Europa, periferias e desastres
periféricos
Sumário
1 – Elementos de enquadramento de um capitalismo subalterno
2 - Continuada quebra da parcela dos rendimentos do trabalho
3 - Cenários de evolução na geopolítica
a) Desagregação da UE e/ou da zona euro
b) Exclusão de um Estado da UE e/ou da zona euro
c) Uma saída portuguesa voluntária da UE/zona euro
++++++++++==++++++++++
1 – Elementos de enquadramento
de um capitalismo subalterno
Historicamente, Portugal nunca teve um capitalismo
empreendedor, moderno e isso confirma-se hoje, sobretudo depois da safra
privatizadora final[1],
imposta pela troika e do subsequente
desabar do já pequeno sector financeiro detido por portugueses. Após essa
forçada “internacionalização” do tecido económico, na aplicação das sempre
nebulosas e inacabadas “medidas estruturais”,
1 -acentua-se a
dependência do empresariato sobrante, face aos apoios públicos e aos fundos
comunitários, nos quais o cumprimento de requisitos (vistoriados pela UE) é
agora mais exigente do que nas décadas de 80 e 90, quando se observou um insano
e improdutivo uso desses fundos, através da utilização do favor político e da
corrupção, no seio do costumeiro conluio entre o empresariato luso e a classe
política;
2 –fixa-se ainda mais
a dedicação a atividades pouco exigentes de qualificação, com trabalhadores
atomizados, com baixos salários, vínculos precários e ausência de direitos,
beneficiando de um aparelho sindical anémico, dependente da concertação social
para ter visibilidade, após a saída de cena das negociações coletivas, como
imposto pelo neoliberalismo desde a sua aplicação prática.
Quanto mais fundo é o fosso, mais difícil e exigente é o
esforço da saída.
Como a Inglaterra foi vetada de entrar na CEE inicial,
surgiu, sob a sua batuta a EFTA, onde Portugal se integrou, naturalmente. Em
1972, na iminência da adesão inglesa à CEE, Portugal celebrou um acordo com
esta última, dado o peso das relações comerciais com a Inglaterra e a
Dinamarca. A integração portuguesa na CEE alterou fortemente o padrão das
relações comerciais que se vieram a polarizar em Espanha e na Alemanha, para
além das áreas que vieram a preencher essa integração, como os fundos
comunitários, a moeda única, etc; isso, porém, sempre no contexto de
desigualdades políticas e económicas estruturais, antigas, geridas pela
oligarquia bruxelense, em consonância com os lobbies que a utilizam, bem como dos governos dos principais países
que veiculam os interesses dos seus campeões nacionais.
A estreita e economicista visão existente nas altas
esferas de Bruxelas, comungada pelas oligarquias nacionais, baseia-se em quatro
pontos essenciais:
1 – Existe uma grande
preocupação em salvar os “mercados financeiros” como instrumentos de criação
acelerada de capital-dinheiro o qual, jamais se dirige para o investimento
produtivo, a não ser de forma temporária e destrutiva protagonizada por fundos
abutres. Essa acumulação de capital-dinheiro exige o engrossar de cascatas
de dívida, que capturam pessoas e estados para
o seu pagamento, sabendo-se que uma crise financeira acabará por destruir esse
capital mutuado, por não haver capacidade de, alguma vez, ser reembolsado;
mesmo admitindo que isso terá algum pingo de legitimidade a qual só somente
existe nas dívidas constituídas para incremento do bem-estar dos povos.
A preocupação com a
salvaguarda dos interesses do capital financeiro, especulativo e parasita é tal
que as dificuldades dos bancos são colmatadas parcialmente com o dinheiro dos
impostos, dos estados
nacionais (ver caso português[2]), num género de
socialização de perdas; isto só é possível porque a democracia está capturada
pelos funcionários do sistema financeiro e das multinacionais e daí que os
povos não o tenham podido evitar, no actual contexto não-democrático. E isso é
ainda mais ínvio porque esse onerar das contas públicas dos estados nacionais
não se coaduna com o caráter global do sistema financeiro; este, dedica-se, através
das classes políticas, a repartir essas perdas pelos estados que, para este
efeito, são individualizados. No caso da UE, há um BCE que em vez de assumir as
suas funções de gestor e abastecedor do sistema financeiro (parcialmente)
comunitário – admitindo que este exista – endossa as dificuldades dos bancos
para os locais onde têm as suas sedes.
