quarta-feira, 3 de março de 2021

Capitalismo de mercado e capitalismo de Estado

 No capitalismo comum, das economias ditas de mercado, as oligarquias estatais constituem um funcionalismo ao serviço do engrandecimento do capital privado, que decide sobre a redistribuição; No capitalismo de Estado esse funcionalismo assume o poder, apropria-se do rendimento gerado e decide e subalterniza o capital privado.

 Sumário

1 - Estado, elemento essencial para o sucesso do capitalismo

2 - Onde nos conduziu um mundo de estados-nação

3 – O papel do Estado, na prática do socialismo

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1 - Estado, elemento essencial para o sucesso do capitalismo[1]

Se o Estado é um imprescindível elemento para a gestão e a acumulação do capital, com a concomitante domesticação do trabalho, será estranho que numa URSS e noutros países onde foi aplicado o modelo dito socialista o Estado tivesse assumido aquele papel? A existência de um (aparelho) de Estado é um parâmetro técnico-administrativo ou, um elemento político, de segmentação e hierarquização de uma população, entre governantes e governados?

Por Estado entende-se o aparelho gerado e destinado à afirmação do capitalismo como modo de produção, a partir do século XVII, com a reforma protestante, num processo cuja maturidade foi atingida com a Revolução Francesa; e a que se seguiu um fugaz ensaio de organização social baseado na auto-organização, a Comuna de Paris.

O Estado afirmou-se como um aparelho essencial para delimitar um território (estado-nação) para exclusivo uso dos seus capitalistas, dos seus produtores de têxteis para exportação, dos seus armadores de navios comerciais, dos seus piratas/corsários, dos seus banqueiros, das suas colónias e, para a própria defesa face à concorrência. Essas funções agregaram-se sob uma ideologia – o nacionalismo – então simbolizado por um rei e, ainda, no norte da Europa, onde o capitalismo se mostrou mais desenvolvido, por uma igreja nacional cujo símbolo máximo era, também o rei (uma prática que vem sendo abandonada em tempos recentes). A forte concorrência externa, a conquista ou a rapina dos recursos do resto do planeta exigia uma escala que se iria materializar como a propiciada pelo aparelho de Estado, que constituía o topo e o elemento agregador do estado-nação.

Na lógica do feudalismo o conceito de Estado não se aplica; a autoridade e a arbitrariedade vinha do senhor feudal reinante; o menos mal para o povo seria que as suas casas e campos não fossem assolados pela guerra e pela pilhagem, que os jovens não fossem capturados para servir na guerra ou, que as raparigas não sofressem o estupro praticado pelas soldadescas de passagem.

O estado-nação e o Estado são instrumentos criados pelo capitalismo[2], com base em grupos locais de capitalistas, organizados para a exploração exclusiva de um território; ou melhor, para a exploração do produto do trabalho dos desapossados de meios de produção. A posse e a exploração desse território e da sua população exigia a vigilância das fronteiras por guardas armados, tanto para evitar intrusões vindas de fora, como a fuga de mão-de-obra para o exterior; e o Estado, com o seu aparelho de exação fiscal encarregava-se de arcar com essas despesas. Por outro lado, a forte concorrência na rapina colonial obrigava a uma enorme mobilização de meios financeiros e humanos no seio de cada estado-nação, em frequente estado de guerra com os concorrentes: ou, na subjugação dos povos coloniais e dos escravos transplantados de África.

O fomento do patriotismo em cada estado-nação pretendia gerar o dever de defesa dos bens dos ricos e do seu Estado, por parte da maioria dos seus habitantes que nada tinha de seu para defender: esse dever incluía mesmo o supremo sacrifício da vida, na defesa dos bens dos capitalistas. A ideia da pátria é uma imensa mentira que faz com que os desapossados de bens defendam o património dos seus conterrâneos ricos.


