segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Homem, ser social e fragmentado




A ideologia do capital insere-se de tal modo na cabeça dos indivíduos que transforma qualquer hilota num zelota e por isso, sem a consciência de que se transforma num idiota.


Sumário

1 - Aspetos elementares da estratificação social
2 – A habilidade tática do capitalismo
3 - O Homem fragmentado


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É bem patente para todos, como no âmbito das ciências sociais, que as sociedades dividem as pessoas consoante o seu papel no processo produtivo e, tendo isso como base, em múltiplas outras formas relacionadas com as suas funções reais no enquadramento da própria reprodução social e ainda, de acordo com aspetos circunstanciais validados pelos Estados ou pela cultura dominante. Assim à divisão clássica e basilar em classes, segmentos, camadas sociais e castas devem ainda considerar-se fatores que dividem as pessoas de acordo com a chamada raça, a religião, a origem geográfica, o sexo, a orientação sexual… Trata-se aqui dos homens como seres sociais, ainda que estratificados hierarquicamente.

A complexidade e a maior densidade das relações económicas e sociais de hoje, aliada às necessidades de controlo das pessoas por parte dos Estados, encarregados da incorporação do pensamento dominante nas mentes, exige a adopção de atitudes diversas por parte do sistema político-económico relativamente a cada um de nós; já não como entes unos mas, em função dos diferentes ângulos com que aquele sistema olha para cada indivíduo, com atitudes diferentes, correlacionadas com esses olhares. Trata-se aqui, do modo fragmentado como o poder encara cada pessoa.



1 - Aspetos elementares da estratificação social

Todos sabemos, por experiência própria, que os mais pobres e mesmo as chamadas classes médias não são, por definição, grandes investidores. São-lhes apontadas, a falta de vocação, a preguiça, a falta de espírito empresarial ou de inserção nos mercados globais, nunca conseguirem juntar as poupanças necessárias para enriquecer, como nas fábulas sobre os milionários norte-americanos ou do luso exemplo do senhor Godinho, topo de gama da tecnologia da sucata. E sem lautas poupanças, sem uma acumulação primitiva (por herança ou roubo) não se corrompem mandarins, mesmo com cursos de empreendorismo.

Na realidade e mais diretamente, pretende-se que o papel dos pobres, numa adaptação das teses de Hobbes, seja o de trabalhar para os senhores do capital, obedecendo para sobreviver o melhor que lhes seja concedido; e sem fazer ondas.

Uma das inovações sociais e jurídicas do capitalismo foi o de subordinar os trabalhadores em geral, os desapossados, não através de vínculos jurídicos de posse física do indivíduo (não somente da força de trabalho) e de obediência pessoal mas, através do mercado.

Esse mercado que se diz livre reproduz, de facto, também uma relação desigual. De um lado, estão os possuidores dos meios de produção, os capitalistas - também denominados por “empregadores” em novilíngua - com o livre direito de escolher quem, como e por quanto tempo entenderem os poderá servir, para extrair valor e rendimento; e, do outro lado, está o potencial trabalhador, atomizado, cuja única liberdade é a da aceitação do capitalista que lhe pague, no mínimo, para evitar a fome, ter um teto e o estritamente necessário para a prestação do trabalho, enquanto não for considerado desperdício, a desaparecer tão depressa quanto possível.

Essa liberdade, consta aliás em todas as constituições como “direito ao trabalho”. A Constituição Portuguesa reza taxativamente que “todos têm direito ao trabalho” (artº 58 nº 1) texto que abre um longo rol de direitos acessórios, bem como obrigações estatais para assegurar o exercício daquele direito fundamental. Se estavam desempregados em novembro último, pelo menos 900000 pessoas (16.3% do potencial total), o mínimo que se pode dizer é que, nas mãos do partido-estado, aquela disposição é uma farsa.

O exercício daquele direito não é uma opção mas, uma escolha de outrém, o “empregador”; para a esmagadora maioria dos seres, trabalhar é uma necessidade absoluta, uma obrigação a que não podem furtar-se. Como se isso não bastasse, um desempregado que não consiga lhe dêem trabalho, é criminalizado pelo poder, eventualmente condenado a trabalho social para combater qualquer propensão à mândria e obrigado a uma humilhante comparência regular junto de funcionários do Centro de Emprego; um género de termo de identidade e residência instituído para os arguidos de crime.

Na lógica do trabalho forçado adaptado ao século XXI, o sistema capitalista não se compromete minimamente em garantir ao trabalhador a dignidade de lhe ser reconhecido o seu incontornável contributo para a riqueza social, relegando-o à categoria técnica de recurso; que se utiliza ou não, como uma ferramenta ou uma matéria-prima.

Porém, embora não sendo vocacionalmente investidora, a grande maioria da população deverá contribuir, através da carga fiscal para o esforço investidor de que a sociedade tanto precisa; isto é, para a capacidade investidora que o Estado delegará nos capitalistas, através de encomendas, contratos, monopólios, rendas e prebendas.