2 –Sublinha-se o
esforço exportador como salvação para a atividade económica, com todas as
forças e medidas colocadas nesse sentido, dando-se como certo que existem
sempre países ou economias onde esse esforço é complementado por uma grande
propensão importadora e que, no conjunto, assim
se equilibra a economia global. Admite-se, por
axioma, que o mercado é tanto mais eficiente quanto mais alargado e
concorrencial, embora a existência de monopólios, preços manipulados e
adulteração da qualidade negue essa crença (veja-se o recente caso da indústria
automóvel). As fortes discrepâncias nas condições de trabalho, de equipamento e
formação de lucros, nos factores de contexto, bem como a interferência do
sistema financeiro, ou das imposições políticas, demonstram que a eficiência do
mercado é uma ficção. Na realidade, todos procuram exportar, exportar sem
curarem de entender que isso exige que alguém importe, importe… Uma lógica
meridianamente sem futuro, doentia, com efeitos desastrosos no ambiente, que
induz luta desenfreada por recursos e mercados, desequilíbrios comerciais e
financeiros, colmatados por dívida e países ou camadas sociais ricas a par de
outros em regressão e pobreza.
3 – Para se exportar,
exige-se competitividade e esta, não vem privilegiando aumentos de
produtividade resultantes de inovação tecnológica mas, sobretudo, poupanças nos
custos do trabalho. Essas poupanças desenrolam-se de várias formas;
deslocalizando a produção de componentes para áreas do globo onde os salários
são mais baixos, onde os direitos ambientais não são respeitados, onde as jornadas
de trabalho são mais longas e os direitos laborais ignorados. Esta aposta em
baixos custos do trabalho, por sua vez, resulta da baixa combatividade inerente
à alta desorganização dos trabalhadores, incapazes não só de fortes
contestações a nível nacional como, sobretudo, de se concertarem
internacionalmente, ultrapassando os quadros nacionais, acompanhando a
internacionalização do capital com a sua
própria internacionalização.
Nesse contexto,
exige-se a cada indivíduo que seja competitivo, que se esforce mais e mais, que
se encha de empreendedorismo e se torne um empresário em nome individual – assim
considerado pelo poder, pela administração fiscal, pela segurança social – o
que disfarça uma situação real de trabalho precário e dependente, perante a
qual os capitalistas não assumem qualquer obrigação ou responsabilidade.
Como em todos os países
essa lógica prepondera, o custo efetivo do trabalho baixa por unidade de tempo
e por unidade de valor criada, aumentando, por consequência, o quinhão que é
repartido pelo capitalista, pelo sistema financeiro que o financia, pelo Estado
predador que exerce a punção fiscal e constrói a arquitetura regulatória e
repressiva. Esse rebaixamento do preço do trabalho coexiste com milhões de
desempregados, com pessoas com dois ou três empregos, numa verdadeira
escravatura; e relaciona-se com a sobrevalorização das fronteiras para que se
gerem bolsas de imigrados, sem-papéis que, pelos níveis de salário e de
marginalidade contribuem para o rebaixamento global do preço do trabalho. De
facto, essa é a função oculta dos nacionalistas, sobrevalorizar a importância
das fronteiras para fornecer trabalho barato aos capitalistas.
4 – A esta arquitetura
económica que se tornou obrigatória e cuja recusa provoca acusações de
irrealismo ou esquerdismo, junta-se também outra evidência, obviamente inscrita
nas estrelas como destino final da Humanidade – a chamada democracia
representativa; que admite muitas nuances, que aceita todas as
configurações práticas, desde que haja eleições e parlamento, não se cuidando
de muitos outros aspectos que de facto, negam a democracia
e a representação.
Por um lado, multiplicam-se
as estruturas globais ou regionais de caráter supra-estatal, de enquadramento
das profundas desigualdades entre os estados componentes e que a “velha” ONU ou
o FMI bem cedo sedimentaram. Noutras situações, assumem particular importância
corpos de funcionários, burocracias, hierarquizadas como são todas as
burocracias, consoante o peso político ou económico do estado membro de onde
provêm, sem prejuízo da sua própria criatividade, como será o caso da UE e da
Comissão Europeia em particular.
Essas estruturas
multiplicam-se e fazem parte de um processo aglutinador que vai esvaziando de funções
os estados-nação, mormente pequenos
e médios cuja soberania, nos tempos atuais,
nada tem de semelhante à dos tempos das fronteiras, bem demarcadas e guardadas,
com forças armadas, moeda, oligarquias económicas próprias, hino e bandeira. Um
processo que acompanha a globalização
histórica, que é perturbada, enviezada pelo
capitalismo e que tende a diluir os orgulhos patrióticos e excludentes do
Outro, num processo lento que não vai evitando os lepenismos de várias
latitudes.
