A submersão em
dívida é de todo o interesse do sistema financeiro, favorece a aceitação de
aumentos na punção fiscal e, ao aumentar as desigualdades entre os povos da
Europa, alimenta taras nacionalistas e fascizantes, das quais nada virá de
tranquilizador.
1
- O aumento geral dos níveis de endividamento
2
- A dívida global nos países da Zona Euro
2.1 - A dívida
das famílias
2.2 - A dívida
das empresas
2.3 - A dívida
pública
2.4 - Composição
da dívida em cada país (2000 e 2018)
2.5 – A
submersão em dívida
2.6 - Evolução
da divida portuguesa
==========|||||||==========
1 - O aumento geral dos níveis de
endividamento
A lógica do capitalismo exige a permanente
reprodução de capital; e esta reprodução terá de ser utilizada para uma nova
reprodução, num processo que se pretende sem fim e que se interrompe na próxima
crise financeira, cuja causa próxima, local ou momento de explosão,
dificilmente se prevêem. Um quadro, portanto, de grande imprevisibilidade, de
incerteza, que tem como único elemento certo, o desabar da crise sobre seres
humanos, de modo mais ou menos regionalizado, essencialmente trabalhadores,
reformados, jovens, desempregados, pobres.
O grande instrumento para a
acumulação de capital é, hoje, a sua criação através do sistema financeiro e
muito menos a partir da mais-valia subtraída aos trabalhadores industriais,
como no século XIX. E daí o papel central da dívida, da sua reprodução e
reciclagem, da concertação entre o sistema financeiro e os Estados (e
instituições supranacionais) para a captura dos povos e do seu futuro, como
instrumentos para a acumulação de capital.
Como dissemos recentemente vamos proceder a uma análise
conjunta, integrada, da dívida pública, daquela que é assumida pelas empresas e
ainda, da que onera as famílias, os indivíduos.
Sabe-se que quanto à primeira, a
classe política se encarrega de onerar empresas e sobretudo famílias ou indivíduos
para o seu pagamento, num processo auto-reprodutivo; há toda uma ladainha no
seio das classes políticas em torno do deficit, do gasto público em investimento,
modernização, racionalização, que se repercutam na dívida pública, apesar do
aumento da carga fiscal, num contexto em que têm prioridade os apoios concedidos para salvar bancos ou
empresas nacionais com caráter majestático.
As empresas endividam-se para
investimento ou melhoria dos seus indicadores financeiros procurando agregar
capital através do aumento das taxas de lucro, impondo perdas reais nos
salários dos trabalhadores ou aumentando os preços daquilo que vendem… para
além procurarem apoios estatais. Para as famílias e particulares resta apenas
dimensionar o volume da dívida, ou melhor, das prestações para o seu pagamento,
aos níveis salariais atuais ou futuros, reais ou admissíveis. A dívida é uma forma de captura.
2 - A dívida global nos países da Zona
Euro (ZE)[1]
Tomámos para análise os dados – disponibilizados pelo BCE - relativos aos países europeus que usam o euro como moeda e para dois momentos; o princípio do século (2000/02) e o passado mais recente (2017/18). Os elementos fornecidos são expressos em percentagem do PIB dos vários países, tratando-se, portanto de uma forma de avaliação da dimensão dos vários tipos de dívida relacionada com a marcha das respetivas economias. Na sua totalidade, a dívida constituída pelos países da ZE, nos momentos considerados, está representada no gráfico que se segue (Gráfico 1). Retiremos algumas notas sobre a sua leitura tendo em conta que os indicadores referidos expressam um (sub)múltiplo do respetivo PIB:
· A dívida global representava 2.5 vezes o PIB no princípio
do século e 3.1 recentemente;
· Todos os países aumentaram o seu grau de endividamento global
excepto a Alemanha que, em 2000/02 estava em linha com a média geral e que se
situou aquém desta nos últimos anos (2.3 vezes o seu PIB);
· Em 2000 os países
com os maiores indicadores de endividamento, eram Chipre (3.9), Holanda (3.7) e
Bélgica (3.1); atualmente, esse pódio é ocupado por Luxemburgo (5.6), Chipre
(5.2) e Irlanda (4.5);
· Em termos relativos, os maiores aumentos de dívida
registam-se na praça forte do sistema financeiro, o Luxemburgo, (de 2.0 para
5.6 vezes o PIB, em 2000/2 e 2017/18, respetivamente); na Irlanda, (de 2.5 para
4.5), onde as multinacionais encontram muitas facilidades; na Grécia esmagada
pela troika (de 1.7 para 3.1): e por
Chipre, refúgio dos capitais dos oligarcas russos e protagonista de uma crise
financeira em 2012 (de 3.9 para 5.2);
· Os menores indicadores de endividamento, em 2000/02
situavam-se nos países bálticos – Lituânia 0.85, Letónia (1.0) e Estónia (1.3)
- na Eslovénia (1.0), na Eslováquia (1.6) e na Grécia (1.7) que, na ocasião,
não eram adoptantes do euro, excepto a Grécia que fez essa adopção em 2001.
