A análise dos
resultados revela que o regime político está bloqueado e incapaz de produzir democracia
e bem-estar para quem vive em Portugal. Em breve se verificará que o rei vai
nu, quando houver mais gente que se distancia do sistema partidário do que a apostar
nele.
Sumário
1 - Votos e não
votos
2 - O voto
partidário
3 - Um pouco da
história das legislativas e dos seus protagonistas
3.1 – O partido-estado e seus arredores
3.2 – O
lado esquerdo do sistema partidário
3.3 – A direita assumida
O decurso das
últimas eleições constituiu mais um elemento para a urgência de um exercício
sobre a qualidade da democracia em Portugal e na Europa. Sendo isso uma tarefa
de grande envergadura e com numerosos contornos, iremos aqui e agora,
centrar-nos nos dados referentes às eleições legislativas celebradas desde 1975
– 15 no seu total - o que corresponde a um acto eleitoral em cada período médio
de 2 anos e oito meses; longe de refletir qualquer instabilidade prejudicial ao
funcionamento dos “mercados”. Pelo contrário, é o entediante economicismo
vigente no discurso e na prática das classes políticas, é a centralização de
poderes em instituições, claramente ao serviço dos “mercados”, que
desestabilizam a vida das pessoas e empobrecem a democracia.
1 - Votos e não
votos
Começamos por
relacionar os inscritos no recenseamento, os votos dirigidos a partidos e os
“votos” que se não manifestam em preferências partidárias (abstenções, votos
brancos e nulos). Essa realidade arrasta o conhecido problema dos “eleitores
fantasmas”, de pessoas inscritas no recenseamento e que jamais poderão votar
por várias razões (mormente por falecimento); um tema que nunca preocupou a
classe política. Esta também nunca se interessou em fazer evoluir agilizando toda
a mise en scène e a infraestrutura
eleitoral, que se mantém inalterável há 40 anos. Como o financiamento dos
partidos e o acesso ao pote não são afetados por estas disfunções…
Não nos
espraiaremos com detalhe sobre o problema dos “eleitores fantasmas”[1] nem dos emigrantes
recentemente impossibilitados de votar por incúria dos serviços responsáveis
pela emissão de cartões de cidadão. Quanto aos emigrantes, o poder político limita-se
a agradecer que tenham zarpado para o exterior e, sobretudo, que mandem
dinheiro para Portugal.
Torna-se claro que
o crescimento do número de eleitores potenciais acompanha não só o aumento da
população como o seu envelhecimento, traduzindo-se num aumento de 3.5 M de
pessoas no período considerado, de 40 anos. Por seu turno, as manifestações de
apoio aos partidos políticos concorrentes mantêm-se constantes num estreito
intervalo, demarcado entre um máximo de 6028 milhares de pessoas em 1980 e um
mínimo de 5409 milhares contabilizados no passado dia 4 de outubro, em nada
refletindo a evolução da demografia ou a composição etária da população.
A variável
verdadeiramente dinâmica em quatro decénios é constituída pelas opções de quem,
de todo não vota e ainda, dos que votam em branco ou anulam o boletim de voto;
isso é revelador da baixa capacidade de mobilização do regime político para a
sua própria reprodução, havendo um número crescente de pessoas que considera
repelente o sistema partidário e os seus membros, ou o modo de eleição (em
partidos com o método do Hondt, para prejuízo dos mais pequenos) ou ainda, o
voto como algo irrelevante uma vez que o regime político se mostra autista e
bloqueado, incapaz de promover o bem-estar da população mas, em evidente
benefício da oligarquia financeira e da classe política.
A evolução
registada no gráfico acima inserido poderá conduzir a um facto pleno de significado,
num futuro próximo: o dos eleitores que não escolherem nenhum partido - abstencionistas
e votos em branco ou nulos - superarem o número daqueles que optem por um
partido ou coligação.
Sabe-se que não há
qualquer tipo de coesão ou organização entre aqueles que não manifestam apoio
expresso a partidos políticos, como se sabe que no seio da classe política e
dos seus avalistas e analistas, há uma tendência deliberada para desvalorizar a
relevância de tamanha massa de pessoas, sobretudo dos que se abstêm; os que
colocam em urna votos em branco ou nulos não merecem mais consideração, mesmo
que a sua atitude seja bem mais vincada no antagonismo face ao sistema
partidário. Este enorme conjunto de pessoas que não vota em partidos é
desprezado e envolvido numa cortina de fumo para que fiquem ocultos; constitui,
no entanto, um verdadeiro espelho do regime e do seu caráter antidemocrático e
oligárquico.
