O
capitalismo colocou Portugal como periférico no cenário europeu e determina-lhe
um perfil educativo adequado às atividades que se lhe digna atribuir
Há um
desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do capitalismo em Portugal por um
lado; e, as subjetividades da faixa populacional que tem hoje 25/40 anos, bem
como a da geração dos seus pais, décadas atrás.
Sumário
1
- Introdução
2
- O perfil educacional dos portugueses
3
- A evolução do enquadramento externo
4
- O modelo económico europeu
5
– O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana
1
- Introdução
O
maior nível educacional de uma população dota-a de instrumentos que a podem
fazer compreender a realidade e as causas das suas insuficiências coletivas,
bem como de empreender formas de garantia dos seus direitos ou, de protesto e
organização da contestação. Nada há de determinismo ou linearidade nisto, tendo
em conta as capacidades que a manipulação de massas tem vindo a desenvolver sob
o impulso de regimes ditatoriais, fascistas ou, meramente corruptos, no seio de
uma pseudo-democracia - a democracia de mercado - arquitectada pelo modelo
social neoliberal.
Uma
coisa é ter os instrumentos, outra a sua utilização; e a boa utilização não resulta
sempre como corolário de um elevado nível educacional. Marx, percebendo que um
capitalismo desenvolvido exigia trabalhadores com mais instrução intuiu que daí
surgiria a maturidade política necessária para a superação do capitalismo. Essa
concepção linear foi desmentida em duas situações, historicamente
contemporâneas. Cerca de vinte anos após a sua morte, trabalhadores instruídos
matavam-se mutuamente numa guerra, em nome da sua pátria e para gáudio dos seus
capitalistas; e, na atrasada Rússia um povo semi-analfabeto estoirava um poder
imperial e lançava-se numa experiência social e política nova. Esta última,
apropriada por um partido de ungidos educados, logo tratou de banir os
sovietes, matar os artífices da revolução em Kronstadt e massacrar os
camponeses ucranianos, pouco dados à aceitação de qualquer poder.
Em Portugal, apesar da população hoje, ser muito mais
instruida que nos tempos do PREC, não parece que esteja imune a ilusões,
nacionalistas ou eleitoralistas, de que o pagamento da dívida é exequível dever
de gente honrada e, de que o sistema político-económico contém todas as
virtualidades para um retorno a uma modesta prosperidade. Esta última só é
efetivamente sentida dado o nível baixo de partida, num país que, há cinquenta
anos, não tinha estradas decentes, água canalizada e saneamento básico em
largas áreas e, em que carro próprio era jóia apenas para uns quantos.
Inversamente,
também não há qualquer determinismo na ideia de que uma população miserável e
iletrada tem na pobreza e na ignorância a alavanca necessária e suficiente para
a contestação e a revolta. A “teoria” do quanto pior, melhor, não passa de uma
demagogia para sublimar a impotência política ou o acomodamento dos seus
defensores.
O
perfil educacional da população portuguesa é muito distinto do apresentado pela
grande maioria dos outros países europeus. Para além da sua caraterização
estrutural coloca-se-nos uma questão crucial:
As
insuficiências desse perfil têm sido um travão ao desenvolvimento ou é a
hierarquização das nações europeias que produz esse perfil e não outro mais
qualificado?
Uma
certa linearidade mecanicista, economicista, conduz a que se considere que o
factor super-estrutural (educação) trava o desenvolvimento económico, desincentiva
ao investimento externo. Uma visão geopolítica baseada na avaliação das
hierarquias geradas pelo capitalismo conduz a que sejam as desigualdades daí
resultantes a definir os padrões educacionais numa formação social.
2
- O perfil educacional dos portugueses
A
parcela da população com formação superior era, em Portugal, a mais baixa da
Europa em 2000 mas, em 2010 ultrapassava as proporções registadas na Turquia,
na Roménia e na Itália. Porém situava-se a menos de metade dos indicadores dos
países escandinavos e das Ilhas Britânicas, com particular atenção para um dos
acompanhantes no grupo dos PIIGS, a Irlanda.