Note-se, porém que o euro foi criado em 1999 e que Malta ou Chipre, que viriam
a aderir em 2008 já apresentavam, no princípio do século, indicadores
correspondentes 2,1 e 3.9 do PIB, respetivamente;
· Quanto às variações percentuais da dívida global, entre o
princípio do século e a atualidade, para a totalidade da ZE, registou-se um
aumento de 25.3%. Para além da Alemanha que regista uma redução de 10.2%, os
acréscimos mais curtos observam-se na Eslováquia (5.9%), Áustria (10.6%),
Holanda (20.6%) e Malta (22.2%). Quanto aos maiores aumentos nas
responsabilidades, salientam-se o Luxemburgo (172.5%), Eslovénia (103.4%) e
Grécia (85.9%). Os dados da Alemanha, resultantes do seu potencial exportador,
permitem uma acumulação de capitais susceptíveis de serem colocados nos países
mais frágeis da UE;
· Quanto a Portugal, o endividamento global, em 2000/01, já era
elevado (2.5 vezes o PIB), semelhante aos indicadores apresentados pela
Irlanda, pela Alemanha ou pela Espanha, todos ligeiramente acima da média da ZE;
e todos somente ultrapassados por Chipre, Holanda e Bélgica.
Quando se
observa a situação na atualidade, o endividamento global português cifra-se em 3.5
vezes o PIB, um indicador superado claramente pelo Luxemburgo, por Chipre,
Irlanda e Holanda e pouco abaixo do indicador francês.
A
dívida global abaixo referida para a ZE pode ser detalhada em três componentes
– as partes cujas responsabilidades recaem diretamente sobre os
particulares/famílias, as empresas e os Estados.
(em % do PIB)
Total
|
Famílias
|
Empresas
|
Estados
|
|
2000/02
|
249.9
|
76.3
|
105.5
|
68.2
|
2017/18
|
313.2
|
94.7
|
135.7
|
82.8
|
(var
%)
|
25.3
|
24.1
|
28.6
|
21.5
|
Gráfico 1
2.1 - A dívida das famílias
O crescimento das dívidas atribuidas
às famílias, na sua globalidade, situa-se num nível intermédio entre o
observado para as empresas e o relativo aos Estados, como se observa no quadro
atrás. E, em termos globais, no período considerado, a dívida das famílias
evidenciou um crescimento que a aproxima do total do PIB, no último ano.
Gráfico 2
· Com a excepção da Alemanha, em todos os países o
endividamento familiar tem um crescimento que supera o do PIB. Na Alemanha,
aquela dívida, no princípio do século era a quarta mais elevada da ZE e,
claramente acima da média do conjunto com um endividamento correspondente a 1.1
vezes o PIB alemão; no último ano esse tipo de dívida situava-se em 0.85 do PIB
e, visivelmente abaixo da média global (0.95);
· Em 2000 a Holanda surgia com o maior índice de
endividamento familiar (1.7) muito acima de Chipre (1.2), Irlanda (1.1) e da
Alemanha, como referimos. No tempo presente, a Holanda continua a destacar-se
(2.1), muito acima do Luxemburgo (1.7) e de Chipre (1.6), que tiveram
conspícuos aumentos;
· Em termos das variações entre 2000/02-2017/18 os casos de
maiores aumentos – Lituânia, Eslovénia, Estónia, Grécia e Letónia –
registaram-se onde o endividamento das famílias tinha, inicialmente, muito
pouco significado comparativamente ao PIB. Inversamente, as situações onde os
acréscimos têm pouco significado observam-se onde o nível de endividamento, no
princípio do século, já era elevado – Áustria, Irlanda, Holanda e Portugal;
· Observe-se em seguida (Gráfico 3), a evolução da dívida
das famílias (em % do PIB) para os países mais afetados pela crise financeira.
