Nunca se esteve tão perto da unificação do género humano, nem
nunca aquela foi tão necessária; basta manter a globalização e enterrar o
capitalismo. É urgente ir criando uma Weltanschauung, uma cosmovisão que
enquadre as estratégias e as táticas adequadas.
1 - A globalização tornou obsoletos os estados-nação
A globalização e as novas tecnologias unificam gradualmente os
povos, facilitam trocas culturais, criam novas entidades e retiram a relevância
à grande maioria dos estados-nação, erigidos a partir do século XVII através de
guerras que consolidaram nos respetivos territórios burguesias nacionais ciosas
do controlo das suas populações e intratáveis para quem lhes disputasse a respetiva
coutada de força de trabalho. Do mesmo modo que os senhores feudais procuravam
manter direitos sobre os seus servos ou os donos de escravos procuravam
assegurar a posse tranquila daqueles.
No quadro da evolução histórica dos sistemas produtivos
importava ao capitalismo aumentar a produtividade reduzindo os custos da
submissão da força de trabalho. Para que esse controlo ficasse aceite ou
facilitado – e com menor recurso à coerção - utilizaram a escola e o serviço
militar para incutir essa coisa historicamente recente, do patriotismo, da
exclusão e desconfiança face ao Outro; embora, como nós próprios, o Outro seja
de carne e osso, desejando igualmente, a satisfação das mesmas necessidades –
paz, pão, liberdade, habitação, saúde, educação e ainda, a pulsão de amar e ser
amado.
Hoje, a produção de bens e serviços, através das tecnologias de
informação e comunicação tornou-se global, segmentada, distribuída por vários
locais, colaborativa e constituída por redes de micro-decisões, tornando
desnecessária a função do capitalista,
bem como essa construção do capitalismo chamada estado-nação.
Após as transformações decorridas nos últimos cinquenta anos, contam-se
pelos dedos os estados-nação, com uma soberania
significativa. Mesmo nesses poucos casos, a globalização tornou-os muito
vulneráveis a mudanças ocorridas quer dentro, quer fora dos seus espaços
nacionais, promotoras, por sua vez, de desigualdades e hierarquias interiormente
ou no exterior, com os problemas imensos decorrentes dessa multifacetada interação.
Urge construir uma Humanidade solidária, como matriz de trocas
materiais e culturais, consolidar a unificação dos povos, o processo histórico
da globalização, o aproveitamento do conhecimento para o bem-estar coletivo.
Para isso é essencial mandar pela borda fora o capitalismo e os seus agentes
económicos, políticos e ideológicos.
2 – A tríade que atualmente domina
O poder das multinacionais, das suas redes de negócio[1]
erguidas com grande dinâmica, destruiu fronteiras e vêm diluindo os estados-nação
em organizações feitas à sua medida, ainda que formalmente sejam plurinacionais
– FMI, OMC. OCDE, ASEAN, TTP e, porventura o TTIP ou o CETA... Entre elas, no
caso dos europeus, merece um relevo particular, a UE com a sua burocracia,
claramente dominada por lobbies[2],
gerando em conjunto de fórmulas criativas e antidemocráticas de gestão política,
erigindo monstruosos aparelhos de manipulação mediática e de coerção dos povos.
Por outro lado, o sistema financeiro, igualmente globalizado, vem
condicionando através do crédito e da dívida, os estados pequenos e médios ou, os
que detêm menores indicadores de riqueza ou maior fragilidade política; Utiliza
para o efeito as classes políticas respetivas que, para manterem os seus
quinhões no saque, transferem os custos dessa pressão para a população,
mormente trabalhadores, desempregados, pensionistas e pobres em geral,
inviabilizando também pequenas e médias empresas que, para acompanharem a
lógica da competitividade ficam entaladas entre a pressão do crédito e a punção
fiscal, ambas sempre em crescimento.
3 - Alguns instrumentos ideológicos de domínio
Em consonância, multinacionais e capital financeiro montaram uma
ideologia de consumo que potencia a distância entre as aquisições e as reais
necessidades individuais, favorecendo o endividamento que envolve as pessoas
numa ânsia demente de comprometimento do futuro para acompanhar a onda de
consumo do momento; o que é tanto mais insano quanto, estruturalmente, a
precariedade e a incerteza na vida se acentuam. A mesma volúpia é gerada pela
ideologia do empreendedorismo e da competição que mantém as empresas pequenas e
médias com elevada dependência do asfixiante financiamento bancário e cujos
custos transferem, tanto quanto possível, para os seus trabalhadores,
precarizados, mal pagos e reprimidos. Replicando, portanto a lógica neoliberal.