Quando votarem
menos de metade dos inscritos em eleições legislativas (como já acontece nas
eleições para o Parlamento Europeu as quais ninguém toma como relevantes) não
deverá colocar-se a questão da legitimidade das eleições e do regime existente?
Que representatividade terão as instituições se mais de metade da população não
manifestar apoio aos candidatos à sua gestão? E os eleitos que constituem o governo
e a oposição, representando uma parcela muito menor da população, poderão
arrogar-se ao direito de decidirem sobre as vidas de todos?
No caso de Cavaco
que se tornou PR com 23% dos votos possíveis, a questão é levantada por vezes
para adornar a crítica às suas atitudes particularmente nocivas. Mas as coisas
parece passarem mais desapercebidas mesmo que Passos tenha sido escolhido por
15248 membros do seu partido (34.5% do total) em 2010[2] e António Costa por 22000
dos 47727 membros do PS[3] em 2014, passando ambos a
partir daí por crivos sucessivos até uma nomeação para funções que alcançam
toda a gente, no âmbito daquilo que se chama democracia orgânica, tão cara a
Salazar e a Franco.
Estas formas de
escolha não configuram uma verdadeira democracia embora nada na Constituição
(CRP) coloque essa questão; pela simples razão que a CRP mais não faz que
legalizar a antidemocracia necessária e suficiente para firmar o primado das
oligarquias e a conveniente continuidade e a consolidação de aspetos provenientes
do regime fascista.
Democracia é a
igualdade entre os eleitores para a candidatura a qualquer função de
representação; é a personalização dessa representação e não a sua diluição em
listas partidárias pré-cozinhadas; é a possibilidade dos eleitores cassarem o
mandato daqueles que elegeram; é a limitação de mandatos, pois o exercício de
representação política não é profissão mas, um dever de cidadania; é a ausência
de privilégios pelo exercício desse dever; etc. Um regime democrático em
Portugal exige uma outra CRP que, por razões bem óbvias, não é prioridade da
classe política, a não ser em aspetos que a favoreçam e aos interesses
económicos e financeiros que representam.
2 - O voto
partidário
Um maior detalhe
quanto aos votos dirigidos a partidos consiste na sua arrumação em três grupos;
a direita assumida, constituída pelo CDS e pequenos grupos radicais de direita;
o partido-estado PSD/PS ou PS/PSD - de acordo com as conjunturas - e grupos na
sua orla; e, finalmente, a esquerda, maioritariamente constituída pelo BE e
pelo PCP, para além de alguns grémios de menor dimensão. No gráfico que se
segue, o elemento complementar ao voto partidário, para se atingir o volume
total dos eleitores, é constituído pelas abstenções e votos em branco ou nulos,
o único elemento verdadeiramente dinâmico sempre que se observam os actos
eleitorais realizados durante o regime de democracia de mercado.
A estagnação do volume
de votantes em partidos, nos últimos quarenta anos, é acompanhada pelas
escassas variações registadas entre os vários grandes grupos de grémios, facto
revelador de uma estabilidade política que se interliga com a despolitização
profunda da população, alimentando-se ambas, uma da outra. É revelador também
da segmentação hermética entre a esmagadora maioria da plebe e o reduzido grupo
de protagonistas da classe política, para lá do que acontece face ao alto
empresariato. Portugal é um país dual.
As pessoas não são
protagonistas da política, não a constroem, apenas têm um incutido acesso à
televisão e aos comentadores políticos, em regra, próximos dos grupos
dominantes da classe política que procedem a um esmerado trabalho de manutenção
da multidão num estado letárgico, de permanente formatação ideológica, dirigida
à aceitação resignada de uma situação designada por TINA – There is no alternative. A omnipresença dos chefes e porta-vozes
partidários nos media, conjugada com a menoridade política incutida nas
pessoas, pretende elevar a classe política aos olhos das pessoas e induz ao
convencimento da inevitabilidade dessa mediação partidária.