Fonte: Estado da Educação, 2011
Em
Portugal, o incremento registado nessa parcela entre os dois momentos, embora
elevado em termos relativos, somente revela um crescimento paralelo ao
registado para a maioria dos outros países europeus. Note-se que a parcela de
licenciados (ou com habilitações superiores) em Espanha é dupla da portuguesa.
Em
que medida esse incremento, não terá sido algo deturpado pela existência de
cursos com programas ridículos, outros com licenciaturas facilitadas ou, sem um
conteúdo digno? As polémicas sobre as habilitações de Sócrates, Relvas, Passos
e outros, adicionadas ao fim de várias ditas universidades envolvidas em
escândalos financeiros - com imponentes vigaristas ungidos em magníficos
reitores - são elementos que retiram algum do significado real daquele
incremento. E retiram certamente muito do brilho com que se pretenderá untar a
lógica de mercado estendida ao ensino em geral e ao superior, neste caso.
Sublinhe-se
que na Finlândia, o país referenciado no gráfico como tendo o indicador mais
elevado, a universidade é exclusivamente pública, não sendo admitidos desvios
mercantilistas protagonizados por cobradores de propinas ou de reminiscências
medievais quando as ciências necessitavam de aprovação papal.
A
tradição lusitana de uma universidade rotineira e pouco estimulante da criação,
da experimentação tem uma história baseada em gangs e rivalidades de emproados
catedráticos, donos dos saberes e especializados no fomento das referências às
obras dos próprios e dos seus amigos, da intolerância para com os diferentes e
a exploração e humilhação de mestrandos e doutorandos. Muitos não passam de
campeões do biscate, ocupando lugares em empresas e defendem terem as
universidades de se orientarem para as necessidades das … empresas.
Por
seu turno, a representatividade da população com estudos pelo menos secundários
é muito baixa, bastante afastada da apresentada pelos outros países, com
excepção da Turquia. A evolução registada em dez anos é positiva também mas, o
incremento verificado não se afasta muito da progressão registada nos outros
países, pelo que as distâncias relativas pouco se alteram, como se observou também,
para as pessoas com cursos superiores.
Fonte: Estado da Educação, 2011
Mesmo
sem se entrar em linha de conta com uma comparação sobre a qualidade do ensino
e o desempenho escolar, mostra-se escassa a parcela da população vocacionada
para as funções intermédias da produção. E essa escassez não é, certamente
indutora da fixação de atividades de elevado valor acrescentado, mormente de
atração de investimento estrangeiro qualificado – como o mandarinato tanto
acena - a despeito de, há várias décadas, os governos afirmarem não defenderem
um modelo de baixos salários e fracas habilitações. Na realidade, a pequena
parcela de gente com estas habilitações intermédias, reflete as necessidades
dos “empresários” lusos, cujas caraterísticas são pouco abonatórias[1], como
no desenvolvimento deste trabalho abordaremos.
A
população com instrução aquém do secundário constitui em Portugal, em 2010,
pouco menos de 70% do total, embora superasse 80% uma década antes, ombreando
com a Turquia na situação mais recente. Em ambos os momentos, muito acima dos
indicadores registados para os outros países da orla mediterrânica, atualmente
objeto de especiais atenções de “troikas”, “mercados” e agências de notação.
Fonte: Estado da Educação, 2011
É
notória a diferença entre a estrutura educacional em Portugal e Espanha, uma
situação que certamente contribui para que a costa ocidental da Ibéria seja
tomada, nos meios políticos e dos negócios, como um apêndice, uma periferia,
uma subalternidade do estado espanhol, um género de 18ª autonomia ibérica. No
contexto de um capitalismo em dificuldades, agressivo e invasivo, este perfil
educacional é claramente uma desvantagem[2]
embora seja acima de tudo uma consequência do lugar que Portugal ocupa na
divisão do trabalho, no quadro comunitário.
3
- A evolução do enquadramento externo
As
elites económicas e os seus executores políticos no poder em Portugal depois da
“normalização” de 25 de novembro de 1975, nunca tiveram uma lógica de
desenvolvimento centrada nas necessidades e no bem estar da população. Depois
da queda do fascismo, a deliberada aposta na integração europeia privilegiou o
desenvolvimento da exportação adequada ao padrão de capitalização e tecnologia
das empresas portuguesas; e estas, dadas as suas debilidades, somente tinham a
seu favor os muito baixos salários praticados em Portugal, comparativamente aos
outros países europeus, para compensar as maciças importações de energia,
matérias-primas, equipamentos e bens alimentares.
