terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sobrevoando 40 anos de eleições em Portugal

A análise dos resultados revela que o regime político está bloqueado e incapaz de produzir democracia e bem-estar para quem vive em Portugal. Em breve se verificará que o rei vai nu, quando houver mais gente que se distancia do sistema partidário do que a apostar nele.
Sumário
1 - Votos e não votos
2 - O voto partidário
3 - Um pouco da história das legislativas e dos seus protagonistas
3.1 – O partido-estado e seus arredores
3.2 –  O lado esquerdo do sistema partidário
3.3 – A direita assumida



O decurso das últimas eleições constituiu mais um elemento para a urgência de um exercício sobre a qualidade da democracia em Portugal e na Europa. Sendo isso uma tarefa de grande envergadura e com numerosos contornos, iremos aqui e agora, centrar-nos nos dados referentes às eleições legislativas celebradas desde 1975 – 15 no seu total - o que corresponde a um acto eleitoral em cada período médio de 2 anos e oito meses; longe de refletir qualquer instabilidade prejudicial ao funcionamento dos “mercados”. Pelo contrário, é o entediante economicismo vigente no discurso e na prática das classes políticas, é a centralização de poderes em instituições, claramente ao serviço dos “mercados”, que desestabilizam a vida das pessoas e empobrecem a democracia.

1 - Votos e não votos

Começamos por relacionar os inscritos no recenseamento, os votos dirigidos a partidos e os “votos” que se não manifestam em preferências partidárias (abstenções, votos brancos e nulos). Essa realidade arrasta o conhecido problema dos “eleitores fantasmas”, de pessoas inscritas no recenseamento e que jamais poderão votar por várias razões (mormente por falecimento); um tema que nunca preocupou a classe política. Esta também nunca se interessou em fazer evoluir agilizando toda a mise en scène e a infraestrutura eleitoral, que se mantém inalterável há 40 anos. Como o financiamento dos partidos e o acesso ao pote não são afetados por estas disfunções…

Não nos espraiaremos com detalhe sobre o problema dos “eleitores fantasmas”[1] nem dos emigrantes recentemente impossibilitados de votar por incúria dos serviços responsáveis pela emissão de cartões de cidadão. Quanto aos emigrantes, o poder político limita-se a agradecer que tenham zarpado para o exterior e, sobretudo, que mandem dinheiro para Portugal.

Torna-se claro que o crescimento do número de eleitores potenciais acompanha não só o aumento da população como o seu envelhecimento, traduzindo-se num aumento de 3.5 M de pessoas no período considerado, de 40 anos. Por seu turno, as manifestações de apoio aos partidos políticos concorrentes mantêm-se constantes num estreito intervalo, demarcado entre um máximo de 6028 milhares de pessoas em 1980 e um mínimo de 5409 milhares contabilizados no passado dia 4 de outubro, em nada refletindo a evolução da demografia ou a composição etária da população.


A variável verdadeiramente dinâmica em quatro decénios é constituída pelas opções de quem, de todo não vota e ainda, dos que votam em branco ou anulam o boletim de voto; isso é revelador da baixa capacidade de mobilização do regime político para a sua própria reprodução, havendo um número crescente de pessoas que considera repelente o sistema partidário e os seus membros, ou o modo de eleição (em partidos com o método do Hondt, para prejuízo dos mais pequenos) ou ainda, o voto como algo irrelevante uma vez que o regime político se mostra autista e bloqueado, incapaz de promover o bem-estar da população mas, em evidente benefício da oligarquia financeira e da classe política.   

A evolução registada no gráfico acima inserido poderá conduzir a um facto pleno de significado, num futuro próximo: o dos eleitores que não escolherem nenhum partido - abstencionistas e votos em branco ou nulos - superarem o número daqueles que optem por um partido ou coligação.

Sabe-se que não há qualquer tipo de coesão ou organização entre aqueles que não manifestam apoio expresso a partidos políticos, como se sabe que no seio da classe política e dos seus avalistas e analistas, há uma tendência deliberada para desvalorizar a relevância de tamanha massa de pessoas, sobretudo dos que se abstêm; os que colocam em urna votos em branco ou nulos não merecem mais consideração, mesmo que a sua atitude seja bem mais vincada no antagonismo face ao sistema partidário. Este enorme conjunto de pessoas que não vota em partidos é desprezado e envolvido numa cortina de fumo para que fiquem ocultos; constitui, no entanto, um verdadeiro espelho do regime e do seu caráter antidemocrático e oligárquico.

