Spinoza distinguiu a potentia,
como capacidade de realização face a potestas,
dominação. Pablo Iglésias e os seus iluminados amigos pretendem-se dignos da auctoritas para exercerem a potestas. Reacionarismo puro, nada de
novo.
1 – Um pouco de História
2 - As eleições de junho em Espanha
2.1 – Aumento da desafeição
2.2 – As dificuldades do bipartidarismo não alteraram
o regime
2.3 – O Podemos, tentativa de
integração autoritária do 15 M
3 - Como se constroem as alternativas
1 – Um
pouco de História
O estado espanhol tem sido atravessado, historicamente,
por tensões centrífugas e centrípetas, em regra afogadas com violenta repressão,
como aconteceu após a vitória dos fascistas na guerra civil de 1936/39. No
processo de transição do franquismo para o regime parlamentar, contemplou
acordos entre as direitas representadas em Madrid com as sediadas em Euzkadi e
Catalunha, para a continuidade de uma Espanha unida, dentro das suas fronteiras
tradicionais, com a manutenção de um rei como chefe de estado. O PSOE de Felipe
Gonzalez e o PCE de Santiago Carrillo, bem como as centrais sindicais que lhe
são próximas, aceitaram essa configuração, desenhada em 1977 (Acordos de
Moncloa).
A ETA não aceitou essa situação e manteve as formas de
luta armada, iniciadas no tempo de Franco, contra o governo nacional o qual, por
seu turno, exerceu uma repressão muito violenta contra o independentismo basco,
em concertação com a França; até que, há alguns anos atrás se decidiu o fim da
luta armada. Em paralelo, para além das aspirações nacionais de Euzkadi e da
Catalunha, alicerçadas nas mais poderosas economias do estado espanhol, outras
se levantaram entretanto, com menos ímpeto, como na Galiza, na Comunidade Valenciana,
na Canárias ou nas Baleares, para além de pulsões da afirmação regional e
identitária, na Cantábria ou na Andaluzia. Assim, o estado espanhol é
constituído por 17 Autonomias, com governos próprios e ainda, por Ceuta e
Melilla, enclaves na costa marroquina que se apresentam com reminiscências
coloniais; do mesmo modo que a Grã-Bretanha se tem mantido em Gibraltar há mais
de 300 anos.
A crise financeira aberta em 2010, exigiu forte
austeridade e gerou enorme desemprego, os quais provocaram, por um lado, mais
tensões entre as Autonomias e o governo de Madrid, juntando as reivindicações
autonómicas e independentistas, particularmente agudas na Catalunha, às lutas
contra as dificuldades económicas e sociais. Desenvolveu-se uma contestação de
um novo tipo, que cruza intenções de maior autonomia ou independência, com
reivindicações de defesa dos padrões de vida através de formas organizativas
autogestionárias e de democracia direta, que encontraram eco no passado, nos
anos 30, esmagadas então, pela ação inicial do estalinismo e depois, pela do
franquismo.
Do ponto de vista político e a nível nacional,
estabeleceu-se o típico modelo de rotativismo em torno de dois partidos
atravessados pelo compadrio e pela corrupção, representantes do poderoso
sistema financeiro, cujas dificuldades foram superadas por uma rápida reestruturação
e capitalização à custa das finanças públicas. O PP (Partido Popular),
marcadamente de direita, centralista e católico, é membro do PPE (Partido
Popular Europeu), onde estão também os portugueses PSD (Partido
Social-Democrata) e CDS (Centro Democrático e Social); e o PSOE é membro da
coligação europeia S&D (Socialistas e Democratas), onde se encontra também
o PS (Partido socialista) português, está ligado à central sindical UGT e teve
um passado de recusa do franquismo. Em comparação com os dois partidos
dominantes e homólogos do vizinho ocidental de Espanha, o PP situa-se como mais
reacionário que o PSD ou o CDS português, dado o maior peso político da Igreja
em Espanha; e, por seu turno, o PSOE, pelo seu enraizamento social, mostra-se
menos reacionário que o PS português, que se firmou como o elemento dirigente
na “normalização” política de 1975.