A fixação
na acumulação de capital faz parte do código genético do capitalismo e, mais
concretamente, conduz à acumulação da riqueza numa escassa minoria de seres
humanos; a sua irracionalidade pode observar-se sob vários ângulos. Produz uma
rápida e descuidada deterioração das condições de vida no planeta; as políticas
de precarização do trabalho e de baixo salário reduzem as capacidades de
consumo da grande maioria e traduzem-se num baixo crescimento do sacrossanto
PIB (imagine-se!); promove um endividamento global, impagável, cujo volume é o
triplo do PIB global; foca-se nos lucros obtidos na esfera financeira a que
chamam “investimento”; e inclui habilidades estatísticas criativas como a
consideração dos gastos militares como investimento ou a inclusão dum cálculo das
receitas da prostituição para que o PIB possa crescer nos dados do Eurostat e
ainda, a recente anomalia irlandesa referida pelo seu próprio governo[3].
No contexto ideológico consolidou-se um discurso que se traduz
na perpetuação da situação de crise para justificar uma austeridade sem fim, em
paralelo com uma optimista e constante afirmação da sua próxima superação – um
suplício que faz lembrar Tântalo. Para isso, joga um papel essencial o
pensamento único, expresso nos grandes meios de comunicação, mormente as
cadeias de televisão, através de comentadores, propagandistas próximos da
classe política, contratados pelos grupos económicos que controlam os media.
4 - Os aparelhos de estado resumem-se ao exercício da punção fiscal e da
violência
Se, do ponto de vista económico, o capitalismo no seu formato
neoliberal se traduz em concorrência, especulação, capitalização, financiarização,
precarização, predação ambiental, no que diz respeito à política, o controlo
dos governos e a domesticação e aliciamento das classes políticas nacionais pelo
grande capital mantém-se, como constante e central, tal como no velho modelo
keynesiano. Recorde-se que em capitalismo de estado, a gestão do capital
pretende-se unificada com as funções políticas, ambas geridas por uma mesma e
hermética seita, o partido.
Os estados-nação continuam como executores da punção fiscal, protagonizam
kafkianas burocracias para controlar a população e procedem à hierarquização
dos benefícios a distribuir pelos vários estratos do capital – com o argumento
de virem a favorecer o investimento que, contudo, se mantém sistematicamente baixo.
Mantêm também o grau de violência adequado à continuidade do sistema, devassando
dados dos titulares dos rendimentos do trabalho, distinguindo as várias
posturas para o funcionamento do aparelho de justiça, severo e arrogante com os
pobres, arrastado e complacente quanto aos ricos. Assegurando o constante
reforço da integração entre os aparelhos militar e policial, em nome da luta
contra o terrorismo, a al-Qaeda, o ISIS, os traficantes de imigrantes,
consoante o momento e a latitude e, onde também não faltará a desapiedada
repressão de qualquer contestação social, como se vem observando em França,
conduzida por um “socialista”.
Resta acrescentar que o âmbito nacional é a sede principal dos
exercícios de folclore eleitoral que pretendem legitimar uma paródia de
democracia que, na realidade exclui a grande maioria da população, confinada
nos espaços Inter-eleitorais a assistir ao circo dos debates televisivos e a
verificar que a cada medida tomada pelo governo corresponde uma promessa não
cumprida; sempre em nome da crise. Quanto à democracia no contexto das
instituições da UE o mais lisonjeiro que se pode dizer é que não existe, a
despeito de um ignorado e inócuo Parlamento Europeu, onde centenas de actores
se arrastam, pagos a peso de ouro.
5 – Boas razões para a construção de alternativas
Através da competição e da precarização das vidas dos apontados
como constituindo 99% da Humanidade, mantêm-se as medonhas dificuldades na
satisfação do essencial na vida de cada um, a despeito das capacidades que o planeta
tem de, com as tecnologias atuais, manter uma vida decente para 12000 M de
pessoas. Por outro lado, o capitalismo tem avançado muito mais na predação e na
destruição do planeta do que na produção ou aplicação de tecnologias; o que
sucede desde que haja quem trabalhe por um preço de tal modo baixo que permita
evitar a utilização de bens de capital e conhecimento.