Quando votarem menos de metade dos inscritos em eleições legislativas (como já acontece nas eleições para o Parlamento Europeu as quais ninguém toma como relevantes) não deverá colocar-se a questão da legitimidade das eleições e do regime existente? Que representatividade terão as instituições se mais de metade da população não manifestar apoio aos candidatos à sua gestão? E os eleitos que constituem o governo e a oposição, representando uma parcela muito menor da população, poderão arrogar-se ao direito de decidirem sobre as vidas de todos?

No caso de Cavaco que se tornou PR com 23% dos votos possíveis, a questão é levantada por vezes para adornar a crítica às suas atitudes particularmente nocivas. Mas as coisas parece passarem mais desapercebidas mesmo que Passos tenha sido escolhido por 15248 membros do seu partido (34.5% do total) em 2010[2] e António Costa por 22000 dos 47727 membros do PS[3] em 2014, passando ambos a partir daí por crivos sucessivos até uma nomeação para funções que alcançam toda a gente, no âmbito daquilo que se chama democracia orgânica, tão cara a Salazar e a Franco.

Estas formas de escolha não configuram uma verdadeira democracia embora nada na Constituição (CRP) coloque essa questão; pela simples razão que a CRP mais não faz que legalizar a antidemocracia necessária e suficiente para firmar o primado das oligarquias e a conveniente continuidade e a consolidação de aspetos provenientes do regime fascista.

Democracia é a igualdade entre os eleitores para a candidatura a qualquer função de representação; é a personalização dessa representação e não a sua diluição em listas partidárias pré-cozinhadas; é a possibilidade dos eleitores cassarem o mandato daqueles que elegeram; é a limitação de mandatos, pois o exercício de representação política não é profissão mas, um dever de cidadania; é a ausência de privilégios pelo exercício desse dever; etc. Um regime democrático em Portugal exige uma outra CRP que, por razões bem óbvias, não é prioridade da classe política, a não ser em aspetos que a favoreçam e aos interesses económicos e financeiros que representam.

2 - O voto partidário

Um maior detalhe quanto aos votos dirigidos a partidos consiste na sua arrumação em três grupos; a direita assumida, constituída pelo CDS e pequenos grupos radicais de direita; o partido-estado PSD/PS ou PS/PSD - de acordo com as conjunturas - e grupos na sua orla; e, finalmente, a esquerda, maioritariamente constituída pelo BE e pelo PCP, para além de alguns grémios de menor dimensão. No gráfico que se segue, o elemento complementar ao voto partidário, para se atingir o volume total dos eleitores, é constituído pelas abstenções e votos em branco ou nulos, o único elemento verdadeiramente dinâmico sempre que se observam os actos eleitorais realizados durante o regime de democracia de mercado.


A estagnação do volume de votantes em partidos, nos últimos quarenta anos, é acompanhada pelas escassas variações registadas entre os vários grandes grupos de grémios, facto revelador de uma estabilidade política que se interliga com a despolitização profunda da população, alimentando-se ambas, uma da outra. É revelador também da segmentação hermética entre a esmagadora maioria da plebe e o reduzido grupo de protagonistas da classe política, para lá do que acontece face ao alto empresariato. Portugal é um país dual.

As pessoas não são protagonistas da política, não a constroem, apenas têm um incutido acesso à televisão e aos comentadores políticos, em regra, próximos dos grupos dominantes da classe política que procedem a um esmerado trabalho de manutenção da multidão num estado letárgico, de permanente formatação ideológica, dirigida à aceitação resignada de uma situação designada por TINA – There is no alternative. A omnipresença dos chefes e porta-vozes partidários nos media, conjugada com a menoridade política incutida nas pessoas, pretende elevar a classe política aos olhos das pessoas e induz ao convencimento da inevitabilidade dessa mediação partidária.