 O surgimento de empresas transnacionais e do capital financeiro globalizado, em crescimento e com um poder também ampliado, torna as fronteiras irrelevantes[3] - menos para pessoas e mais para mercadorias (físicas ou sob a forma digital) - e tende a reduzir os aparelhos de estado nacionais, essencialmente, ao papel de cobradores de impostos e à pacificação da força de trabalho. Mesmo as gloriosas forças armadas dos estados-nação passaram a ser constituídas por profissionais e mercenários, já não através de um serviço militar obrigatório, inadequado para a sofisticação do armamento.

A relevância do aparelho do Estado mostra-se na sua constante procura de tornar competitivo o território, atraindo o investimento, mormente externo e de empresas transnacionais; de reduzir os rendimentos e os direitos dos trabalhadores para proceder ao apoio a empresas, ao reforço da sua capitalização, uma vez que na lógica do capital, os deuses criaram primeiramente o capitalista e, de seguida, o escravo, o assalariado para o servir e gerar a riqueza; esta, sinteticamente referida e desejada pelas classes políticas, como os acréscimos ad aeternum, de um nebuloso PIB. Como em todos os Estados está presente essa preocupação materializada por uma miríade de instrumentos para o cumprimento desse desiderato, observa-se uma concorrência feroz entre os estados-nação, através de guerras (em nome próprio ou, por procuração), destruição ambiental, colunas de refugiados, pobreza, epidemias; perante o ar otimista e sorridente dos Gates, dos Zuckerbergs, dos Bezos e afins, colecionadores de riqueza e preocupados com a grande dimensão da Humanidade.

Entre os precursores da atual situação, Rousseau, como ideólogo da burguesia, gerou a ideia de contrato social entre os possidentes e os destituídos de posses, todos conformados com a sua situação social e económica; esse contrato, embora já não referido nos dias de hoje, é o que releva na situação atual em que o Estado e a classe política se encarregam de manter a lei e a ordem, envolvendo o trabalho na volúpia salvítica sinteticamente representada pelo crescimento do PIB.

Do conceito de contrato social emana o de coesão social, como instrumento de sedimentação de uma estrutura política, económica e social cuja articulação propicie uma maior acumulação de capital e perpetue uma pacífica estratificação social. O aparelho zelador desse contrato é o Estado, cujo monopólio do poder coercivo é a maior garantia da continuidade da acumulação de capital, de uma massa de explorados como instrumentos daquela. Para funcionar, esse aparelho precisa de um funcionalismo – a classe política - produtora de ideologia e tecnocrática; e tanto quanto necessário, rapace e repressiva, com a intervenção massiva de polícias várias, leis limitativas de direitos ou, pejadas de obrigações, carga fiscal regressiva, etc. E, focada em apresentar serviço – junto de capitalistas, trabalhadores e das instâncias do capital global – através de medidas como o referido crescimento do PIB, atração do investimento externo, baixo custo do trabalho, etc.

Esse contrato social seria, de facto, para Rousseau, o instrumento de garantia de uma coesão social que mantivesse no poder de então, as oligarquias nobres e burguesas, tendo como símbolo dessa unidade, um rei. O terceiro estado era a enorme e heterogénea multidão de excluídos do poder que servia de complemento aos acima referidos, para se ter o total dos habitantes do estado-nação. O Estado, portanto, representava e apoiava os interesses das oligarquias, no cenário interno ou na arena internacional e, garantia a utilização da coerção necessária para com a plebe, cujo dever seria trabalhar e obedecer. Esse era, sumariamente, a principal razão de ser do Estado surgido do desenvolvimento do capitalismo e até hoje.

Essa imposta coesão social é um cuidado, uma preocupação, uma coerção, inerente à própria noção de Estado, tendo como agente concreto, uma classe política. Mais tarde, Durkheim, para evitar os problemas causados pelas resistências dos desapossados, susceptíveis de prejudicar a desejada acumulação de capital, inventa um Estado neutro, gerador de consensos mas sempre atento e pronto para usar a repressão, sob a forma de lei ou do cacete, sobre os trabalhadores. A ladainha do crescimento do PIB ainda não tinha surgido como o elemento definidor da unidade e da felicidade do povo.

