domingo, 24 de fevereiro de 2019

O delírio capitalista e a deriva climática - 2



Sumário:

1 - Katowice rima com aldrabice
2 - O consumo energético no planeta (2007/17)
3 – As capitações de consumo energético
4 - Os futuros Katowices

     Anexo 1 – As várias fontes do consumo energético
     Anexo 2 – A distribuição espacial dos vários tipos de consumo energético 

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1 - Katowice rima com aldrabice

Segundo a Comissão Europeia, no período 1990/2016, no espaço comunitário, a redução de gases com efeito de estufa foi de 22%; mas, o aumento do PIB foi de 54%, ligeiramente acima dos 2% anuais, um ritmo que constitui a meta que se pretende manter até… 2050! A disparidade entre a evolução das emissões e a do PIB é grande e resulta da redução da atividade industrial, na Europa e nos EUA, em paralelo com o fundamental contributo do impacto dos negócios financeiros no PIB, que não estarão, entre as entidades mais agressivas no capítulo ambiental[1]. O gráfico seguinte evidencia, por consequência, que o PIB mundial retomou o seu crescimento acelerado, depois da crise financeira, numa evolução muito mais dinâmica do que o observado para as emissões de CO2 que se mantiveram numa mesma evolução, ascendente e regular, que vem do passado; e que resulta, essencialmente, das áreas não europeias ou norte-americanas, como observaremos com maior detalhe, mais à frente.

                                                                         Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018

De modo mais preciso e para o caso da UE (v. figura abaixo), depois da passagem das emissões de gás de efeito de estufa de 5716.4 M t equivalentes de CO2 em 1990 para 4451.8 M t em 2017 (menos 468 M ton/ano) pretendem-se reduções de … 1935 M ton/ano
até 2050 até se atingir o patamar das zero emissões!
  • Acharão que toda a indústria sairá da Europa?
  • Que os transportes coletivos vão expulsar o automóvel privado? Ou que estes serão todos elétricos, com toda a energia motriz produzida a partir de fontes renováveis ou importada de fora da Europa? Ou, que a limitação da circulação automóvel, prevista para o centro De várias cidades europeias, será suficiente para tal?
  • Que o intenso trânsito de camiões nas estradas europeias ou de navios nos portos vai abrandar substancialmente?
  • Que o espaço aéreo vai ficar menos saturado com um afundamento da indústria turística? E que será massificada a produção de aviões baseados em energia solar?

  • Será plausível que as atividades emissoras deslocalizadas mantenham o CO2 produzido concentrado em seu redor, sem se espalhar pelo planeta de modo mais ou menos uniforme, não distinguindo os espaços territoriais dos países deslocalizantes dos que receberam as atividades nocivas?
Planear irresponsavelmente nunca foi difícil, sobretudo para quem provavelmente não assistirá à chegada do calendário a 2050. Quem lá chegar que cuide da questão… pensarão os burocratas de Bruxelas.



Porém, as coisas são mais complicadas do que o acima referido desempenho, previsto pela UE, enunciado, para brilhar recentemente na cimeira de Katowice. Há um paralelismo histórico entre a produção de energia e as emissões de CO2 (v. figura abaixo); e a substituição de uma forma de apresentação da energia fóssil por outra, deixa sempre na base uma produção de CO2. Pode começar-se a cozinhar numa fogueira, passar daí a um fogareiro a petróleo, depois um outro a gás ou elétrico que sempre haverá uma fatia de combustível libertadora de CO2; a não ser que a energia tenha origem numa fonte renovável ou numa central… nuclear. 

                                                                      Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018

Entretanto massificou-se o uso irracional do automóvel pessoal, o uso do avião, as longas viagens nas cadeias logísticas e na distribuição, em prejuízo, por exemplo, do comboio; como se massificou a utilização de tomadas elétricas, pilhas e baterias numa infinidade de objetos e aparelhos, na indústria, nos serviços, nos lares, nos bolsos ou nas orelhas. No fundo, só uma parcela pequena provém de energia hídrica, solar ou eólica… como se observará, neste texto, nos Anexos 1 e 2.

