair, Aznar e Durão
provas insofismáveis da sua existência! A sua não existência, a guerra e a
ocupação tornariam aquele quarteto alvo de processos de crimes contra a
Humanidade e objeto de julgamento, como aconteceu aos generais sérvios, a
Milosevich (que morreu, entretanto) e Karadjic, com poucas simpatias nos EUA. O
referido quarteto é ainda responsável pelas vítimas civis
183/205000, num último apuramento datado de janeiro último.
Na ocupação do Iraque brilhou
logo no início, a argúcia do procônsul Bremer, nomeado pelos EUA e que,
provavelmente só ao entrar no avião para Bagdad viu no mapa onde isso seria. Deve
ter tido grande surpresa quando descobriu que a minoria sunita reinante com
Saddam, uma vez derrubada, abria espaço para um poder da maioria xiita e um
caminho para vinganças e violência entre as duas comunidades; para não falar
dos curdos que, embora sendo sunitas, jogavam em pista própria. Na sua
estupidez, Bremer desmantelou o partido Baath em que se ancorava o poder de
estado e o exército iraquiano (de base sunita) colocando cerca de 800000
militares no desemprego e impedidos de trabalhar. Num país caótico, onde o
armamento se achava disseminado em toda a parte, com tanto militar no desemprego
e com um legítimo repúdio popular pelos invasores, desenvolve-se o jihadismo e
um espaço para a atuação da al-Qaeda e o surgimento do Daesh.
f)
2011/2019 – Síria
No âmbito das chamadas primaveras
árabes, na Síria registaram-se manifestações contra o regime de Assad. Entre a
violência do governo e a dos grupos armados que surgiu em simultâneo,
rapidamente se desenvolveu uma violenta guerra com enorme grau de destruição e
fuga das populações. Ao lado de Assad e das forças armadas sírias
posicionaram-se principalmente o Hezbollah libanês, o Irão e a Rússia, com
apoios em armamento da China, do Iraque ou da Coreia do Norte. Do lado
contrário colocaram-se, entre outros, as potências ocidentais, a Turquia, a
Arabia Saudita (fornecedor de armas), o Qatar (financiador da compra de armas)
o Exército Livre da Síria, constituído por opositores do regime e desertores do
exército e grupos islamitas como o Ahrar al-Sham, ou o Jaysh al Islam
(salafistas), o Hayat Tahrir al-Sham (al-Qaeda) e o ISIS ou Daesh. Fora desse
quadro, essencialmente confessional situam-se as Forças Democráticas Sírias,
milícias de várias origens étnicas ou religiosas, com particular relevo para os
curdos sírios que formaram estruturas democráticas e seculares de autogoverno
popularizadas pelo nome de Rojava.
A entrada na Síria, em força, do
Daesh (2014), com enorme brutalidade e um imenso fanatismo religioso, seguiu-se
às suas conquistas no Iraque, mormente de Mossul, no âmbito das quais se
apoderaram de muito armamento; recorde-se o apoio que o Daesh havia obtido junto
de antigos militares do exército de Saddam. Nesse contexto, em 2015, os EUA,
outros países ocidentais e árabes, envolveram-se em bombardeamentos na Síria,
atacando o Daesh, apoiando outros grupos de oposição a Assad, sem nunca
apoiarem este último, obviamente.
Em finais de 2015, sucede-se a
chegada da aviação russa no apoio a Assad, contra o Daesh e os outros grupos de
rebeldes, numa ação concertada com o Hezbollah e (não formalmente) com o Irão. Em
fevereiro de 2016 celebra-se um acordo de cessar-fogo, russo-mericano, que
passaram a colaborar no combate ao Daesh. Pouco depois, a Turquia entra em
campo, contra o Daesh (a quem discretamente comprara petróleo sírio, meses
antes) e as milícias curdas, de Rojava ou iraquianas, para evitar um “contágio
secessionista” na sua grande minoria curda.