Neste campo, o esforço fiscal dos pobres e remediados é apresentado como acto cívico, patriótico mas, através da transformação estatal, é materializado em bens e serviços que só no papel são públicos. É o papel distribuidor do Estado a favor dos capitalistas e não aquele definido nos manuais de economia, de redistribuidor da riqueza. Atualmente, o diretor da Autoridade Tributária - outro ente da tribo dos sonolentos como Gaspar - até manda emails para obter a nossa colaboração na redução da evasão fiscal de tascas, eletricistas e canalizadores, grandes malandros merecedores das punições de que banqueiros, rentistas e “empresários” ficam isentos dada a sua nobre função de investidores, criadores de empresas, riqueza e postos de trabalho! Aliás, Ricardo Salgado, com tantas preocupações que tem com o investimento e a criação de emprego até se esqueceu de declarar ao Fisco uns quaisquer € 8.5 M[1].

O Estado delega no mercado a função investidora, a condução da atividade económica, fornecendo os incentivos, os dispositivos e a regulação necessária para a venda de bens e serviços, outrora da responsabilidade pública, cabendo a cada indivíduo das camadas populares proceder a escolhas, como dizem; aliás, o mercado é o ambiente em que se observam as possibilidades de escolha, não?

Se um indivíduo para assegurar a prestação de serviços essenciais como a segurança social, a saúde ou a educação tiver o rendimento suficiente para se servir da oferta disponível no mercado, procederá às escolhas adequadas, através de formas diversas de contratação e cativação de parte dos seus proventos. Tratará, para garantir uma pensão de velhice ou invalidez, de entregar uma parcela do seu salário a uma seguradora ou um fundo de pensões, rezando para que esses não sejam devorados numa próxima crise financeira ou tragados num acto desastrado de um “hedge fund”. Terá também de proceder a um contrato de seguro de saúde para si e a sua excelentíssima família, escolhendo uma contraparte que lhe permita tratar dos seus problemas de saúde até ao montante estipulado, em função do capital seguro e do prémio anual pago, dentro das mais transparentes regras do mercado. Se uma maleita ultrapassar os limites do contrato, o indivíduo terá de se desenrascar, pois nenhuma solidariedade social estará ao seu alcance; e é por isso que nos EUA, havendo dezenas de milhões de pessoas sem cartão de seguro, Obama fez um contrato com as seguradoras para atender àquela gente, com chorudos pagamentos do Estado ao sistema financeiro, como contrapartida para calar a oposição e os lobbies. O mesmo indivíduo poderá mesmo decidir colocar os filhos (se essa figura continuar a ter uma expressão corrente, dada a baixa da natalidade) numa escola privada já que as públicas, mal dimensionadas, mal equipadas e com turmas enormes não estarão vocacionadas para facilitar o sucesso dos alunos.

Este cenário é o alvo dos researchers e dos seus mandantes, sabendo todos que no mesmo não caberá parte substancial da população, para mais, em estado adiantado de empobrecimento. Relativamente a 2010, a Autoridade Tributária refere que entre os  agregados com rendimentos (de trabalho ou pensões) declarados – 3.3 M - 80.7% apresentam-nos inferiores a € 40000 anuais. Por seu turno, entre os 1.4 M de agregados com rendimentos que total ou parcialmente incluem outras origens de rendimento (mormente trabalho a recibo verde, real ou falso) a parcela daqueles que declaram menos que os referidos € 40000 anuais é de 82.9%. Sabendo que entretanto decorreram os negros anos de 2011 e 2012 e o arrasador 2013 está em curso, a margem para o estabelecimento de regras de mercado para a prestação de serviços (ainda essencialmente públicos) é bastante escassa.

O capital financeiro ao apropriar-se do aparelho do Estado visa a monitoragem desta situação, sabendo que o mercado puro e duro, como ponto exclusivo das relações sociais, não é a solução única de negócio e o capital financeiro preferirá beneficiar do sistema actual de drenagem constante de meios financeiros públicos, previamente obtidos através da via fiscal e ainda, da utilização da instância política para a redução de salários diretos ou indiretos.

Essa drenagem processa-se pela canalização desses fundos públicos através da tradicional contratação de empreitadas, parcerias, rendas ou outras formas de acumulação privada, por via das verbas pagas pelo Estado por prestações delegadas em fornecedores privados de serviços; contratações essas que a mais elementar observação sob critérios de racionalidade económica aconselhariam a ser objeto de exploração direta, soando o caso do SNS como o mais escandaloso exemplo. O mandarinato representa neste jogo um papel subalterno mas, de um mediatismo evidente; e, porque esse mediatismo desgasta a sua imagem, o capital financeiro atribui um curto prazo de validade aos naipes de mandarins que se sucedem nos palcos televisivo e eleitoral. A regra é a velha receita da mudança das moscas mantendo inalterada a merda.