Às ameaças que pesam sobre a Humanidade a nível ambiental,
derivadas da demente delapidação dos recursos do planeta, devem juntar-se as resultantes
da colocação de grande parte dos seres humanos num género de quarentena, sem
trabalho, com parcos meios de subsistência, vítima de conflitos militares, banditismo
e coerção estatal. A toda essa gente acrescentem-se os idosos, considerados desnecessários
pelo capitalismo, elementos tidos como custo sem os adequados proveitos, cuja
anulação importa considerar; mesmo que os seus rendimentos funcionem como
apoios a filhos e netos, alijando de responsabilidades o “estado social”.
A Humanidade, no seu conjunto, representa para o capitalismo
enormes quantidades de excedentários, uma vez que a acumulação de capital-dinheiro
através da financiarização e da especulação prescinde de grandes massas de assalariados
que para mais… estão atingindo longevidades alargadas[4].
Por outro lado, se a Humanidade dispõe de tecnologias e saberes imensos que
permitem a satisfação das suas necessidades, a existência
de capitalistas e classes políticas, vem mantendo uma utilização egoísta e
distorcida desses saberes, a seu favor e de cujos benefícios são afastados
milhares de milhões de pessoas.
Neste quadro, as
alternativas são dicotómicas.
·
A multidão de seres humanos constrói um quadro unificado e
solidário de ideias, práticas de luta e de libertação que causem dificuldades
inultrapassáveis para o capitalismo, suas classes políticas, seus estados e
aparelhos repressivos;
·
Ou assistir-se-á ao arrastar da atual deriva do capitalismo, aos
conflitos entre blocos de estados-nação, ao recrudescimento do fascismo, a
práticas de genocídio, cujo diversificado impacto poderá extinguir a vida
humana na Terra.
6 - Do romantismo nacionalista ao fascismo
Contrariamente ao que
aconteceu em outras épocas de crise do capitalismo, é débil e
fragmentada a contestação e não é visível ou tomado como
credível para a esmagadora maioria, um conjunto de ideias de superação do
capitalismo de hoje, neoliberal, para a passagem a um outro modelo de
organização coletiva, democrático, que se foque na satisfação das necessidades
humanas, na sua enorme diversidade.
Não havendo perspetivas claras e, menos ainda, risonhas, face ao
futuro, muita gente – por pânico ou romantismo - encara como viáveis, soluções
de retorno ao passado, seja com o regresso aos estados-nação “soberanos” sob
regime capitalista de recorte keynesiano ou “socialista”, seja com a criação de
pequenas comunidades inspiradas na Icaria. Há ainda a considerar aqueles que se
pretendem alcandorar ao poder, “renovar” o capitalismo, rebobinar democracias
orgânicas (vulgo, oligarquias), com a replicação de fórmulas identitárias, excludentes,
mais ou menos fascistas, inspiradas nas assustadoras derivas dos anos 30 do
século passado.
7 – A base social do nacionalismo e do fascismo
No referido caldo de
culturas importa-nos, particularmente, aprofundar o conteúdo social dessas
derivas nacionalistas ou fascistas, pelo perigo que representam e pelas formas
como se apresentam:
·
Socialmente, estribam-se em pequenos e médios empresários – para
além dos trabalhadores “promovidos” a empresários em nome individual -
sobretudo se dependentes do mercado interno, em evidente retração, espremidos entre
a penetração do grande capital transnacional e a asfixia financeira vinda da
banca. Imaginam ganhar a sua segurança, a sua viabilidade, no regresso ao mundo
fechado do velho estado nacional, com o regresso a uma banca indígena, à
relação pessoal com o gerente do banco lá da terra, à proteção e apoio do seu
estado, do cacique partidário local, na manutenção de uma mão-de-obra barata e
mansa;
·
O segmento social anterior encontra compreensão e algum apoio em
setores da população desapossada - sub-representada por sindicatos burocratizados,
fragilizados pelo neoliberalismo, tornados verdadeiras direções-gerais do
estado - vítimas do desemprego, do trabalho intermitente e mal pago, com
insegurança no capítulo da saúde, da educação e na reforma, recorrentemente acusados
de insustentáveis por representantes do patronato ou membros da classe
política. Em muitos casos, projetam como causas do seu mal-estar os imigrantes,
essas vítimas maiores do capitalismo, sacrificados com o abandono das suas
terras de origem, submetidos a uma dupla exploração por essa condição, sobretudo
se são “ilegais” ou refugiados; e pior ainda, se tiverem uma tez menos pálida
ou uma religião “perigosa”.