Essas estruturas
emitem, no caso concreto da UE, bulas para aplicação pelas classes políticas
nacionais, que sobrevivem do mesmo modelo, gerindo o pote e encenando uma
“democracia” para manter os povos serenos, na esperança de que os amanhãs
cantarão. Essa ladainha visa manter a normalidade dos negócios para o que é
essencial, povos desabituados de contestar mas viciados em obedecer, que vão
acreditando em próximas eleições, dentro de sistemas políticos corruptos, onde
vão emergindo verdadeiros idiotas como Hollande ou Passos e entes com vocação
de verdugos fascistas como LePen, Farage, Wilders, Orban, Netanyahou, Erdogan,
etc; para além dos que acumulam ambas as caraterísticas, como Trump.
Nesse contexto, as
democracias ditas representativas tendem a ser mero espetáculo, com regulares
romarias eleitorais para a alternância de papéis entre os vários grupos de
atores pertencentes a uma mesma oligarquia, estratificada, fechada e
conservadora. Esta situação é colocada como fazendo parte da natureza das
coisas, como a sucessão entre dia e noite e que se pretende seja aceite sem
grandes reservas pela multidão das vítimas da disfuncionalidade do modelo de
representação e da ausência de real democracia.
Na realidade, todos os
sistemas económicos estabelecem regimes políticos que capeiam e procuram
legitimar o funcionamento das relações sociais e de produção que favorecem uns
poucos e depreciam ou oprimem a maioria. O esclavagismo garantia mão-de-obra
aos senhores da terra, com um rei ou imperador no topo da ação política que
funcionava como um legitimador de última instância, a quem competia a
continuidade da ordem estabelecida e o cumprimento das leis convenientes para
os donos da terra. Com a diluição dos poderes monárquicos ou imperatoriais o
escravo passou a servo, de igual modo ligado à terra cuja posse cabia a um dito
nobre; exigia-se que tivesse o “empreendedorismo” necessário para a exploração da
terra que pertencia ao senhor que, como renda, cobrava uma parte da produção ou
tempo de serviço militar, inerente ao seu direito de suserania. Com o
capitalismo, o dono dos meios de produção – indivíduo, empresa ou Estado - seja
terra, equipamentos ou dinheiro, contrata quem de facto produz os bens ou
serviços, pagando à peça ou por tempo de trabalho, uma parte do valor
produzido; sem outro vínculo que não o selado pela troca de esforço de trabalho
por salário, nomeadamente nos tempos recentes de precariedade extensiva e
vulgarizada. O capitalismo, para impor esta norma, equipou-se com um enorme
Estado, dotado de formas de coação brutais e diversificadas – tribunais,
polícias, tropa, ação legislativa e regulamentadora, punção fiscal, produção
ideológica, recolha extensiva de informação para o controlo biopolítico de cada
indivíduo, tudo embrulhado sob o rótulo de democracia. Uma democracia em que
tudo o que não é proibido, é obrigatório.
2 - Continuada
quebra da parcela dos rendimentos do trabalho
Vejamos o que se passou nos últimos anos (2004/16) com a
evolução do PIB e do volume das remunerações dos assalariados, para os dois
principais países da UE e da zona euro e, de todos os da periferia Sul que, com
a Irlanda, estiveram sob o fogo da troika
ou das preocupações e imposições das instituições da UE, com a intervenção na
política económica protagonizada pela Comissão Europeia, BCE, Eurogrupo,
nomeadamente, para além do FMI (nos casos de Chipre, Grécia, Irlanda e
Portugal). Nessa evolução, há ganhadores e perdedores, não só no âmbito de cada
país mas, também na relação entre trabalhadores e capitalistas.
A evolução observada para as remunerações comparada com a
do PIB é muito diversificada, no quadro da UE, revelando as desigualdades
existentes e aprofundadas por políticas únicas, saídas do armário neoliberal e
que são aplicadas para realidades
distintas; mostram a falta de instrumentos que colmatem ou minimizem as desigualdades
existentes, que remontam a tempos muito
anteriores à crise financeira que se revelou em 2008.