O longo passado fascista em ambos os estados ibéricos
atuais tem mantido marginal a expressão e a formação de organizações e partidos
assumidamente xenófobos, pese embora a grande população de imigrantes em
Espanha, muitos dos quais provenientes de países islâmicos; do mesmo modo que
são residuais as organizações fascistas. A integração dentro da UE ou na zona
euro não têm grande contestação em ambos os países, sobretudo porque não existe
o referido caldo de cultura xenófobo, como acontece em França, Holanda ou
Inglaterra. No caso português, o PCP (Partido Comunista Português), historicamente,
defende uma política “patriótica de esquerda” por muito incoerente que seja
essa designação, com saída da UE e do euro, como expressão salvítica para uma
decadência nacional secular e que exerce uma clara influência ideológica sobre pequenos
grupos da área trotsko-estalinista ou de professores universitários.
Ainda na área esquerda dos espetros partidários há a
relevar, em Espanha a IU (Izquierda Unida) e o recente Podemos, que concorreram
coligados nas últimas eleições, que são simples partidos sociais-democratas,
tal como em Portugal, o já referido PCP e o BE (Bloco de Esquerda). Estes
partidos, tal como o Syriza grego merecem da imprensa e dos partidos mais à
direita a designação ridícula de esquerda… radical!
2 - As
eleições de junho em Espanha
2.1 –
Aumento da desafeição
É complicada a análise das eleições em Espanha tendo em
conta o posicionamento dos grupos e partidos concorrentes, entre defensores de
um estado centralizado e regionalistas, autonómicos ou independentistas para
além da habitual divisão entre direitas e esquerdas e daqueles que se não
afinam por esse diapasão, como o PACMA. A tarefa é ainda mais complicada porque
há uma enorme diversidade de candidaturas, a que se acrescentam alterações sensíveis
nas referências concorrentes, entre os dois últimos actos eleitorais; e ainda,
quando surgem coligações onde se cruzam formações centralistas com outras restritas
aos seus espaços territoriais, autonómicos.
Os três últimos atos
eleitorais para o Congresso espanhol, apresentam os seguintes elementos de
caráter geral:
2011
|
2015
|
2016
|
|
Censo
|
35.779.491
|
34.630.658
|
34.597.038
|
Votantes
|
24.666.441
|
25.349.824
|
24.161.083
|
Votos dirigidos
|
23.917.752
|
24.925.004
|
23.744.650
|
Brancos
|
431.134
|
197.826
|
190.545
|
Nulos
|
317.555
|
226.994
|
225.888
|
Abstenções
|
11.113.050
|
9.280.429
|
10.435.955
|
Taxa de desafeição[1]
|
33,2 %
|
28,0 %
|
31,4%
|
Fonte
primária: http://resultados.elpais.com/elecciones/2011/generales/congreso/
Após uma retoma do interesse na participação eleitoral em
2015, de novo aquela volta a cair, seis meses depois, para valores de votos
dirigidos a partidos, inferiores aos observados em 2011; ao aumento de 1 M de
novos votantes em partidos entre 2011 e 2015, segue-se uma quebra de 1.2 M de
participantes seis meses depois do momento eleitoral de dezembro. Entre 2015 e
2016 não há praticamente nenhuma variação nos quantitativos dos votos brancos
ou nulos, pelo que a grande alteração nesta análise global é a do aumento de
abstencionistas que se aproxima dos referidos 1.2 M de pessoas.
Sendo assim. a taxa de desafeição que baixara mais de 5
pontos percentuais entre 2011 e 2015, como resultado da existência de novidades
eleitorais com perspetivas de bons resultados – Podemos e Ciudadanos –
recuperou em 2016, para valores que se aproximam dos de 2011, sabendo-se que os
principais prejudicados com essa regressão eleitoral foram, precisamente, as
coligações Unidos Podemos e o Ciudadanos.