·
A própria universidade, para além da produção em série dos
típicos quadros do neoliberalismo, também gera porta-vozes do mesmo romantismo de
defesa de um capitalismo renacionalizado que aguardam ser reconhecidos para a
gestão de um aparelho de estado amigo do povo (?); normalmente colocam-se no
seio ou nas margens dos partidos tradicionais da esquerda, alguns dos quais receberam
recentemente a ridícula etiqueta de “esquerda
radical”;
·
Neste conjunto de gente domina a sensibilidade comum a versões
encantadas, míticas, da História pátria, contada às crianças – em regra, a única
versão que conhecem – com príncipes valentes, batalhas ganhas, conquistas com a
ajuda divina, com o povo a que pertencem a apresentar elevadas caraterísticas
coletivas, construídas para a diferenciação necessária à justificação dos mitos
nacionalistas.
Assim, são conhecidas novas ou menos novas formações políticas
de direita, que vão infestando a Europa, como o Front Nationale francês, o
Fidesz húngaro, o PiS polaco, o AfD alemão, o Partido da Liberdade do Wilders
(Holanda), o FPO austríaco, o UKIP inglês, os Democratas Suecos, o Partido dos
Finlandeses, o DFP dinamarquês, a Aliança Nacional na Letónia, o Povo da
Liberdade ou a Lega Nord ou ainda o Movimento Cinque Stelle na Itália, a Aurora
Dourada grega …sem que se tenha aqui esgotado a listagem.
É uma realidade bem conhecida que a direita clássica goste de regimes
ditatoriais ou musculados, da lei e da ordem, da “natural” hierarquia entre
dominantes e dominados, rejeitando o Outro, do lado de fora da fronteira ou não
oriundo do povo eleito a que acha pertencer. Poderá parecer estranho que na
chamada esquerda, o nacionalismo tenha adeptos. Mas não é.
8 - Origens do nacionalismo de “esquerda”
Marx e Engels tinham grande carinho pelos estados-nação,
desprezando os povos sem estado e, como alemães, encaravam a Rússia czarista e
os eslavos com particular repúdio. Engels apoiou a guerra dos EUA para a
conquista da Califórnia aos “mandriões mexicanos”, como um avanço
civilizacional… Dentro dessa perspetiva “civilizacional” apoiaram também a
independência do Texas às mãos dos esclavagistas, contra o México que já havia
abolido a escravatura em 1829, com um avanço de 34 anos face aos EUA. Estas
posições que privilegiavam a intervenção no âmbito da geopolítica, com o
envolvimento nas disputas entre as potências, chocaram-se no seio da I
Internacional (AIT) com as teses de Bakunin que privilegiava a luta autónoma dos
trabalhadores e dos povos, em detrimento das disputas entre oligarquias
nacionais.
Marx foi um profundo analista do capitalismo como sistema económico
mas, politicamente foi menos brilhante. Assim, só cerca de um mês depois de
instaurada a Comuna de Paris, Marx deixou de defender uma aliança franco-alemã
contra a… Rússia, apoiando então a insurreição popular parisiense. Essa
dualidade tem-se mantido no código genético de partidos que se dizem de
esquerda e pessoas que, mal informadas, os tomam como tal.
Depois da Revolução de Outubro, a opção pelo “socialismo num só
país” selou essa tradição nacionalista de várias formas. Uma, com a pressão –
com efeitos desastrosos – para o desencadear das revoluções na Alemanha e na
Hungria e, mais tarde, com a submissão dos partidos comunistas (nacionais, como
se sabe) aos interesses estratégicos da URSS, do seu poder despótico, para a
construção de um capitalismo de estado, onde, entretanto haviam sido liquidados
os sovietes e esmagados os revolucionários em Kronstadt ou na Ucrânia,
empenhados numa revolução social.
Em Portugal, esta fixação na prevalência da nação continua hoje
presente na escolástica da “esquerda”, através da “política patriótica de
esquerda”, sucessora da “revolução democrática e nacional” inscrita no “Rumo à
Vitória” (1965) de Cunhal; política já então tão nacionalista que o PCP
aconselhava os seus militantes a participarem na guerra colonial contra os
movimentos de libertação! Hoje, essa mesma “esquerda” fala nos problemas do país,
como se as dificuldades resultantes do capitalismo fossem sentidas de igual
modo por todos os habitantes do país[5];
como se não houvessem dois países, no terreno. Uma vez mais é a preferência
pela participação no jogo institucional em prejuízo da organização autónoma dos
excluídos daquele.
