1 – O que nós andamos a pagar…
2 - Casos ocultos de
inconstitucionalidade
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1 - O que nós andamos a pagar…
Como sabemos, tem havido uma prática
tradicional, continuada, de ocultação nas contas públicas nacionais de
contratos, pagamentos e ilegalidades, com o uso de canais e registos pouco
claros para disfarce e postergação para o futuro de deficits e dívidas. É uma prática consolidada, há muito inerente à
existência de Estado e à inexistência de controlo democrático ou sequer de uma
democracia.
A intervenção da troika veio a produzir maior clareza nos circuitos financeiros e
contabilísticos do setor público em geral, numa aclaração que custou aos
residentes em Portugal elevados custos em austeridade, desemprego e pobreza e
cuja responsabilidade deve ser imputada a toda a classe política, com o PS/PSD
no pódio. Porém, a corrupção e o favor continuam a fazer parte da prática
corrente do Estado português, em toda a sua acepção, como se sabe.
O Portal Autárquico publica anualmente uma relação de subvenções concedidas a particulares (Lei nº 64/2013 de 27 de agosto), no âmbito das exigências contabilísticas contidas no Sistema Europeu
de Contas Nacionais e Regionais e publicada ao tempo do governo Passos, fiel e
dedicado executor da política de empobrecimento coletivo ainda não afastada.
Aparentemente, a troika procurava
disciplinar os fluxos monetários concedidos por entidades públicas, que a Lei
nº 24/94, pela actual revogada, não cumpriria cabalmente; sobretudo porque não
se enquadrava num sistema europeu, uniforme, de contabilidade pública.
Um apuramento dos dados disponíveis,
relativos aos quatro últimos anos, agrupando as subvenções de acordo com o
objeto das instituições beneficiárias, oferece este resultado:
Número de subvenções
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
soma
|
|
Cultura e Recreio
|
15
|
9
|
6
|
8
|
38
|
Desporto
|
7
|
3
|
3
|
3
|
16
|
Religiosas
|
20
|
21
|
26
|
18
|
85
|
Sociais
|
7
|
2
|
2
|
1
|
12
|
Outras
|
5
|
3
|
3
|
3
|
14
|
54
|
38
|
40
|
33
|
165
|
Como se observa, mais de metade das
subvenções recaíram sobre instituições religiosas, nomeadamente “fábricas de
igrejas” cujo conceito adiante explicaremos. Em termos numéricos, há uma clara
redução entre os anos extremos do período; o que é evidente entre todos os
grupos de entidades excepto nas que têm como objeto fins religiosos e
integradas no âmbito da Igreja Católica.
As 165 subvenções beneficiaram 117
instituições no período considerado (2013/16). A sua maioria recebeu apenas uma
subvenção; umas quantas receberam duas e apenas uma (Associação Recreativa S.
Pedro da Maganha) recebeu € 34.7 mil repartidos por três anos; como se observa,
as instituições religiosas são maioritárias entre os beneficiários de
subvenções.
Beneficiários de subvenções
1 subsídio
|
2 subsídios
|
3 subsídios
|
soma
|
||
Cultura e Recreio
|
13
|
11
|
1
|
25
|
|
Desporto
|
8
|
4
|
12
|
||
Religiosas
|
37
|
24
|
61
|
||
Sociais
|
8
|
2
|
10
|
||
Outras
|
4
|
5
|
9
|
||
70
|
46
|
1
|
117
|
Quanto ao valor dessas subvenções e
com a mesma arrumação, até 2015 regista-se uma estagnação nos valores globais
atribuídos, com a redução em todas áreas com dois casos notórios de excepção.
Um, constituído pelas instituições de desporto (cujo valor cresce
acentuadamente em 2015, mesmo que o número das beneficiárias se tenha mantido
em apenas três); e outro, integrando instituições religiosas, cujo número
cresce até 2015 mas para as quais os benefícios crescem, claramente em cada um dos
quatro anos de concessão. a despeito do período de austeridade atravessado.