Finalmente, quando
surgem focos de contestação, logo ocorrem funcionários políticos ou sindicais
para controlar a situação, em sintonia com intervenções musculadas da polícia,
se necessário. O único espaço de expressão popular que o regime concede, como
válvula de descompressão, são as regulares eleições – as romarias eleitorais
como preferimos designá-las - para apresentarem aos incautos, esperanças de
mudança que, não mudando os protagonistas, nem as propostas, se configuram como
logros.
Como dizia Sartre
em finais dos anos 60, “les elections
sont une piège à cons”. E, nessa ocasião, os sistemas partidários não
estavam tão eficientemente burocratizados como hoje, o controlo biopolítico era
uma criança, havia sistemas políticos considerados como alternativos e nas
guerras anticoloniais eram sentidas esperanças de mudança que não sobressaem
nas de hoje, as guerras do Império. Do ponto de vista político, as eleições são
um instrumento de expressão política que só têm significado – para a multidão -
se conduzirem a mudanças num regime oligárquico e empobrecedor; se essas
mudanças não são possíveis, a participação é um logro, a criação de ilusões
junto das pessoas menos politizadas, a legitimação da continuidade da
oligarquia, naturalmente ganhadora.
3 - Um pouco da
história das legislativas e dos seus protagonistas
3.1 – O
partido-estado e seus arredores
Na área do
partido-estado há a considerar três fases para as suas marcas eleitorais dos
últimos 40 anos. Há uma quebra inicial em 1975/76, com os valores mais baixos
de sempre, no rescaldo dos seus nefastos comportamentos durante o PREC; um
período de regular crescimento que atinge o auge em 1991, alicerçado na última
maioria de Cavaco, antes de se iniciar a crise depressiva de 1993/95; e o
período posterior de evidente declínio do apoio eleitoral às formações
políticas desta área de uma direita não assumida, complexada.
A sua votação
ultrapassou largamente os 4 M de pessoas entre 1987/2005, com os resultados que
tornaram Cavaco, Guterres, Barroso e Sócrates como primeiros-ministros,
captando em 2015 apoios equiparados aos do início dos anos 80 (pouco acima de
3.5 M). Aquele período áureo é o do impacto da entrada dos fundos comunitários
– ansiado produto da dissolução na então CEE - do cavaquismo, das
privatizações, do crédito fácil, do boom
imobiliário e do consumismo desbragado, em contraste com a modéstia remediada
dos tempos do fascismo e da austeridade imposta pelo FMI em 1977/8 e 1983/85 e
que voltou com particular dureza e durabilidade a partir de 2011.
Nota: Em 1980 a
votação aqui atribuida ao CDS (incluido com o PSD e o PPM) na coligação
AD é a que resulta da parte proporcional aos votos de
cada um em 1976
Em 2015 adoptámos
critério idêntico para os membros da coligação PàF (PSD
e CDS), tomando como base as respetivas votações em 2011
O PS e o PSD, no
seu entrelaçado, posicionam-se como as duas séries da cadeia ADN confirmando
assim a sua unidade enquanto partido-estado, como ossatura do regime
cleptocrático vigente.
No PS as votações
somente ultrapassaram os 2 M no período 1995/2009, em 1983 e 1975 e no caso do
PSD isso sucede apenas em 1987/95 e ainda em 2002 ou 2011. A ultrapassagem
dessa fasquia não foi necessária para a constituição do governo PS em 1976; só
foi conseguida pelo PSD com o forte contributo do CDS nos governos AD
(1979/80); não foi suficiente para o PS ficar sozinho no governo durante a crise
1983/85 (intervenção do FMI, bloco central) e foi de todo dispensável para o
primeiro governo (minoritário) de Cavaco dada a erosão do PS e do epifenómeno
PRD, de Eanes. A partir daí qualquer das alas ganhadoras do partido-estado
arrecada mais de 2 M de votos mesmo que a fação derrotada também alcance essa
marca em 1995 (PSD) ou 2002 (PS). No momento atual, nenhuma dessas fações do
partido-estado conseguirá ultrapassar essa fasquia, traduzido em votos, sem
apoios exteriores – o PSD, atrelando Portas, com o concurso do PS todo ou
apenas de alguns dos seus valetes descontentes; ou o PS pagando o aliciamento
do BE/PCP.