O problema da reciclagem dessas pilhas e baterias e a raridade dos metais usados em telemóveis e afins, cruza-se com a selvajaria e a economia do crime que rodeia muita da sua extração, em África, o continente mais rico naqueles metais. O combustível das centrais nucleares, sem emanarem CO2, obriga a soluções para os resíduos radioativos, que são caras quando minimamente decentes; ou, mais baratas, se aqueles são despejados em alguns países, contra um despejo de moeda forte num offshore, às ordens dos oligarcas locais. Para além do encaminhamento dos resíduos, há a considerar os casos devastadores, ainda que atípicos, de Chernobyl ou Fukushima; e isso, a despeito de cientistas conceituados como Lovelock entenderem que o nuclear seria uma solução excelente para a produção de energia, uma vez que não produz efeitos de estufa.   
                                                                 
As distintas fases de desenvolvimento capitalista que coexistem no mundo correspondem a diferentes patamares de consumo energético. Nos países mais ricos, a acumulação de capital e as disponibilidades de tecnologias permitem, por um lado, investir em formas menos poluentes de produção energética; e, ao mesmo tempo, exportar as indústrias mais “sujas” ou, deslocalizar apenas segmentos - ou mesmo toda uma fileira - que enforme um dado produto final, para os locais onde o trabalho seja mais barato e as normas salariais ou ambientais menos exigentes.

Nos países pobres, as pessoas não gostam de viver com carências, alimentares, na saúde, na educação, com menor longevidade ou, no meio de lixo e poluição; mas gostariam de ter os bens e serviços que existem nos países mais desenvolvidos. E, por isso, aceitam ser um misto de beneficiários e vítimas da enviesada distribuição da produção capitalista que tem como principais determinantes e beneficiárias as grandes multinacionais sedentas de lucros e que delegam em oligarcas e corruptos nacionais o papel de manageiros dos seus próprios povos, tratados como gado. 

No seguimento dessa “exportação” de lixo ou poluição, os países mais ricos podem apresentar-se como ambientalmente mais avançados, com um alto nível de apuro ambiental e mostrar-se muito ecológicos; e centrar-se nas áreas de negócio onde a rotação dos capitais é mais rápida e o investimento material menor – a área financeira e os serviços exigentes de maiores qualificações – consultadoria, publicidade, conteúdos, gestão da informação… O seu azar é que o planeta é só um, que as suas diversas parcelas estão integradas através de crescentes e mais densas interligações; com a deslocalização, as emissões apenas mudam de local do planeta onde se produzem, não alterando nada, em termos planetários.

2 - O consumo energético no planeta (2007/17)

A evolução do consumo energético global mostra que em dez anos o seu volume aumentou 16.6%; o que situando-se aquém do crescimento da economia global, não deixa de ser preocupantemente elevado. 

Evidencia, porém, duas realidades bem distintas que segmentam o mundo em dois blocos distintos. Um, composto por três conjuntos – Europa, América do Norte e ex-CEI[2] - onde o consumo se reduz; e, uma outra realidade onde o consumo aumenta, constituída pelos países do Médio Oriente, da América Central e do Sul, de África e da Ásia-Pacífico, de acordo com a classificação dos países utilizada pela BP – British Petroleum. Como é evidente, no seio de cada conjunto, há situações distintas quanto à evolução e quanto à dimensão do consumo (ver Quadro I). Outra abordagem interessante seria observar a correlação entre as variações do consumo energético e as variações do rendimento; sobretudo tendo em conta os impactos da crise financeira, a qual se manifestou de modos distintos, em várias latitudes.
                                                                                                                  Quadro I
Consumo mundial de energia primária (Milhões TEP – ton. equivalentes de petróleo)

2007
2017
var %

2007
2017
var %
Mundo
11588,4
13511,2
16,59
América Norte
2809,5
2772,9
-1,30
Europa
2041,7
1969,5
-3,54
EUA
2320,8
2234,9
-3,70
Alemanha
331,9
335,1
0,96
Amér. Cent./ Sul
587,0
700,6
19,35
Espanha
158,6
138,8
-12,48
Brasil
229,6
294,4
28,22
França
260,2
237,9
-8,57
Medio Oriente
618,2
897,2
45,13
GB
223,1
191,3
-14,25
Irão
202,6
275,4
35,93
Itália
183,4
156,0
-14,94
Arabia Saudita
169,0
268,3
58,76
Noruega
45,9
47,5
3,49
África
346,9
449,5
29,58
Polónia
95,7
102,1
6,69
Africa do Sul
116,9
120,6
3,17
Portugal
25,4
26,4
3,94
Asia-Pacífico
4195,2
5743,6
36,91
Rep Checa
45,4
41,6
-8,37
China
2150,3
3132,2
45,66
Suécia
54
54,4
0,74
India
450,4
753,7
67,34
Turquia
100,4
157,7
57,07
Japão
524,4
456,4
-12,97
Antiga CEI*
989,8
978,0
-1,19
Coreia do Sul
236,7
295,9
25,01
Russia
673,1
698,3
3,74
* Comunidade de Estados Independentes
                                                                                         Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018