Tal
como no tempo de Salazar, as necessidades de formação foram-se adequando às
solicitações de um empresariato ignorante mas, cúpido e habituado ao apoio do
Estado, à sua benevolência para com a fraude e a evasão fiscal.[3]
Durante
o fascismo, esse empresariato também defendia o baixo salário mas, como
instrumento para outra estratégia. O chamado Estado Novo foi montado nos anos
30, em época de protecionismo feroz e, portanto, com barreiras alfandegárias,
condicionamento industrial e muita repressão para que os trabalhadores ficassem
mansos. Então, a preocupação não era tanto a exportação mas, a garantia da
ausência de concorrência no espaço nacional. Nesse contexto, a instrução era
considerada algo próprio para elites e daí, os elevados graus de analfabetismo,
sobretudo entre as mulheres; no ensino superior, o importante era a reprodução
das reacionárias aristocracias médica e de direito. Mesmo os cantados
estudantes das lutas académicas dos anos 60 rapidamente mostraram que o seu progressismo
era só verniz, vindo a engrossar as hostes do PS, na menos má das opções.
Nos
anos 80 do século passado o acesso aos fundos comunitários tornou-se um maná
para esse empresariato, uma “janela de oportunidade” que veio a contribuir para
o hiperdesenvolvimento do sector da construção e obras públicas – autoestradas,
estradas, rotundas, betão e alcatrão, saneamento. O industrial têxtil virou-se
para a construção e o imobiliário, com eventual transferência do têxtil para a
Roménia e um lastro de dívidas para com a Segurança Social, à espera da
incobrabilidade ou da prescrição. Por seu turno, e perante tanta procura de
construção, qualquer trolha passou a industrial de construção, recrutando
imigrantes baratos, africanos e do Leste europeu. Para além da verdadeira
vigarice que ocorreu em grande parte da utilização das verbas para formação
profissional, com algum protagonismo das associações empresariais.
Em
meados da década de 90, a AutoEuropa quase monopolizava os fundos (e os
benefícios fiscais) afetos à Operação Integrada de Desenvolvimento de Setúbal,
área em forte crise resultante do afundamento da metalurgia pesada. E os
capitais estrangeiros, mormente espanhóis pagavam bem pelas empresas
industriais que lhes interessavam, deixando assim que os magníficos empresários
lusos se dedicassem à construção e ao imobiliário, ao sector financeiro ou
ainda a titulares de ações das empresas ex-nacionalizadas incluidas no PSI-20;
um treino para rentismos mais vultuosos futuros, sob a forma de PPP. Os mais
conhecidos viraram-se para esse misto de comércio a retalho e especulação
financeira que são os supermercados; tornaram-se os grão-merceeiros, sem o
sangue azul dos grão-duques.
Um
segundo fôlego de betonização fez-se em torno da Expo 98 e dos estádios de
futebol e o terceiro que estava programado (Ota/Alcochete, plataformas
logísticas, TGV) ficou comprometido com o endividamento insustentável dos
bancos e do seu Estado, selado pelo fecho da torneira do BCE, com o
despedimento de Sócrates como brinde gerador do rotativismo no âmbito do
partido-estado.
É
evidente a alta responsabilidade da UE nesta situação que, certamente, nunca
desconheceu as caraterísticas do empresariato luso e da sua venal classe
política. Pouco isso lhes importava dado que estavam gerando mercado interno
para as suas exportações, cujas receitas teriam um efeito mais prolongado do
que os temporários fundos comunitários, saídos dos bolsos dos contribuintes
europeus. A UE criava assim uma dependência à qual se veio a acrescentar a
dívida financeira dos pequenos bancos portugueses, para com os gigantes
alemães, franceses e espanhóis, reproduzida internamente junto de empresas e
famílias.