a)
A Alemanha e a França, passado o sobressalto de 2009, no
seguimento da crise financeira de 2008 continuam o crescimento regular do PIB e
das remunerações, mais acentuado na primeira. Na Alemanha o PIB cresce mais do
que as remunerações até 2012, havendo paralelismo daí em diante; quanto à
França esse paralelismo regista-se até 2008 passando depois as remunerações a
ter um dinamismo superior ao do PIB;
b)
A Irlanda é o primeiro país dos escolhidos a revelar quebra
na evolução do PIB, em 2008, ao contrário dos outros, que revelam o eclodir da
crise em 2009. No entanto, a evolução das remunerações manteve-se sempre num
plano mais elevado o que deixou de se verificar em 2015, por razões muito
anormais; é que o registo no país de algumas multinacionais, para beneficiarem
das vantagens fiscais, empolou de modo absurdo o PIB;
c) A Grécia e a Irlanda revelam, uma evolução mais favorável ou
menos desfavorável para as remunerações, comparativamente ao PIB, excepto nos
últimos anos. No caso de Chipre e da Itália essa situação verifica-se em todo o
período e apesar da intervenção da troika
no caso do primeiro onde, por outro lado, se evidencia o crescimento mais
elevado do PIB até 2011, pouco antes da crise que levou à intervenção e ao
bail-out
do seu sistema financeiro;
d) Espanha apresenta situações de paralelismo na evolução do PIB
e das remunerações excepto no período 2008/11, quando as últimas têm uma
dinâmica superior. A partir de 2013, sanado o sistema financeiro, a evolução do
PIB processa-se quase em total concordância com a das remunerações a despeito
do elevado nível de desemprego;
e) A evolução das remunerações é, em geral mais favorável ou
menos desfavorável que a observada para o PIB, ainda que com períodos de
particular paralelismo nos casos da Alemanha, da Espanha e da França;
f) Alemanha e Portugal mostram um predomínio de situações em que
o PIB cresce mais do que as remunerações, com um realce para o segundo, onde a
perda de relevância das remunerações face ao PIB é uma constante há mais de uma
década, acentuando-se bastante com a intervenção da troika.
A disparidade na evolução do conjunto das remunerações e o
PIB mantém-se no período posterior, não se evidenciando impactos da mudança de
governo e do envolvimento da “esquerda” no seu apoio;
g)
Sobressai a situação da Grécia, o único caso em que os níveis
do PIB e das remunerações se situam, nos últimos anos, claramente aquém do
verificado no ano base, 2004.
Neste conjunto diversificado de situações pretendemos situar alguns aspetos
sobre a realidade portuguesa.
a) Portugal, sendo o país mais pobre da Europa Ocidental, onde os rendimentos
e os
perfis educativos são os mais baixos, revela uma
continuada perda de representação das remunerações no produto global, tomando
como base o ano de 2004. E, entre todos os países considerados, o crescimento
do PIB só se mostra inferior ao português no extremo caso grego e na Itália
onde os níveis de vida são bastante superiores aos portugueses. No entanto,
nesses dois países a evolução das remunerações mostra-se, em regra, acima da
registada para o PIB.
b) Em Portugal, os níveis de dívida pública e privada são, em parte,
resultantes dos crimes que envolveram o sistema
bancário, pejado de malparado e descapitalizado e cujo
processo se arrasta no tempo, contrastando com o que se passou em Espanha ou na
Irlanda, por exemplo, como resultado da conivência da administração do Banco de
Portugal (ligada ao PSD) com os banqueiros a quem competiria fiscalizar; uma
situação que também se verificou, anos antes, com o BPN, quando a gestão do banco central era encabeçada por Vítor Constâncio,
muito tolerante com aquele gang
constituído por altas figuras do PSD e que, no seguimento, foi brindado com uma
vice-presidência do BCE.
c) O sistema político, oligárquico e estagnado, bloqueia a evolução social e
encarrega-se de destruir qualquer foco de contestação social ou laboral o que
reflete e amplia um caso de periferização
no plano europeu e ibérico, a que escapam apenas os que podem
emigrar, os promotores imobiliários ou hoteleiros (enquanto durar a moda) e os
que parasitam o erário público recolhendo prebendas e subsídios.
3 - Cenários de evolução na geopolítica
No capítulo das hipóteses de evolução no enquadramento geopolítico de um
país como Portugal, há três cenários básicos que, naturalmente, poderão ser
desenvolvidos através de sub-hipóteses, nas quais não entraremos. São cenários
pouco simpáticos porque nada há de promissor no actual contexto de capitalismo
com os seus típicos gestores políticos; precisa-se sim, de uma União
dos Povos Europeus, democrática e solidária, com
capitalistas e classes políticas no baú da História.
a)
Desagregação da UE e/ou da zona euro
A UE desagrega-se e cada país europeu
trata de si, num contexto de retorno às rivalidades, históricas ou mais
recentes, com um regresso das fronteiras, das moedas nacionais, das barreiras
alfandegárias, dos conflitos militares, no que seria um verdadeiro caos; que os
EUA através da Nato e do dólar se encarregariam de gerir, repartindo com a
Rússia as respetivas zonas de influência, como em 1945.