Finalmente, quando surgem focos de contestação, logo ocorrem funcionários políticos ou sindicais para controlar a situação, em sintonia com intervenções musculadas da polícia, se necessário. O único espaço de expressão popular que o regime concede, como válvula de descompressão, são as regulares eleições – as romarias eleitorais como preferimos designá-las - para apresentarem aos incautos, esperanças de mudança que, não mudando os protagonistas, nem as propostas, se configuram como logros.

Como dizia Sartre em finais dos anos 60, “les elections sont une piège à cons”. E, nessa ocasião, os sistemas partidários não estavam tão eficientemente burocratizados como hoje, o controlo biopolítico era uma criança, havia sistemas políticos considerados como alternativos e nas guerras anticoloniais eram sentidas esperanças de mudança que não sobressaem nas de hoje, as guerras do Império. Do ponto de vista político, as eleições são um instrumento de expressão política que só têm significado – para a multidão - se conduzirem a mudanças num regime oligárquico e empobrecedor; se essas mudanças não são possíveis, a participação é um logro, a criação de ilusões junto das pessoas menos politizadas, a legitimação da continuidade da oligarquia, naturalmente ganhadora.

3 - Um pouco da história das legislativas e dos seus protagonistas

3.1 – O partido-estado e seus arredores

Na área do partido-estado há a considerar três fases para as suas marcas eleitorais dos últimos 40 anos. Há uma quebra inicial em 1975/76, com os valores mais baixos de sempre, no rescaldo dos seus nefastos comportamentos durante o PREC; um período de regular crescimento que atinge o auge em 1991, alicerçado na última maioria de Cavaco, antes de se iniciar a crise depressiva de 1993/95; e o período posterior de evidente declínio do apoio eleitoral às formações políticas desta área de uma direita não assumida, complexada.

A sua votação ultrapassou largamente os 4 M de pessoas entre 1987/2005, com os resultados que tornaram Cavaco, Guterres, Barroso e Sócrates como primeiros-ministros, captando em 2015 apoios equiparados aos do início dos anos 80 (pouco acima de 3.5 M). Aquele período áureo é o do impacto da entrada dos fundos comunitários – ansiado produto da dissolução na então CEE - do cavaquismo, das privatizações, do crédito fácil, do boom imobiliário e do consumismo desbragado, em contraste com a modéstia remediada dos tempos do fascismo e da austeridade imposta pelo FMI em 1977/8 e 1983/85 e que voltou com particular dureza e durabilidade a partir de 2011.

        Nota: Em 1980 a votação aqui atribuida ao CDS (incluido com o PSD e o PPM) na coligação
 AD é a que  resulta da parte proporcional aos votos de cada um em 1976
Em 2015 adoptámos critério idêntico para os membros da coligação PàF (PSD
e CDS), tomando  como base as respetivas votações em 2011

O PS e o PSD, no seu entrelaçado, posicionam-se como as duas séries da cadeia ADN confirmando assim a sua unidade enquanto partido-estado, como ossatura do regime cleptocrático vigente.

No PS as votações somente ultrapassaram os 2 M no período 1995/2009, em 1983 e 1975 e no caso do PSD isso sucede apenas em 1987/95 e ainda em 2002 ou 2011. A ultrapassagem dessa fasquia não foi necessária para a constituição do governo PS em 1976; só foi conseguida pelo PSD com o forte contributo do CDS nos governos AD (1979/80); não foi suficiente para o PS ficar sozinho no governo durante a crise 1983/85 (intervenção do FMI, bloco central) e foi de todo dispensável para o primeiro governo (minoritário) de Cavaco dada a erosão do PS e do epifenómeno PRD, de Eanes. A partir daí qualquer das alas ganhadoras do partido-estado arrecada mais de 2 M de votos mesmo que a fação derrotada também alcance essa marca em 1995 (PSD) ou 2002 (PS). No momento atual, nenhuma dessas fações do partido-estado conseguirá ultrapassar essa fasquia, traduzido em votos, sem apoios exteriores – o PSD, atrelando Portas, com o concurso do PS todo ou apenas de alguns dos seus valetes descontentes; ou o PS pagando o aliciamento do BE/PCP.