1000
euros
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
soma
|
Subvenção média
|
|
Cultura e Recreio
|
233,5
|
218,0
|
56,9
|
311,4
|
819,7
|
21.6
|
Desporto
|
133,1
|
65,3
|
119,1
|
165,8
|
483,3
|
30.2
|
Religiosas
|
397,7
|
627,1
|
732,2
|
801,8
|
2558,8
|
30.1
|
Sociais
|
129,2
|
37,5
|
20,3
|
31,9
|
219,0
|
18.3
|
Outras
|
137,5
|
97,2
|
61,7
|
75,1
|
371,5
|
26.5
|
soma
|
1031,0
|
1045,1
|
990,3
|
1385,9
|
4452,3
|
27.0
|
Subvenção média
|
19,1
|
27.5
|
24.8
|
42.0
|
27.0
|
Em 2016, ano integralmente gerido pelo
governo Costa com o seu séquito de “esquerda” há uma redução clara no número de
subvenções mas, o seu montante global cresce 40%, aumentando o valor médio de €
24,8 mil em 2015 para € 42 mil no ano seguinte. Neste último ano todos os tipos
de instituições beneficiam de aumentos com particular relevo para as entidades
de cultura e recreio, mantendo-se as entidades de caráter social como o parente
pobre na distribuição de fundos; por seu turno, as instituições religiosas
francamente beneficiadas mesmo nos tempos da troika, veem melhorada, também em 2016, a sua coleta.
Quando se observa, para o conjunto dos
quatro anos, a média por subvenção gera dois grupos distintos de beneficiários;
o das instituições de desporto e as religiosas, com subvenções médias pouco
acima de € 30 mil e o dos beneficiários nas áreas de cultura e recreio com €
21.6 mil e os que se inscrevem na área social com € 18.3 mil.
Tendo em conta que há instituições que
receberam várias subvenções, tem sentido observar os valores médios recebidos
por cada instituição, no conjunto dos quatro anos considerados.
1000 euros
Cultura e Recreio
|
32,8
|
Desporto
|
40,3
|
Religiosas
|
41,9
|
Sociais
|
21,9
|
Outras
|
41,3
|
total
|
38,1
|
Observa-se que esta outra abordagem
não altera as diferenças entre os vários tipos de beneficiários, como se disse
mais atrás. Por aqui se observam as prioridades do regime político afirmadas
pelos governos, em favor das instituições desportivas – onde têm lugar
destacado clubes de futebol e mesmo um moto-clube - e religiosas onde
predominam as “fábricas de igreja”. Quando se evidencia que são merecedoras de
apoios inferiores, as áreas culturais, recreativas e, sobretudo, as sociais,
evidencia-se também esse caráter anti-social, o culto do futebol como
instrumento de alienações clubísticas e a subserviência à tentacular
multinacional vaticana.
Entre as 117 entidades beneficiárias
de subvenções no período 2013/16 destacamos as dez com maiores apoios. Entre
elas destacam-se as instituições religiosas mormente as “fábricas de igreja”
com cinco presenças, entre as quais, as duas primeiras na hierarquia, com
valores muito acima das subvenções ofertadas às restantes instituições.
Seguem-se com duas referências cada, as entidades da área de desporto e as
“outras” onde destacamos uma união de associações patronais.
€
Religiosas
|
Fábrica da Igreja
Paroquial de S. José de Algueirão - Mem Martins
|
336.689
|
Religiosas
|
Fábrica da Igreja
Paroquial da Freguesia de Resende
|
108.626
|
Desporto
|
Moto Clube de Faro
|
69.915
|
Cultura e Recreio
|
Associação Cultural
e Recreativa do Carvalhal - Mafra
|
69.913
|
Religiosas
|
Fábrica da Igreja
Paroquial de Salir de Matos
|
69.845
|
Outras
|
União de Associações
do Comércio e Serviços
|
69.773
|
Religiosas
|
Fábrica da Igreja
Paroquial de S. Pedro de Caide de Rei
|
69.650
|
Religiosas
|
Confraria de S.
Sebastião E N S da Ajuda
|
69.635
|
Outras
|
Confraria da
Chanfana de Vila Nova de Poiares
|
69.105
|
Desporto
|
Esmoriz Ginásio
Clube
|
68.548
|
Naturalmente, não sabemos, em muitos
casos, se as subvenções são de facto aplicadas em benefício social, da
população. Em outros, porém, esses apoios destinam-se a entidades cujos efeitos
benéficos na sociedade são francamente discutíveis. Referimo-nos, em particular
pelo seu número e benefícios recebidos, às “fábricas de igreja”, à citada união
de empresários ou ao referido e poluente moto-clube.
No conjunto das entidades
caraterizadas como de ordem religiosa, predominam, as designadas “fábricas de
igreja” geridas pelas chamadas comissões fabriqueiras e cujos membros se
designam por fabriqueiros. Porém, não se trata de entidades de transformação de
quaisquer produtos ou de manutenção de numerosos postos de trabalho mas, da
gestão de igrejas e dos seus bens materiais e financeiros, assegurando que a
igreja respetiva assegure condições para o culto.