No âmbito dessa apropriação do aparelho de Estado, o capital financeiro vai também gerindo a situação social, a dimensão do desperdício social, incluindo aí, nessa crua designação, desempregados, beneficiários do RSI e a grande maioria dos reformados, incluindo ainda, todos quantos não contam nas estatísticas oficiais e que vivem em condições de grande pobreza e de elementares carências. Nesse vasto leque de pessoas, estão todos aqueles que não sendo portadores de capacidade de trabalho – por razões próprias (idade, deficiência, falta de qualificação) ou porque não são, de todo, necessários para a reprodução do capital, na actual fase da financiarização.

Como a grande maioria desses vários milhões de pessoas não tem poder de compra para recorrer aos serviços privados, mormente no âmbito da saúde, não são objeto do marketing do sistema financeiro e das suas empresas especializadas. Muitos não poderão recorrer ao serviço público direto ou, desempenhado por entes privados pagos com fundos públicos, através do SNS, da ADSE e outros. Para esses há dois caminhos possíveis – ausência de qualquer sistema de saúde ou o recurso a fórmulas caritativas promovidas pela ICAR com financiamentos públicos, protagonizadas por sensibilidades embotadas como a da Jonet, com distribuição de géneros alimentícios ou medicamentos em fim de prazo de validade, restos de restaurantes e um regresso à sopa dos pobres, numa revisitação aos piores tempos do salazarismo.

Muitos ainda se poderão inserir marginalmente no mercado oferecendo “trabalho voluntário” em troca de subsídios magnanimamente concedidos pelo Estado.

Esse trabalho voluntário tem para o sistema várias vantagens. “Rendabiliza” o subsídio que, comportando uma contrapartida laboral, passa à categoria de trabalho. Esse valor monetário, porque é designado por subsídio, tem naturalmente um valor inferior a um trabalho formal. Não onera o “empregador” com encargos para a Segurança Social. O despedimento não é figura que se aplique à figura híbrida de um subsidiado que trabalha, sendo a sua dispensa, automática, com o fim do subsídio ou por qualquer outra anomalia. A mobilidade que tanto mortifica os mandarins de serviço na função pública tem, neste contexto, uma acuidade bem inferior. E, uma vez que esta bolsa de subsidiados que trabalham existe, maior é a pressão para que os desempregados aceitem um salário baixo, para se tornarem competitivos com os subsidiados. Afinal, estamos numa economia de mercado, não?

Para quantos desempregados possam emigrar – num programa de rádio que conhecemos os emigrantes lusos são sempre casos de sucesso (!)  – o sistema agradece, permitindo a continuidade do subsídio de desemprego, fora das fronteiras, esperando que as remessas dos emigrantes ajudem a equilibrar a balança de pagamentos. Tal como no tempo do fascismo… Resta saber se esta escapatória que alija o país de pessoas e promove as entradas de remessas vai ter uma grande continuidade, em linha com a anemia da Alemanha.

No fundo do fundo sobra a esmagadora maioria dos reformados, com pensões de inferiores a € 400 mensais, com problemas crónicos de saúde, necessidades permanentes de medicação e cuidados médicos, recursos que se não compram nos meses em que acaba a bilha do gás; aqueles que têm de repartir essas pequenas fortunas com apoios a filhos e netos tocados pelo desemprego; e a quem o partido-estado, benevolamente concedeu quatro canais de televisão TDT (quarenta em Espanha) para poderem apodrecer os miolos, distraídos das dores da vida. É preciso referir ainda os desempregados com 40/50 anos, sem qualificações adequadas aos tempos de hoje, compelidos a envelhecer depressa para passarem à situação de reformados, num caminho que se pretende conduza rapidamente para a morte. E os mais jovens que, taciturnos, preenchem as filas diárias à porta dos centros de emprego, sem descambarem na marginalidade, nem na revolta.

Estes últimos são as vítimas do genocídio silencioso. Primeiro porque na sua desesperança sofrem e choram em silêncio, sem as visitas de mandarins cheirosos e bem vestidos. Segundo, porque os media preferem o beautiful people da política ou do futebol e passam ao largo sem os verem, em seus carros de vidros fumados.