O primeiro período ascensional do PS observa-se em 1983 com o esfarelar da AD e o casamento com o derrotado PSD, sem liderança, num bloco central constituído para gerir a crise económica e aprontar os dossiers para a inclusão na UE. O segundo período de crescimento inicia-se em 1985, com a recuperação dos danos provocados pelo PRD e que culmina em 1995 com a eleição de Guterres sobre os escombros do cavaquismo. Há ainda a registar um terceiro momento, que se seguiu à emigração de Barroso e à experiência governamental intercalar do tonto Santana, durante cujo mandato foi concebido um Sócrates para levar o PS à glória nas eleições de 2005. Finalmente, a mais frouxa ascensão dos apoiantes do PS sucede em 2015, com Antonio Costa; mesmo tendo como ponto de partida o baixo volume de votos colhido em 2011.

Quanto ao PSD, tem um primeiro período ascensional com a AD de Sá Carneiro em 1979/80, a qual se esfarelou depois de Camarate, permitindo ao PS dominar o bloco central em 1983. Entre 1985/1991 registam-se os bons resultados e o melhor período de sempre do PSD com Cavaco à sua frente e fundos comunitários por detrás. A saída de Guterres e a Casa Pia chamuscam a liderança do PS e favorecem o PSD mesmo com um tosco como Barroso à frente; finalmente, em 2011, um outro chefe do PSD – Passos - mesmo desqualificado na consideração de figuras gradas do partido (Cavaco e Ferreira Leite, entre outros) consegue manter o ritmo da alternância entre as duas formações rivais do partido-estado, apossando-se do pote perante um PS apontado como responsável intervenção da troika; embora intervenção tenha surgido, por imposição dos bancos no dia 6 de abril de 2011.

Sobre os outros partidos que constituem o volátil rechego nesta área política, a sua relevância é quase nula, se excluirmos o PRD cuja votação em 1985 corresponde quase na íntegra às perdas do PS e cujo desmoronar dois anos depois beneficiou claramente a grande maioria absoluta alcançada por Cavaco. Finado o PRD, este conjunto de partidos mantém-se na marginalidade, surgindo em 2015, com alguma relevância eleitoral no seu total, o conjunto formado por novas agremiações como o PDR de Marinho Pinto, heróico defensor do castelo perante uma investido de uma seita herética; pelo Livre que mais se assemelhou a um aterro sanitário ou o NOS, como miniatura do Ciudadanos espanhol.

3.2 – O lado esquerdo do sistema partidário

No que à esquerda do sistema se refere, há a considerar um período até 1985 durante o qual as votações ultrapassam um milhão, com um máximo de 24.1% dos votos dirigidos a partidos em 1979. Contudo, a partir daqui há um declínio que só se interrompe em 2005, muito porque o BE duplicou a sua votação face a 2002 (então os seus partidos progenitores), ano do acto eleitoral que regista o pior resultado da esquerda tradicional nos 40 anos do regime.

Consideramos que para tal concorreram vários fatores. A entrada massiva de fundos comunitários gerou uma ideia de prosperidade eterna; o ingresso na então CEE com a abertura das fronteiras e o espetacular aumento das trocas com Espanha; o discurso do cavaquismo sobre as virtudes da iniciativa privada e das privatizações; a incapacidade da esquerda no seu conjunto de compreender a globalização, o declínio dos estados-nação, as mudanças políticas e no quadro ideológico decorrente da queda do Muro que constituiu um apogeu para a narrativa neoliberal; e ainda a perspetiva atávica, defensiva, da “consolidação democrática”, onde se inclui uma recusa absoluta em apontar a Constituição como dócil instrumento ao serviço da oligarquia. Por isso, os tempos do triunfalismo reacionário da AD, a passagem pelo bloco central, a austeridade oriunda das duas intervenções do FMI, a transição para os consulados de Cavaco, deste para Guterres e deste para Durão não alteram o pendor decrescente da esquerda partidária que somente termina em 2005, com a eleição de Sócrates, depois da crise iniciada com o crash das dotcom.