Entretanto,
a moeda única, facilitando o acesso e embaratecendo o preço do crédito fechava
o círculo da dependência, da inclusão dos países do Sul europeu na esfera de
domínio do capital financeiro concentrado nas margens do Reno, do Meno e do
Spree. Essa esfera continua em construção, contempla um Drang nach Osten e um Drang
nach Suden[4]
para a constituição de áreas de dependência económica e financeira, com
salários baixos e qualificações várias que, dentro de alguns anos, serão
comparáveis às dos chineses, evitando a excessiva dependência dos senhores da
Europa de uma potência como a China.
4
- O modelo económico europeu
Na
realidade, os capitalistas do norte da Europa, há muito tomaram a integração
dos países do Sul europeu na UE como uma forma de integrarem na sua órbita a
produção de bens de consumo e produtos intermédios, com menores investimentos
em capital e menos exigentes de trabalho qualificado mas, com muitos
consumidores. Os bens de equipamento ou de mais elevada tecnologia produzidos
na UE, com maior incorporação de capital e trabalho especializado seriam
produzidos no Norte da Europa – Alemanha, Holanda, França e Suécia – para
exportação à escala mundial, incluindo para os parentes do Sul. É conhecida a
coincidência (?) entre o redimensionamento em baixa da indústria têxtil e do
vestuário em Portugal e a venda de teares alemães para as fábricas chinesas
que, com o fim do acordo Multifibras em 2005, começaram a vender livremente na
Europa a sua produção.
Os
principais parceiros comerciais e o tipo de exportações e importações dos abaixo referidos quatro países incluidos nos
PIIGS (para simplificar não tomámos Chipre e Irlanda) são indicativos e revelam
a importância da área comunitária para todos os países da UE. A contiguidade e
a proximidade geográfica são elementos de grande importância para essas
relações e evidenciam a forte presença da Alemanha e da Holanda, para além da
China como a principal referência extra-europeia.
Espanha
|
|
Exportações
|
Destinos
|
máquinas, automóveis, alimentos,
fármacos, turismo
|
França – 18.7%, Alemanha 10.7%,
Portugal – 9.1%, Itália 9%, Inglaterra – 6.3% (2011)
|
Importações
|
Origens
|
Máquinas e equipamentos,
combustíveis, químicos, semi-acabados, alimentos, bens de consumo
|
Alemanha – 12.6%, França – 11.5%,
Itália – 7.3%, China 6.8%, Holanda – 5.6%, Inglaterra – 4.9% (2010)
|
Grécia
|
|
Exportações
|
Destinos
|
turismo, têxtil, produtos alimentares e metálicos
|
Itália – 9.5% Alemanha - 7.9%, Turquia-7.9%, Chipre -
6.1%, Bulgária – 5.5%, (2011) Suiça - 5.4% Inglaterra - 5.3%, Bélgica - 5.1%,
(2010), EUA - 5.2% (2011), China – 4.8% (2010)
|
Importações
|
Origens
|
máquinas, equipamentos de transporte e produtos químicos e
combustíveis
|
Alemanha (10.6%), Itália (9.2%) Rússia (9.4%) China (5.7%)
Holanda (5.5%) França (5%) e Irão (4.5%) (2011)
|
Portugal
|
|
Exportações
|
Destinos
|
máquinas, automóveis, alimentos,
madeira e cortiça, têxtil e calçado, turismo
|
Espanha – 26.6%, Alemanha 13%,
França – 11.8%, Inglaterra – 5.5%, Angola – 5.2%, Holanda – 3.8% Itália 3.8%
(2010)
|
Importações
|
Origens
|
Máquinas e equipamentos,
combustíveis, alimentos, bens de consumo
|
Espanha – 31.2%, Alemanha – 13.9%,
França – 7.3%, Itália – 5.7%, Holanda – 5.1%, Inglaterra – 3.8% (2010)
|
Itália
|
|
Exportações
|
Destinos
|
máquinas, automóveis, turismo
alimentos, eletrodomésticos têxtil e calçado
|
Alemanha 13.3%, França – 11.8%,
EUA – 5.9% Espanha – 5.4%, Suiça – 5.4%, Inglaterra – 4.7%, (2011)
|
Importações
|
Origens
|
máquinas e equipamentos,
combustíveis, alimentos, químicos
|
Alemanha – 16.5%, França – 8.8%,
China – 7.7% Holanda – 5.5%, Espanha – 4.7%, (2011)
|
A
distribuição do comércio externo dos países comunitários (interno na UE e com o
espaço extra-comunitário), permite que se observe ser a Alemanha o principal
país nos dois tipos de trocas e para os dois fluxos, de exportação e importação.