A Irlanda manteve-se sempre com um maior endividamento das famílias do que os
restantes e, também com variações mais acentuadas. Portugal e Espanha, depois
da crise financeira apresentam um perfil muito idêntico. A Grécia, só a partir
de 2013 mostra um endividamento familiar em decrescimento mas, muito
distanciado dos níveis observados no início do século. Finalmente, a Itália
apresenta não só o indicador mais baixo a partir de 2005 como também o menos
irregular;
Gráfico 3
2.2 - A dívida das empresas
As empresas apresentam em todo o
período um nível de endividamento muito superior ao apresentado pelas famílias
ou pelos Estados; e, para mais, com um ritmo de crescimento mais elevado. Na
globalidade, na ZE, as dívidas das empresas chegaram recentemente a 135.7% do
PIB, com um crescimento de 28.6% desde o princípio do século (Gráfico 4).
· Entre as empresas registam-se apenas dois casos e, de
pequena dimensão, de redução do peso da dívida – Eslováquia (- 8.2%) para se
fixar em 0.8 vezes o PIB nacional e Espanha (-1%) fixando-se o endividamento em
1.24 vezes o PIB;
· Em 2000, o maior endividamento empresarial localizava-se
em Chipre (2.1 vezes o seu PIB) na Holanda (1.5), Malta (1.4) e Bélgica (1.37).
Em tempos recentes, a situação mostra-se muito diferente, sobretudo no caso do
Luxemburgo onde a dívida das empresas atinge 3.7 vezes o seu PIB, contra 1.2 no
início do século. Outro crescimento assinalável revela-se na Irlanda (2.7 vezes
o PIB, bem acima da paridade em 2000), enquanto Chipre se posiciona em terceiro
lugar com um indicador de 2.6;
· Assim, é claro que os maiores aumentos no período considerado
cabem ao Luxemburgo e a Chipre, muito distanciados dos restantes paises, uma
vez que Malta “apenas” regista um aumento de 44.6% no que respeita ao
endividamento das suas empresas;
· O mais baixo nível de endividamento, no princípio, como no
final do período em apreço, observa-se na Grécia – com 0.4 e 0.6 vezes o PIB,
respetivamente, em contraste total com a dívida pública na qual o país ocupa
lugares cimeiros;
· Portugal, em 2000, tinha um indicador (1.2 vezes o PIB)
superior à média da ZE de então, o que deixou de acontecer recentemente; assim,
o crescimento do endividamento das empresas portuguesas foi dos mais baixos da ZE
(28.6%), só se cifrando acima da Alemanha, da Estónia e da Áustria, para além
dos países onde o endividamento decresceu, como atrás observámos;
· Entre os países mais afetados pela crise financeira,
exceptuando a Irlanda e Chipre, o endividamento das empresas manteve-se
relativamente estável entre os dois pontos extremos do período; e com graus
indiciadores de baixa dinâmica do endividamento, nomeadamente no caso da
Espanha onde o indicador se manteve estável.
Gráfico
4
2.3 - A dívida pública
A divida pública é aquela que tem uma
evolução menos acentuada para o conjunto da ZE. Em 2000/02 somente três países
apresentavam dívidas públicas com níveis superiores à média geral, então de
68.2% do PIB – Bélgica (109%), Itália (105%), Grécia (105%), todos evidentes
incumpridores das regras para a adopção do euro que se fixavam em 60% e cuja
situação real fez abrandar os ímpetos uniformizadores das instituições da UE.
Pelo contrário, descuraram a
oportunidade de domar e reformular a atuação do fragilizado sistema financeiro,
acentuando as desigualdades nacionais e regionais no seio da UE.
