A
social-democracia tradicional surgiu como fórmula de gestão dos capitalismos
nacionais, com o envolvimento dos trabalhadores nessa gestão. Hoje, não passa
de uma técnica de gestão política e económica que pouco difere do liberalismo e
do conservadorismo.
1 – Uma
evolução de tombos para a direita
Os partidos sociais-democratas, originariamente, na primeira
vintena do século XX toleravam o capitalismo enquanto se procederia a uma sua
transição gradual e pacífica para o socialismo, através de reformas
legislativas, no âmbito da chamada democracia representativa, alicerçada em
partidos e eleições regulares.
Prosseguindo a histórica segmentação dos povos entre senhores e
servidores, admitiam a necessidade de um escol de benfeitores – uma classe
política com a preponderância de sociais-democratas (naturalmente!) – para
conduzir as massas ao socialismo. Mais à esquerda,
os que se vieram a chamar comunistas (impropriamente, tendo em conta a sua prática pouco igualitária) defendiam a revolução conduzida por um outro escol de benfeitores – o partido – com direitos de vida ou de morte sobre os discordantes; e beneficiaram também de um vasto campo de aplicação na Rússia, depois de 1917.
os que se vieram a chamar comunistas (impropriamente, tendo em conta a sua prática pouco igualitária) defendiam a revolução conduzida por um outro escol de benfeitores – o partido – com direitos de vida ou de morte sobre os discordantes; e beneficiaram também de um vasto campo de aplicação na Rússia, depois de 1917.
Para os sociais-democratas, nesse processo gradual de chegada ao
socialismo, a distribuição do rendimento deveria refletir os aumentos da
produtividade, permitindo regulares acréscimos dos salários reais, com o Estado
como grande instrumento de redução das injustiças sociais. Nesse contexto,
estabeleceu-se uma relação próxima entre o partido social-democrata e os
sindicatos, a qual está bastante presente na Grã-Bretanha e no Norte da Europa.
No Sul da Europa predomina uma segmentação da representação sindical mais ou
menos de acordo com alinhamentos políticos distintos; assim, há oito centrais
em França e quatro, em Espanha como em Itália. Em Portugal pode dizer-se que há
uma e mais qualquer
coisa.
No final da II Guerra, os partidos sociais-democratas, assumiram
a defesa de um modelo político e social que afastasse a tentação de aproximação
ao modelo soviético que então, à sombra dos feitos do Exército Vermelho contra
os nazis, obtinha grandes simpatias e gerava a existência de fortes partidos
comunistas, como em França e Itália. Foi o período da maior radicalização dos
partidos sociais-democratas, com nacionalizações, sistemas públicos de saúde,
de educação, de segurança social e uma fiscalidade progressiva.
A estabilização da situação económica e política na Europa e o
maior conhecimento da realidade concreta nos países do bloco soviético (Sartre,
por exemplo, só passados alguns anos do fim da guerra tomou conhecimento dos
métodos de Stalin) constituíram elementos de amenização do pendor já reformista
da social-democracia europeia.
A primeira situação de aliança à direita dá-se com do PSDI
italiano, em 1947, surgindo então a ideia de uma Terceira Via que, só mais
tarde, após a queda do Muro de Berlim, foi popularizada por Tony Blair, com
base na teorização efetuada por Anthony Giddens e no seguimento do desafio
criado pela “eficácia” de Thatcher e Reagan na aplicação da gestão neoliberal
do capitalismo. A alternativa - não seguida - teria sido a resistência à
imposição da mercantilização de todas as áreas da sociedade e à atomização das
vidas, desligadas da esfera coletiva em nome do individualismo consumista e que
vêm enformando a marcha neoliberal. Pelo contrário, a Terceira Via foi o
elemento programático que erodiu, em grande parte, as diferenças entre os
sociais-democratas e a direita liberal ou conservadora, no capítulo da
economia; garantida uma quase unanimidade quanto à economia, os pontos
diferenciadores apresentados pelos sociais-democratas são questões relacionadas
com serviços sociais, direitos humanos e ambientais. Estas áreas não contam
muito nos balanços das empresas e dos bancos, preocupações quase únicas dos
partidos mais à direita, de recorte neoliberal puro e daí que sejam encarados
com alguma indiferença pelos últimos, desde que não onerem as contas públicas.