Com vocabulário semelhante, surgem alguns pequenos grupos políticos
dominados pelo delírio nacionalista que recusam observar a evolução do
capitalismo nos últimos 50 anos e admitem a existência de uma burguesia
nacional capaz de alicerçar uma banca nacional, desde que servida por uma
política patriótica, entrincheirada atrás das fronteiras que …as transnacionais
e os capitais continuariam a atravessar sem dificuldades, sem olhar para a cor
da bandeira.
9 - Do nacionalismo ao fascismo vai o passo de um anão
O nacionalismo, hoje, em tempos de domínio global do capital
financeiro e das multinacionais, é sobretudo uma forma de dividir as pessoas,
umas contra as outras, de lhes incutir uma lógica desajustada no tempo; eles, os
tais 1%, procuram manter como capitalista a globalização, encarada como
instrumento útil para o funcionamento do sacrossanto mercado, através de
psicopatias como concorrência, competitividade ou empreendedorismo. Essas
psicopatias tendem a responsabilizar individualmente, a
hierarquizar, a menosprezar as lógicas de ajuda mútua, de
colaboração e de solidariedade, embora estas sejam tão antigas como a espécie
humana; assim, a individualização nacional, a focagem na identificação
patriótica, a segmentação entre nós e os outros é aproveitada pelos gestores do
capitalismo, as classes políticas, para exacerbar rivalidades e falsas
diferenciações. Em seu benefício, está bem de ver.
Nacionalismo é sempre fonte de exclusões sociais, discriminando
ou vitimando emigrantes, refugiados, os chamados “sem-papéis”, colocando todos
estes como ameaças para os estratos mais pobres, mais mal pagos, menos
qualificados da população nativa; como se observou na votação do Brexit. Um bom
nacionalista prefere sempre um capitalista nacional a um trabalhador vindo de
outras latitudes; e como estado-dependente (não há anarquismo nacionalista)
resvala facilmente para o apoio aos “seus” capitalistas contra os trabalhadores
locais cujas reivindicações possam prejudicar a “economia nacional”[6].
Há uma escada que quando se começa a descer acaba em violência e desastre; no
primeiro degrau está o nacionalismo, logo a seguir o patriotismo, a xenofobia,
desembocando na viscosidade pútrida do fascismo. Perante um nacionalista,
tenham toda a atenção; no momento conveniente, torna-se fascista.
Contrariamente ao que muitos possam pensar, não há nacionalismo
progressista; ou então, só muito transitoriamente isso acontece,
seguindo-se-lhe uma rápida degenerescência. Os movimentos de libertação das
colónias portugueses beneficiaram de imenso apoio e simpatia pelo mundo e
tornaram-se gangs de malfeitores, depois de chegados ao poder, como no caso da
bem conhecida mafia governamental angolana. Os vietnamitas combateram com enorme
coragem o invasor norte-americano, seus serviçais e aliados; entretanto, os
seus chefes tornaram-se gestores de trabalho barato para as multinacionais. O
domínio dos aparelhos de estado sempre foi fonte de mordomias e de legalização
do roubo em benefício de limitados grupos de pretensos iluminados, ao mesmo
tempo que é uma excelente alavanca para a exclusão e a pobreza da grande
maioria; e alcançar esse domínio, mesmo que após luta encarniçada contra um
ocupante, não molesta as estruturas do capitalismo se não destruir o aparelho
de estado.
Os nacionalistas, os xenófobos, os fascistas estão todos do
mesmo lado. Precisam de fronteiras guardadas aproveitando-se hipocritamente do
contrabando ou da humilhação dos imigrantes; comovem-se com a bandeira a
adejar, com hinos guerreiros a evocar fantasias passadas, com militares a
desfilar em paradas carnavalescas; sonham com bancos com coutadas nacionais, impossíveis
num sistema financeiro global e querem moedas nacionais para a populaça… desde
que lhes seja dado o privilégio de aceder a moeda forte, se chegados ao poder.
10 - Os tempos estão difíceis. A saída é estreita e única
Os tempos que vivemos são difíceis. O combate ao capitalismo
neoliberal e às suas instituições não poderá significar apoio ao modelo
keynesiano, inaplicável e inconveniente, uma vez que mantém o papel do
estado como gestor último do capitalismo; como agente que acciona a matraca da
polícia, as multas e as coimas que enfeitam a punção fiscal, os benefícios a
grandes capitalistas e investidores externos. Nesse sentido, a luta dos povos
contra a globalização capitalista, excludente e genocida não poderá incorporar
as derivas nacionalistas ou fascistas no seu seio. Um falso inimigo do nosso
principal inimigo não é certamente, nosso amigo.
