domingo, 9 de janeiro de 2022

Eleições em Portugal - O assalto à marmita

 

As leis são teias de aranha pelas quais as grandes moscas passam e as pequenas ficam presas”.

         (Honoré de Balzac)


1.     No dia 30 de janeiro do ano corrente, um conjunto de pessoas, na generalidade de fraca valia cultural, técnica ou ética, apresentam-se para um concurso eleitoral;

2.     Esse conjunto é criteriosamente escolhido através da fieira montada pelos chefes das oligarquias partidárias, sabendo-se que aquelas abrangem, em Portugal, apenas uns 200000 indivíduos (2.2% do eleitorado). A progressão no seio daquelas oligarquias é, em regra, o fruto da habilidade de ser obediente e viver na sombra do chefe;

O eleitorado em Portugal compreendia, em 2019, cerca de 9.3 milhões de pessoas das quais só votaram em grupos partidários, em 2019, uns 4.9 milhões. Entretanto, a CNE aponta para 10821244 eleitores, embora a população total seja referida como de 10310000 pessoas.

3.     As candidaturas – forçosa e constitucionalmente partidarizadas (CRP n.º2 do artº 10º) - englobam listas de indivíduos, a nível distrital. Quem não tiver o apoio de um partido ou melhor, dos seus capos, nunca poderá concorrer. No entanto, cinicamente, a Constituição no seu artº 2º, informa que a República “é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular”.

4.     Foi definido o nível distrital para as eleições para a AR. Logo aí se evidencia uma incoerência pois os distritos deixaram de existir enquanto circunscrições territoriais e administrativas, desde 2013 e, já então, estavam em definhamento profundo. O recurso a estruturas administrativas inexistentes constitui um artifício para manter intocáveis as estruturas regionais dos partidos e os interesses dos seus caciques.

5.     No referido nº 2 do artº 10º consta que são os “partidos políticos que concorrem” para a expressão da vontade popular, o que é uma evidente e reacionária entorse. Tomando os números acima referidos, quem não pertencer a um partido (97.8% do eleitorado) ou, não seja escolhido por uma estrutura partidária, jamais poderá exercer o direito de representação política. Essa realidade ofende o disposto no nº 1 do artº 12º, onde se diz que “Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição”. Trata-se de uma reprodução de uma sociedade de ordens – patrícios e plebeus, nobres e servos da gleba, como na Roma antiga ou na Idade Média, onde uns tinham muitos direitos e poucos deveres e outros poucos direitos e muitos deveres.

A oligárquica Constituição não admite círculos uninominais onde um só deputado, eleito diretamente pela população, seria o seu representante na AR. Só permite a adjudicação da representação política a um grupo e não através de uma escolha individualizada e democrática; essa imposição é como se no supermercado fosse obrigatório comprar um molho de nabos…

6.     Em democracia, a soberania está no povo e é à pluralidade dos elementos do povo que cabe a soberania – e não a órgãos fechados, oligárquicos, volúveis a tráficos de influências e corrupção, como os partidos.

7.     O concurso para o preenchimento dos 230 lugares de deputado entre as várias listas envolve os pesos pesados dos partidos, gente com maior notoriedade. Porém, logo após a eleição, muitos entregam-se também a outras atividades, de maior gabarito político ou profissional ou, são substituídos por indivíduos de menor recorte político, cuja função é a prestação de atenção ao que diz o chefe da claque. Sinteticamente, os eleitores votam num elenco inscrito no boletim de voto; porém, esse elenco é objeto de grandes mudanças e, no final, será constituído por um outro, de figuras partidárias de segunda linha, pardas, de menor quilate cultural e político.

8.     A aceitação da presença na Assembleia da República de deputados fascistas não assumidos é, naturalmente mais uma entorse à Constituição. O nº4 do Artº 46º refere que “não são consentidas … organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. Benevolamente, o regime parece só considerar fascista… quem tiver uma suástica tatuada na testa… O partido que tem como figura de proa um ente que designamos por ventureco[1] é uma lusa versão do Vox espanhol, da agremiação francesa que alinha atrás da família LePen ou, do alemão AfD, entre outros artefactos.

9.     Existe um pacto de mediocridade entre a imprensa e a classe politica; uma simbiose. A imprensa pretende encher o espaço mediático com baixos custos, socorrendo-se da presença física e do verbo dos mandarins da classe política; e nesta, claro que ninguém enjeita essas ocasiões para promover a imagem individual e do partido. É o que se chama uma simbiose que tem por objetivo manter a massa manipulada, confusa, bombardeada constantemente com as típicas vacuidades emitidas pela classe política.