Em questões relacionadas com o género ou a orientação sexual, as dificuldades
levantadas pelos partidos mais à direita, quando surgem, revelam influências religiosas,
dos paladinos dos “bons costumes” e que serão relevantes se puderem afetar o
sentido do voto de uma parte significativa do eleitorado.
Para essa deriva no sentido neoliberal contribuiu também a
ausência - por implosão, desaparição ou esbatimento - dos tradicionais partidos
comunistas mesmo antes de 1989 e da implosão da URSS dois anos depois. Nos
países do Leste, as nomenclaturas reinantes, rapidamente se organizaram em
partidos sociais-democratas, liberais ou conservadores para se poderem
enquadrar no modelo ocidental, mantendo o pote nas mãos. Depois desse corte
geopolítico, sem esquerdas parlamentares críticas do sistema, susceptíveis de
minar as suas bases, os partidos sociais-democratas, podem colocar no terreno,
sem perdas eleitorais de monta, a sua deriva, complacente com o neoliberalismo.
Daí que Sassoon tenha dito que, após o desmantelar da URSS, à esquerda só
existe a social-democracia.
A erosão das diferenças entre sociais-democratas, liberais e
conservadores, bem como daqueles face a partidos ditos de esquerda, resulta na
imobilidade dos sistemas políticos, na escassa diferenciação nas medidas e
atitudes governamentais, mais ou menos uniformes qualquer que seja o partido ou
coligação no poder, indiferente a quais representam o papel de oposição. E daí
que as eleições se tornem mais do que nunca, meros rituais de sagração,
montados por agências de comunicação, com os principais candidatos maquilhados
à medida, para que as mudanças sejam pouco significativas; com a multidão dos
votantes a ser manipulada como massa de bonecos ou de idiotas úteis,
dispensados de qualquer consulta durante os quatro anos seguintes. É o que se
vem chamando o pensamento único da era neoliberal.
Os partidos sociais-democratas e os liberais ou conservadores
que ocupam o centro do leque partidário, pouco diferem na sua atuação concreta
quando no poder, tal como acontece com os seus impactos na população. Assim, faz
sentido considerar que essas formações, em regra alternantes, sejam vistos como
alas de um único partido, tonalidades mais ou menos carregadas de uma mesma
cor. Na realidade, são sensibilidades autónomas de um partido único, onde se
entrelaçam todas as alternativas admissíveis ou viáveis. Um sufoco.
Em qualquer das situações a agenda neoliberal é cumprida – o TINA,
there is no alternative. No capítulo
da economia, assiste-se ao afunilamento na defesa dos interesses dos campeões
nacionais, das multinacionais e do capital financeiro; no âmbito da política,
com a denominada democracia representativa, os únicos representados são os
altos interesses económicos e as classes políticas, protagonistas de mordomias
várias e na corrupção, agentes fornecedores do zelo adequado a quem pagar para
obter um financiamento público ou um decreto-lei.
Na Europa, embora de modo desigual, a segurança social apresenta
dificuldades em propiciar rendimentos decentes de substituição em caso de
desemprego ou aposentação, por incapacidade em a adaptar às
novas estruturas económicas, como
observámos há uns dez anos; e, em países desestruturados como Portugal, a
segurança social é utilizada para conceder benefícios aos capitalistas, através
da clara e histórica benevolência governamental face ao não pagamento
das suas contribuições. O saque da
Segurança Social portuguesa tem sido executado por Cavaco ou Passos. Em Portugal, o sinistro factor de
sustentabilidade da Segurança Social – que onera a maior longevidade com mais
anos de trabalho ou menos rendimento na reforma – foi aplicado pelo PS, através
de Vieira da Silva e Pedro Marques, atuais ministros do ministro do trabalho,
solidariedade e segurança social e do planeamento e
das infraestruturas, respetivamente.