Voltar-se-ia às restrições na circulação
de pessoas e de bens, inevitáveis com o aumento das já grandes disparidades no
quadro europeu, com maior repressão nas fronteiras e acrescido contrabando?
Isso constitui a grande bandeira de nacionalistas de direita ou ditos de
esquerda; todos, defensores de um estado forte e de mão pesada sobre
estrangeiros e dissidentes.
Essa desagregação, com o regresso aos
velhos e autárcicos estados-nação, representaria maior severidade na repressão
do trabalho, através dos sindicatos e da inflação, para que os capitalistas
nacionais se tornassem competitivos face aos dos países vizinhos.
Neste caso, para Portugal, tendo em
conta as relações externas consolidadas – capitais estrangeiros, comércio
exterior – isso significaria uma situação de apêndice periférico da Espanha ou
de plataforma logística dos EUA para o controlo do Atlântico Norte, com um
regime fascizante mesmo que adornado com eleições; um cenário excelente para a
emigração e a desertificação. A breve construção da Rota da Seda, da China até
Roterdão estabelece um eixo estruturante das relações euro-asiáticas,
acentuando o caráter periférico da Península e sobretudo de Portugal, num
contexto de desagregação da UE.
b) Exclusão de um Estado da UE e/ou da zona euro[3]
Num cenário de alta probabilidade - o de
uma UE
em reequacionamento - podemos referir a imagem de um navio
com fissuras no casco, onde se exige seja alijada carga para manter uma deriva
sem que o navio naufrague. Que países poderão constituir essa
carga a mandar pela borda fora?
Ainda que por vontade própria, a saída
da Grã-Bretanha da UE vai ser um excelente caso prático para se medirem os
efeitos desse tipo de decisão que, mesmo no caso de um país com o poder e a
riqueza da Grã-Bretanha, não se preveem muito favoráveis ao mesmo; em termos
económicos, financeiros e de política interna. Farage, o grande construtor do
Brexit, satisfeito na sua verve xenófoba e de saudosista do império, logo se colocou
de fora da gestão dos efeitos, para mais tarde poder vir a apontar o dedo para
o que correr mal. O Brexit e a gestão dos dossiers
que enformarão o divórcio serão também úteis para a oligarquia bruxelense
afinar práticas e condicionalismos que dificultem tentações de saída para
outros estados-membros (por exemplo, a Polónia ou a Hungria, com governos
fascizantes).
Conforme dito por Juncker no seu recente
Livro Branco, admitem-se velocidades várias para os países, no capítulo da
integração económica e política, o que mais não é do que a admissão como
natural de uma hierarquia entre os países da UE, uns mais centrais, outros mais
periféricos; ou a consolidação como naturais, das desigualdades
enormes que se verificam entre os 27+1 membros da UE. Trata-se
de uma forma mais clara de admitir vários níveis de integração concertada entre
países avulsos – a cooperação reforçada, já prevista no Tratado de Lisboa, artº
20º - que apenas obriga os interessados, sem que os outros sejam obrigados a
participar ou a cumprir. Uma Europa que sela com conformismo e naturalidade as
crescentes desigualdades, o crescente caráter autoritário das oligarquias
nacionais ou comunitárias, devotos da religião neoliberal que perseguem os
objetivos ditados pelo misterioso
“mercado”, pela boca das agências de rating, tais como a redução do deficit
público, o endividamento público insustentável e as ditas reformas estruturais
que, em regra, se prendem com o “mercado de trabalho”. Todas as decisões
essenciais são monitoradas pelo sistema financeiro e pelas multinacionais e daí
nada conduz a uma Europa
construída por povos solidários.
Os tratados e a legislação comunitária
são construídos na base de vagos princípios aprovados com pompa e circunstância
mas, o seu detalhe revela que ao seu conteúdo se podem atribuir diferentes
leituras, para permitir a discricionariedade que tanto agrada às classes
políticas. Neste contexto, será de estranhar que os países mais ricos e mais
integrados, do Norte e Centro da Europa decidam que há uns quantos países
incapazes de manter uma velocidade desejável, de gerar deficits públicos evanescentes ou dívidas sustentáveis e que
prejudicam o conjunto? E se esses membros forem periféricos, pobres e sem
grande relevância no conjunto, como a Grécia ou Portugal, como já foi aventado
por diversas vezes?