E, em simultâneo, a fina flor dos gangs políticos europeus aceitou a
participação - como subservientes grumetes dos piratas Clinton, Bush Júnior ou
Obama - nas aventuras dos EUA nos bordos Sul e Leste do Mediterrâneo. Essa
atuação, com a confrontação dos fluxos de fugidos das guerras em que a UE se empenhou,
promoveu o surgimento ou engrandecimento de taras nacionalistas, xenófobas e
fascistas que tanto se têm revelado nas forças políticas mais à direita ou, nas
mais discretas, ditas de “esquerda”; sem nada contribuir para a redução das desigualdades que separam as margens do Mediterrâneo.
A confrontação com o gráfico seguinte
(Gráfico 5) torna fracassada e até ridícula a ideia inicial de uma dívida
pública abaixo dos 60% do PIB, quando nos tempos que correm, sete países têm
realidades que ultrapassam largamente essa meta – Grécia (1.7 vezes o PIB), Itália
(1.3), Portugal (1.2), Bélgica (0.99), França (0.97), Espanha (0.95) e Chipre,
para além da Áustria e da Eslovénia que também não cumprem a premissa inicial
para a integração na ZE. Aliás, o conjunto da ZE não a cumpre atualmente pois a
dívida pública global é de 82.8% do PIB, piorando face à situação inicial que
já ultrapassava os limites definidos pelos cinzentos burocratas de Bruxelas ou
Frankfurt, onde se situa o opaco BCE, criado à imagem do vizinho Bundesbank;
este, desde sempre obcecado com a inflação, apontado como o principal elemento
a controlar na conjuntura da ZE. Assim, as profundas desigualdades nas dinâmicas demográficas
existentes na UE, como se não traduzem em unidades monetárias, não contam
para os burocratas de Frankfurt.
· Como se pode observar no gráfico, os maiores acréscimos
relativos do peso da dívida pública recairam claramente nos países que
protagonizaram a “crise da dívida” – Grécia, Irlanda, Itália, Portugal,
Espanha, Eslovénia e Chipre. Embora os endividamentos da França e da Bélgica
sejam também elevados, não mereceram muitos comentários dos eurocratas porque
“a França é a França” enquanto a Bélgica tem o estatuto de …membro-fundador e
sede das principais instituições da UE; argumentos idiotas do tipo … “porque
sim” ou “porque não”;
· As reduções do peso da dívida no PIB observam-se em Malta
(-31%), Eslováquia (-11%), Holanda (-10%), Bélgica (-9.3%) e Alemanha (-8.8%);
Gráfico 5
· A Bélgica, com a Grécia e a Itália preenchiam o pódio dos
mais elevados níveis de dívida pública em 2000. Em 2018, a Grécia destaca-se no
primeiro lugar, à frente da Itália e, em terceiro lugar, destronando a Bélgica,
coloca-se Portugal, recentemente entrado no clube das elevadas dívidas. A
Letónia e o Luxemburgo têm os aumentos proporcionalmente mais elevados mas a
dimensão das suas dívidas era relativamente baixa no princípio do século e
continua a ser. A Estónia destaca-se pelo seu muito baixo nível de
endividamento público (5.1% do PIB em 2000 e 7.5% atualmente).
2.4 - Composição da dívida em cada
país (2000 e 2018)
Em seguida, disponibilizamos dois
gráficos, relativos a 2000/02 e 2018/20, onde é possível observar os
contributos, em cada país, dos vários tipos de dívida – das famílias, das
empresas e dos Estados – para o total das respetivas dívidas.
Gráfico 6
Gráfico 7
Para sintetizar, evidenciamos no
quadro seguinte a hierarquia dos sectores endividados, por ordem decrescente,
para cada país e em cada um dos anos que balizam os intervalos de dados. Assim,
esses sectores – Estado, empresas e famílias – serão representados,
respetivamente por P, E e F; e, por exemplo, EFP, significa que o país com esse timbre, tem
o conjunto das empresas como o maior devedor, F (famílias) o segundo e P
(Estado) como o menos endividado. Excluímos Malta porque não apresenta elementos
para o endividamento das famílias.