2 – A habilidade tática do capitalismo

Qualquer candidato a economista, ou mesmo à subespécie dos economicistas, sabe que efetuada uma análise custo-benefício, um resultado negativo na avaliação de um projeto representa o seu abandono. Desse ponto de vista, aplicado a cada pessoa, sobressai, após a longa descrição efetuada, uma divisão da multidão em vários segmentos, de acordo com a rendabilidade capitalista;

·      os indivíduos que são rentáveis para o capital, que desempenham funções úteis para a reprodução do capital, quer diretamente como participantes do processo produtivo ou através da circulação das mercadorias e dos capitais;

·      os indivíduos que, não desempenhando quaisquer funções produtivas, são essenciais para a manutenção do sistema capitalista e das suas estruturas políticas, como o mandarinato, o aparelho repressivo, o aparelho ideológico e as estirpes judiciais. São, no seu conjunto, um simples custo mas, rentáveis do ponto de vista sistémico;

·      os indivíduos desnecessários ou excedentários para o sistema mas que marginalmente permitem a viabilidade de sectores menos nobres do empresariato, com menores taxas de lucro como, por exemplo, a “economia social” ou os subsidiados com a obrigatoriedade de exercer “trabalho social”;

·      os excedentários tout court para os quais o sistema reserva a emigração, as privações, o encurtamento da vida, a desaparição;

Note-se que nesta segmentação não se considera a elite capitalista, os senhores: os gestores de topo, os milionários, os especuladores, os “shareholders”, os rentistas ou, de outro modo, os que controlam o sistema financeiro, as multinacionais e a economia do crime.  São os conhecidos 1% popularizados no Occupy Wall Street, que se colocam acima da massa dos homo sapiens.

O capitalismo é um sistema que visa a concentração de rendimentos num núcleo restrito de gente, que torna esse objetivo como o elemento central da sua estratégia em termos temporais e geográficos. Acessoriamente, também considera as necessidades da multidão; as reais e as artificiais, estas, fomentadas como elementos de distração ideológica, de analgésico ou ansiolítico para as pessoas, sem que essa produção se desvie da lógica mercantil.

O capitalismo, embora naturalmente invasivo, insinuando-se onde lhe convém e procurando, por princípio, transformar as relações sociais em relações mercantis, sempre soube manter áreas fora da esfera da mercadoria, por conveniência própria, sistémica. Por outro lado, o capitalismo, como qualquer outro sistema económico, sempre soube estratificar e dividir a multidão; e nisso evidencia as grandes qualidades e a criatividade que só a necessidade de sobrevivência permitem gerar, mesmo que isso tenha de desagradar ou sacrificar algum leque de capitalistas.

Por outro lado, o capitalismo não segue um modelo teórico estrito como bula papal, sendo imensa a sua capacidade tática, tomando medidas com um pragmatismo assinalável; o que o reveste de alguma imprevisibilidade, com as inerentes dificuldades para quem se lhe opõe. Neste contexto, tanto utiliza políticas neoliberais como promove o investimento público, essa jóia da vulgata keynesiana. E, simultaneamente favorece a máscara daqueles seus defensores que se apresentem como fervorosos adversários, só porque se mostram zelosos da virtude keynesiana, como instrumento da glória do povo. Do ponto de vista da sua praxis, a coerência formal do capitalismo é uma treta; é aplicada uma lógica meramente utilitária.

Surge na cabeça a pergunta: qual a solução? A resposta na ponta da língua é Revolução. Porém, sabe-se que antes da omelete é preciso ter os ovos; e, antes destes, a galinha. Triste mesmo é que, em Portugal e na Europa a galinha custe a inventar, havendo demais quem fique a olhar para os abutres, sem os abater.


3 - O Homem fragmentado

Pelo que se disse nos parágrafos anteriores poderá subentender-se que o capitalismo considera cada um de nós como uma entidade única, como uma unidade, com a personalidade singular inerente a cada um dos seres humanos. Poderá pensar-se que cada pessoa será um género de mónada una e indivisível como se apresenta num cartão de cidadão. Nem sempre.

Na realidade não é assim, quer num mesmo tempo, quer quando se procede a uma análise comparada de diversos momentos. Na realidade, cada pessoa é considerada de modo fragmentado, de acordo com as funções em que o capitalismo o integra, consoante o indivíduo é olhado através de um ponto de vista estritamente económico, como ente político, como ser pensante ou como dejeto a reciclar, mais lentamente num cemitério, ou diluindo-se num forno crematório, só sobrando dele uma caixa de cinza e o registo fiscal.

Para esse efeito, cada pessoa está presente numa grande diversidade de bases de dados, está parametrizada sob vários ângulos, relevando-se uns aspetos aqui, outros acolá, sem prejuízo da sua agregação formal através de um tal cartão de cidadão, de análises específicas de massas de dados ou resultantes do cruzamento de elementos contidos em diversos lugares, como há muito é mostrado nas séries policiescas apresentadas na tv ou, presentes da fértil imaginação de Orwell.
               
A posse dessa informação por parte do Estado, o seu livre manuseamento por consultores privados contratados, a venda de informação e a sua utilização mafiosa, como no caso recente do super-espião Carvalho, revela o controlo a que cada um de nós é submetido e todo o potencial de manipulação que qualquer grupo político, económico, maçónico, mafioso ou outro, pode efetuar.