A intervenção das instituições europeias, a submissão dos
dois partidos PP/PSOE aos interesses do capital financeiro, a política de
saneamento das burlas bancárias, o enorme incremento do desemprego, a inclusão
do pagamento prioritário da dívida na Constituição, o despejo das suas casas, de
pessoas arruinadas, para satisfação dos bancos, a repressão sobre os movimentos
sociais, a revelação de variados casos de corrupção, constituíram outras tantas
razões para essas quebras eleitorais.
2.2 – As dificuldades do bipartidarismo não alteraram
o regime
Os dois grupos do bipartidarismo
tradicional – PP e PSOE – face ao ocorrido em 2011, apresentam pesadas perdas nos
dois últimos actos eleitorais; um total de 5.1 M em 2015 e 4.5 M em 2016, em
virtude da recuperação de quase 700000 votos por parte do PP. Os partidos do
bipartidarismo passaram de quase 18 M de votos em 2011 para 13.3 M cinco anos
depois; no caso do PSOE, as perdas foram proporcionalmente maiores na Catalunha
e em Euzkadi, onde a ambição independentista é mais forte.
1000
2011
|
2015
|
2016
|
||
PP dos quais:
|
10867
|
7216
|
7906
|
|
- UPN-PP de Navarra
|
127
|
102
|
106
|
|
PSOE
dos quais:
|
7004
|
5531
|
5425
|
|
- PSOE-NCa,
de Canárias
|
231
|
218
|
220
|
|
- PS
Catalunha
|
923
|
589
|
558
|
|
- PSdeG-PSOE,
da Galiza
|
458
|
348
|
345
|
|
- PSE/EE,
do País Basco
|
255
|
161
|
164
|
|
A distribuição, nas três últimas eleições, dos votos dos outros partidos que
não colocam em causa a actual arquitetura política do estado espanhol e, com
mais de 100 mil votos, apresenta-se deste modo:
1000
2011
|
2015
|
2016
|
|||
IU-UPeC Unidade Popular, IU Unidade Popular en Comum
|
1.686
|
Coligações que envolvem Podemos, IU e outros
|
2.007
|
Coligações que envolvem Podemos, IU e outros
|
2.541
|
Podemos apenas
|
3.182
|
Unidos Podemos
|
2515
|
||
UPyD
|
1.143
|
Ciudadanos
|
3.500
|
Ciudadanos
|
3.124
|
EQUO
|
217
|
IU-UPeC Unidade Popular, IU Unidade Popular en Comum
|
923
|
PACMA - Partido Animalista Contra el Maltrato Animal
|
285
|
PACMA - Partido Animalista Contra el Maltrato Animal
|
102
|
PACMA - Partido Animalista Contra el Maltrato Animal
|
219
|
||
UPyD
|
153
|
||||
Partidos com 10/ 100000 votos
|
102 (5)
|
Partidos com 10/ 100000 votos
|
148 (4)
|
Partidos com 10/ 100000 votos
|
175 (4)
|
Fonte primária: http://resultados.elpais.com/elecciones/2011/generales/congreso/
Nesse processo de descrença no
bipartidarismo, surgiu à direita o Ciudadanos, como elemento de captação do
eleitorado mais conservador, incomodado com os imensos escândalos financeiros e
com a corrupção que caraterizou altos quadros do PP ou, lateralmente, do PSOE.
Beneficiou também com a derrocada da UPyD – Unión Progreso y Democracia que
passou de 1.1 M de votos em 2011 para 50000 cinco anos depois. No projeto
Ciudadanos o marketing faz-se pela apresentação de uma nova classe política, de
quadros não publicamente (pelo menos) manchados pela corrupção, ecléticos o
suficiente para eventuais acordos com o PP ou o PSOE e com uma imagem de
modernidade e descontração. Esse desiderato, no dia 26 ficou prejudicado pelo
cerrar de fileiras na direita tradicional, o susto e a insegurança provocada
pelo Brexit ocorrido em vésperas das eleições; por outro lado, não houve a
hemorragia do PSOE que as sondagens remetiam para o lugar mais baixo do pódio; e
o conformismo dos eleitores com uma corrupção que consideram sistémica, equiparou
as forças políticas e contribuiu para a elevação dos níveis de desafeição face
ao sistema político, prejudicando as estrelas de 2015, o Ciudadanos à direita e
o Podemos, na área social-democrata.