Esse repúdio estende-se totalmente às oligarquias corruptas que
pululam entre Bruxelas, Frankfurt e Estrasburgo ou às classes políticas
nacionais em ligação essencialmente harmoniosa com aquelas, no seu comum papel
de funcionários do poder financeiro global e das multinacionais, como é bem
exemplificado por Juncker, Barroso ou Draghi. Toda essa plutocracia, no poder
em toda a Europa, revela facilmente, com mais visibilidade, o seu caráter perante
grande parte da multidão, porque são os executores das malfeitorias que afligem
os povos.
Ora, a diversidade de
nacionalistas e keynesianos também critica aquelas oligarquias, ainda que de
uma forma limitada ou incoerente. Por exemplo,
·
criticam a austeridade mas colocam a dívida que a alimenta, num
plano secundário, em termos aceitáveis para os governos neoliberais;
·
defendem o crescimento do PIB mas são quase silenciosos sobre a
redistribuição do rendimento;
·
defendem o reforço do estado e nacionalizações mas, não põem em
causa o capitalismo;
·
ficam contentes com a criação de postos de trabalho, mesmo que
com menor paga que os extintos, sem contestar o poder dos capitalistas;
·
perseguem o pleno emprego, tomando o salariato como regra, a
subordinação laboral como obrigação e objetivo de vida e, por consequência, o
capitalismo como um dado adquirido;
·
defendem uma segurança social pública mas não referem a sua
descapitalização sistémica em benefício do patronato;
·
aceitam o modelo de representação vigente, focado em partidos,
nunca referindo que democracia é cada pessoa poder eleger e ser eleito, sem
intermediações.
E muito mais questões se poderiam levantar para traçar o quadro
colaboracionista face ao capitalismo, na sua versão neoliberal, por parte de
nacionalistas e/ou keynesianos
Os povos da Europa, pelo sofrimento que uma História de guerras
lhes causou, pelo enorme caldo de culturas que incluem, pelas infraestruturas
que construíram, pelo elevado grau de conhecimentos que possuem, têm todas as
razões para gerar formas de convivência, pacíficas e solidárias, sem extorsões
de ordem financeira ou estatais, sem estados-nação, nem as hierarquias políticas
mafiosas a conspurcar essa convivência. Referimos aqui um artigo de um dos mais
renomados sociólogos de hoje – Manuel Castells
– que exprime claramente o que nos importa construir.
Assim, defende-se uma Europa dos povos, dentro destes parâmetros
gerais:
·
O objetivo central das sociedades é a satisfação das
necessidades coletivas e não essa medida vaga, falsificada e ambientalmente
nociva que é o crescimento do PIB, adotada como mandamento nas universidades,
por neoliberais e keynesianos;
·
O objetivo das unidades de produção de bens ou serviços é a
satisfação dessas necessidades humanas no contexto de um planeta sustentável,
objetivos esses inseridos em preferências locais, regionais, nacionais,
globais, consoante a natureza e a complexidade dos produtos e serviços,
reduzindo-se assim a imensa sobrecarga ambiental e o custo energético dos
sistemas logísticos e de transportes.
·
O modelo de gestão dessas unidades não poderá basear-se no poder
oriundo da propriedade capitalista mas, na propriedade coletiva, sob a forma de
auto-gestão pelos seus trabalhadores em articulação com a comunidade em que se
inserem;
·
Um sistema financeiro vocacionado para a captação de poupanças e
sua participação em investimentos em empreendimentos de caráter social,
infraestrutural, económico e cultural, com o banimento das atividades
especulativas e predatórias que hoje dominam o mundo da finança.
·
Aproveitamento cabal das capacidades técnicas disponíveis para
melhoria da produtividade e redução do tempo de trabalho, acompanhado da
extinção de funções burocráticas, estupidificantes, militares ou securitárias,
com a sua substituição por tempos de lazer, de gestão de afetos, dedicação ao
desporto, às artes e à cultura em geral;
·
A decisão no âmbito da satisfação das necessidades coletivas é
tomada, prioritariamente, ao nível local, regional... pelos seus habitantes (erigir
uma escola básica é claramente uma decisão local mas, um hospital envolve a
população de uma região e um aeroporto, uma área ainda mais dilatada). Isto
constitui uma total inversão do princípio da subsidiariedade definido no
Tratado da UE[7].