País
|
2002/02
|
2018/20
|
País
|
2002/02
|
2018/20
|
Austria
|
EFP
|
EFP
|
Italy
|
PEF
|
PEF
|
Belgium
|
EPF
|
EFP
|
Lithuania
|
EPF
|
EPF
|
Cyprus
|
EFP
|
EFP
|
Luxembour.
|
EFP
|
EFP
|
Germany
|
FEP
|
EFP
|
Latvia
|
EPF
|
EFP
|
Estonia
|
EFP
|
EFP
|
Netherlan.
|
FEP
|
FEP
|
Spain
|
EFP
|
EFP
|
Portugal
|
EFP
|
EPF
|
Finland
|
EFP
|
EFP
|
Slovakia
|
EPF
|
EFP
|
France
|
EPF
|
EPF
|
Slovenia
|
EPF
|
EFP
|
Greece
|
PEF
|
PFE
|
Euro area
|
EFP
|
EFP
|
Ireland
|
FEP
|
EFP
|
2.5 – A submersão em dívida
Nas sociedades e no plano global há
uma óbvia ligação entre os três tipos de dívida – familiar, empresarial e
pública. As sequelas da sua existência, direta ou indiretamente, são fruto das
manobras de empresas e dos Estados para reciclarem as suas dívidas e alijarem
as suas responsabilidades sobre a população; para além da dívida familiar,
ancorada no consumismo ou, resultante à outorga pelos Estados à chamada
iniciativa privada (leia-se especuladores imobiliários e sistema financeiro) da
resolução da questão da habitação, muitas vezes contemplada nas Constituições
como uma obrigação… estatal.
A submersão das pessoas em dívida –
particularmente no chamado Ocidente – torna-as mais dependentes do trabalho,
cada vez mais extenso em termos de dedicação horária e menos racional; e
submissas porque sabem ter a sua vida balizada por décadas de dívida que, em
muitos casos, se não extinguirão até ao momento da morte.
A volúpia da dívida pode, por
consequência, ser avaliada em termos do peso dessa dívida no total, individualizada
em cada um dos estados-nação da ZE.
Vejamos, em primeiro lugar o valor
médio de dívida (global) por habitante, nos pontos extremos do intervalo de
dados – 2000 e 2018 – bem como a variação percentual do total da dívida nesse
período que impende sobre os seres humanos que vivem nos estados-nação
incluidos na ZE. E isso, sem que a situação naqueles países que não são membros
da ZE constitua uma vacina contra o endividamento dos seus povos.
Gráfico 8
Há notas interessantes a retirar
deste gráfico 8:
· Em 2000, só em dois países (Luxemburgo e Holanda), a
capitação da dívida ultrapassava - e por pouco - os 100000 €. Atualmente esse
número de países passa a nove; isto é, quase metade… No princípio do século
nove países tinham uma dívida por habitante inferior à média do conjunto (54809
€); atualmente restam quatro;
· Em todos os países houve um aumento da dívida global por
habitante. Porém, os países onde os aumentos do endividamento foram mais
notórios foram aqueles onde a dívida era e continua a estar, muito abaixo da
média global – Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia e Lituânia;
· Excluindo os países citados no ponto anterior, o maior
acréscimo da dívida per capita regista-se na Irlanda, onde o aumento do
endividamento empresarial foi enorme, ainda que suplantado pelo do Luxemburgo.
Esta situação deve-se a legislação fiscal e facilidades dadas às empresas
globais para se domiciliarem naqueles países; um tratamento benevolente que, de
modo algum é extensivo às pessoas que vivem na ZE ou mesmo em toda a UE;
· Na Alemanha observa-se o mais baixo crescimento deste
indicador porque o decréscimo, no período, de dívidas das famílias e do Estado,
foi mais do que compensado pelo acréscimo das dívidas empresariais;
· Portugal apresenta um crescimento do indicador da dívida
média por habitante (113%) um pouco acima do valor médio da UE (99.8%).
Outra forma de observar o grau de
endividamento conjunto dos três elementos socio-económicos dos países da ZE
baseia-se na avaliação da sua dimensão, medida em anos de rendimento médio
(aproximadamente o PIB per capita).