O Estado neutro não existe, nem nunca existiu. As camadas sociais que mais beneficiam da sua existência e atuação procurarão, se não aumentar os seus privilégios, pelo menos mantê-los, procurando neutralizar, ou cooptar parte da concorrência, se necessário; para isso, contam com a atuação de um ou vários partidos – um género de funcionalismo especializado em tráfico de influências - que se encarregarão de utilizar o poder estatal para benefício partidário e dos estratos económicos mais empenhados para essa cooptação partidária[4].

Assim, o Estado é um aparelho coercivo que visa garantir, por natureza, a estabilidade das hierarquias no seio de um estado-nação; a segmentação conveniente do ponto de vista social e político, através de uma articulação estável, aceite por ricos e pobres; evitando, através da classe política, conflitos resultantes de desigualdades sociais; mantendo a narrativa do patriotismo como forma de canalização para outros povos ou, outros estados-nação, das responsabilidades e animosidades quanto a problemas que, de facto, são internos.

Onde há Estado não há democracia; ou, de modo menos lapidar, apenas fórmulas truncadas ou, falsas da mesma. O Estado surge como um instrumento do estado-nação em geral, sob o controlo de camadas sociais possidentes, gestoras dos principais canais de controlo social.

Nas sociedades de hoje, designa-se um estado-nação como democrático apenas porque há eleições regulares e várias possibilidades de voto; ainda que pouco diferenciadas, no âmbito de uma definição estreita e capciosa de democracia que permite a perpetuação das oligarquias, com baixos níveis de conflitualidade para que não haja prejuízos para a acumulação de capital.

Como se estabeleceu, historicamente, o engrandecimento do poder estatal:

·       O desenvolvimento do capitalismo, sinteticamente ancorado na revolução industrial teve efeitos vários, conducentes a uma maior complexidade das relações económicas e a uma maior diversidade das classes e camadas sociais. As conexões entre as pessoas tornaram-se mais densas, sobretudo com o grande crescimento das cidades e da população urbana; essas multidões de trabalhadores pobres, de desempregados famintos e de recém-chegados à cidade na procura de uma vida melhor, conduziam a frequentes motins, greves e protestos que tinham como contrapartida forte repressão policial. Isso, exigia um grande esforço financeiro para a manutenção de efetivos policiais, por parte dos entes estatais – governo ou municipalidades - quando não de grupos de arruaceiros ou criminosos pagos para quebrar movimentos de reivindicação dos trabalhadores.

·       O papel do Estado na manutenção de frequentes situações de conflito exigia, em permanência, recursos financeiros avultados, por vezes obtidos por empréstimo dos banqueiros, para o financiamento de exércitos, adestramento de oficiais e recrutamento de jovens para a guerra. Esses conflitos tanto podiam resultar da redefinição de fronteiras na Europa, como da disputa do domínio sobre recursos e povos nas áreas coloniais, como ainda para defesa dos navios mercantes face à pirataria. O surgimento dos EUA lançou um concorrente de peso nesse processo, com um vasto e rico território aberto a Oeste e a Sul, cujos defensores não ofereceram uma resistência vigorosa. Por seu turno, as independências das colónias dos países ibéricos constituíram, essencialmente, mais uma área de negócio para as potências dominantes - o que se poderia já chamar de neocolonialismo. Estes conflitos entre estados-nação obrigavam ainda a elevados custos estatais com a existência de um corpo diplomático competente.