Regista-se uma grande hegemonia do PCP (sob a forma de siglas ditas unitárias, APU, CDU), durante a maior parte dos últimos 40 anos, apesar da evidente erosão do seu eleitorado. O PCP ultrapassa um milhão de votos em 1979/83 para se fixar em valores da ordem dos 500 mil em 1991/99 e pouco abaixo dos 450 mil desde 2005, com o ponto mais baixo em 2002 quando não recolheu mais do que o apoio de 380 mil eleitores.

A evolução registada em todo este período para as votações do PCP mostra pouca correspondência com as variações das outras formações desta área política; isso é bastante claro nos últimos anos com as grandes mutações dos votos do BE cuja subida só poderá ter acontecido em detrimento do PCP em 1999 e 2002 e de modo muito limitado. Essa lenta involução entende-se como consolidada, de recuperação impossível, materialização de uma continuidade mais durável que noutros países, dada a anquilose das estruturas sociais e culturais dos portugueses. Deve-se também à sólida estrutura organizativa do partido, articulada com estruturas sindicais, autárquicas e outras que permitem a geração de fidelidades e cumplicidades com efeitos na manutenção de um núcleo duro de votantes, depois da deserção de muitos milhares, para outros posicionamentos políticos ou pela evolução demográfica, durante duas décadas.

No período 1975/2015 e para análise da área política constituída pelo BE, tomámos para os anos anteriores à sua fundação (1999) as formações políticas que lhe deram origem, mormente a UDP e o PSR. Embora com votações superiores a 100 mil até 1987 (excepto 1983) é já com a sigla BE que se consolida um crescimento claro entre 1999/2009 quando o partido ultrapassa a contagem do PCP, o que voltou a acontecer este ano, após o estrondoso desaire do BE em 2011.

Para além do referente ao PCP e ao BE há a registar votações, no seu conjunto superiores a 100 mil votos, dirigidas a um diversificado leque de grupos, em 1975/80 (MES, FSP…); a partir desse momento, o partido hegemónico nesta área é o PCTP/MRPP que deixa de o ser em 2015, ultrapassado pelo PAN que, surgido em 2011, já então se apresentou com um bom resultado. Esta diversidade colocou este leque de grupos com uma valia que recentemente atingiu os 155 mil votos.

Em suma, na esquerda institucional parece desenhar-se um definhamento do PCP, com a consolidação do BE como força dominante, com maior potencial de captação de apoios em outras áreas sociais e geográficas. Por outro lado, nos próximos tempos se verá a capacidade de consolidação do PAN como projeto ecologista e se o PCTP/MRPP consegue algo mais do que mimetizar as posições políticas do PCP, após uma eventual saída de Garcia Pereira.

O PS tem um caudal histórico de atuações que o colocam numa posição bem à direita no espetro já muito pouco radical dos partidos contidos no europeu S&D e que, a continuar, poderá alimentar fugas de eleitorado para o BE. O facto do PS se querer apresentar como partido de esquerda e ao mesmo tempo mostrar um alinhamento claro e submisso face aos ditames do eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim, poderá não ter um futuro eleitoral promissor a médio prazo, como se observou com o Pasok grego. Esse processo de esvaziamento dependerá também da habilidade política do BE, facilitada com o conhecimento do percurso já percorrido pelo Syriza que consolidou nas últimas eleições gregas de julho a sua ocupação do espaço de uma social-democracia que o Pasok ocupou nos seus melhores tempos com Andreas Papandreu.

Um factor que distingue Portugal da Grécia é que não há activismo de esquerda que crie qualquer coisa semelhante ao Syriza dos últimos anos e que, entretanto se finou com a capitulação de Tsipras. Existe sim, uma memória, algo difusa, de um PREC que a maioria não viveu, como elemento da afirmação de uma caraterística genética do povo ou, de modo algo quixotesco pelos militares, por exemplo, no âmbito das suas reivindicações como assalariados. O que é muito pouco no mundo atual.

Não havendo activismo nem movimentação social, as mudanças políticas reduzem-se aos efeitos de jogos dentro da classe política com a multidão a assistir e a pautar as suas opiniões, enquanto volúvel espectadora de jornalistas e comentaristas políticos enfeudados aos interesses económicos e à classe política; e sem estratégia ou táticas construídas coletiva e democraticamente como prática política, como atores em causa própria.