Por seu turno, aquele país, juntamente com a Holanda e a Bélgica têm uma
responsabilidade no comércio comunitário muito para além da sua
representatividade na população da UE, o mesmo sucedendo com a Irlanda, numa
escala mais modesta. Todos os restantes países identificados no quadro seguinte
apresentam uma situação inversa, com uma participação no comércio inferior ao
seu peso populacional.
Distribuição
do comércio comunitário (orlas sul e ocidental)
|
|||||
População (%)
|
Comércio Intra-europeu
(2011)
|
Comércio extra-europeu
(2012)
|
|||
Import. (%)
|
Export. (%)
|
Import. (%)
|
Export. (%)
|
||
UE
|
100
|
€ 2737482 M
|
€ 2804798 M
|
€1790770 M
|
€ 1686213 M
|
Alemanha
|
16,3
|
20,9
|
22,4
|
18,5
|
27,8
|
Bélgica
|
2,2
|
8,3
|
8,8
|
6,1
|
6,2
|
Espanha
|
9,2
|
5,6
|
5,2
|
6,6
|
4,9
|
França
|
13,0
|
12,7
|
9,3
|
9,6
|
10,8
|
Grécia
|
2,3
|
0,8
|
0,4
|
1,4
|
0,9
|
Holanda
|
3,3
|
7,3
|
13,2
|
14,0
|
7,3
|
Inglaterra
|
12,4
|
8,6
|
6,5
|
15,6
|
10,9
|
Irlanda
|
0,9
|
1,2
|
1,9
|
0,9
|
2,2
|
Itália
|
12,1
|
7,9
|
7,5
|
10,0
|
10,7
|
Portugal
|
2,1
|
1,6
|
1,1
|
0,9
|
0,8
|
soma
|
73,6
|
74,9
|
76,3
|
83,6
|
82,5
|
Fonte: Eurostat
Como
é sabido, o comércio externo sempre foi um instrumento privilegiado pelo
capitalismo para proceder à acumulação; e, quando há conflitos comerciais, de
luta por mercados a guerra é sempre um recurso disponível para mudar a
correlação dos protagonistas em jogo. A guerra tem sido praticada quase sem
interrupções mas, de modo localizado, uma vez que guerras generalizadas serão
forçosamente nucleares; e estas, para além de colocarem em causa a própria vida
no planeta, dificilmente terão um vencedor, em termos estritamente militares.
Dada
a grande densidade das interligações económicas e políticas entre os vários
estados; a omnipresença unificadora do sistema financeiro, a existência
estruturante/desestruturante das multinacionais e do capital mafioso; a
presença decisiva de órgãos plurinacionais que reproduzem a hierarquia das
nações; e a constituição de oligarquias políticas de caráter global - a
internacional socialista, o partido socialista europeu (PSE) ou o partido
popular europeu (PPE) - a submissão da
maioria das nações e dos povos consegue-se, hoje, sem intervenções militares,
sem a política da canhoneira. As guerras são essencialmente contra os povos
- como sempre - e, pelas razões
apontadas, podem ser conduzidas por outros meios que não os militares, como
diria Clausewitz.
Na
bem urdida hierarquia comunitária - e melhor executada - não é certamente
coincidência que os países mais pobres ou com mais dificuldades de “ajustamento
estrutural” à constante re-hierarquização sejam aqueles em que a parcela da
população comunitária é claramente superior ao seu peso no comércio global. E,
como sabemos, não se pode pensar que exista neles um elevado grau de
auto-suficiência de base nacional, que os faça reduzir o peso das relações
exteriores e manter elevados coeficientes de felicidade.