Gráfico 9
· Os cálculos apontam que, para o conjunto da ZE, a não
haver renovações e acréscimos à dívida conjunta, esta desapareceria em 3.1
anos, contra 2.5 calculados para o ano 2000;
· Em 2000, as dívidas mais duradouras, no âmbito atrás
referido, revelavam-se em Chipre (3.9 anos), na Holanda (3.7) e na Bélgica
(3.1), enquanto as mais reduzidas se situavam na Letónia (pouco mais de 9
meses) e a Eslovénia e a Letónia (um ano). Recentemente, a dívida mais pesada mostrou-se
no Luxemburgo (5.6 anos), seguindo-se-lhe Chipre (5.2) e Irlanda (4.5); locais,
como já se disse, que funcionam como refúgio de capitais, relapsos a cargas
fiscais elevadas ou como lavandarias;
· Luxemburgo e Irlanda são os países onde mais cresceu a
relação entre a dívida total e o PIB. Em sentido contrário, onde o indicador
teve maior proximidade entre os dois anos considerados foi na Eslováquia e na
Áustria, onde a variação foi mínima. Um caso especial, único na ZE, é o da
Alemanha, onde o indicador que estamos comentando se reduziu, de 2.5 para 2.3
anos;
· O endividamento português, medido em anos de rendimento,
em 2000 cifra-se em 2.5, o valor coincidente com o que reflete todo o conjunto
da ZE; porém, em 2018, cifra-se em 3.5 anos, acima da média global (3.1),
encontrando-se situações indicadores de uma carga debitória mais pesada nos
casos de Luxemburgo, Bélgica e Holanda que constituem plataformas logísticas do
capital global, como da França e ainda de Chipre e Irlanda que, como Portugal
foram submetidos a intervenções musculadas de “requilíbrio financeiro”.
2.6 - Evolução da divida
portuguesa
Tendo como referência a dimensão do
PIB, como instrumento de medida das variações da dívida, observámos dois
elementos reveladores da marcha da economia nas duas últimas décadas – a
evolução do valor do PIB e a das remunerações dos trabalhadores; aí, se observa
facilmente o grupo social mais prejudicado com a evolução da conjuntura
política e económica. Sinteticamente, este gráfico revela o caráter anti-social
do actual regime pós-fascista e o plano em
que se vêm desenvolvendo níveis elevados de endividamento.
Gráfico 10
Neste século a dívida do Estado e as dos
agregados familiares ou empresariais apresentam um perfil que separa,
claramente, um período pré-troika de um seguinte, pós-troika. Isto é, 2000/12 e
2012/18.
· Nesses termos, o rendimento nominal só em 2015 volta a
atingir o valor de 2008 ou 2010, os máximos até então. Em 2010 inicia-se também
um período de quebra relativa das remunerações do trabalho que apenas cessa em
2016, sem que o afastamento em relação à marcha do produto global, tenha diminuido,
antes pelo contrário;
· O gráfico seguinte (Gráfico 11) mostra que o peso da
dívida, na sua totalidade, acelera até 2012 como resultado, essencialmente da
redução do próprio PIB; o que nada tem de positivo, pois a base de sustentação
do pagamento da dívida, dos seus encargos ou, das condições de vida da
população, encolheu. Em 2000 o total da dívida equivalia a cerca de 2,5 vezes o
PIB, para evoluir até 4.3 vezes, doze anos depois e regredir para 3.5 vezes no
ano transacto.
No capitalismo avançado,
a redução do caudal de endividamento constitui sempre um sintoma de regressão
da atividade económica, do investimento ou da geração de rendimentos. O
capitalismo é, por natureza, um sistema dinâmico, focado no crescimento
infinito do lucro, do PIB, do consumo; e a espiral da dívida alimenta essa dinâmica,
de modo permanente, como condição de sobrevivência, capturando e arrastando os
seres humanos nessa volúpia;
Dívida Portuguesa (% do PIB) Gráfico
11
· A evolução acima espelhada mostra um endividamento
crescente para os três segmentos mas, com momentos de retrocesso distintos.