·       A pulsão concorrencial do capitalismo obrigava a investimentos no ensino e na investigação, nas ciências naturais, na astronomia, na engenharia, na navegação, no armamento, na geografia ou, na geopolítica com Mahan ou Mackinder a expressarem as ambições das grandes potências; mas também exigia a preparação de gente com conhecimentos de ordem prática, administrativa e contabilística dos estados-nação, em acelerado processo de estruturação, de criação de uma identidade nacional. Mais tarde, outros conhecimentos se tornaram necessários, com a utilização da energia do vapor e da eletricidade, do desenvolvimento das vias ferroviária, rodoviária, das transmissões, etc. Os cuidados de saúde tornavam-se essenciais, para a existência de uma mão-de-obra qualificada, numerosa e saudável (recordemos a pioneira ação de Bismark no campo da saúde dos trabalhadores). Em todas estas áreas se verificava um forte empenho estatal, cujos gastos exigiam uma contrapartida em receitas. Ainda que não existisse o conceito de PIB, pretendia-se uma estratificação social estável, não conflituosa e, uma desigual repartição da riqueza e dos rendimentos aceite sem tergiversões nem conflitos; superiormente gerida pela classe política e mantida pelo aparelho de Estado e pelos seus recursos materiais, legislativos e ideológicos.  

2 - Onde nos conduziu um mundo de estados-nação?

Como é bem visível, o mundo dos estados-nação de hoje carateriza-se por:

·       Uma geral subalternização face ao capital global, mormente financeiro, no âmbito de uma escala onde se destacam, em patamares distintos, os que têm poder para estabelecer formas de unilateralismo e, a esmagadora maioria dos restantes, totalmente despojada desse poder, cuja igualdade face aos poderosos se resume a terem um hino e uma bandeira; 

·       A existência de estados-nação continua a ser uma forma de divisão dos seres humanos, de geração e aproveitamento de antagonismos, no âmbito de uma macro-estrutura política, na qual a maioria desses estados-nação tem escassa ou nula margem de viabilidade ou de afirmação. A sua constituição, na maioria dos casos, resultou dos arranjos e das convenientes partilhas entre as potências coloniais na fase de ascensão e expansão geográfica do capitalismo;

·       Nas últimas décadas a multiplicação de empresas transnacionais e do seu poder, agindo numa lógica global, segmentando a produção de componentes, inúteis de per si, para melhor dominarem a cadeia produtiva, tornaram dependentes os países onde aqueles se produzem, destruindo naqueles qualquer lógica de integração racional a nível nacional. E, portanto, tornando muitos estados-nação como meras plataformas logísticas, com a captura das respetivas classes políticas, como funcionalismo local;

·       A dimensão das migrações por razões económicas, conflitos étnicos ou militares mostra a falência do modelo estado-nação como entidade una e homogénea, entre iguais, criando parcelas significativas de convenientemente excluídos, de vastas áreas tribalizadas ou entregues ao banditismo:

·       Esses antagonismos resultam de vários tipos de artificialidade presentes em muitos estados-nação e das suas fronteiras que, por efeito da herança colonial, são entidades pluriculturais, pobres, desconexas, hegemonizadas por uma delas e ao sabor dos interesses de empresas globais que exploram os seus recursos. Outras situações incluem a existência de monarquias de tipo feudal que, pela sua riqueza são cortejadas pelo sistema financeiro;

·       As plataformas digitais atuando numa lógica global, ultrapassam as fronteiras e os Estados nacionais gerando poderes de caráter monopolista e formas agressivas de atuação e de evasão fiscal, perante as quais os governos nacionais conjugam a sua impotência com fórmulas de subserviência e ou associação;

·       A existência de instituições internacionais (OMC, FMI…) visa a definição das regras da economia, da formação de rendimentos e da sua distribuição, montando uma constante insuficiência do crescimento e um eterno garrote com a dívida, imposta à esmagadora maioria dos estados-nação;

·       Todos os estados-nação têm um Estado, uma classe política, uma burocracia, que representam o capital nacional e, também as representações do capital global, todos empenhados no “crescimento” que, no entanto, pouco toca a esmagadora maioria da população; a qual, pelo contrário, é assolada pelo saque fiscal, pelo assalto aos rendimentos recebidos e, pela normalidade da detenção de grandes dívidas; mormente para terem acesso a uma habitação, uma vez que os Estados há muito entregaram o assunto à gula da especulação imobiliária e financeira.