Entre os países europeus selecionados, observam-se quebras significativas na Grã-Bretanha, na Itália e em Espanha mas um forte incremento na Turquia que mostra uma evolução com um perfil mais próximo dos seus vizinhos a sul, no Médio Oriente. Na América do Norte a quebra do consumo é marcada pela relevância regional dos EUA. Na ex-CEI observa-se uma quebra que constitui o saldo do aumento do consumo russo comparado com a grande redução registada na Ucrânia (cerca de 40%).

Em termos de aumentos de consumo sublinham-se os casos da América Central e do Sul, do Médio Oriente e da Ásia-Pacífico. No primeiro caso destaca-se o Brasil e quanto ao Médio Oriente, as grandes potências produtoras de petróleo e gás são também enormes consumidores, sobretudo a Arábia Saudita, cujo consumo global é próximo do iraniano ainda que com uma população três vezes inferior. Finalmente, na Ásia-Pacífico apresentam-se fortes crescimentos de consumo inerentes à caminhada da região como principal polo de dinamismo da economia global; nessa região, duas das economias mais capitalizadas – Japão e Coreia do Sul – mostram direções antagónicas no capítulo da evolução do consumo energético. Ainda no que respeita ao Japão é interessante notar-se o decrescimento de 90 % na energia nuclear (para além do petróleo), como efeito do desastre de Fukushima, compensados parcialmente com um maior uso de gás e do recurso a energias renováveis. A Índia, no quadro acima, é o país com maior crescimento do consumo; no entanto, o seu consumo global situa-se próximo da quarta parte do consumo chinês, embora as suas respetivas populações tenham quantitativos próximos.

Note-se ainda que a China é o maior consumidor mundial de energia e responsável por cerca de metade do aumento do consumo mundial verificado entre 2007 e 2017. Enfim, o mundo é a cores mas, do ponto de vista do consumo energético global e do subsequente impacto ambiental, as tonalidades apresentam-se escurecidas.

Assim, como os valores globais demonstram, através do crescimento de 16.6% do consumo energético no período 2007/17, esse aumento é uma síntese de vários elementos, atuando em sentidos distintos e com causas diversas: 

·          Um desses elementos aplica-se aos países com um padrão de desenvolvimento capitalista que podemos designar por maduro. Trata-se ali de uma desindustrialização cujo início se pode colocar na segunda metade dos anos 70, após o grande aumento do preço do petróleo; daí resultou uma concentração da atividade económica nas áreas dos serviços e das finanças, em regra menos energívoras. Porém, a densidade das trocas e a vulgarização da mobilidade pessoal em veículo próprio joga em sentido contrário;

·        Essas alterações na estrutura industrial – quantitativa e qualitativa – nos países ricos corresponderam à deslocalização de setores de atividade na sua totalidade, como a siderurgia ou, de componentes industriais, por razões de ecológicas mas, sobretudo, para onde os danos ambientais são menos valorizados, os preços do trabalho mais baixos, as normas laborais menos exigentes e os regimes políticos mais intratáveis face a reivindicações dos trabalhadores;

·        Em termos globais, essa deslocalização não tem grandes impactos no consumo energético ao nível da produção mas, como aumenta em muito a distância entre a produção e a utilização final, promove um substancial aumento da utilização das redes logísticas e de transporte, com o consequente acréscimo de emanações nocivas. Assim, no quadro acima, as reduções observadas nos países ricos terão de ser desvalorizadas tendo em conta que correspondem a parcela dos aumentos registados nas periferias; pouco se alterando a situação global;

·        Os países com rendimentos elevados ou médios atravessaram uma década de baixo desempenho das suas economias, na sequência da crise financeira simbolicamente iniciada com a derrocada do Lehman Brothers. E isso, teve um natural impacto negativo no consumo energético;