10.  Portugal carateriza-se pelo mais baixo nível educacional da Europa Ocidental (e… não só); pelos níveis salariais que empurram os mais jovens e qualificados a emigrar em massa; pela existência de um empresariato[2], com qualificações inferiores às dos assalariados mas que adora altas cilindradas, para espanto dos homens da troika quando chegados a Portugal para monitorar um plano de empobrecimento coletivo e de tomada de empresas por capitais estrangeiros, mormente espanhóis, chineses, franceses…

11.  Neste contexto, é necessário romper com a oligarquia partidária de bem instalados e traficantes de influências, com a constituição de um modelo democrático de representação, com base nestes moldes;

     Todas as pessoas que podem votar, podem também candidatar-se a cargos de representação. Isto é, as candidaturas são individuais e não grupais;

     Os eleitos são indivíduos - posteriormente integrados em órgãos colegiais como a Assembleia da República, o governo, um órgão regional ou autárquico;

     A função de presidente da República é protocolar e assumida pelo presidente da Assembleia da República em exercício;

     Um indivíduo para se candidatar a uma eleição numa circunscrição eleitoral, terá de nela residir há pelo menos dois anos; e não poderá ser eleito para exercer um cargo em mais de dois mandatos seguidos ou, três entre cinco;

     Qualquer eleito pode ser destituído da sua representação, por referendo, entre os eleitores que participaram na sua eleição;

     Os membros do governo são escolhidos entre os deputados na Assembleia da República por votação em plenário (um deputado por cerca de 20/25000 eleitores); e, é nesse âmbito que poderão ser demitidos dessas funções, voltando à situação de deputados. O governo tem um número definido de ministros e secretários de estado e uma assessoria centrada na AR e no recurso aos órgãos estatais;

12.  O desapego da população face ao modelo de representação política tem aumentado através do tempo; e, o número total de abstenções, de votos em branco e nulos em eleições legislativas está em vias de igualar ou mesmo ultrapassar o quantitativo dos votos dirigidos a partidos; e, entre estes, a segmentação entre os votos no partido-estado PS/PSD - a ossatura política do regime - os dirigidos para os partidos mais reacionários e os da esquerda do regime como abaixo se pode observar[3]


Há vários anos que vimos estudando o caráter reacionário e excludente do regime pos-fascista e, particularmente no que concerne ao modelo de representação política. Assim,

Nota 1 - Alguns textos sobre as fragilidades estruturais da formação social portuguesa

Os níveis de educação entre os povos da Europa (1ª parte)

https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/08/os-niveis-de-educacao-entre-os-povos-da.html

45 anos após o 25 de abril. Que futuro

https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/04/45-anos-apos-o-25-de-abril-que-futuro.html

Eleições num regime pós-fascista e empobrecedor

https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/10/eleicoes-num-regime-pos-fascista-e.html

Desigualdades na dinâmica demográfica na Península Ibérica (1990-2019)

https://grazia-tanta.blogspot.com/2020/07/desigualdades-na-dinamica-demografica.html

Nota 2 - Sobre a Constituição

Para um novo paradigma político; a re-criação da democracia (2012)

http://www.slideshare.net/durgarrai/para-um-novo-paradigma-poltico-a-re-criao-da-democracia

Sobre a democracia. A democracia e a sua usurpação (1a parte) (2012)

http://www.slideshare.net/durgarrai/sobre-a-democracia-a-democracia-e-a-sua-usurpao-1a-parte

Para uma Constituição Democrática com caráter de urgência – 2       

 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/02/para-uma-constituicao-democratica-com.html

Para uma Constituição Democrática com caráter de urgência – 3

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/03/para-uma-constituicao-democratica-com_22.html

A Constituição (CRP) e alguns dos seus princípios oligárquicos

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/07/a-constituicao-crp-e-alguns-dos-seus.html

Sobre a Constituição (CRP) – Uma Assembleia da República democrática

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/08/sobre-constituicao-crp-uma-assembleia.html

Presidente da República – figura dispensável num regime democrático

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/01/presidente-da-republica-figura.html

Um modelo democrático para os municípios - 4

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/um-modelo-democratico-para-os-municipios.html

Câmaras – Exemplo de gestão neoliberal e anti-social – 1

https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/09/camaras-exemplo-de-gestao-neoliberal-e.html

Câmaras – Exemplo de gestão neoliberal e anti-social – 2

https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/09/camaras-exemplo-de-gestao-neoliberal-e_26.html

Este e outros textos em:

http://grazia-tanta.blogspot.com/                               

https://pt.scribd.com/uploads

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

 


[1] Esses factos não são tomados em consideração. A classe política não cumpre a Constituição

[2] Costuma dizer-se que o primeiro investimento de um empresário português é um automóvel de alta cilindrada; e, que o investimento seguinte é um outro veículo, de cilindrada inferior para utilização da esposa do dito empresário. 

[3] As semelhanças face aos últimos tempos do regime fascista (1969/74) são evidentes. Havia então um bloco central dos alinhados com Marcelo Caetano; uma ala ultra-reacionária que tinha como figuras de proa Tenreiro e Kaúlza: e, uma ala reformista, com Sá Carneiro, Balsemão e Mota Amaral, entre outros, que vieram a constituir o atual PPD/PSD, depois da mudança do regime em 25 de Abril de 1974.

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