O primeiro período
ascensional do PS observa-se em 1983 com o esfarelar da AD e o casamento com o
derrotado PSD, sem liderança, num bloco central constituído para gerir a crise
económica e aprontar os dossiers para a inclusão na UE. O segundo período de
crescimento inicia-se em 1985, com a recuperação dos danos provocados pelo PRD
e que culmina em 1995 com a eleição de Guterres sobre os escombros do
cavaquismo. Há ainda a registar um terceiro momento, que se seguiu à emigração
de Barroso e à experiência governamental intercalar do tonto Santana, durante
cujo mandato foi concebido um Sócrates para levar o PS à glória nas eleições de
2005. Finalmente, a mais frouxa ascensão dos apoiantes do PS sucede em 2015,
com Antonio Costa; mesmo tendo como ponto de partida o baixo volume de votos
colhido em 2011.
Quanto ao PSD, tem
um primeiro período ascensional com a AD de Sá Carneiro em 1979/80, a qual se
esfarelou depois de Camarate, permitindo ao PS dominar o bloco central em 1983.
Entre 1985/1991 registam-se os bons resultados e o melhor período de sempre do
PSD com Cavaco à sua frente e fundos comunitários por detrás. A saída de
Guterres e a Casa Pia chamuscam a liderança do PS e favorecem o PSD mesmo com
um tosco como Barroso à frente; finalmente, em 2011, um outro chefe do PSD –
Passos - mesmo desqualificado na consideração de figuras gradas do partido
(Cavaco e Ferreira Leite, entre outros) consegue manter o ritmo da alternância
entre as duas formações rivais do partido-estado, apossando-se do pote perante
um PS apontado como responsável intervenção da troika; embora intervenção tenha surgido, por imposição dos bancos no
dia 6 de abril de 2011.
Sobre os outros
partidos que constituem o volátil rechego nesta área política, a sua relevância
é quase nula, se excluirmos o PRD cuja votação em 1985 corresponde quase na
íntegra às perdas do PS e cujo desmoronar dois anos depois beneficiou
claramente a grande maioria absoluta alcançada por Cavaco. Finado o PRD, este
conjunto de partidos mantém-se na marginalidade, surgindo em 2015, com alguma
relevância eleitoral no seu total, o conjunto formado por novas agremiações
como o PDR de Marinho Pinto, heróico defensor do castelo perante uma investido
de uma seita herética; pelo Livre que mais se assemelhou a um aterro sanitário
ou o NOS, como miniatura do Ciudadanos espanhol.
3.2 – O lado
esquerdo do sistema partidário
No que à esquerda
do sistema se refere, há a considerar um período até 1985 durante o qual as
votações ultrapassam um milhão, com um máximo de 24.1% dos votos dirigidos a
partidos em 1979. Contudo, a partir daqui há um declínio que só se interrompe
em 2005, muito porque o BE duplicou a sua votação face a 2002 (então os seus
partidos progenitores), ano do acto eleitoral que regista o pior resultado da
esquerda tradicional nos 40 anos do regime.
Consideramos que
para tal concorreram vários fatores. A entrada massiva de fundos comunitários
gerou uma ideia de prosperidade eterna; o ingresso na então CEE com a abertura
das fronteiras e o espetacular aumento das trocas com Espanha; o discurso do
cavaquismo sobre as virtudes da iniciativa privada e das privatizações; a
incapacidade da esquerda no seu conjunto de compreender a globalização, o
declínio dos estados-nação, as mudanças políticas e no quadro ideológico decorrente
da queda do Muro que constituiu um apogeu para a narrativa neoliberal; e ainda
a perspetiva atávica, defensiva, da “consolidação democrática”, onde se inclui
uma recusa absoluta em apontar a Constituição como dócil instrumento ao serviço
da oligarquia. Por isso, os tempos do triunfalismo reacionário da AD, a
passagem pelo bloco central, a austeridade oriunda das duas intervenções do
FMI, a transição para os consulados de Cavaco, deste para Guterres e deste para
Durão não alteram o pendor decrescente da esquerda partidária que somente
termina em 2005, com a eleição de Sócrates, depois da crise iniciada com o crash das dotcom.