·        A preocupação pelos impactos da atividade económica e doméstica no meio ambiente desenvolveu-se muito nas últimas décadas, com medidas que focaram a poluição industrial, os lixos, a contaminação de águas e solos, o perigo do nuclear, as emanações dos veículos, com a produção de equipamentos industriais e domésticos com menores consumos. A massificação dos veículos elétricos durará algumas décadas porque os rendimentos familiares estão condicionados pela compressão salarial e pela punção fiscal e, continuando os veículos a consumir energia, qualquer que ela seja, terá de ser produzida algures;

·        Tendo em conta que o ambiente é global e não reconhece fronteiras estatais, as transferências de atividades económicas mais consumidoras de energia por unidade de produto, dos países ricos para as periferias, não admitem que mandarins e ecologistas de pacotilha se apresentam como campeões na defesa do ambiente, visando um menor impacto ambiental; este, globalmente é apenas transferido de lugar, é falso em substância ou mesmo, aumentado;

·        Muitos dos novos países “industrializados”, além da herança de desestruturação económica e social oriunda da colonização ocidental incorporam, muitos deles, um conjunto de retalhos industriais, não integrados entre si mas antes, nas cadeias logísticas das multinacionais; e como os rendimentos não são elevados ou melhor, são claramente abaixo dos vigentes nos países ricos, faltam recursos para evitar a pobreza, para uma utilização mais racional do consumo de energia ou para produzirem custos ambientais aceitáveis;

·        Por seu turno, as classes políticas dos países periféricos, tornando-se mandatários das transnacionais e propagandistas dos modelos consumistas das sociedades ocidentais, pretendem conciliar o aumento das suas rendas e a manutenção no poder, com a elevação dos níveis de vida das suas (crescentes) populações; um equilíbrio difícil no âmbito do qual a eficiência do consumo energético e a qualidade do ambiente ficam prejudicados;

3 – As capitações de consumo energético

O consumo bruto de energia em cada país ou conjunto de países apresentado no quadro anterior ganha maior significado se se conhecer o valor médio desse consumo por habitante, medido em TEP. Nesse contexto, é possível avaliar a pegada energética e as diferenças na sua dimensão para vários países. (ver Quadro 2)

                                             TEP/hab                                                                  Quadro 2

2007
2017

2007
2017
Mundo
1,7
1,8
Turquia
1,4
2,0
Europa
3,4
3,3
Rússia
4,7
4,8
Alemanha
4,1
4,1
EUA
7,4
6,9
Espanha
3,4
3,0
Brasil
1,2
1,4
França
4,0
3,6
Irão
2,7
3,4
GB
3,5
2,9
Arábia Saud.
6,2
8,3
Itália
3,1
2,6
África
0,3
0,4
Noruega
9,4
9,0
Africa do Sul
2,2
2,2
Polonia
2,5
2,7
China
1,6
2,2
Portugal
2,4
2,5
India
0,4
0,6
Rep. Checa
4,3
3,9
Japão
4,1
3,6
Suécia
5,7
5,6
Coreia do Sul
4,7
5,8
                                                                            Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018
O indicador do consumo global por habitante pouco se alterou entre os dois anos considerados mas, esconde notáveis diferenças:  

·        Entre os países considerados e com maior desenvolvimento capitalista os indicadores mostram-se mais elevados do que a média mundial e, na sua maioria, com um pendor decrescente;

·        Entre os países da UE considerados apenas se registam aumentos do consumo por habitante na Polónia e em Portugal;

·        O caso de maior consumo por habitante observa-se na Noruega e nos EUA em 2007 enquanto este último país, em 2017, é ultrapassado pela Arábia Saudita que apresenta um notável crescimento, tal como acontece com a Coreia do Sul;
·        A China em 2017 tornou-se o maior consumidor de energia, ultrapassando os EUA que ocupavam essa posição dez anos antes. No entanto, a capitação do consumo energético no país, apesar de ter crescido na década, não passa de constituir apenas 1/3 da capitação norte-americana, em 2017;

·        São particularmente baixas as capitações de consumo energético registadas em África e na Índia que, em conjunto, representam cerca de 1/3 da Humanidade;

·        Em suma, o desenvolvimento capitalista tem promovido evidentes efeitos no crescimento do consumo energético. As altas capitações dos países ditos desenvolvidos (ou da petromonarquia saudita) tendem a constituir o exemplo a seguir pelos países que pretendem seguir o seu modelo de desenvolvimento capitalista. A entrada acelerada de vastas regiões, mormente da Ásia, naquele processo, conduz ali a aumentos na capitação de consumo energético, em contrapartida das reduções observadas nos países com estruturas capitalistas mais antigas que tendem a reduzir os seus índices de consumo energético;

·        Essas duas tendências, de sinal contrário, poderão, a médio prazo, cruzar-se num intervalo mais estreito, à medida que as novas tecnologias permitam custos suficientemente baixos, acessíveis às vastas camadas sociais de baixos rendimentos dos países ricos e às crescentes camadas médias dos países ditos em desenvolvimento. Qual será a resultante? 