2.3 – O Podemos, tentativa
de integração autoritária do 15 M
Para o desafeto face aos
partidos tradicionais do regime e ao modelo antidemocrático de representação foi
determinante o papel da movimentação social que desabrochou em 2011 nas ruas,
baseada em lógicas de democracia direta, sem chefes carismáticos ou inamovíveis,
sem mafias partidárias a exercer o pastoreio e capaz de promover protestos e
gerar ideias para uma nova sociedade, democrática e despida das taras do
capitalismo. Porém, como confluência de lógicas libertárias, universalistas e
defensores dos vários autonomismos e independentismos conhecidos no estado
espanhol, foi difícil criar uma rede rizomática com um grau de coesão
suficiente que impedisse a incursão de elementos mediáticos, estatistas e tolerantes
com o capitalismo, imbuídos do mesmo espírito de tomada do poder para dele se
servirem, como é característico nos regimes políticos vigentes na Europa.
Referimo-nos particularmente ao
Podemos e ao seu chefe carismático e autoritário, Pablo Iglésias, politólogo,
admirador de Santiago Carrillo e inspirado em Ernesto Laclau, popularizado por
um programa de televisão e hábil manipulador de massas, com o evidente fito de
enfraquecimento e substituição do PSOE, como contraponto ao PP, à direita tradicional
e dos negócios, coluna vertebral do sistema político. O Podemos tem
protagonizado um aggiornamento, um
projeto de cara lavada para a manutenção do rotativismo bipartidarista, com
alterações adequadas a uma continuidade feliz da marcha dos negócios.
O exemplo de Tsipras e do
Syriza, como substituto do velho e desacreditado Pasok, esteve certamente no cérebro
de Iglésias e no dos seus iluminados amigos, Monedero e Errejón. Em épocas de crise
económica, social e política, surgem sempre os placebos de esquerda para
cumprir o papel que a direita, desacreditada, não pode assumir.
Fonte: Lusbert[2],
Há quem diga que não houve
surpresa nos resultados recentes do Unidos Podemos mas antes, nos que foram
obtidos em dezembro de 2015, surgidos após os bons desempenhos do Podemos nas
europeias de 2014 e nas municipais do ano passado.
Neste último caso, os
resultados foram devidos ao protagonismo local de ativistas do 15M, à sua
autenticidade, espírito inclusivo e não sectário, ao seu conhecimento da
sociedade e da rua, refletindo o trabalho da PAH contra os despejos, do
15MpaRato para a detenção de Rodrigo Rato, da PACD pela auditoria à dívida, das
Mareas, do Legal Sol pela defesa dos direitos e muitos outros. Obviamente, o
Podemos pela sua recente aparição não poderia ter grandes resultados nas
eleições municipais se se não tivesse ligado aos grupos locais, coletivamente
designados Indignados.
Assim, Manuela Carmena e Ada
Colau, vencedoras em Madrid e Barcelona, respetivamente, não são do Podemos mas,
de outras plataformas baseadas na cidadania - Ahora Madrid e Barcelona en Comú.
E foram vítimas do manobrismo de Iglésias para gerar confusões e
reinterpretações da realidade, para construir a posteriori a sua imagem de lutador e dourar o seu papel como
grande líder. Assim, Colau e Carmena surgem sob o rótulo Podemos, sem o seu
consentimento[3].
Um exemplo do papel dos
Indignados observa-se quando se compara a votação do Podemos nas autonómicas em
Madrid (285000) e as de Ahora Madrid para o município, que teve 519000.