3      O papel do Estado, na prática do socialismo

No 18 Brumário, Marx refere que a máquina do Estado é um corpo autónomo e parasitário gerido pelo poder executivo, surgido na transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse longo processo, os especialistas do Ancien Regime – juristas, padres, soldados – foram-se adaptando à nova situação, servindo o aparelho do Estado capitalista e já não como servos de um rei.

Marx ao centrar-se no capitalismo vigente nos países mais avançados da Europa – Inglaterra, França e Alemanha - mostrou um determinismo optimista e linear baseado no desenvolvimento das forças produtivas e, daí que não tivesse imaginado que a primeira revolução anticapitalista surtisse na atrasada Rússia; mas, admitia que o resto da Humanidade se libertasse acompanhando a evolução daqueles países mais avançados social e economicamente.

Só nos seus últimos anos de vida Marx travou conhecimento da existência dos coletivos agrários na Rússia que ocupavam 3/5 da terra cultivada, como sementes de formas autogestionárias e alheias ao espírito capitalista; e, apercebeu-se também que a satisfação das necessidades humanas deveria ter a primazia sobre o abstrato processo de acumulação capitalista. Trotsky, na sua visão autoritária e militarista da ação política, viria a esmagar aquelas estruturas económicas e sociais depois da revolução de Outubro.

Vimos anteriormente que o desenvolvimento de um aparelho de estado seguiu a par com a edificação do estado-nação, ambos destinados para suprir as necessidades de desenvolvimento do capitalismo, nos campos político, económico, social, de segurança, no plano internacional, etc. Nesse contexto, os capitalistas usavam (e usam) o aparelho de Estado e os seus burocratas para o engrandecimento da acumulação privada de capital, escolhendo, sob a forma de concursos eleitorais entre os vários grupos partidários, aqueles que melhor possam servir para esse engrandecimento. A este modelo político deu-se o nome de democracia, democracia liberal, social-democracia… ou democracia de mercado, como habitualmente costumamos dizer. Na realidade, trata-se de um modelo oligárquico que coloca fora das decisões, a esmagadora maioria da população, em proveito de um conjunto de oligarquias políticas.

Posteriormente esses mesmos elementos de estruturação do estado-nação ocorreram também em países de menor desenvolvimento económico, com uma classe de capitalistas pequena e débil, sobressaindo, em consequência, o poder da burocracia estatal, unificada sob a forma de um partido de gestores sob o nome de operário, comunista[5] ou outro emblema semelhante, em íntima ligação com burocracias sindicais, igualmente oligárquicas. Na maioria desses casos, as burocracias estão presentes e controlam todas as instâncias económicas, sociais, laborais, culturais, artísticas, desportivas, policiais, militares. A herança de frágeis estruturas políticas, sociais e económicas veio facilitar a constituição desses poderes hegemónicos, auto-ungidos como fonte única de todo o saber politico, alardeando uma superioridade incontestável, institucional e de experimentações sobre toda a população, pobre, pouco instruída, tomada por forte espírito religioso, habituada à marginalização e à brutalidade do poder. Como consta de um provérbio português “mudam as moscas, a merda é a mesma”.

A noção de aparelho de Estado assumiu grande relevância em torno da constituição de um Estado soviético, na sequência de ideias sobre a passagem do capital monopolista (financeiro) para capital monopolista de Estado, na visão aproximada de Hilferding e Boukharin; ou de um aparelho de direção geral da produção e da repartição de acordo com Lenin. Este não colocava a questão da utilização do Estado como aparelho repressivo, burocrático e militar mas da sua utilização racionalizada ao serviço da revolução; e Trotsky acentua essa tendência defendendo a militarização da economia (v. Dictionnaire Critique du Marxisme pag. 51/52).