4 - Os futuros Katowices

Podem inventar mais frequentes conclaves do tipo Katowice, onde se cruzam membros ilustres das classes políticas nacionais, portadores de ordens emanadas das multinacionais, para não apresentarem mais que soluções-placebo ou rematados embustes, como a proposta da UE atrás mencionada.

Por outro lado, nem tudo se pode resolver no âmbito de atitudes e práticas individuais conducentes a um contributo mínimo para as alterações climáticas; sobretudo, sabendo-se que as práticas individuais estão muito marcadas pela ideologia consumista que se apresenta como o instrumento para atingir a felicidade. Até porque, como se viu na primeira parte deste artigo, as principais responsabilidades do desvario ambiental cabem à indústria energética que explora os combustíveis fósseis e à sua preocupação na contenção de investimentos que prejudiquem a distribuição de lucros aos acionistas; uma indústria que está bem inserida nas torres de controlo das decisões estatais. 

Se a causa dos sofrimentos da Humanidade e dos danos provocados no ambiente global é o capitalismo, em geral - e os seus promotores e beneficiários, em particular -focar o combate nos seus nefastos efeitos pouco ou nada resolve. É como tentar enxugar a água que inundou uma casa, sem fechar a torneira de onde ela jorra. 

É necessária uma atuação global, concertada e solidária dos povos, sabendo-se que os capitalistas e as classes políticas tudo farão para dividir os humanos e suprimir todos os esforços que afetam a produção de lucros ou os seus privilégios. Pensar o contrário, é semelhante a esperar encontrar o pai natal sentado na chaminé a descarregar o saco dos presentes.

Coloca-se a questão de uma alteração no modo de organização, de convivência e de inter-relação entre os humanos; resultados credíveis ou visíveis dificilmente surgirão com a presença do capitalismo numa velocidade de cruzeiro. É da convivência humana, da reformulação dos seus objetivos de vida que surgirão as grandes alterações nos paradigmas de construção social. O decrescimento ou as práticas responsáveis de consumo, de per si são apenas formas de medir a pegada da marcha do capitalismo; podem-no fazer reduzir o ritmo da marcha mas não provocar o seu tombo no chão.

Neste contexto, é todo o edifício em que assenta o capitalismo que deve ser posto em causa; é preciso passar da denúncia e não afunilar a ação em soluções empacotadas em abaixo-assinados junto dos grandes poderes económicos e políticos, na presunção de que, arrependidos, irão mudar de rumo; ações que, na verdade, não mobilizam ninguém, para além de uma distraída assinatura. Uma vez mais surge a vã esperança do arrependimento (inserida no ideário cristão) por parte dos arquitetos da constante adaptação do sistema capitalista visando a sua perenidade. No mais sagrado da sua lógica está a da acumulação de capital e não podem ter outra, porque qualquer alternativa, seria a sua morte; e por isso, de motu próprio, jamais mudarão algo de essencial.

Essas piedosas iniciativas podem servir de entretenimento para muitos dos que acham poder civilizar a selvajaria capitalista, sensibilizando os mandarins das classes políticas, procurando apoios entre aquelas. Isso não acontece, nomeadamente com poderes tão estruturados e repletos de meios ideológicos, materiais e financeiros para enganar, conduzir e reprimir a plebe; sem a já referida rede rizomática que enquadra milhões de pessoas, não se vai a lado algum. 

O capitalismo pode encarar, num cenário apocalíptico, encetar uma redução da população global para 600 M de pessoas; mas, não pode admitir condições globais tão extremas como um caos social, com levantamentos populares em que o próprio capitalismo se esvai junto com a água do banho. Para a Humanidade evitar esse cenário apocalíptico, só lhe resta extinguir o actual paradigma económico – capitalismo – e o presente modelo político de representação, que designamos por democracia de mercado. Tudo o mais são placebos.