Observemos, de seguida, os principais ângulos de fragmentação dos indivíduos, de acordo com os interesses do capitalismo no seu conjunto e de certos segmentos das suas estruturas económicas, políticas ou ideológicas, em particular.

·        O consumidor é o indivíduo cortejado, olhado através das potencialidades da sua bolsa ou dos cartões bancários que possua. Tendo em conta a frequente utilização de supermercados, estes oferecem cartões de crédito para compras com pagamento diferido, com direito a descontos e bónus para obterem, não só uma fidelização do cliente que afaste a concorrência, como também como modo de conhecer toda a estrutura dos seus gastos habituais, bem como do seu agregado familiar, associados ao escalão etário, ao sexo, à dimensão da família, à profissão, para além de tudo o que possam obter sem que o saibamos, através de outras fontes. O consumidor é tratado com a devida vénia, excepto nos serviços pós-venda, de reclamações, onde filas enormes, obstáculos vários o tentam fazer desistir da queixa. Existe toda uma hierarquia de locais de consumo e, dentro dessa hierarquia, uma grande variedade de áreas que possam atrair grupos sociológicos ou psicológicos de consumidores. Além dos banais supermercados, há lojas gourmet, lojas de vestuário made in China e outras para roupas finas que utilizam os mandarins como cabides; como há restaurantes e comedores onde a cara fica espelhada a um palmo do nariz, durante a refeição; como há casinos e locais de slot machines.

Rico ou pobre, o consumidor é um filão a explorar, a acenar com a satisfação de necessidades óbvias ou outras, resultantes da adulação, da satisfação das pequenas invejas, da ocupação com atividades mais ou menos culturais, como de distrações idiotas ou bárbaras, onde os protagonistas se revelam nos seus mais bestiais recalcamentos. O mercado é vasto, criativo, abrangente, insinuante, melífluo e amoral.

·       Colaborador é a designação do trabalhador, do assalariado, na novilíngua do neoliberalismo. Deixou de ser trabalhador, assalariado, mão de obra, operário, ou outro epíteto revelador do antagonismo face ao patrão, também ele metamorfoseado em “empregador”; perdeu essas designações inconvenientes oriundas do marxismo, do anarquismo, de toda a tradição das lutas anti-capitalistas. Estas designações consubstanciam a intenção de aplanar as contradições sociais e apontar o “empregador” como um caso bem sucedido de esforçado praticante de empreendorismo, em contraponto com o “colaborador” que não investiu num curso de empreendorismo, que é mandrião e portanto, objeto das contingências do mercado, das necessidades de melhoria da produtividade de dotação da empresa de maior competitividade…  de onde resulta, como se vê, criação de riqueza, mais emprego… como se não vê.

Curiosamente, em contraste com o caráter simpático, quase fraterno do termo colaborador, posiciona-se a atitude distante, fria e arrogante do patrão que despede mulheres porque engravidam ou apenas porque decidiram casar, que abusa do horário de trabalho, que acumula salários em atraso, que não paga as contribuições sociais, que retira direitos, pensando, em abstrato que o encolhimento do mercado interno é mau para os negócios mas, que espera que essa preocupação seja assumida pelos queridos colegas. A designação de colaborador é uma figura que consta na literatura dos anúncios, nos documentos e no site da empresa, não deixando assim transparecer o seu caráter de recurso descartável, com a forma de gente, como um insuflável, que se enche e esvazia. O colaborador passa frequentemente à categoria de desempregado, de despedido, resultado de reestruturação interna, enquanto não se transforma em desperdício, como adiante se explicitará.

·   O devedor é uma possível consequência da situação de colaborador pois é o rendimento associado àquela categoria que torna os bancos abertos à concessão de crédito. Quem não for colaborador não obtém a colaboração dos bancos, por mais que justifique a sua necessidade de crédito e mesmo que o seja…; a não ser que alguém, possidente, se interponha, afiançando com o seu património.

Antes da assinatura que confere alguém em devedor de um banco, a simpatia é o tom dominante, as facilidades mais que muitas, devendo entretanto o indivíduo domiciliar o seu ordenado e fazer transitar pelo banco os seus encargos rotineiros. Quase o obrigam a aceitar cartão de crédito, com designações grandiosas como “gold”, “dourado”, “platina, “premium” para untar o ego do cliente e convencê-lo da sua excepcional importância para a instituição, para que ele possa antecipar a disponibilidade do ordenado vencível no final do mês. Nessa fase, o candidato sente, provavelmente, o contraste do banco que o trata com lisura e o patrão que o considera uma besta.

Até tempos recentes, os bancos ofereciam crédito para casas, carros, viagens, mobiliário, computadores, tudo o que permitisse uma ancoragem do rendimento de qualquer incauto “subprime” ao pagamento de prestações ao banco. E este ficaria feliz por ter durante várias décadas um rendimento garantido, uma hipoteca e um seguro a seu favor, pagos pelo devedor, naturalmente e apesar de tudo, contente pelo acesso à propriedade e à gratificante situação de pagante de IMI à mafia autárquica.