No
ideário social-democrata, a distribuição do rendimento deveria refletir os
aumentos da produtividade, permitindo regulares acréscimos de salários reais, o
que não acontece em geral, apenas a
espaços. A segurança no posto de
trabalho perdeu-se em nome da competitividade e deu origem à precariedade, ao
despedimento frequente, mantendo-se a discriminação das mulheres, principais
vítimas de trabalhos em tempo parcial e de menores remunerações, quando não são
despedidas em caso de casamento ou gravidez.
A utilização do Estado para a gradual redução das injustiças
sociais era outra das metas estratégicas dos sociais-democratas que, entretanto
se tem diluído nas reformas estruturais que o capital não se cansa de
reivindicar, pela boca dos seus arautos políticos, num paciente processo de
atomização e subjugação dos trabalhadores. O que se passa, mais frequentemente
é a redução de direitos e perdas de poder de compra, para aumentar a
competitividade, como os pacotes Hartz levados a cabo por um dito
social-democrata alemão, Gerhard Schroeder que, da chancelaria passou a quadro
da Gazprom.
Os sindicatos, abandonaram a lógica da luta de classes, criaram
burocracias imensas, são entidades prestadoras de serviços e centram-se nas
normas e rotinas de concertação social a nível nacional, depois de perdida, em
grande parte, a contratação coletiva, para a regulação dos salários e das
condições de trabalho, um dos objetivos primordiais do neoliberalismo, aceite
por sociais-democratas, como pelos partidos à sua direita.
Fonte - Stratfor
Em Portugal, a social-democracia criou uma dita central sindical
– UGT – com fortes apoios financeiros e organizativos para combater a
influência e o domínio do PCP nos sindicatos, em 1975. A UGT só não é apenas
uma sigla porque é paga para animar as sessões da concertação social, em regra
secundando as posições patronais; começou como uma criação social-democrata,
desembocou numa burla política.
O acesso que temos a uma coleção de boletins Nueva Sociedad
editados nos anos setenta, pela Fundação Friederich Ebert, mostra o empenho do
SPD alemão, no apoio a grupos sociais-democratas na América Latina, sendo muito
curioso observar o seu radicalismo, muito mais acentuado do que em qualquer das
organizações ditas de esquerda, hoje, na Europa. Aquela Fundação mostrou-se,
então, muito ativa no financiamento do PS e foi essencial para a criação da
UGT.
De certo modo, a morte do socialismo (leia-se, capitalismo de
estado), como ideia galvanizadora e libertadora dos povos[1],
acelerou o processo de rendição à gestão neoliberal por parte dos partidos
sociais-democratas; e a Terceira Via procedeu a essa transição, com uma
pretensa teoria de fusão, de fim da História. Assim, os designados
sociais-democratas, sem alternativas reais à sua esquerda, deixaram de se
apresentar como lídimos defensores de um estado de bem-estar social, com
segurança social, férias pagas, direitos laborais e uma distribuição do
rendimento que favorecesse as camadas laboriosas da população. Deixaram ao
mercado essas questões e, tal como liberais ou conservadores, subscrevem as “reformas
estruturais” e a flexi-segurança, conceito inventado pelo social-democrata
dinamarquês Poul Rasmussen, nos anos noventa.
Atualmente as referências a socialismo tornaram-se raras - tal
como à própria social-democracia - que vão subsistindo apenas como referências
históricas nos nomes dos vários partidos, funcionando estes, realmente, como
entidades gestoras do capitalismo, focadas no crescimento, na exportação, no
empreendedorismo, nos equilíbrios macro-económicos, num quadro ideológico
neoliberal centrado no sistema financeiro e na especulação. Vai-se preferindo a
utilização do cinzento termo reformismo que, na realidade, nada significa em
termos de política. Na verdade, mesmo nos partidos ditos de esquerda também são
raras as referências a socialismo ou capitalismo, preferindo-se um discurso
neutro, tecnocrata, focado nos aspetos da política conjuntural e na gestão das
audiências.