Esta situação de ausência de “vigilância popular” face aos oportunismos e tentações entristas de grupos vanguardistas de tradição trotsko-estalinista ou outros facilita a aproximação dos partidos da chamada esquerda a arranjos com um PS que hoje se apresenta fortalecido como o fiel da balança na AR, com a responsabilidade de definir regras e políticas.

Nesta linha, a esquerda não criará obstáculos e por dois motivos. Um, é que a recusa desses arranjos com o PS facilitaria aproximações deste à direita e a esquerda, sem alicerces em movimentação social, pouco poderia ir além de diatribes parlamentares e procissões na avenida; o outro reside no facto, que está na recordação de todos, da votação conjunta da esquerda com o PSD e o CDS para derrubar o governo Sócrates, com péssimos resultados, não só para o PS como para o BE.

Nesse contexto, poderá acontecer, não a transformação, por secagem eleitoral, do PS, transformado numa versão lusa de um pequeno Pasok mas, a cooptação, objetiva e não formal, da esquerda parlamentar por parte do PS, num reforço da bipolarização reforçada entre as duas áreas de um partido-estado engrandecido e asfixiante. A drenagem regular de gente proveniente de partidos de esquerda para a direita, mormente o PS, tem centenas de casos conhecidos.

3.3 – A direita assumida

Em Portugal, uma das sequelas da radicalização política havida durante o PREC foi a dos partidos da direita adoptarem designações respeitáveis que lhes permitissem existir sem enxovalhos, demarcando-se assim das etiquetas com nomes típicos de formações de direita ultra-conservadora que foram extintos na sequência da manobra da “maioria silenciosa” ancorada em Spinola ainda em 1974.

Assim, uma direita liberal à época, o PPD, encaminhou-se para o título de  PSD e até procurou ingressar na ditosa Internacional Socialista onde já estava inscrito o PS, que tratou de inviabilizar a entrada da concorrência. Por seu turno, o CDS que então pretenderia posicionar-se como de caráter democrata-cristão passou a ser uma “coisa” indefinida que presta serviços às instituições ligadas à Igreja e a renques de empresários que o financiam. O CDS ficou à vontade quando o PDC, expressamente clerical, compareceu pela última vez na formatura da parada eleitoral em 1987; e, já neste século, a investida do PND criado por Manuel Monteiro, num caso de desavença entre a criatura e o criador Paulo Portas, também não surtiu. Portas ficou dono do terreno de uma direita descomplexada, hábil no concubinato com o PSD (ainda designado por PPD/PSD por espantalhos como Santana) para sobreviver.

Com o domínio do caráter anti-social inerente ao neoliberalismo a partir dos anos 80, tornou-se vulgar a consideração da população como um vasto grupo de serventuários dos empresários, elevados como empreendedores, investidores, empregadores… benfeitores. Essa lógica, matizada, tomou conta de partidos liberais, reformadores, conservadores e democratas-cristãos; os partidos social-democratas e socialistas perderam as suas referências sociais mantidas desde os tempos da I Guerra e até exacerbadas depois da derrota do fascismo em 1945, para se tornarem gestores e ocupantes dos aparelhos de estado, num regime de alternância com as hostes da comumente chamada direita.

O PSD de Sá Carneiro, com algum serviço prestado de oposição ao regime fascista, fora incluído nos governos provisórios empossados depois de 25 de Abril (excepto o V) e nessa base tinha todas as condições para reunir à sua volta os assustados com as vicissitudes do PREC, as ocupações de terras, os saneamentos… mesmo que taticamente obrigado a apoiar as nacionalizações e com o objetivo do socialismo inscrito na Constituição.

Neste contexto, que papel para o CDS que tinha ficado fora dos governos provisórios, onde teriam estado representados “todos” os portugueses, na concepção de “união sagrada” de Spínola e da Junta de Salvação Nacional? A Igreja Católica sabia ter passado o tempo para a criação de partidos democratas-cristãos até porque a religiosidade dos portugueses, dada a sua despolitização, pouco vai além de uma tradição, de uma superstição, como Fátima bem demonstra.