Hoje não é devedor quem quer mas, sobretudo quem não quer. A incapacidade de pagar a prestação da casa já não traz a felicidade da propriedade mas, a preocupação e a angústia de como se livrar dela, sem resquícios de dívida por vários anos. Sobra dívida para além da vida, destruída.

·         O acesso à gloriosa categoria de contribuinte assume-se à nascença; a primeira fralda é portajada com IVA e isso é apenas um suave e inconsciente começo da vida contributiva. O célebre NIF é, o pivot que irá acompanhar a vida de cada um e passará, por tempo variável, a onerar as vidas de filhos ou herdeiros do defunto. A sombra extingue-se com a morte mas, o NIF não. Por detrás do NIF está sempre o Big Brother, com o focinho olheirento do Gaspar, a beiça porcina do Teixeira dos Santos ou o facies de qualquer outro abutre de triste memória.

No seu papel patriótico de contribuinte, o indivíduo irá contribuir para que o Estado possa distribuir… bem-estar. Para certa gente analfabeta que se diz de esquerda, o pagamento dos impostos é uma mudança do bolso das calças para o bolso do casaco pois o “Estado somos todos nós”. Nestas páginas pode-se encontrar o endereço eletrónico onde esperamos cheguem generosas ofertas para compra da nossa parte no tal Estado; em sinal de boa vontade incluiremos o NIF no recibo da transação, como quer o Gaspar. Para o analfabeto comum temos de arcar com impostos para os governos entregarem o pecúlio ao capital financeiro porque não “queremos“ ser… caloteiros. Este sentimento sentido e consentido e estúpido de pertença a uma entidade criminosa deixa-nos tocados pela … comoção.

O contribuinte, mesmo o patriota, é sempre olhado com desconfiança pelo Estado se tiver um baixo rendimento ou, com respeito e complacência se for “empresário” ou mandarim. A suspeita de se ser um malandro é inversamente proporcional ao volume dos rendimentos; procura-se com mais afinco algum beneficiário de RSI com €25000 no banco do que os titulares das 123 tecnológicas empresas de trabalho temporário devedoras de € 115 M[2] à Segurança Social. Opções reveladoras de quem, efetivamente, poderá dizer, com propriedade, que “Estado somos todos nós”.

A ideologia do capital insere-se de tal modo na cabeça dos indivíduos que transforma qualquer hilota num zelota e por isso, sem a consciência de que se transforma num idiota.

Depois do IVA da primeira fralda muitos mais se seguirão. O IRS, o ISP, o ISV, o IMI, o IMT, o IA, o IS, o IT, o IABA e toda uma enorme variedade de outros impostos, contribuições, multas, taxas, coimas, juros. Sem contar com as mais recentes inovações sob a forma de cortes e do novo imposto designado por CES – contribuição especial de solidariedade - que parece uma versão moderna da contribuição complementar que se finou em 1989 mas, com uma aplicação vocacionada para as vítimas do genocídio. Uma leitura da Conta do Estado permitirá a decifração daqueles acrónimos, detalhar os restantes, sem contar com as habilidades criativas de autarcas, autarquinhas e autarquetas para proceder ao saque local. Toda essa panóplia terá, invariavelmente, a figura tutelar de um ente do partido-estado, PS/PSD.

A questão essencial é ser fácil para um contribuinte perceber o benefício do constante rombo no seu rendimento, a perseguição que os órgãos do Estado lhe movem para exercer a punção fiscal. A saúde está em vias de privatização indireta, as escolas seguem o mesmo caminho, as estradas em bom estado foram arrendadas a privados e o seu pagamento é como um imposto indireto, a habitação é objeto de fornecimento mercantil, etc. O que claramente é pago pelos impostos são as funções repressivas, a confraria da toga e o mandarinato, não sobrando muitas dúvidas sobre a sua inutilidade ou inconveniência para a multidão, que assiste ao polvilhar dos espaços públicos com seguranças privados, tribunais que tudo empastelam e uma classe política onde predominam ladrões e idiotas.

·      No mau espectáculo que é a democracia de mercado, a cada um de nós é oferecida a qualidade de eleitor, devidamente numerado, ficando para jusante a falsificação democrática, entregue ao afunilamento partidário e ao marketing eleitoral. Sintomaticamente, até para a constituição de um vulgar acervo das pessoas com capacidade eleitoral, o partido-estado português mostra o seu desprezo pela democracia, mantendo esse cadastro numa situação calamitosa de desatualização, através da figura inovadora dos “eleitores fantasmas! Pouco importa, porque isso em nada obsta a que os eleitos trepem ao altar do poder e os partidos aos dinheiros dos impostos.