A guerra na Síria tinha uma
importância estratégica para os dois campos em luta contra o Daesh e, mesmo
antes da irrupção deste. A tomada do poder no Iraque pela maioria xiita, na
sequência da invasão dos EUA em 2003 abriu uma relação próxima do país com o
Irão, algo que deve ter surpreendido a estreita visão dos EUA quando da invasão
do Iraque. Por outro lado, a Síria, com Assad e a comunidade alauita no poder,
permitiria ao Irão uma ligação fluida com o Mediterrâneo, por intermédio do
Hezbollah, a principal força no Líbano, igualmente xiita. Esta realidade que se
veio a estabelecer criou um “arco xiita” desde a fronteira oriental do Irão,
com o Afeganistão e o Paquistão e os portos libaneses e sírios[5],
no Mediterrâneo; que viria a inviabilizar o escoamento de petróleo, por via
terrestre entre as monarquias do Golfo e a costa sírio-libanesa, encurtando os
custos de venda para a Europa. Essa situação é também muito desfavorável à
entidade sionista que sente no Irão o seu principal adversário, deteriorando-se
também a sua relação com a Turquia desde o episódio do Mavi Marmara, em 2010.
A nova situação geopolítica que isolou
as monarquias sunitas levou-as a envolverem-se na guerra civil no Iémen em 2016,
que se desenvolveu na sequência das movimentações populares de 2011.
As razões para esse envolvimento
são várias. Uma, é de caráter confessional uma vez que em 2015 os Houthis
(xiitas) com aliados sunitas tomaram Sanaa, a capital, assustando a Arábia
Saudita e os emires do Golfo que viram ali uma influência do Irão junto do
estratégico Bab el Mandeb. Como este estreito é vital para o tráfego marítimo
global as monarquias, com apoio logístico e de informações fornecido pelos EUA,
Grã-Bretanha e França, decidiram invadir o Iémen ainda em 2015.
O que parecia fácil tornou-se
difícil. Passados quatro anos e muita destruição, as monarquias árabes não
conseguiram dominar os adversários e a guerra vai desbastando as suas finanças;
com muito agrado para Trump que, em 2018 se encontrou com Mohammed bin Salman
(MbS) para realizar um contrato fabuloso de venda de armas.
Paralelamente, em junho de 2017 a
Arábia Saudita, as monarquias do Golfo e o Egipto decidem bloquear as suas
relações económicas e diplomáticas com o Qatar com acusações de apoio ao
terrorismo, de ter boas relações com o Irão (de há muito tempo, por razões
históricas), pretendendo ainda o encerramento da estação al-Jazira e ameaçando
construir um fosso que tornaria o Qatar numa ilha!
g)
2011 - As primaveras árabes – Egipto
O Egipto é o mais populoso país
árabe e onde se situa o canal do Suez, via vital para o tráfego marítimo entre
o Índico e o Mediterrâneo, entre a Ásia ou a África Oriental com a Europa e o
Norte de África. O Egipto foi invadido por Napoleão que pretendia, a partir
dali atacar a Índia onde dominavam os ingleses. Seguidamente, franceses,
egípcios e ingleses dominaram a exploração do canal até que em 1956, Nasser o
nacionalizou; na sequência, a França, a Grã-Bretanha e a entidade sionista
tentam reverter a situação através das armas mas, com a intervenção da ONU
foram obrigados a ceder.
Depois da guerra dos Seis Dias,
em 1967 o canal foi fechado, depois da ocupação da sua margem oriental pelos
sionistas. Em 1973, numa nova guerra, o Egipto expulsou os sionistas do Sinai e
recuperou o canal que foi reaberto em 1975, provocando, durante o seu
encerramento e depois da reabertura, alterações profundas na indústria e no
comércio marítimo.
Sadat, o sucessor de Nasser foi
assassinado em 1981, na sequência de ter assinado um acordo de paz entre o
Egipto e a entidade sionista, em 1978, patrocinado por Carter, à altura
presidente dos EUA; e que teve a oposição de quase todo o mundo árabe.
Sucedeu-lhe outro militar, Mubarak, que durante o seu longo consulado
beneficiou de forte apoio militar e financeiro dos EUA, para que assegurasse a
segurança do Suez e da fronteira com a entidade sionista, no que respeita aos
palestinianos.