Anexo 1 – As várias fontes do consumo energético

O quadro que se segue contempla o consumo mundial de energia primária (medido em milhões de TEP – ton. equivalentes de petróleo), repartido para cada uma das principais fontes de energia, para os anos 2007 e 2017.

  • A nível global e na década finda em 2017, todos os tipos de energia consumidos aumentaram o seu volume global excepto a energia nuclear, com fortes reduções na Alemanha, na Itália em França e na Ásia-Pacífico; aqui, na sequência do encerramento forçado de Fukushima;

  • Na Europa em geral, observa-se um decréscimo do consumo de energias fósseis, sobretudo no caso do carvão, com uma particular excepção na Turquia;

  • Os casos de reduções no consumo quase se restringem à Europa e à América do Norte, não se podendo medir com rigor o que resultou de medidas com objetivos de redução de emissões e o que derivou das sequelas da crise financeira;

  • Na América Central e do Sul, como em África ou na Ásia, o consumo de energias fósseis apresentou, em geral, um crescimento significativo;

  • Quanto às energias hidroelétrica e outras renováveis sublinha-se a sua grande progressão na Ásia-Pacifico, região que se apresenta como a principal produtora de ambas; sobretudo porque o petróleo e o gás natural não são ali muito abundantes.

PETRÓLEO
GÁS NATURAL
CARVÃO
2007
2017
var %
2007
2017
var %
2007
2017
var %
Mundo
3939,4
4621,9
17,3
2652,2
3156
19,0
3194,5
3731,5
16,8
Europa
947,5
731,2
-1,4
1024,5
457,2
-7,14
528,9
296,4
-14,27
Antiga CEI*
203,4
494,1
157,0
Alemanha
112,5
119,8
6,5
74,6
77,5
3,9
85,7
71,3
-16,8
França
91,3
79,7
-12,7
38,3
38,5
0,5
12,3
9,1
-26,0
Itália
84,0
60,6
-27,9
70,0
62
-11,4
17,2
9,8
-43,0
Espanha
78,8
64,8
-17,8
31,6
27,5
-13,0
20,2
13,4
-33,7
Grã-Bretanha
79,2
76,3
-3,7
81,8
67,7
-17,2
38,2
9,0
-76,4
Rússia
126,2
153
21,2
383,1
365,2
-4,7
93,5
92,3
-1,3
Turquia
30,5
48,8
60,0
31,6
44,4
40,5
31,0
44,6
43,9
América Norte
1134,5
1108,6
-2,3
739,3
810,7
9,7
614,6
363,8
-40,8
América C /Sul
260,0
318,8
22,6
124,1
149,1
20,1
22,5
32,7
45,3
Médio Oriente
290,1
420,0
44,8
273
461,3
69,0
9,3
8,5
-8,6
África
129,9
196,3
51,1
80,3
121,9
51,8
105,7
93,1
-11,9
Asia-Pacífico
1177,4
1643,4
39,6
411,2
661,8
60,9
1913,5
2780,0
45,3


NUCLEAR
HIDROELÉTRICA
RENOVÁVEIS
2007
2017
var %
2007
2017
var %
2017
Mundo
622,5
596,4
-4,2
695,8
918,6
32,0
486,8
Europa
276,4
192,5
-6,5
179,6
130,4
4,2
161,8
Antiga CEI*
65,9
56,7
0,9
Alemanha
31,8
17,2
-45,9
4,7
4,5
-4,3
44,8
França
99,6
90,1
-9,5
13,3
11,1
-16,5
9,4
Itália
33,7

-100,0
7,3
8,2
12,3
15,5
Espanha
12,5
13,1
4,8
6,0
4,2
-30,0
15,7
UK
11,9
15,9
33,6
0,0
1,3
-
21,0
Rússia
36,9
46
24,7
40,4
41,5
2,7
0,3
Turquia
0
0
0,0
8,0
13,2
65,0
6,6
America Norte
215,4
216,1
0,3
145,6
164,1
12,7
109,5
America C /Sul
4,4
5
13,6
152,6
162,3
6,4
32,6
Medio Oriente
0
1,6
-
5,2
4,5
-13,5
1,4
África
3
3,6
20,0
22,1
29,1
31,7
5,5
Asia-Pacífico
123,3
111,7
-9,4
190,7
371,6
94,9
175,1
                                                                                         Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018