Salazar não usava essas técnicas modernas  - partidos e marketing - pois considerava os portugueses impreparados para viver em democracia, uns rústicos pré-modernos. Preferia reservar a qualidade de eleitor a uma escassa minoria, poupando em cadernos eleitorais, fazendo jus à sua sovinice. O partido-estado herdou esse mesmo desprezo pelas pessoas e pela democracia, imanente ao fascismo e procede a um avanço tecnológico. Cinicamente, o partido-estado, torna o recenseamento eleitoral uma imagem da mulher de César que se diz não tem de ser séria mas parecer que o é; Salazar, tradicionalista, não a deixaria sequer sair à rua.

A visão das pessoas como eleitores não se manifesta todos os dias, é cíclica. Esparsamente torna-se mesmo dominante e os eleitores são beijados nas feiras, fotografados na rua ao lado dos mandarins, bombardeados com promessas e argumentos rapidamente esquecidos; nomeadamente porque todos sabem que pouco há para reter, dada a catadupa de imbecilidades e mentiras. E até é da tradição, uma baça figura investida como presidente da cleptocrática república vir a apelar ao embuste eleitoral, chamando-lhe cumprimento do dever cívico. Esses momentos de vibração folclórica chamam-se campanhas eleitorais e fora desses momentos de exaltação, o eleitor não existe; o eleitor é despojado dessa categoria no preciso dia – em regra, um domingo – em que acaba o carnaval eleitoral.

Toda essa encenação teatral tem por objetivo a escolha de um grupo de mandarins, vulgarmente denominados partidos, através de uma cruz que se coloca num papel para a escolha do feliz contemplado entre o elenco dos concorrentes. Como num casino, essa escolha favorece essencialmente quem explora o jogo e não quem aposta.

O grupo de mandarins que ganhar a adjudicação é certamente o mais convincente para as pessoas, o que melhor embrulha as promessas ocas e as mentiras adocicadas por detrás do focinho retocado do chefe. E ganhar, significa o acesso irrestrito ao “pote”; o que compensa largamente o investimento em cosmética.


·        Fora dos tempos em que cada indivíduo desenvolve os seus esforços como colaborador na engorda do capitalista, em que cogita sobre a utilidade do imposto a pagar ou na escolha do gang de mandarins que definirá o nível daquele imposto, como eleitor, o sistema decidiu tornar cada um de nós em espectador.

O espectáculo, bastas vezes pretende incentivar a atividade consumidora, a posse de mercadorias, mas não só. Todo o espectáculo que rodeia cada pessoa está montado para que todos os momentos sejam ocupados pelo consumo de elementos que captem a atenção do incauto, sobretudo através da imagem e de um hedonismo primário.

A chegada a casa do trabalho é seguida do tempo defronte das imagens de um écran. A escolha é imensa. Se se pretender análise política lá estarão os comentadores ou os “debates” entre amigos ou correligionários do partido-estado, com assuntos circunstanciais ou exercícios de retórica fútil. Há programas do chamado entretenimento, onde uma plateia aplaude o que quer que aconteça no palco. E há canais de futebol, futebol e mais futebol quando não se vê a análise dos jogos no seio das frívolas rivalidades clubísticas. Em Portugal, o tempo médio defronte da televisão era, anos atrás dos mais elevados da Europa. Por seu turno, o computador apresenta uma variedade grande de formas de ocupação do tempo que, embora potencialmente mais criativa, tende a polarizar-se em jogos e na tagarelice das redes sociais.

Ao fim de semana, entre a ida ao supermercado e o passeio no centro comercial, completa-se o ciclo de inserção no espaço da mercadoria e do seu insaciável consumo.

O sistema capitalista é invasivo e não se contentaria em deixar livres as pessoas depois de um dia de trabalho; apropria-se dos seus tempos não dedicados à produção de bens ou serviços, sabendo-se que nesta produção tem crescido substancialmente a parte dedicada a conteúdos ideológicos, de aplanamento das capacidades dedutivas, do desvio de atividades de protagonismo social ou político, de geração do entorpecimento social. O capitalismo apossa-se do espaço-tempo, reconstruindo-o, incessantemente; é um sistema biopolítico.

O mercado oferece tudo, disponibiliza tudo, incluindo os soporíferos que facilitem a perenidade do sistema de exploração e domínio. É um sistema completo que, como uma ameba não precisa do outro para se reproduzir.

·    Como qualquer elemento necessário para a produção mercantil, o Homem tem um período de amadurecimento como instrumento para a reprodução do capital, outro em que é francamente produtivo e um terceiro no qual se aplica a teoria dos rendimentos decrescentes, em que um acréscimo na idade corresponde a uma menor produtividade para o sistema, na sua globalidade. O Homem torna-se desperdício.