Mubarak, acusado de corrupção e
pelos assassínios durante as manifestações da praça Tahrir em 2011, foi
afastado do poder. Ainda na cadeia, em 2014 manifestou o seu apoio a al-Sissi
para lhe suceder; o que veio, de facto, a suceder depois de um curto período em
que a presidência recaiu sobre Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana que
havia vencido as eleições de 2012, na sequência de ganhos eleitorais que vinha
acumulando desde 2005.
Com al-Sissi, os EUA ficaram mais
sossegados relativamente ao Egipto, uma vez que a Irmandade Muçulmana é
claramente adversária da entidade sionista e apoiante do Hamas palestiniano. O
reiterado apoio de Hilary Clinton à democratização do Egipto esmoreceu bastante
quando al-Sissi consolidou o seu poder, após a deposição de Morsi, garantindo
assim a continuidade do Egipto como peão dos EUA na região e beneficiário de
forte apoio militar e financeiro. E daí que Trump tenha avançado recentemente
com o gesto simbólico de reconhecer Jerusalem como a capital sionista, sem
grandes manifestações de desagrado dos estados árabes.
h)
2011 - As primaveras árabes – Bahrein
No Bahrein, em 2011 a população
manifestou-se contra a monarquia ancorada na família al-Khalifa e pela
democracia, por um regime parlamentar, numa luta que se estendeu até meados de
2012. A intervenção dos militares do Conselho de Cooperação do Golfo, sobretudo
sauditas, representou a solidariedade dos emires para com o colega do Barhein;
para mais, numa situação em que a população é, em grande maioria xiita, sem
grande afeto pela família reinante que é sunita.
Os EUA, que têm no Bahrein 1500
militares na base da sua V Esquadra[6],
cuja função é controlar o tráfego no Golfo e participar na cortina de cerco ao
Irão, não poderiam deixar que ali se instalasse a instabilidade. No entanto,
souberam fomentar a guerra na Líbia, nessa ocasião e criticar a brutalidade da
repressão de Assad na Síria, perante uma oposição armada. Dois pesos duas
medidas.
i)
2011 - As primaveras árabes - Tunísia
Em princípios de 2011, os
tunisinos revoltaram-se, no seguimento do suicídio de
Mohamed Bouazizi e em protesto contra o esmagamento dos pobres
pelo regime corrupto de Ben Ali e sua família, apoiados na polícia e na tropa,
odiados pela população que sofria as suas extorsões e comportamentos brutais.
Ben Ali fugiu para local seguro - Arábia Saudita - e a situação evoluiu para
uma típica democracia de mercado. Neste caso, os EUA, certamente acompanharam
os acontecimentos mas não intervieram; provavelmente porque… a Tunísia não é
uma potência petrolífera.
j)
2011 – A invasão da Líbia
Em 2012 a Líbia detinha o segundo
lugar entre os países africanos no capítulo do desenvolvimento humano (IDH), o
décimo lugar quanto a reservas petrolíferas e, como em 2010 somente tinha 6.2
milhões de habitantes tornava-se um filão apetecido; para mais apresentando um Kadhafi
como uma figura com mais de 40 anos no poder, majestático e autoritário; mas
que sabia aliciar dirigentes ocidentais, como Sarkozy ou Cameron. Este último
teve a infelicidade de ser confrontado com a intervenção dos EUA e seus
cortesãos na Líbia, que inviabilizou uma vultuosa venda de armamento inglês.
Em fevereiro de 2011 os ecos de
Tahrir e de Tunes fazem-se sentir na Líbia e são aproveitados por dois partidos
de inspiração jihadista – Al-Watan (próximo da al-Qaeda) e a Umma al-Wasat,
para além do salafista al-Asala, entre outros; forma-se um Conselho Nacional de
Transição que teve na França o seu primeiro apoiante externo. Os insurgentes
são obrigados a recuar para Benghazi que é cercada pelas tropas de Kadhafi; e,
como em março a ONU aprova o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea para
proteger os civis, os EUA e a França começam os bombardeamentos.