Regista-se uma
grande hegemonia do PCP (sob a forma de siglas ditas unitárias, APU, CDU),
durante a maior parte dos últimos 40 anos, apesar da evidente erosão do seu
eleitorado. O PCP ultrapassa um milhão de votos em 1979/83 para se fixar em
valores da ordem dos 500 mil em 1991/99 e pouco abaixo dos 450 mil desde 2005,
com o ponto mais baixo em 2002 quando não recolheu mais do que o apoio de 380
mil eleitores.
A evolução
registada em todo este período para as votações do PCP mostra pouca
correspondência com as variações das outras formações desta área política; isso
é bastante claro nos últimos anos com as grandes mutações dos votos do BE cuja
subida só poderá ter acontecido em detrimento do PCP em 1999 e 2002 e de modo
muito limitado. Essa lenta involução entende-se como consolidada, de
recuperação impossível, materialização de uma continuidade mais durável que
noutros países, dada a anquilose das estruturas sociais e culturais dos
portugueses. Deve-se também à sólida estrutura organizativa do partido, articulada
com estruturas sindicais, autárquicas e outras que permitem a geração de
fidelidades e cumplicidades com efeitos na manutenção de um núcleo duro de
votantes, depois da deserção de muitos milhares, para outros posicionamentos
políticos ou pela evolução demográfica, durante duas décadas.
No período
1975/2015 e para análise da área política constituída pelo BE, tomámos para os
anos anteriores à sua fundação (1999) as formações políticas que lhe deram
origem, mormente a UDP e o PSR. Embora com votações superiores a 100 mil até
1987 (excepto 1983) é já com a sigla BE que se consolida um crescimento claro
entre 1999/2009 quando o partido ultrapassa a contagem do PCP, o que voltou a
acontecer este ano, após o estrondoso desaire do BE em 2011.
Para além do referente
ao PCP e ao BE há a registar votações, no seu conjunto superiores a 100 mil
votos, dirigidas a um diversificado leque de grupos, em 1975/80 (MES, FSP…); a
partir desse momento, o partido hegemónico nesta área é o PCTP/MRPP que deixa
de o ser em 2015, ultrapassado pelo PAN que, surgido em 2011, já então se
apresentou com um bom resultado. Esta diversidade colocou este leque de grupos
com uma valia que recentemente atingiu os 155 mil votos.
Em suma, na
esquerda institucional parece desenhar-se um definhamento do PCP, com a
consolidação do BE como força dominante, com maior potencial de captação de
apoios em outras áreas sociais e geográficas. Por outro lado, nos próximos
tempos se verá a capacidade de consolidação do PAN como projeto ecologista e se
o PCTP/MRPP consegue algo mais do que mimetizar as posições políticas do PCP,
após uma eventual saída de Garcia Pereira.
O PS tem um caudal
histórico de atuações que o colocam numa posição bem à direita no espetro já
muito pouco radical dos partidos contidos no europeu S&D e que, a
continuar, poderá alimentar fugas de eleitorado para o BE. O facto do PS se
querer apresentar como partido de esquerda e ao mesmo tempo mostrar um
alinhamento claro e submisso face aos ditames do eixo
Bruxelas-Frankfurt-Berlim, poderá não ter um futuro eleitoral promissor a médio
prazo, como se observou com o Pasok grego. Esse processo de esvaziamento
dependerá também da habilidade política do BE, facilitada com o conhecimento do
percurso já percorrido pelo Syriza que consolidou nas últimas eleições gregas
de julho a sua ocupação do espaço de uma social-democracia que o Pasok ocupou
nos seus melhores tempos com Andreas Papandreu.
Um factor que
distingue Portugal da Grécia é que não há activismo de esquerda que crie
qualquer coisa semelhante ao Syriza dos últimos anos e que, entretanto se finou
com a capitulação de Tsipras. Existe sim, uma memória, algo difusa, de um PREC
que a maioria não viveu, como elemento da afirmação de uma caraterística
genética do povo ou, de modo algo quixotesco pelos militares, por exemplo, no
âmbito das suas reivindicações como assalariados. O que é muito pouco no mundo
atual.
Não havendo
activismo nem movimentação social, as mudanças políticas reduzem-se aos efeitos
de jogos dentro da classe política com a multidão a assistir e a pautar as suas
opiniões, enquanto volúvel espectadora de jornalistas e comentaristas políticos
enfeudados aos interesses económicos e à classe política; e sem estratégia ou
táticas construídas coletiva e democraticamente como prática política, como atores
em causa própria.