Nessa situação típica, o indivíduo, depois de ter trabalhado dezenas de anos vai para a reforma e acha-se submetido aos cortes na pensão, nos cuidados médicos, aos aumentos da eletricidade e do gás, com perda de qualidade de vida, sendo claro, hoje, que o Estado e o seu patrono, o sistema financeiro procuram embaratecer a sua manutenção, à custa da redução da sua longevidade. Quanto mais barata for a manutenção do reformado maior é o valor retido na Segurança Social que fica à disposição do sistema financeiro, dada a sua morte antecipada, poupando-se, de permeio, nas verbas do SNS.

Menos típica ainda que envolvendo centenas de milhar de pessoas é a dos desempregados seniores ou dos mais jovens, com baixas qualificações tomados como inúteis por um sistema produtivo que, de todo, não consegue criar riqueza e, consequentemente, emprego. A solução da emigração que cinicamente é apontada pelo governo, está longe de ser o encontro do eldorado pois a Europa não é a mesma dos anos 60 e, Angola… não é um lugar paradisíaco. Também esses constituem um desperdício social para o capital financeiro, que na sua lógica, deve ser sacudido e não pago.

Num contexto de “excedente” de seres humanos, da existência de mais de um milhão de desempregados, os trabalhadores ainda com utilização são objeto de reduções de rendimentos, de direitos na doença, de acesso à reforma, de dificuldades no acesso aos transportes públicos e na mobilidade, com reflexos notórios na qualidade de vida, na natalidade e na longevidade.

E ainda se deve referir o conjunto das pessoas mais pobres, com direito ao RSI cada vez com um acesso mais estrito e de valor mais curto.

Globalmente, pode calcular-se, para o caso português, o potencial de excedentes humanos que o capital financeiro e os seus governos vão gerindo, silenciosamente, no sentido da sua desaparição:


                                                                           1000
Desempregados
706
Domésticos
433
Reformados
1594
Outros inativos
671
                                   Fonte: Anuário Estatístico 2011

Para além dos números acima referidos, quantas crianças com menos de 15 anos (1610 milhares) ou estudantes com idade superior àquela (796 milhares) serão utilizáveis pelos poderes financeiros e políticos nacionais e globais? Quantos terão, dentro de poucos anos, de rumar para a emigração, para lugares cada vez mais remotos? Quantos se irão arrastar, sem futuro, passando a vida entre trabalhos de paga miserável e biscates incertos e pontuais?

A natalidade, já muito reduzida, não compensa os óbitos verificados, contribuindo assim para uma redução da população já que o volume dos residentes estrangeiros tem estagnado, deixando de compensar o saldo fisiológico negativo.

Tendo em conta o enorme volume de habitações devolutas, o seu aumento resultante dos despejos e dos aumentos do IMI, pode imaginar-se a concretização do projeto governamental de atrair reformados do Norte da Europa, com indígenas pouco qualificados a aparar relva de jardim e a tratar das limpezas domésticas. Os novos mainatos.


Este e outros textos em:






[1] http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2998273&especial=Revistas+de+Imprensa&seccao=TV+e+MEDIA
[2]  

3 comentários:

  1. é profundo demais o stactus-quo. eu enquanto seguidor de princípios próprios (assimilados e doutrinados)não discordo em nada do exposto,,,mas do que serve cantar para surdos ??a busca do apreço? a Assunção de que se intervém e o não efeito é culpa de quem não adere??ou que o grito tem que ser amplificado?bom seria que todos, mas todos mesmo...se juntassem num tasco qualquer para estabelecerem cumplicidades.e quando dai saíssem acções de combate que o inimigo temesse ,não seriam preciso mais sermões destes (tipo workshop)
    não podem surgir iluminados no meio dos atropelos pelo simples facto de iniciar de novo uma HIERARQUIA...hã que estar no terreno e fazer o que os professores não fazem há décadas...

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  2. desculpai o meu modo de intervir.hoje estive a testemunhar a favor dum ex. colega no tribunal de trabalho.homem esse que chegou a ser apelidado de GURO...pela forte intervenção sindical. mas porque saiu dos circuitos de interesses(por se ter despedido) só lá estávamos meia dúzia...do que valem doutrinas?ou que herança sobrou?se a busca do novo "GUIA"é a referencia de qualquer subscrição?????e quando qualquer REBOÇADO se apresenta para a manutenção duma economia que só mantém o dia seguinte é seguida...de nada vale este artigo que eu li! porque ninguém assimila,,,.para registos temos a torre do tombo...para vontades temos o OTELO e a ODETE SANTOS a representar peças teatrais com tempo de antena...QUANTOS AMIGOS PERDESTES VÓS?QUANTOS AMIGOS VÓS SOMARAM VIA INTERNET?

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  3. Ver e Ler "Utopia e Realtà" e "Le Origini del Bene e del Male".

    Ver nos sites:

    http://utopiaerealteleoriginidelbeneedelmale.blogspot.com/

    http://utopiaerealidade-utopiaandreality.blogspot.com/

    http://www.edizioniatena.it/economia.asp


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