Anexo 2 – A distribuição espacial dos vários tipos de consumo energético 

Repartição das principais fontes do consumo de energia

Milhóes TEP
PETRÓLEO(%)
GÁS NAT. (%)
CARVÃO (%)
2007
2017
2007
2017
2007
2017
2007
2017
Mundo
11104,4
13511,2
35,5
34,2
23,9
23,4
28,8
27,6
Europa
2956,9
1969,5
32,0
37,1
34,6
23,2
17,9
15,0
Antiga CEI*
nd
978,0
nd
20,8
nd
50,5
nd
16,1
Alemanha
309,3
335,1
36,4
35,8
24,1
23,1
27,7
21,3
França
254,8
237,9
35,8
33,5
15,0
16,2
4,8
3,8
Itália
212,2
156,1
39,6
38,8
33,0
39,7
8,1
6,3
Espanha
149,1
138,7
52,9
46,7
21,2
19,8
13,5
9,7
Grã-Bretanha
211,1
191,2
37,5
39,9
38,7
35,4
18,1
4,7
Rússia
680,1
698,3
18,6
21,9
56,3
52,3
13,7
13,2
Turquia
101,1
157,6
30,2
31,0
31,3
28,2
30,7
28,3
America Norte
2849,4
2772,8
39,8
40,0
25,9
29,2
21,6
13,1
America C /Sul
563,6
700,5
46,1
45,5
22,0
21,3
4,0
4,7
Medio Oriente
577,6
897,3
50,2
46,8
47,3
51,4
1,6
0,9
África
341,0
449,5
38,1
43,7
23,5
27,1
31,0
20,7
Asia-Pacífico
3816,1
5743,6
30,9
28,6
10,8
11,5
50,1
48,4


NUCLEAR (%)
HIDROELÉT. (%)
RENOVÁV. (%)
2007
2017
2007
2017
2007
2017
Mundo
5,6
4,4
6,3
6,8
nd
3,6
Europa
9,3
9,8
6,1
6,6
nd
8,2
Antiga CEI*
nd
6,7
nd
5,8
nd
0,1
Alemanha
10,3
5,1
1,5
1,3
nd
13,4
França
39,1
37,9
5,2
4,7
nd
4,0
Itália
15,9
0,0
3,4
5,3
nd
9,9
Espanha
8,4
9,4
4,0
3,0
nd
11,3
Grã-Bretanha
5,6
8,3
0,0
0,7
nd
11,0
Rússia
5,4
6,6
5,9
5,9
nd
0,0
Turquia
0,0
0,0
7,9
8,4
nd
4,2
America Norte
7,6
7,8
5,1
5,9
nd
3,9
America C /Sul
0,8
0,7
27,1
23,2
nd
4,7
Medio Oriente
0,0
0,2
0,9
0,5
nd
0,2
África
0,9
0,8
6,5
6,5
nd
1,2
Asia-Pacífico
3,2
1,9
5,0
6,5
nd
3,0
                                                                                Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2018

·    A utilização de combustíveis fósseis corresponde a mais de 85% do consumo energético em 2017, sendo pouco significativa qualquer evolução positiva que se tenha verificado desde 2007;

·       No que se refere ao petróleo, num contexto de ligeiras alterações da sua relevância relativa global no período 2007/17, há a destacar o aumento do seu consumo na Europa e em África, com reduções do seu papel no Médio Oriente e na Ásia-Pacífico;

·       Quanto ao gaz natural verifica-se uma forte quebra da sua utilização na Europa, com aumentos significativos da sua quota na América do Norte, no Médio Oriente e em África;

·       A energia nuclear só tem relevância em alguns países da Europa e da América do Norte;

·       O carvão, sendo o mais poluente dos combustíveis fósseis, manteve a sua quota no consumo global. Sublinham-se as quebras do seu uso na América do Norte e em África e que o seu principal consumo se observa na Ásia-Pacífico;

Este e outros textos em:



[1] Os grandes bancos dos EUA, os tais “too big to fail” distribuem 80% dos seus créditos para “investidores” em especulação e atividades financeiras. As cascatas de títulos emitidos que na base têm produções agrícolas, combustíveis minerais, créditos imobiliários que enformaram desde os anos 90 os chamados produtos derivados que constituem o grande destino desses créditos. Segundo o BIS – Bank of International Settlements.
[2] CEI – Comunidade de Estados Independentes, uma estrutura efémera constituída por antigas repúblicas soviéticas
 


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