Em 2015 e 2016, nas eleições para deputados, os resultados relacionados
com o Podemos, IU e coligações tiveram a seguinte expressão, pretendendo-se
apresentar elementos tão comparáveis quanto possível:
1000
2015
|
2016
|
||
Podemos
|
3182
|
Unidos Podemos
|
2515
|
Coligações que incluem
Podemos e IU
|
1336
|
Coligações que incluem Podemos e IU
|
2541
|
En Comú (Catalunha)
|
928
|
ECP - En Comú Podem-Guanyem el Canvi (Catalunha)
|
849
|
Podemos -En Marea-ANOVA-EU (Galiza)
|
408
|
Podemos
-En Marea-ANOVA-EU (Galiza)
|
344
|
Podemos-Compromis-EUPV (C. Valenc.)
|
656
|
||
Podemos /A.DUGU-IU-Equo (P. Basco)
|
334
|
||
Podemos -IU-Equi-Batzarre (Navarra)
|
95
|
||
Podemos -EUIB-MÉS (Baleares)
|
118
|
||
Podemos -IU-Equo-IAS-CLIAS (Astúrias)
|
146
|
||
Coligações que incluem
Podemos e não IU
|
671
|
||
Podemos-Compromis (Com. Valenciana)
|
671
|
||
Izquierda Unida
|
923
|
-
|
|
Total Podemos, IU e coligados
|
6112
|
5056
|
Fonte
primária: http://resultados.elpais.com/elecciones/2011/generales/congreso/
A coligação Unidos Podemos e as suas parcerias com forças políticas de
caráter autonómico ou ecologista apresentaram uma quebra significativa e, de
modo mais preciso, apresentaram em 2016 quebras nítidas face a dezembro de 2015
na Catalunha e Galiza, bem como na Comunidade Valenciana, aqui apesar da junção
da IU, em junho; e ainda, globalmente, apesar das novas frentes políticas no
País Basco, em Navarra, nas Baleares e nas Astúrias.
Observa-se um não
reconhecimento das virtudes da coligação Unidos Podemos, sobretudo no seu propósito
de esvaziamento do PSOE com a passagem de Unidos Podemos para o segundo posto
no ranking partidário. O PSOE foi um
grande beneficiado com as perdas da coligação chefiada por Iglésias e mesmo
assim perdeu votos, com uma distribuição geograficamente bem marcada, como
assinalada pelo jornal El Diário[4];
“Si
se suma la población de las 10 mayores ciudades españolas y se comparan los
resultados entre el 20D y el 26J, las fuerzas de Unidos Podemos han perdido 4
puntos. Solo han perdido 1 punto con respecto al 20D allí donde ya eran más
débiles: en el ámbito rural.
Las fuerzas de Unidos Podemos y
sus confluencias pierden 250.000 votos en las 10 ciudades más pobladas, el
doble que en los pequeños pueblos, donde pierden 150.000 votos con respecto al
20D.”
Estes resultados revelam as insuficiências dos projetos
sociais-democratas defendidos pelo PSOE e por Unidos Podemos em convencer os
povos do estado espanhol sobre as suas capacidades e vontades de resolver os
problemas agudos que o país tem e que podem conduzir a sanções decretadas pelos
totalitários da Comissão Europeia e do Eurogrupo. Daí resulta o recrudescimento
da abstenção, o reforço da confiança no PP, como expressão de medo que faz
esquecer as malfeitorias e a corrupção que caraterizam a direita tradicional; e
ainda uma estagnação ou redução do voto a favor de partidos defensores de maior
autonomia, em todas as suas formulações.
A análise pode completar-se, para o caso de Podemos e IU, para o período
2011/16, para as autonomias mais povoadas onde não houve coligações formais envolvendo
aqueles partidos políticos e onde o voto regionalista tem pouca expressão.