Observe-se
que os quatro principais países, especificamente da orla sul – Espanha, Grécia,
Itália e Portugal – representam mais de um quarto da população da UE (25.7%) e
respondem apenas por 17.3% da exportação comunitária para o espaço exterior. A
Alemanha apresenta proporções próximas mas, invertidas – 16.3% da população e
27.8% das exportações para o exterior. Se se considerarem os países ibéricos e
a Grécia, essa subalternidade é ainda mais pronunciada e mostra a sua
periferização – 13.6% da população somente contribui com 6.6% para a exportação
com destinos extra-comunitários. Os três últimos países, em conjunto, com o
dobro da população da Holanda, têm uma participação na exportação comunitária
para o exterior inferior à neerlandesa.
Há
pois, uma subalternização do sul da Europa na participação do comércio exterior
da UE, na participação nos lucros da globalização neoliberal – por isso,
habitualmente, dita de excludente – um processo de empobrecimento generalizado,
de redução de direitos humanos e laborais, que torne atraentes os resultados da
fria análise custo-benefício praticada pelos governos, com programas (ou folhas
de excel…) oferecidos pelo sistema financeiro.
Estas
desigualdades melhor se observam através do sentido e do volume dos saldos das
balanças correntes (entre exportações e importações de bens, serviços e
entradas ou saídas de rendimentos e transferências). A formação de excedentes
comerciais num país é um indicador de capacidades de investimento, mormente no
exterior, de acumulação consolidada de capitais no sistema financeiro e de
equilíbrio financeiro do conjunto das empresas instaladas nesse país.
A
avaliação dos saldos acumulados desde 2002 (ano da adopção do euro) revela uma
clara partição entre os principais países do euro e, portanto, que todas as
políticas de criação de coesão entre os países nunca passaram de ilusão e
propaganda. E demonstra que os fundos de coesão e outras políticas comunitárias
mais não foram que o pagamento efetuado aos mandarins locais (do Sul) para
executarem o mandato que lhes é conferido. Outra parte desse pagamento é
efetuado, no caso português, em “géneros” como a tolerância face ao não
funcionamento do sistema judiciário que facilita e encobre a corrupção; embora
todos digam que o sistema de justiça é um entrave ao investimento, à
concorrência…
Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos
|
Saldos negativos
|
||
Alemanha
|
1.336.079
|
Espanha
|
-611.758
|
Holanda
|
403.504
|
Itália
|
-266.534
|
Áustria
|
73.947
|
Grécia
|
-210.543
|
Finlândia
|
53.097
|
França
|
-169.495
|
Bélgica
|
38.901
|
Portugal
|
-156.035
|
Irlanda
|
-29.408
|
||
Total
|
1.905.528
|
Total
|
-1.443.773
|
Fonte: Eurostat
O
mesmo indicador - saldo acumulado da balança corrente - calculado para alguns
países e para o periodo 1991-2001, lapso de tempo imediatamente anterior à
adopção do euro, revela dados interessantes (M euros):
Alemanha
|
(-) 197446
|
Holanda
|
(+) 144602
|
Espanha
|
(-) 121128
|
Grécia
|
(-) 42886
|
Itália
|
(+) 94073
|
Portugal (1993/2001)
|
(-) 56148
|
Fonte: Eurostat
A
Alemanha que vinha acarretando com um deficit, passou a ter saldo positivo no
século XXI, para o qual terá contribuido a política de perda de poder de compra
pelos trabalhadores alemães. A Holanda triplica os seus proventos enquanto a Itália
troca um saldo positivo por outro, muito superior mas, de sinal contrário. Por
seu turno, a Espanha e a Grécia quintuplicam os seus deficits da balança
corrente.
No
caso português, - não há compatibilidade total de séries estatísticas - para o
periodo 1993/2001, o tradicional deficit é bastante inferior ao da década seguinte,
revelando o aumento do desequilíbrio externo, resultante de um modelo económico
assente na construção/imobiliário, atividade direta e indiretamente (famílias)
financiada pelo crédito bancário externo que alimentou os bancos portugueses.
Esse
modelo foi temporariamente beneficiário de uma moeda forte e juros baixos; e,
não tendo o país grandes atrativos para a fixação de capitais estrangeiros na
produção de bens transacionáveis no exterior; não tendo um empresariato
autóctone minimamente capaz[5]; suportando
uma classe política corrupta e culturalmente[6]
indigente e nem sequer um movimento sindical agressivo, o desastre era
previsível.