·
As decisões deverão ser tomadas democraticamente pelos seus
beneficiários, na base de discussão coletiva; quando haja a necessidade de
representação, o representante será eleito com um mandato preciso – no conteúdo
e/ou no tempo - e responderá perante os que o escolheram que, a qualquer
momento lhe poderão retirar o mandato;
·
Eliminação de fronteiras, com liberdade de circulação para todos
os seres humanos, ausência de classes políticas, desmilitarização e abandono da
participação em instâncias militares.
(a)
Este texto conclui um conjunto de
cinco documentos. Os anteriores são os seguintes :
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/08/o-projeto-ue-desvalorizacao-interna-o.html
Este e outros textos em:
[2] Num total de umas 65000
com 850000 filiais, as suas trocas internas representam 1/3 do comércio mundial
e as suas 500 maiores têm receitas equiparadas a 48% do IB mundial
[4] O caso da Irlanda, nos últimos anos oferece exemplos
paradigmáticos. Em 2010 o país aceitou o plano de austeridade da troika para suprir um deficit público de
32% do PIB resultante da nacionalização de bancos falidos. Em 2015 o PIB
irlandês cresceu 26.3% sem que a população tenha enriquecido com isso. A razão
é que sendo a taxa de IRC de 12.5%, várias multinacionais deslocaram para a
Irlanda as suas sedes e aí contabilizaram os seus lucros; uma situação que
justifica também a enorme capitação do rendimento no Luxemburgo ou as
“exportações” do offshore da Madeira.
[5] Tornou-se moda, os neoliberais adoptarem o factor de
sustentabilidade nos sistemas de segurança social, com o argumento
absolutamente falso de que os trabalhadores, com a maior longevidade, não terão
acumulado em descontos o suficiente para uma pensão decente até à morte. Nesse
contexto, aumentam a idade e outras condições para o início da aposentação. Em
Portugal esse factor de sustentabilidade foi criado em 2005 pelo actual
ministro Vieira da Silva então acolitado por Pedro Marques, promovido
recentemente a ministro.
http://economico.sapo.pt/noticias/portugueses-transferem-784-milhoes-para-offshores_248216.html (dados da Autoridade Tributaria referentes a …2009)
[7] Quem tiver vivido ou
estudado o PREC em Portugal (1974/75) saberá como os sindicatos afetos ao PCP
combateram – incluindo com agressões - greves e reivindicações, apontadas como
fazendo “o jogo da reação”.
[8] “O nº 1
do artº 4 refere que “as competências que não sejam atribuídas à União nos
Tratados pertencem aos Estados-Membros” e o nº3 do artº 5º remete para o nível
comunitário, em temas que não sejam de sua exclusiva competência, os casos em
que os objetivos das ações “não possam ser suficientemente alcançados pelos
Estados‑Membros, tanto ao nível central, como ao nível regional e local…”.
Nesse contexto são os parlamentos nacionais os zeladores do princípio da
subsidiariedade a nível interno, “de acordo com o processo previsto no referido
Protocolo”, depois de a UE ter definido as suas áreas de decisão.
Este princípio apresenta uma formulação distorcida, inserida
numa acepção vertical, de cima para baixo, como demarcação do terreno entre o
mandarinato comunitário, cada vez com mais instâncias a seu cargo – Comissão
Europeia, Parlamento Europeu, Presidente do Conselho Europeu, a Alta
Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança,
BCE, Banco Europeu de Investimentos, Eurogrupo, Comité das Regiões, Comité
Económico e Social, Tribunal de Contas Europeu, Tribunal de Justiça da UE,
entre outras menores – deixando-se às classes políticas nacionais a
estruturação das hierarquias entre poderes nacionais, regionais e locais,
sempre numa lógica senhorial, de outorga, de benevolente mercê, de cima para
baixo. Um sistema político antidemocrático, em suma, que as direitas montaram,
com a naturalidade inerente às suas concepções autoritárias e que as esquerdas
institucionais aceitam, displicentes pois as suas concepções da política são
igualmente baseadas na autoridade e no privilégio.
O
princípio da subsidiariedade como entendido no Tratado da União Europeia é
exatamente o oposto de quaisquer entendimentos e práticas democráticas.” (fonte)
Sendo impossível analisar aqui em detalhe o artigo, dada a profundidade e a abrangência dos assuntos referidos, limito-me a aludir apenas a alguns aspectos pontuais.