1000
2011
|
2015
|
2016
|
|
Comun. Madrid
|
271
|
939
|
730
|
Podemos
|
-
|
750
|
730
|
IU
|
271
|
189
|
|
Andaluzia
|
360
|
1015
|
787
|
Podemos
|
-
|
749
|
787
|
IU
|
360
|
256
|
Fonte primária:
http://resultados.elpais.com/elecciones/2011/generales/congreso/
O programa apresentado pelo Unidos Podemos, nada tem de progressista – há
um século que a social-democracia se dedica à gestão do capital; nada tem que
efetivamente contribua para avanços democráticos consolidados, nem toca no caráter
capitalista e excludente dos regimes vigentes nos países da UE.
- Mantém o
Estado (sobretudo o central) como a pedra angular por onde passa tudo o
que afecta a vida das pessoas, repleto de medidas específicas que nada
alteram a substância do poder capitalista, nem os poderes da classe
política;
- Mantém a vida política centrada nos partidos políticos, como instituições verticais, autoritárias, não-democráticas e excludentes que atribuem às suas próprias oligarquias o direito irrevogável de decidir sobre os destinos coletivos. Ao pretender-se como um partido inter-classista, onde caberá toda a gente, bastando para tal ser contra a casta, abre caminho a todas as derivas reacionárias e populistas;
- A concepção da casta, polariza a luta na corrupção, no compadrio e visa moralizar o capitalismo, cobrar um imposto (sempre adiado) sobre as movimentações financeiras e que, naturalmente, já fez esquecer os Panama Papers. Não tem em conta que o funcionamento das instituições, dos estados nacionais ou do super-estado com sede em Bruxelas, se encarrega facilmente de promover um clone do último corrupto caído em desgraça;
- A dívida pública é aceite como globalmente legítima a submeter apenas a uma reestruturação que não prejudique o sistema financeiro global, que utiliza a dívida para a constituição de uma renda perpétua a pagar pelos povos. Foram esquecidos, por exemplo o repúdio da dívida pública odiosa[5] ou o direito de autodeterminação, defendidos nas eleições para o Parlamento Europeu;
- A NATO (OTAN), a presença de bases militares (algumas com armas nucleares armazenadas), a própria existência de forças armadas não é posta em causa, cingindo-se a coligação a uma defesa dos direitos das mulheres no estreito mundo do machismo militarista.
3 - Como se constroem as alternativas[6]
Será conveniente e indispensável pensar-se – uma vez mais - se a ligação
dos movimentos sociais às estruturas políticas do Estado traz avanços
significativos na libertação dos povos das santas alianças entre o poder
económico e as classes políticas que o servem. Ou se a sua contribuição para a legitimação
de encenações democráticas é algo mais do que perpetuar o engano de que haverá soluções
saídas das mediatizadas disputas entre bandos de reacionários e corruptos, em
ligação promíscua com o capital financeiro internacional, com a banca nacional e
que trouxe consigo o desemprego, os despejos, a austeridade e o deficit.
Como se disse atrás, essa
promiscuidade entre os movimentos sociais e um projeto vagamente
social-democrata, protagonizada por um autocrata soberbo que pretende chegar ao
poder servindo-se do apoio popular, nada traz de positivo. Visa canalizar a
contestação para o campo estreito do circo parlamentar, para as decisões
tomadas sem que as pessoas sejam consultadas e sem possibilidades de
contestação, por mais lesivas que possam ser essas decisões.
A afirmação de uma movimentação
popular autónoma, passa por se clarificar, a todo o momento, a diferença face
aos placebos de esquerda, da ala esquerda dos regimes reacionários que nos
oprimem e roubam.
Nos últimos anos, nos países do Sul da Europa acossados pela crise
financeira, pelo desemprego e pela austeridade, desenharam-se três casos
diferentes de evolução nas esquerdas dos regimes políticos, onde o espírito conservador
se evidencia.