No caso português, um empurrão para a saída
da UE ou do euro teria efeitos devastadores que,
sucintamente, abordaremos em seguida.
c) Uma saída portuguesa voluntária da UE/zona euro
Consideramos que os efeitos de um
empurrão Portugal para fora da UE por parte de Bruxelas seriam muito
semelhantes aos de uma saída voluntária, como protagonizada pela Grã-Bretanha.
No entanto, numa saída voluntária é possível escolher o momento adequado, em
função de uma conjuntura interna e no enquadramento externo particularmente
favoráveis, embora não consigamos antever que fatores poderiam conduzir a que essa
opção fosse vantajosa.
Em Portugal a despolitização é enorme,
como consequência de o povo ter sido mandado ficar casa, no dia 25 de Abril de
1974 quando o fascismo foi abatido – quando não obedeceu – e no dia 25 de
novembro do ano seguinte, quando um golpe militar estabeleceu a “ordem”,
restaurando o habitual poder coercivo do Estado. Depois disso, a despolitização
vem resultando da própria Constituição – repleta de incumprimentos - que
afunila toda a ação política nos partidos, para além de injeções mediáticas de
vulgaridade e intriga onde a análise é circunscrita ao que os partidos e alguns
colunáveis dizem. Nas escolas, mormente na universidade, é imensa a
despolitização que resulta da cultura do empreendedorismo, do economicismo,
gerando nos jovens um grau zero de contestação. Ora, se os jovens não
contestam, uma sociedade inteira fica socialmente petrificada, reduzida às
funções animais, ao apego ao futebol, às quatro horas diárias de vacuidade
televisiva ou nas chamadas “redes sociais”.
Entrar na CEE estava subjacente aos
intuitos dos militares que derrubaram o fascismo e tornou-se uma premência logo
que terminou a turbulência social em 1975. Sabia-se que não seria fácil estar
afastado dos países de destino da exportação e onde residiam centenas de milhares
de emigrantes, cujas remessas colmatavam parte substantiva do deficit externo.
E, apesar de alguma ajuda inicial dos países ricos da Europa, até à entrada
formal na UE, em 1986, a má situação social, económica e financeira, originou a
duas intervenções do FMI (1977 e 1983) e várias formas pouco profícuas de
experimentalismo político.
A crise de 1983 só foi debelada com a
chegada de fundos comunitários, de pré-adesão a que se seguiu a entrada
estatutária dos fundos estruturais que, por falta de monitorização adequada
foram, em grande parte, cair nos bolsos de uma vasta camada de corruptos da
classe política transformados em empresários e gestores ou de capitalistas
financiadores da classe política.
A partir daí, mantém-se a crónica má
situação das contas públicas que, por acordo PSD/PS, deveriam ter sido sanadas
com as privatizações, o que não aconteceu, mesmo depois da sua efetivação, em
duas levas: nos anos 90 e recentemente por ordem da troika. O aparelho de estado mantém-se até hoje enorme, ineficaz,
caro; mas é o grande viabilizador de negócios privados em diversas áreas e
obras discutíveis, através de parcerias, adjudicações, aquisições, contratos.
Hoje, a situação é mais grave porque já
pouco há para privatizar e a dívida
pública tem um peso enorme, jamais
poderá ser paga, custando mais de € 800 de juros a cada
residente no país, por ano; e se não fosse a inclusão no euro e o quantitative
easing do Draghi o serviço de dívida seria muito mais caro.
Se já hoje, a competitividade portuguesa
se baseia no baixo salário, quanto seria necessário rebaixar os preços do
trabalho, reduzir o nível de vida dos residentes para que a produção continuasse
a engorda dos capitalistas e o parasitismo da classe política, como gestora do sobredimensionado
aparelho de estado? Rebaixar o preço real do trabalho através da inflação tem o
mesmo impacto na vida de cada um do que a desvalorização interna, através de
cortes e de punção fiscal, como é aplicável na UE atual, mormente na zona euro,
onde a desvalorização da moeda não tem cabimento.
O fim dos fundos comunitários teria
efeitos altamente lesivos no nível global de investimento e na dimensão das
entradas de capitais. A exclusão afastaria o investimento estrangeiro que hoje,
se dirige a Portugal – e não é muito - devido à sua integração na UE.
Recorde-se que, nos anos 90, com a desagregação da antiga zona de suserania
soviética e mais tarde com a inclusão dos países da Europa de Leste na UE - com
vantagens de situação geográfica, nos preços do trabalho e com níveis de
qualificação superiores aos portugueses – Portugal perdeu o estatuto de região
mais pobre da UE, nunca mais tendo os níveis de prosperidade que se
evidenciaram durante os primeiros anos de inclusão na então CEE.