Esta situação de
ausência de “vigilância popular” face aos oportunismos e tentações entristas de
grupos vanguardistas de tradição trotsko-estalinista ou outros facilita a
aproximação dos partidos da chamada esquerda a arranjos com um PS que hoje se
apresenta fortalecido como o fiel da balança na AR, com a responsabilidade de
definir regras e políticas.
Nesta linha, a
esquerda não criará obstáculos e por dois motivos. Um, é que a recusa desses
arranjos com o PS facilitaria aproximações deste à direita e a esquerda, sem
alicerces em movimentação social, pouco poderia ir além de diatribes
parlamentares e procissões na avenida; o outro reside no facto, que está na
recordação de todos, da votação conjunta da esquerda com o PSD e o CDS para
derrubar o governo Sócrates, com péssimos resultados, não só para o PS como
para o BE.
Nesse contexto,
poderá acontecer, não a transformação, por secagem eleitoral, do PS,
transformado numa versão lusa de um pequeno Pasok mas, a cooptação, objetiva e
não formal, da esquerda parlamentar por parte do PS, num reforço da
bipolarização reforçada entre as duas áreas de um partido-estado engrandecido e
asfixiante. A drenagem regular de gente proveniente de partidos de esquerda
para a direita, mormente o PS, tem centenas de casos conhecidos.
3.3 – A direita
assumida
Em Portugal, uma das sequelas da radicalização política
havida durante o PREC foi a dos partidos da direita adoptarem designações
respeitáveis que lhes permitissem existir sem enxovalhos, demarcando-se assim
das etiquetas com nomes típicos de formações de direita ultra-conservadora que
foram extintos na sequência da manobra da “maioria silenciosa” ancorada em
Spinola ainda em 1974.
Assim, uma direita liberal à época, o PPD, encaminhou-se
para o título de PSD e até procurou
ingressar na ditosa Internacional Socialista onde já estava inscrito o PS, que
tratou de inviabilizar a entrada da concorrência. Por seu turno, o CDS que
então pretenderia posicionar-se como de caráter democrata-cristão passou a ser
uma “coisa” indefinida que presta serviços às instituições ligadas à Igreja e a
renques de empresários que o financiam. O CDS ficou à vontade quando o PDC,
expressamente clerical, compareceu pela última vez na formatura da parada
eleitoral em 1987; e, já neste século, a investida do PND criado por Manuel
Monteiro, num caso de desavença entre a criatura e o criador Paulo Portas,
também não surtiu. Portas ficou dono do terreno de uma direita descomplexada,
hábil no concubinato com o PSD (ainda designado por PPD/PSD por espantalhos
como Santana) para sobreviver.
Com o domínio do caráter anti-social inerente ao
neoliberalismo a partir dos anos 80, tornou-se vulgar a consideração da
população como um vasto grupo de serventuários dos empresários, elevados como
empreendedores, investidores, empregadores… benfeitores. Essa lógica, matizada,
tomou conta de partidos liberais, reformadores, conservadores e
democratas-cristãos; os partidos social-democratas e socialistas perderam as
suas referências sociais mantidas desde os tempos da I Guerra e até exacerbadas
depois da derrota do fascismo em 1945, para se tornarem gestores e ocupantes
dos aparelhos de estado, num regime de alternância com as hostes da comumente
chamada direita.
O PSD de Sá Carneiro, com algum serviço prestado de
oposição ao regime fascista, fora incluído nos governos provisórios empossados
depois de 25 de Abril (excepto o V) e nessa base tinha todas as condições para
reunir à sua volta os assustados com as vicissitudes do PREC, as ocupações de
terras, os saneamentos… mesmo que taticamente obrigado a apoiar as
nacionalizações e com o objetivo do socialismo inscrito na Constituição.
Neste contexto, que papel para o CDS que tinha ficado fora
dos governos provisórios, onde teriam estado representados “todos” os
portugueses, na concepção de “união sagrada” de Spínola e da Junta de Salvação
Nacional? A Igreja Católica sabia ter passado o tempo para a criação de
partidos democratas-cristãos até porque a religiosidade dos portugueses, dada a
sua despolitização, pouco vai além de uma tradição, de uma superstição, como
Fátima bem demonstra.