- Na Grécia, como referimos acima Tsipras e o Syriza conseguiram eliminar o velho Pasok e procuram cimentar-se no poder como sociais-democratas ao serviço dos interesses do capital financeiro, através da aceitação de uma dívida pública crescente e impagável, mantendo-se o KKE num gueto ou como peça de museu;
- Em Portugal, o PS capturou os partidos da “esquerda” para o apoio de uma política mitigada de cumprimento das decisões do diretório da UE; é previsível uma incorporação do BE no PS[7], uma vez que o partido não tem estruturas locais ou sectoriais e não pode copiar o modelo do Podemos de procurar uma simbiose com os movimentos sociais, frágeis no país; em grande parte, porque a movimentação social em Portugal foi objeto de destruição por parte do próprio BE em 2011/13. Finalmente, o PCP acantonado nos seus redutos autárquicos e sindicais, mantém-se fiel às suas propostas habituais de “política patriótica de esquerda”, de abandono do euro e da UE, como atualização da “revolução democrática e nacional” dos tempos do salazarismo;
- Em Espanha, observa-se um fracasso do Podemos enquanto projeto de substituição do PSOE, como partido do rotativismo com o PP; em contrapartida, tenderá a subalternizar a IU, apontando para os seus habituais votantes, lógicas de voto útil no Podemos.
O fortalecimento dos movimentos sociais passa por redes rizomáticas, por
práticas e decisões democráticas, nos âmbitos regionais e nacionais, com o seu
alargamento a níveis internacionais, sobretudo no âmbito ibérico, como forma de
combater os governos e as classes políticas nacionais e comunitárias corruptas
e ainda, de travar as derivas nacionalistas fascistas ou de “esquerda”.
Em termos muito sumários, esse conjunto de redes poderá constituir-se com
base em pontos estratégicos, como os seguintes:
• União
dos povos da Europa, sem fronteiras, nem taras isolacionistas, patriotismos e
suas degenerescências xenófobas;
• Europa
vocacionada para a satisfação das necessidades dos seus povos e não para o
“mercado”;
• Europa
baseada nas solidariedades e não na competição, nas hierarquias ou, nas várias
formas que caraterizam o patriarcado;
• Decisões
sobre as necessidades coletivas tomadas pelos seus diretos interessados e não
emanadas de diretórios partidários ou aparelhos estatais;
• Prioridade
à sustentabilidade ambiental e à salvaguarda dos recursos do planeta;
• Aproveitamento
integral e criativo das novas tecnologias para reduzir para todos o tempo
dedicado à produção de bens e serviços.
E considerar como aspetos táticos:
• Suspensão
do pagamento da dívida pública, com repúdio de parte substancial da mesma;
• Destruição
das redes e práticas que hoje servem o capital financeiro, as multinacionais e
a acumulação capitalista;
• Fim
da política de empobrecimento e forte redistribuição do rendimento;
• Instauração
de direitos fundamentais nas áreas do trabalho, saúde, educação, segurança
social… incluindo aí práticas democráticas e de autogestão;
• Início
de processos de revisão constitucional que estabeleçam a tomada democrática de
decisões, sem cargas burocráticas ou intermediários institucionais;
• Estabelecimento
de uma relação prioritária e aprofundada entre os povos ibéricos.
Este e outros textos em:
[1] Designamos
por taxa de desafeição o seguinte cálculo: (votos brancos+votos
nulos+abstenções) x 100 /total dos recenseados
[5] Na
primeira apresentação do Podemos em Lisboa, no jardim de S. Pedro de Alcântara,
Teresa Rodriguez afirmou o repúdio da dívida pública, para grande incómodo dos
chefes do Bloco de Esquerda presentes, sempre prontos a mostrar os bons
exemplos vindos do exterior, seja atualmente do Podemos, seja do (agora)
repudiado Syriza, seja há mais tempo, do Die Linke. Como é sabido, Iglésias
retirou notoriedade a Teresa, incómoda para quem queria conquistar o eleitorado
do PSOE
Sem comentários:
Enviar um comentário