Por outro lado, a desinserção de uma
área globalizada colocaria dificuldades aos emigrantes já instalados nos
restantes países da UE, como se pode verificar pelos receios e a instabilidade
que o Brexit vem colocando nos imigrantes comunitários na Grã-Bretanha ou no
estatuto dos britânicos nos países da UE; e que constitui um dos pontos fortes
em discussão depois do recurso ao artº 50 do Tratado de Lisboa, por parte de
Theresa May. E que dificuldades seriam colocadas a portugueses, como não-comunitários,
para emigrarem para a remanescente UE?
Uma
moeda própria seria objeto das regulares desvalorizações inerentes a desequilíbrios financeiros ou como
estratégia de embaratecer os bens exportados e ganhar competitividade; o que,
numa economia muito dependente da importação (matérias-primas, bens de
equipamento, energia, sobretudo) levaria a elevados níveis de inflação. Esta,
por seu turno, traduzir-se-ia em pressão dos trabalhadores para a reposição do
poder de compra, com a óbvia oposição do empresariato, dos governos e a
compreensão – quiçá repressiva - dos burocratas sindicais. O contrabando
voltaria em grande escala criando uma circulação paralela de moeda forte que
discriminaria quem à mesma não tivesse acesso, enquanto a subfacturação ou a
sobrefaturação seriam vulgares, com a fuga de capitais para o exterior. O
acesso ao crédito externo seria muito mais dificultado e a dívida externa do
Estado ou das empresas valorizar-se-ia em função da queda do poder aquisitivo
da moeda nacional, aumentando as dificuldades inerentes ao seu reembolso e às
taxas de juro exigidas… Num país pobre, o Estado - sem pressões para a sua
racionalidade - tenderia a aumentar a sua influência como burocracia, como
primordial e seguro pasto para a classe política e suas clientelas; com as
sequelas habituais em termos de carga fiscal.
Se Portugal decidisse ficar de fora da
UE, que futuro seria o de um país ainda mais pobre e desestruturado, com o perfil
educativo mais baixo da Europa, isolado dentro da sua natural e histórica área
geográfica de inserção e com várias barreiras nas suas relações dentro dessa
área? O futuro, seria ficar inserido, de modo (ainda mais) subalterno numa zona
ibérica, como área pobre e periférica; passar de uma obediência a Bruxelas para
uma situação de integração numa Espanha centralizada em Madrid, num mesmo
quadro de subalternidade, capitalista e oligárquica, seria uma alternativa
interessante? Muitos percebem esses perigos excepto os iluminados admiradores
da Le Pen que usam linguagens de “esquerda” e que ignoram a inevitabilidade
da globalização bem como o o fim
do prazo de validade dos estados-nação, como concebidos no século XVII.
O que importa é o bem-estar das pessoas,
a nacionalidade é um adereço que serve para discriminar uns em favor de outros,
para dividir as pessoas, com ganhos que sempre se dirigem para os bolsos dos
capitalistas, cujos interesses materiais há muito os colocam nas tintas para as
pátrias. Há muito que se diz “o capital não tem pátria”; está do lado que mais
rende e incute ao povo o sentimento patriótico e o empolgamento face ao hino
nacional. Ainda recentemente, na campanha eleitoral francesa, Mélenchon, tal
como Marine Le Pen, discursavam às massas tendo como pano de fundo bandeiras
nacionais a drapejar.
Acresce que o descontentamento popular
na Europa é contido nas instituições da democracia de mercado, ocupadas por
mandarins da classe política que, nos pleitos eleitorais, simulam alternativas
para que os distraídos ou os idiotas escolham; sabendo todos de que nada há a
escolher e que nada de substantivo se irá alterar no final do campeonato
eleitoral. A nível laboral, os sindicatos tornaram-se, há décadas, instituições
burocráticas que mais parecem constituir repartições do Estado, com os seus
quadros a funcionar em simbiose com a classe política e o empresariato.
Perante tantas dificuldades e fora de um
enquadramento político global que exige as parcas democracias de mercado, não
seria estranho que os regimes políticos nos países excluídos resvalassem para
um autoritarismo nacionalista com um cheiro fascista.
Outros documentos
em:
[1] A inicial desenvolveu-se sobretudo no tempo
do cavaquismo, por um acordo entre Cavaco e Constâncio, magnos chefes das duas
alas que enformam o partido-estado, o PSD e o PS, respetivamente.