O apoio da NATO foi decisivo no
apoio aos rebeldes que chegam a Tripoli em agosto e, após a morte de Kadhafi,
assassinado depois de sexualmente violentado seguiu-se um longo período de
guerra entre facções rivais que ainda dura. No rescaldo da agressão externa, a
produção de petróleo e gaz foi assenhoreada por multinacionais como a Total
(França), a ENI (Itália), a Repsol (Espanha), Wintershall (Alemanha) a
Occidental (EUA), entre outras.
Na sequência da intervenção da NATO, continuam hoje rivalidades armadas na
Líbia, com poderes locais antagónicos. Para além disso, no seguimento do
colapso da unidade política na Líbia, muito armamento foi levado para Sul, onde
as populações tuaregs vivem, tal como no Chade, no Níger e no Mali, pouco
sensíveis às fronteiras nacionais. Formou-se assim uma vasta área onde as armas líbias
abastecem os movimentos regionais de guerrilha.
A espantosa atuação do ministro Santos
Silva
A pronta subserviência do governo
português a Trump é a todos os títulos, estúpida. Ou, se se preferir, revela a
subserviência paroquial no contexto europeu, da NATO, ibérico e até da CPLP.
· Tendo em
conta que a maioria dos países da UE não se colocaram ao lado de Trump,
reconhecendo uma mais que duvidosa legitimidade de Guaidó, o governo português
não era obrigado a esse alinhamento;
· Portugal tem
algumas centenas de milhares de portugueses e seus descendentes na Venezuela e,
qualquer agravamento da situação naquele país – sobretudo se acentuado pelo
governo em Lisboa – é de uma enorme irresponsabilidade. A memória do ministro
está esvaziada da recordação da chegada de muitos milhares de retornados das
antigas colónias?
· Depois da
ilegítima e estúpida intervenção nos assuntos internos da Venezuela, com uma
ainda mais desastrada aceitação de Guaidó que, na realidade, só tem a
notoriedade política criada por Trump, Santos Silva manda oito polícias e
armamento para a Venezuela, sabendo que o poder legítimo e real pertence a uma
entidade que não reconhece. Daí, o imediato envio à precedência dos polícias e
das armas. Com tanta estupidez, Santos Silva deveria ser despromovido a
escriturário do consulado português em Punta Arenas.
Este e outros textos em:
[1] Países da UE que
não se intrometeram nos assuntos internos da Venezuela: Irlanda, Bélgica,
Luxemburgo, Itália, Polónia, Estónia, Rep. Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia,
Bulgária, Grécia, Eslovénia, Croácia, Chipre, Malta
Paises da UE apoiantes de Trump: Reino Unido,
França, Alemanha, Áustria, Suécia, Dinamarca, Portugal, Holanda, Lituânia,
Letónia, Finlândia, Espanha
[2] Bin
Laden foi abatido por forças especiais dos EUA, no Paquistão em 2011 e o seu
corpo foi deitado ao mar, no Índico. O mullah Omar, morreu de tuberculose em
2013, embora a sua morte só tenha sido revelada dois anos depois
[3] Rapidamente, os EUA situaram em
Shindand, a 100 km da fronteira iraniana a maior base militar no Afeganistão;
embora o grande centro logístico fosse em Bagram, a norte de Cabul
[5] Onde se encontram as bases militares russas,
em Latakya (aviação) e Tartus (marinha)
[6] Para além do Bahrein e para
policiar o Golfo Pérsico, vital para o abastecimento, sobretudo da Ásia e o
Irão ao qual pertence a margem direita, os EUA dispunham de um dispositivo
militar composto por 32 bases na região do Golfo, onde se destaca Seeb,
Thumrait e Masirah no Oman, Al-Ubeid no Qatar, e Camp Arifjan ou Camp Doha no
Kuwait. Entre 1991 e 2003, os EUA tiveram 5/10000 soldados na Arábia Saudita
que retiraram porque os sauditas não gostavam de ter tropas estrangeiras no
país onde se situam lugares tão santos do Islão, como Meca e Medina. O que não
impede que discretamente estejam apoiando o governo saudita na guerra do Iémen
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