ResponderEliminarPenso ser essencial equacionar as profundas relações simbióticas entre capitalismo, neoliberalismo e globalização que, sendo conceitos diferenciados, funcionam em estreita complementaridade. Infelizmente, Castels, considera a globalização apenas como um dado adquirido. Não se interroga sobre as suas origens, as suas estreitas relações com o sistema de produção capitalista nem com a deriva de crescente apropriação de recursos inerente ao sistema. Menos ainda, não se debruça sobre aspectos relevantes como o facto de o desenvolvimento dos países emergentes se ter dado em larga medida pela adopção de medidas em total contradição com o dogma neoliberal, por exemplo.
Não esbanjámos.....Não pagamos!!!
Zé
Certo. Castels é um sociólogo de nomeada. De facto a globalização é um dado difícil de voltar atrás pelas forças económicas e sociais presentes . Mas, de facto não procede a projeções, tendências e muito menos a opçóes políticas
EliminarEle nos últimos livros, que me recorde abordou os movimentos sociais iniciados em 2011 e o impacto das novas tecnologias, sobretudo no âmbito das comunicações como cadinho de transformações, uma das quais foi "apenas" a globalização. Embora as tecnologias sejam importantes para explicar os ciclos, historicamente (Kondratiev e Schumpeter), hoje há um certo patinar na grande inovação que, não atraindo investimento (tem a concorrência, para mais da especulação financeira, mais móvel). Outro problema que não recordo a relevância dada por Castels é o da burocracia que cresce, cresce com a maturidade do capitaismo, enterrando-o na estagnação, porque improdutiva. Graeber trata bem esse assunto. GT
E depois de ler pacientemente esta longa lista de slogans com que é catalogado tudo o que mexe e tudo ser para derrubar a pregunta do aluno é: que é que eu tenho de fazer?
ResponderEliminarSe a essa pregunta não responde o professor podemos ficar certos que cada um de nós fará o que muito explícita e sinteticamente nos ordenam as vozes desse malditos slogans.
Vejamos. Num pântano há movimento mas ninguém espera retirar laranjas de lá. Se se não analisa o capitalismo mas bastante o desenrolar dos jogos de futebol; se se gasta mais de 4 horas a olhar para a tv, em isolamento e em entorpecimento sonolento, em vez de se estudar a situação e em ações locais mínimas, o que se pode esperar? Que algo mude?
ResponderEliminarFeuerbach dizia em meados do séc XIX que os filósofos já tinham analisado o mundo e que este estava maduro para ser transformado. Marx só percebeu e apoiou a Comuna de Paris algo atrasado face aos acontecimentos. As teorias e as estratégias valem o que valem até que a prática as desminta e obrigue a reformulações, se houver honestidade intelectual para isso. As teses dos "professores" não são guias de procedimentos, são tentativas de conceptualização da realidade; as táticas são construidos no terreno, em cada momento e situação concreta. Mas sabe-se muito bem que com cada um entregue, isoladamente, às suas cogitações, qualquer ação terá falhanço garantido, se alguma vez se chegar à ação. Como se colocam as pessoas a falar umas com as outras sobre as suas vidas e as agruras resultantes do capitalismo? Não abundam por aí nem grupos de reflexão nem grupos de pessoas interessadas em refletir, a organizar discussões, ficando contentes com a pobreza franciscana dos comentadores televisivos, quase sem excepção bem integrados nas idiossincrasias do poder; algum deles aborda, sequer o cpitalismo? Já reparou que ainda há quem não tenha percebido que na URSS se montou um capitalsimo de Estado; e há quase 100 anos? E que neste pântano o nacionalismo e o fascismo vao ganando adeptos, esquecidos dos anos 30 e da guerra
Estou convicto que a evolução exponencial da tecnologia tendo à cabeça a inteligência artificial pode alterar radicalmente a curto-médio prazo o paradigma apresentado no post.
ResponderEliminarO principio a meu ver está correcto! O meio ou a forma para se atingir esse fim é que está errado. Porque cada Povo ou Nação é que tem que resolver os seus problemas próprios ou específicos e os comuns!
ResponderEliminarO princípio de que as decisões partem de baixo para cima está lá expresso na pag. 13 "A decisão no âmbito da satisfação das necessidades coletivas é tomada, prioritariamente, ao nível local, regional... pelos seus habitantes (erigir uma escola básica é claramente uma decisão local mas, um hospital envolve a população de uma região e um aeroporto, uma área ainda mais dilatada). Isto constitui uma total inversão do princípio da subsidiariedade definido no Tratado da UE"
Eliminar