Na realidade, na URSS tratava-se de proceder ao desenvolvimento capitalista com um objecto focado num acelerado “crescimento económico” de tipo keynesiano, concentrado em unidades produtivas de grande dimensão, estatizadas, que garantissem adequados aumentos da produtividade; por outro lado, a pequena propriedade, na indústria, no comércio e no campo, era residual. Esperava-se que daí resultaria uma melhoria substancial do nível de vida da população e uma saudável convivência política e social.

Na URSS a decisão técnica cabia aos membros do partido, no quadro das orientações detalhadas do omnipresente e omnisciente Plano, produzido e de cumprimento vigiado pelas altas estruturas do partido-estado – uma inovação política que unificava o aparelho estatal com a classe política, ao qual todas as estruturas nacionais, da arte às minas, se enquadravam. Nessa estrutura era fundamental cumprir à risca as orientações superiores para se singrar nas estruturas do Partido e na vida.

Como sabemos, nas democracias de mercado o aparelho de Estado é parasitado periodicamente pelos membros do partido que ganhar as eleições mas, a lógica é a da rotatividade no acesso ao pote, entre dois partidos gêmeos, ambos bem cotados junto dos capitalistas locais e das transnacionais; importa é transmitir à plebe a ideia de que há diferença entre escolher um burro preto escuro ou um burro preto claro.

Resumindo:

a) No modelo ocidental inicial, o aparelho de Estado apoia os capitalistas locais (nacionais) no seu processo de centralização e acumulação de capital, ajudando a vencer a concorrência dos capitalistas estrangeiros; e, inversamente, procura apoiar os capitalistas nacionais para a conquista de mercados externos. Posteriormente, no capitalismo atual em que o papel das fronteiras se dilui, as grandes empresas e a alta finança enlaçam-se com os capitalistas de raiz doméstica num contexto globalizado, monitorando ou corrompendo a elite governamental de serviço.

b) No antigo modelo soviético o Estado constitui-se ele próprio como um capitalista coletivo, como gestor da atividade económica, para superar a debilidade do capital privado nacional; e, por outro lado, defende-se face ao investimento estrangeiro, só admitido com parcimónia ou em parceria, nos casos em que a estrutura económica nacional(izada) não tem os meios, mormente tecnológicos, adequados.

No primeiro caso fala-se de economia de mercado; o segundo designou-se socialismo embora se tratasse, de facto, de um capitalismo de Estado.

Este e outros textos em:

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[1]  Porque não há uma estratégia anticapitalista?

http://grazia-tanta.blogspot.com/2021/02/porque-nao-ha-uma-estrategia.html

[3] A crise do coronavírus veio a estabelecer procedimentos oligárquicos, autoritários e empobrecedores por parte dos Estados que tanto vinham promovendo a livre circulação. Em contrapartida, os Estados promoveram os confinamentos, o doentio teletrabalho, o fecho de escolas, o desemprego, a pobreza, a arrogância policial, as multas, as discriminações dos mais pobres atulhados em transportes públicos, a par com limitações de circulação para todos. E, eventualmente condicionando a circulação a quem não for vacinado e recuse engordar bases de dados sobre os humanos para gáudio do Big Pharma e dos manipuladores de informação. Tudo isto para um vírus que até agora atingiu 1.52% da população mundial e que matou 2.2% daqueles infetados entre os quais dominam os mais velhos, há muito empurrados, pelo capitalismo para lares que mais parecem prisões… uma vez que não são competitivos!  

[4] A situação vivida em Portugal – centrada no tempo de mudança do regime (1974) - é muito clara quanto às desigualdades

https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/07/a-longa-marcha-das-desigualdades-1-o.html

https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/08/a-longa-marcha-das-desigualdades-2-da.html

[5] Ou, de uma cosmética coligação como o SED, na República Democrática Alemã

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