Em 1978  o PS de Mário Soares incluiu o CDS no governo para gerir mais facilmente a primeira intervenção do FMI em Portugal - e a correspondente austeridade. Desde aí o CDS passou a  funcionar, como o gerador de maiorias para uma das alas do partido-estado, quando nenhuma delas se mostra capaz de obter maioria absoluta (AD em 1980/81, coligação com o PSD em 2002 (governo Durão Barroso), 2005 (Santana Lopes) e finalmente, em 2011 (Passos Coelho). O CDS tem sido o adereço necessário e isso tem-lhe garantido a existência e uma notoriedade muito superior à sua representatividade na sociedade.

Com o enfraquecimento do partido-estado, o CDS parece encaminhar-se para a posição de presença habitual nos governos, transformando-se numa sensibilidade consolidada no seio do PSD, tal como o CSU de Schauble funciona historicamente para dar peso à CDU alemã, atualmente chefiada por Merkel. Uma presença frequente no governo garante a continuidade no aparelho de estado (infestando-o com fiéis em cargos bem remunerados) e o exercício da procuração em negócios muito apelativos (Portucale, submarinos) controlados por um grupo dirigente fechado e escasso, em número e competências, onde a notoriedade se reduz a gente de tão baixo quilate como Portas, Mota Soares, Nuno Melo...

Na direita assumida portuguesa (nem o PS nem o PSD se reconhecem como partidos de direita) prepondera totalmente o CDS que atingiu o seu período áureo no tempo da AD, quando ultrapassou um milhão de votos, decaindo para uns 250 mil durante o cavaquismo (era então o partido do taxi) e estagnando em torno dos 500 mil depois de 1999, exceptuando 2009/11.

Nos outros grupos desta área política, os seus componentes raramente ultrapassaram os 50 mil votos (1979 com o PDC, há muito extinto e em 2005 com o PND, também finado). Não tem sido fácil a consolidação de algo relevante à direita do CDS, quer proveniente de uma democracia-cristã bafienta quer ancorado num PNR fascista e xenófobo.

                                 Nota: Em 1980 a votação aqui atribuida ao CDS (incluido com o PSD e
           o PPM) na coligação AD é a que resulta da parte proporcional
           aos votos de cada um em 1976
           Em 2015 adoptámos critério idêntico para os membros da coligação
           PàF (PSD e  CDS),  tomando como base as respetivas votações em 2011

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Finalmente, convém referirmos que esta análise do cenário institucional e, sobretudo, as projeções que se possam fazer baseadas na sua continuidade, mais ou menos conservadora, nada trarão de relevante para a construção de uma sociedade democrática despida de capitalistas e oligarcas.

No terreno, hoje, o que existem são entidades que pretendem atrair, enganar ou neutralizar as pessoas, para se alçarem como seus representantes, com benefícios próprios. A classe política, no seu todo, dita de direita ou de esquerda são parte do problema que é o atual ordenamento político, económico e social; e não fazem parte da solução.  

A autodeterminação da multidão faz-se sem intermediários, sem auto-ungidos pastores de pessoas remetidas à condição de rebanho.  

(em breve publicaremos uma segunda parte, centrada nos últimos dez anos de eleições legislativas e nas variações entre os resultados dos quatro actos eleitorais realizados para a eleição de deputados)

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1 comentário:

  1. Continuo a pensar que há um gravíssimo problema cultural como contraponto ao predomínio da economia, a qual triunfou no processo de globalização. O mesmo aconteceu com a natureza, cuja subalternização provocou a maior crise ecológica.
    Por isso, como afirma Yannis Varoufakis, não podemos desistir da política. A política é a única chance que temos de civilizar a economia na qual vivemos e ao mesmo tempo salvarmos o planeta da severa crise ecológica onde ela o conduziu.
    Quem não vota, por desprezo do sistema partidário ou por razões inconscientes, não sabe criar 1, a alternativa e 2, transfere para "coisas" que nem existência legal têm como o Eurogrupo por exemplo ou também os media, o governo, a soberania e as opções estratégicas da sociedade onde vive abdicando assim de tomar uma posição válida.

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