2 - Casos ocultos de
inconstitucionalidade
O estado-nação português rege-se
(dizem) por uma Constituição que refere (artº. 13º. nº 2): “ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de…convicções políticas ou religiosas…”. No caso
aqui vertente das “fábricas de igreja” é evidente que há uma afetação de
dinheiro dos impostos, pagos por todos para benefício de uma comunidade
religiosa, o que naturalmente redunda num custo para todos, incluindo os que
não são afetos a qualquer religião. Acresce a isso que, pela lista publicada no
Portal Autárquico, não se descortina nenhuma subvenção a outras comunidades
religiosas que não a católica, pelo que esta é discriminada positivamente; e,
todas as outras, bem como os não crentes, são os prejudicados com essa benesse
a instituições da Igreja Católica. O que não se coaduna com o acima referido
preceito constitucional.
Qualquer crença religiosa corresponde
a uma forma específica de encarar o mundo e a vida, partilhada por parte de um
conjunto extenso ou limitado de pessoas e, para a construção continuada de
sociabilidade no seio de uma comunidade, certamente não faz parte das questões
essenciais. Primeiro, porque só uma forte coerção torna um credo aceite e
praticado por toda uma comunidade, como a História e as realidades atuais em
várias geografias o demonstram; e, em segundo lugar, porque a sociabilidade
necessária em qualquer grupo humano se baseia em questões bem mais palpáveis e
comuns, como uma vida em paz e a gestão das necessidades de alimento,
habitação, educação, saúde, uma exploração sustentável dos recursos disponíveis
e de fórmulas de solidariedade na pobreza, na doença, na velhice. Tudo isto sem
nos espraiarmos nos malefícios históricos das religiões na submissão dos povos,
colaborando ativamente na sua repressão e até genocídio.
Os subsídios atribuídos a instituições
da Igreja Católica, para mais integrada numa obediência a um Estado
estrangeiro, constitui um privilégio face a quantos, com ou sem religião não
têm. Se esse privilégio constitucionalmente existisse, o dispositivo
constitucional acima referido não faria sentido. Nesse plano, a entrega de
subvenções às “fábricas de igreja” é inconstitucional. E provavelmente as
subvenções só se mantém em tempos de governação PS ou PSD (mormente através do
seu atrelado CDS, com ligações mais estreitas com a Igreja Católica) porque
convém aqueles manter canais de controlo social e de benevolência para com o
poder político tradicional, por parte de uma instituição com séculos de experiência
na formatação das consciências. As imagens que se seguem revelam a tradicional
obediência ao Vaticano, iniciada com um pagamento em onças de ouro, no século
XII com esta emanação actual de um presidente católico que se verga perante o
Papa esquecendo que como PR não deveria mostrar esse gesto de subserviência,
embora a título particular possa proceder como quiser. Quanto a Mota Soares,
trata-se apenas de um carocho, um sacripanta.
Por seu turno, o artº. 41º nº 4. da
Constituição estabelece que “as igrejas e outras comunidades religiosas estão
separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas
funções e do culto”.
No exercício dessa liberdade de culto
está inclusa a autonomia de cada comunidade religiosa na angariação dos meios
para a realização dos trabalhos necessários e convenientes ao respetivo culto.
Assim, se o Estado português financia, por regra, a Igreja Católica portuguesa
– as subvenções aqui contempladas não são certamente uma parte nobre desse
financiamento – não se verifica a autonomia daquela nem se cumpre o princípio
de uma separação entre o Estado e as instituições religiosas referido no artigo
acima citado. Por outro lado, ficam abertas as razões para que o Estado
português - em condições de igualdade a Igreja Católica – financie as outras
comunidades cristãs, islâmicas ou outras e mesmo instituições financeiras com
fachada religiosa como a IURD e quejandas.
Quem paga impostos – a esmagadora
maioria da população – é objeto de uma punção fiscal que teoricamente se
destina a satisfazer as necessidades objetivas de todos. Todos entendem – é um
dever de cidadania - que os atingidos pela doença, invalidez ou demência, por
exemplo, têm direitos iguais a todos, mesmo que o seu contributo para o erário
público possa ser inferior ou nulo; ou, exijam até a mobilização de recursos
adicionais para poderem viver com dignidade. Ora acontece que uma crença
religiosa não é uma necessidade objetiva mas uma opção filosófica que está
longe de ser aplicável com naturalidade a todos; e cujo exercício cabe
exclusivamente aos seus crentes.
Em resumo, as subvenções aqui
referidas devem contemplar apenas reconhecidas necessidades das comunidades,
sociais, culturais, desportivas, com um critério exigente que contemple a
aferição dessas necessidades e as compagine com os princípios de uma boa gestão
do erário público. O que não constitui a prática da classe política, com
contornos mafiosos e presumida proprietária do pote, sem controlo democrático e
sem punições para situações de mau uso do dinheiro dos impostos.
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