2 – Onde está e onde não está a social-democracia
A degenerescência atrás expressa pode observar-se
institucionalmente, em duas instâncias;
a) Na Internacional Socialista conflui um conjunto muito
heterogéneo de partidos. Uns, que se definem como sociais-democratas por muito
difusa e vazia que seja a sua prática, em nada consonantes com a
social-democracia histórica. Porém, ao admitir, por razões de ordem política,
partidos sem qualquer prática próxima da social-democracia, sob qualquer
acepção, como o MPLA angolano, a Frelimo moçambicana, o Partido do Povo do
Paquistão ou o Partido Trabalhista israelita, a Internacional Socialista
revela-se muito afastada do ideário social-democrata dos princípios do século
XX.
b) No Parlamento Europeu, os socialistas e sociais-democratas
agrupam-se, em grande parte, no grupo parlamentar Aliança Progressista de
Socialistas e Democratas onde, além de partidos que incluem aquelas designações
no seu nome, estão outros que por exclusão, se aproximam dos primeiros. É o
caso do Partido Democrata, italiano, em tempos conhecido por “A Coisa”, dada a
sua identidade indefinida e que, no contexto italiano, não é, de facto, o mais reacionário
do país. Por outro lado, o PSD português não teve acesso, no passado, à
Internacional Socialista, apesar dos esforços de Sá Carneiro e tem-se mostrado
claramente como uma formação liberal e de direita. Em contrapartida, o holandês
Partido Socialista não faz parte desta corrente, incorporando-se na esquerda
parlamentar de Estrasburgo.
Se, como diz Sassoon, a única referência de esquerda após o
desmantelamento da URSS é a social-democracia, perante a proximidade entre os
partidos históricos da social-democracia e os liberais e conservadores, no
cumprimento da agenda neoliberal, há duas formas de encarar aquela afirmação.
Uma, que a social-democracia morreu; a segunda, que emigrou para outras
formações políticas.
Quando se fala de social-democracia, hoje, podem considerar-se
duas acepções;
a) A social-democracia histórica tornou-se um conjunto heterogéneo
de partidos conservadores, muitos com uma raiz popular e progressista,
abandonada há muito; com a preferência dada à gestão política do capitalismo, com
a ligação dos governos às multinacionais e ao capital financeiro; com as
políticas sociais subordinadas ao catecismo neoliberal, com um tempero adequado
à conjuntura; defensores da ordem militarista ditada pelo Pentágono… Se nos
cingirmos a esses partidos ditos socialistas ou sociais-democratas, para além
da sua designação (na Grã-Bretanha existe um Partido Trabalhista), diríamos que
a social-democracia morreu.
b) Do ponto de vista doutrinal e político, no Parlamento Europeu, o
reformismo social-democrata, encontra-se essencialmente no grupo GUE/NGL, se
nos abstrairmos das suas designações e olharmos mais à suas práticas e aos seus
programas. Aceitam o capitalismo, o sacrossanto crescimento do PIB como
desígnio civilizacional e o anti-democrático modelo de representação vigente,
sem qualquer perspetiva de ruptura com o mesmo; denunciam o sistema financeiro
e defendam a reestruturação da dívida pública sabendo que esta é um dos grandes
sustentáculos da construção da próxima crise; defendem o reforço salvador do
Estado e não que este é parte essencial dos problemas; e aceitam como escrita
nas estrelas a continuidade do trabalho assalariado. Alguns, mostram mesmo um
pendor nacionalista tal como os sociais-democratas de há um século, sem se
preocuparem que isso seja também o ponto forte dos grupos fascistas na Europa.
Este grupo heterogéneo de iluminados condutores das massas é, hoje, o lar de
acolhimento das sobras do ideário social-democrata.
Este e outros
textos em:
[1] O
folclore chavista, baseado num homem providencial, na tradição do caciquismo
sul-americano, sob o slogan de “Socialismo do século XXI”, arrasta-se em pobreza e repressão, sem qualquer projeto
credível e agregador.
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