O
gráfico seguinte demonstra, em Portugal, um gradual agravamento da situação até
2001, um recuo nos dois anos seguintes (já com o euro) e depois um forte
crescimento até 2008 a que se segue, nos dois últimos anos, uma grande quebra,
como consequência da estratégia de empobrecimento extensivo e acelerado da
população, dimanado da troika e do capital financeiro. A adopção da moeda única
não evidencia uma relação direta com a degradação das contas externas; estas,
nos últimos anos, na sequência da estagnação económica e do empobrecimento
refletem sobretudo, a queda das importações.
Fonte: Eurostat
5
– O modelo educativo é um efeito da subalternidade lusitana
O
maior poder económico dos países do norte da Europa, a sua estrutura produtiva
mais capitalizada e tecnológica, apostada em bens e serviços de maior valor
acrescentado tem exigido, há mais de um século, trabalhadores mais qualificados
e susceptíveis e maior produtividade. No mesmo sentido Bismarck criou um
primórdio de segurança social, ainda nos finais do século XIX.
Adequadamente,
o perfil educacional dos povos do sul da Europa, mostra-se menos rico,
refletindo, em geral, as menores exigências da sua especialização económica, as
necessidades dos seus capitalistas, os seus respetivos lugares na hierarquia
europeia. Por isso, os fundos comunitários tiveram uma particular incidência no
betão, em estradas e auto-estradas, na rede capilar da circulação das
mercadorias e menos com verdadeiras reformas estruturais, como por exemplo, o
sistema judicial ou o sistema educativo. A integração europeia sempre
contemplou, essencialmente, um processo de especialização económica e de
geração de suseranias e subalternidades.
Tenhamos
presente que a compra das principais empresas com sede em Portugal por capitais
estrangeiros, gera dois mundos, que confluem para uma mesma realidade. Esses
capitais externos inserem a produção feita em Portugal, em lógicas mais globais
– ibéricas, europeias ou mundiais – onde o preço do trabalho é determinante.
Por seu turno, a vasta paleta de pequenas, médias e nano empresas - que
carateriza o tecido empresarial português de raiz - pouco providas de
tecnologias, capacidade de gestão, vocacionadas para um minguante mercado
interno estarão em condições técnicas e subjetivas de requerer trabalhadores
mais qualificados? A sua falência é sem duvida um elemento que contribui para o
elevado desemprego.
O
sector imobiliário não é um indutor de emprego, nem exige um vasto número de altas
qualificações. O turismo também não. O “tecnológico” negócio do trabalho
temporário, bem como o das limpezas e da segurança privada baseia-se em altas
qualificações ou, pelo contrário, desvalorizam essas qualificações através de
um nivelamento por baixo de precárias remunerações? O comércio, sobretudo de
retalho é muito exigente de gente qualificada? Os ignóbeis “call-centers”
exigem gente qualificada mas, a paga é inferior à de um servente na construção
civil, em trabalho informal, para igual precariedade.
Há um
desequilíbrio entre a realidade e a dinâmica do capitalismo em Portugal por um
lado; e, as subjetividades da faixa populacional que tem hoje 25/40 anos, bem
como a da geração dos seus pais, décadas atrás.
Na
tradição portuguesa de forte iliteracia, a posse de uma licenciatura constituiu,
durante décadas, não somente uma garantia de emprego (tendencialmente para toda
a vida) como ainda de acesso a um rendimento que incluiria o licenciado numa
classe média, pelo menos inferior. O acesso à função pública (ensino, saúde, ao
restante aparelho de estado ou, o ingresso numa grande empresa, constituia um
quadro tranquilizador de vida.
O
início da chegada dos fundos comunitários, teve impactos diretos e indiretos na
subjetividade da geração de quantos eram adultos jovens quando o fascismo se
finou. E, decididamente, transportaram aquele modelo cultural para os seus
filhos, para a atual geração da precariedade, todos os que têm agora entre 25 e
40 anos. A melhoria dos rendimentos, o acesso a casa própria, a automóvel e
toda a panóplia de aparelhos de uso doméstico ou pessoal, era mais do que
suficiente para a colocação dos filhos na universidade; e o surgimento do
“mercado das propinas”, da mercantilização do ensino superior, mormente privado,
parecia abrir portas a toda a gente. E a propaganda do partido-estado anunciava
o nascimento de mais um milagre económico, o tigre lusitano em esforçada
perseguição do seu irmão celta.