Para as famílias, o máximo do endividamento, em percentagem do PIB sucede em
2009, regredindo a partir daí, como reflexo do desemprego, da emigração, da
estagnação ou regressão salarial, da perda de poder de compra e ainda, devido à
penúria de capitais no sistema bancário. Este último foi objeto de uma enorme
recomposição com a entrada de € 23800 M de dinheiro público, reveladora da
histórica atuação dos Estados em geral, a favor do capital; e isso vem, em
grande parte, permitindo a sobrevivência do sistema bancário que, na sequência,
tornou a concessão de crédito muito mais parcimoniosa, ao contrário do que se
verificara antes, como ressalta dos actos de gestão danosa e/ou corrupta que
ainda se não conhecem devidamente, mais de dez anos depois da sua concretização;
· A retração da divida empresarial, face à evolução do PIB,
começa em 2013 e ainda não cessou, situando-se no último ano ao nível do
registado em 2002. Continua, porém a constituir o mais relevante dos três
conjuntos, em termos de dívida;
· A dívida pública, que se mantém com um crescimento anual
moderado até 2008, explode no ano seguinte até atingir 130.6% do PIB em 2014,
regredindo desde então, porque entretanto os governos encontraram uma forma
eficaz de se financiar, de minorar os deficits, com menor recurso à dívida – a
punção fiscal. Aí se observam as típicas discriminações sociais (Gráfico 12):
os governos oneram o trabalho em detrimento do empresariato que, como costumam
dizer “cria empregos”, por coincidência precários e de baixo salário, tal como
gera desemprego, sem esquecer os trabalhadores obrigados a ser “empresários”,
os ditos “recibos verdes” e os frequentadores habituais da formação dada pelo
IEFP que, muitas vezes é somente um entretenimento (por exemplo, cursos de
“empreendedorismo no feminino” ou de alemão para pessoas perto da reforma ou
com deficiências de português).
Gráfico 12
· A dívida pública inicia o período com níveis de
endividamento inferiores a metade da dívida empresarial, o que deixa de
acontecer em 2009, ano do início da sua grande expansão. Embora quer a dívida
pública, quer a privada venham a reduzir a sua dimensão em termos de
percentagem do PIB, a aproximação tem sido paulatina, podendo admitir-se que o
Estado possa assumir o pódio da dívida dentro de poucos anos.
· A dívida das famílias sempre foi inferior à das empresas.
Na comparação com a dívida pública, esta última com o seu crescimento, foi-se
aproximando da dimensão atingida pela dívida familiar, com a paridade a ser
alcançada em 2012; e, a partir de então, a subida da relevância da dívida
pública remete para o terceiro lugar a dívida familiar, que reduz claramente o
seu peso no produto social.
Como a situação
económica em Portugal não apresenta um futuro pujante – à bolha
imobiliário-turística suceder-se-á a ressaca inerente a todas as bolhas – é a
divida pública que se vai mostrando como a mais dinâmica. Por um lado, porque
as pequenas poupanças subscrevem dívida pública para, na melhor das hipóteses,
compensarem a inflação; e por outro, nos leilões de dívida, surgem os
especuladores em busca de títulos que possam ser aceites, de imediato, como
garantias pelo BCE, em troca de empréstimos em euros.
Este e outros textos em:
[1] Note-se que houve vários momentos de adopção do euro, depois do tempo
inaugural em 1999. Foram os casos de Eslovénia (2007), Chipre e Malta (2008), Eslováquia
(2009), Estónia (2011), Letónia (2014 e Lituânia 2015), para além da Grécia que
procedeu a essa adopção logo em 2001. Essa realidade obriga a que se procure a
existência de um padrão de impactos inequivocamente relacionados com a adopção
da moeda para os países citados. No caso da dívida das famílias há casos de
redução do seu peso no PIB (Estónia e Letónia), de quase estagnação (Eslovénia
e Lituânia) e dois casos de franco crescimento da dívida (Chipre e Eslováquia) que,
após a adopção do euro mantêm a tendência anterior. No capítulo da dívida das
empresas e face às respetivas datas de integração na ZE, observou-se uma subida
do seu peso em Chipre, Malta e Lituânia; nos dois primeiros casos, em
continuidade face ao período anterior; e, finalmente na Letónia e na Eslovénia,
há uma nítida quebra do endividamento. Quanto à dívida pública, há um claro
aumento da sua relevância em Chipre e na Eslovénia, na sequência da crise
financeira mas, bem mais moderada na Eslováquia; observam-se ainda reduções do
seu peso no PIB em Malta, na Letónia e na Lituânia, mantendo-se estável este
tipo de endividamento na Estónia. Neste contexto, não é possível estabelecer-se
um padrão, uma relação comum entre o endividamento e a integração num espaço de
moeda única.
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