[2] € 14367.7 M com o BPN, o
Banif e a CGD a que se deverão acrescentar os danos do BES mau e do BES menos
mau (conf Visão 7/2/2017)
[3] Os
tratados que configuram a UE não contemplam a possibilidade de saída da zona
euro (o sistema financeiro não aprecia turbulência na área monetária) mas,
certamente que a criatividade dos burocratas encontraria uma solução, quanto
mais não seja à la carte. Admitem uma
saída da UE, através do recurso ao tão falado artº 50 que se vai aplicar à
Grã-Bretanha, sendo previsíveis muitas dificuldades para o país; as naturais,
as causadas pelos burocratas de Bruxelas e a de uma eventual independência da
Escócia
Entre os cenários, surpreende-me a ausência do mais imediato, provável e já anunciado: o reforço do federalismo europeu rumo à construção definitiva do super-estado europeu.Macron e Merkel (M_M)apresentaram a sua agenda de reforço do "europeísmo", uniformizar por baixo as leis laborais, reforçar a integração bancária, criar um governo económico-financeiro e reforçar a componente da defesa para criar as forças armadas europeias e agradar a Trump.
ResponderEliminarEm face desta oligarquia centralizadora, parece-me que lutar pelo enfraquecimento dos poderes dos estados, só iria fazer a vontade ao grupo M-M e aplanar-lhes o caminho.
Sim esse cenário não foi considerado. Abordámos cenários de rotura e o que estará em curso é de continuidade; nada de novo. É a criação de um super-estado, de uma alta oligarquia que não prescindirá das atuais oligarquias nacionais, mantendo-se a situação actual de articulação e conivência contra os povos. Os tratados de Maastricht e de Lisboa, por exemplo inseriram-se nesse plano e naturalmente vão ter continuidade; a continuidade do sistema capitalista, capeado pela democracia de mercado e onde as pessoas estão a mais.
EliminarOs estados atuais, na sua maioria ficarão relegados a um género de autarquias de tipo superior, à categoria de NUT-1 no desenho do Eurostat.
É comum, perante a ausência de uma alternativa de futuro que as pessoas ganhem saudades de um passado e tentem voltar a ele; o romantismo. Porém, a História não volta atrás, sem prejuízo de recuos de curto prazo demasiadas vezes sob a forma de desastre.
Os cenários considerados não são felizes para os povos; como não sai felicidade do renovar das soberanias nacionais; nem sai nada de bom da articulação entre a oligarquia bruxelense com as oligarquias nacionais.
E pouco ou nada se evolui sem uma nova construção social, política e económica vinda de baixo; uma construção criativa. Se ocorrer uma nova e mais destrutiva crise financeira, como será? E o que fará frente a esse desastre. Eleições com as mesmas cartas viciadas dos defensores do sistema? Nove anos depois do Lehman que balanço se pode fazer? Os movimentos sociais por degenerescência ou sabotagem esvairam-se ou deram novos ingredientes para a manutenção do sistema, como o Podemos. O Médio Oriente é um pântano e os refugiados vieram dar alento a populações estagnadas como a alemã; serão absorvidos.
As forças de mudança no capitalismo actual, a globalização, a produção desmaterializada e segmentada, o trabalho colaborativo, os enormes aumentos de produtividade sem os acréscimos de rendimento distribuído aos trabalhadores, não alimenta mercados internos mas capitais para alimentar pirâmides de Ponzi. A tecnologia dispensa o trabalho como o (ainda) concebemos e não vem dando lugar, sequer a reduções no tempo de trabalho mas a jornadas cansativas de trabalho a quem o tem e a inanição na pobreza e na insegurança de quem o não tem
Voltar a meados do século XIX com a defesa “a cada povo o seu estado” o que contribui para a solução dos problemas de hoje?
Mais bem-estar? É duvidoso, basta pensarmos a situação portuguesa até 1974 e que atualmente o investimento resulta de fundos comunitários ou do capital estrangeiro. Tal como dantes, vigora o modelo do baixo salário e a emigração, desta vez dos mais qualificados, um novo brain drain em que os portugueses se estreiam.
Mais democracia? É duvidoso, um modelo de baixo salário nunca é boa solução pois há sempre onde o mesmo é mais baixo. E a sobrevivência do capital nacional exigiria um regime musculado, fascizante
Qual é solução da Grazia Tanto?
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EliminarQualquer solução deve excluir a continuidade, com capitalismo, classes políticas, patriotismos excludentes. Tudo passa por democracia assembleária, produção colaborativa e virada para a satisfação das necessidades, com solidariedades onde hoje está a obrigatoriedade do lucro.
ResponderEliminarDEfinimos essa solução há pouco tempo
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/09/uniao-dos-povos-da-europa-ou-o.html