Não
era, em meados dos anos 70 previsível que o neoliberalismo - mal se falava de
Milton Friedman, apesar da primeira experiência neoliberal no Chile de Pinochet
- originasse 30 anos depois, desemprego em massa, despedimentos vulgarizados,
cortes e mais cortes em salários, pensões, direitos e um regime político tão
alérgico ao bemestar da grande maioria da população.
Também
não era imaginável que voltasse uma emigração aos níveis dos últimos anos do
fascismo, com uma agravante – engloba muitos dos qualificados filhos dos
adultos jovens que viveram o 25 de Abril, muitos dos quais estão, eles próprios,
condenados a um definitivo desemprego. Ninguém pensaria que os filhos, quando crescessem
tivessem de regressar, com cônjuges e rebentos, a casa dos pais e repartir com
eles as suas reformas, pouco nutridas, sequelas de um Estado social que pouco
ultrapassou o nível da miragem, em Portugal.
Todos
se terão esquecido, pelas razões apontadas, entre outras, que as hierarquias do
capitalismo são móveis. Essa mobilidade destruiu toda a histórica e deficiente
estrutura produtiva portuguesa, não criou riqueza mas, alguns ricos e obriga portugueses
hoje, a fazerem as malas para Angola, quase quarenta anos depois de lá terem
saído, também cabisbaixos, à procura de um lugar que já não havia em África.
O
novo patamar de Portugal no seio da Europa - claramente dirigida de Berlim -
não subscreveu o sonho dos jovens adultos que viveram o 25 de Abril e recusa um
futuro para os seus filhos, mesmo com títulos universitários; friamente, o
neoliberalismo escolhe alguns, que tenderá uns, a integrar nas metrópoles do
capital e outros, a quem relegará para a arrumação de quartos na hotelaria
suiça, ou entregará aos cuidados de engajadores de mão de obra semi-escrava.
Convém
esclarecer que não subscrevemos qualquer ideia de que o estudo, o conhecimento
sejam ferramentas despiciendas; jamais, em qualquer circunstância se deve
deixar de pensar, interpretar, avaliar, debater, agir.
Decididamente,
houve uma geração que foi enganada pelas promessas de “uma Europa conosco” e
uma outra, que nem teve a oportunidade de ser enganada, pois abriu os olhos já
com o engano consumado.
Urge
a construção, pelos portugueses, de uma nova subjetividade, mais adequada a um
empobrecimento e envelhecimento acelerados que só poderá ser evitado no âmbito
de um processo de ruptura com o paradigma económico, com um sistema político putrefacto
e um modelo de representação excludente e infantilizante.
(continua)
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Este e outros textos em:
http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
[2] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/11/reflexao-sobre-o-falhanco-do-capitalismo.html
[3] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
[4] “Avanço para Leste” é uma referência ao sonho
nacionalista alemão criado no século XIX e adoptado por Hitler, de colonização
de territórios eslavos, a Leste; nos tempos atuais e dado o domínio da Alemanha
dentro da UE e da zona euro, em particular, pode falar-se de um Drang nach
Suden , avanço para Sul.
[5] http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
[6] http://pt.scribd.com/doc/15634632/O-sistema-partidario-portugues
Deste texto depreendo que a instrução nos países periféricos da Europa tende a ser aquela que é associada ao "estigma" da periferia, cada vez mais a visão que o norte tem do sul. No entanto chamo a atenção para o facto do nosso problema a este nível vir lá bem de trás na História. Na realidade ou nunca houve uma verdadeira preocupação com a educação e quando houve foi "sol de pouca dura".
ResponderEliminarHoje, internamente a preocupação com a educação é na realidade nula ou quase nula, por isso não espanta que exteriormente se reforce a visão algo estigmatizada, associando Portugal a um "Estado periférico". Basta associar a nossa História ao momento presente, para de uma forma distanciada percebermos como é fácil concluir tal coisa.