Em 1978 o PS de
Mário Soares incluiu o CDS no governo para gerir mais facilmente a primeira
intervenção do FMI em Portugal - e a correspondente austeridade. Desde aí o CDS
passou a funcionar, como o gerador de
maiorias para uma das alas do partido-estado, quando nenhuma delas se mostra
capaz de obter maioria absoluta (AD em 1980/81, coligação com o PSD em 2002
(governo Durão Barroso), 2005 (Santana Lopes) e finalmente, em 2011 (Passos
Coelho). O CDS tem sido o adereço necessário e isso tem-lhe garantido a
existência e uma notoriedade muito superior à sua representatividade na
sociedade.
Com o enfraquecimento do partido-estado, o CDS parece
encaminhar-se para a posição de presença habitual nos governos,
transformando-se numa sensibilidade consolidada no seio do PSD, tal como o CSU
de Schauble funciona historicamente para dar peso à CDU alemã, atualmente
chefiada por Merkel. Uma presença frequente no governo garante a continuidade
no aparelho de estado (infestando-o com fiéis em cargos bem remunerados) e o
exercício da procuração em negócios muito apelativos (Portucale, submarinos)
controlados por um grupo dirigente fechado e escasso, em número e competências,
onde a notoriedade se reduz a gente de tão baixo quilate como Portas, Mota
Soares, Nuno Melo...
Na direita assumida
portuguesa (nem o PS nem o PSD se reconhecem como partidos de direita)
prepondera totalmente o CDS que atingiu o seu período áureo no tempo da AD,
quando ultrapassou um milhão de votos, decaindo para uns 250 mil durante o
cavaquismo (era então o partido do taxi) e estagnando em torno dos 500 mil
depois de 1999, exceptuando 2009/11.
Nos outros grupos
desta área política, os seus componentes raramente ultrapassaram os 50 mil
votos (1979 com o PDC, há muito extinto e em 2005 com o PND, também finado).
Não tem sido fácil a consolidação de algo relevante à direita do CDS, quer
proveniente de uma democracia-cristã bafienta quer ancorado num PNR fascista e
xenófobo.
Nota: Em 1980 a votação aqui
atribuida ao CDS (incluido com o PSD e
o PPM) na coligação AD é a que
resulta da parte proporcional
aos votos de cada um em 1976
Em 2015 adoptámos critério idêntico
para os membros da coligação
PàF (PSD e CDS), tomando
como base as respetivas votações em 2011
- - - -
Finalmente, convém referirmos
que esta análise do cenário institucional e, sobretudo, as projeções que se
possam fazer baseadas na sua continuidade, mais ou menos conservadora, nada trarão
de relevante para a construção de uma sociedade democrática despida de
capitalistas e oligarcas.
No terreno, hoje, o
que existem são entidades que pretendem atrair, enganar ou neutralizar as
pessoas, para se alçarem como seus representantes, com benefícios próprios. A classe
política, no seu todo, dita de direita ou de esquerda são parte do problema que
é o atual ordenamento político, económico e social; e não fazem parte da solução.
A autodeterminação da
multidão faz-se sem intermediários, sem auto-ungidos pastores de pessoas
remetidas à condição de rebanho.
(em breve publicaremos uma
segunda parte, centrada nos últimos dez anos de eleições legislativas e nas
variações entre os resultados dos quatro actos eleitorais realizados para a
eleição de deputados)
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
Sabemos ainda de uma avaliação de
2013 em 1 M
Continuo a pensar que há um gravíssimo problema cultural como contraponto ao predomínio da economia, a qual triunfou no processo de globalização. O mesmo aconteceu com a natureza, cuja subalternização provocou a maior crise ecológica.
ResponderEliminarPor isso, como afirma Yannis Varoufakis, não podemos desistir da política. A política é a única chance que temos de civilizar a economia na qual vivemos e ao mesmo tempo salvarmos o planeta da severa crise ecológica onde ela o conduziu.
Quem não vota, por desprezo do sistema partidário ou por razões inconscientes, não sabe criar 1, a alternativa e 2, transfere para "coisas" que nem existência legal têm como o Eurogrupo por exemplo ou também os media, o governo, a soberania e as opções estratégicas da sociedade onde vive abdicando assim de tomar uma posição válida.