Os portugueses, pobres
e envelhecidos, arrastam-se sem sair da sua mansidão, sem criarem radicalidade,
nem se zangarem com o cúpido empresariato e a parasitária classe politica. Até
quando?
Sumário
(Continuação de Para
uma breve história de uma soberania fictícia - 1
7 - A salvação inesperada do império colonial
8 - A guerra colonial abateu o fascismo
9 – A montagem da atual democracia de mercado
10 - A integração ibérica e europeia
7 - A salvação inesperada do império colonial
A partir de 1915 o governo português quer entrar na guerra
e espera que a Inglaterra use a aliança luso-britânica para introduzir Portugal
no conflito, oferecendo-lhe assim uma retaguarda segura contra os alemães,
presentes na fronteira sul angolana e na fronteira norte de Moçambique; por
outro lado, temia-se que a perda das colónias facilitasse uma anexação
espanhola.
Com o morticínio nas trincheiras europeias, a guerra
tomava proporções inauditas e, depois do envio português de peças de artilharia
para os franceses, algo se mostrou particularmente apelativo para a Inglaterra,
cujas perdas de navios no Atlântico se tornava preocupante para a sua
logística. Apelativos, eram os navios alemães e austríacos refugiados em portos
portugueses, neutros até então.
Os ingleses prometem fretar os navios, o que exigiria o
seu prévio apresamento por Portugal; acto que, por sua vez, significaria uma
declaração de guerra às potências centrais. Esse acto, por outro lado,
permitiria um enorme reforço da marinha mercante portuguesa que tinha então 471
navios com umas míseras 91859 t (195 t, em média, sabendo-se que uma nau das
Índias atingia 600 t); a frota mercante viu-se aumentada com o apresamento de
70 navios[1]
com uma tonelagem de 242000 t[2]
(3457 t por navio), o que encheria de júbilo um antigo país de marinheiros… e
de dinheiro os historicamente depauperados cofres do Estado português.
Nas vésperas da entrada na guerra - para incómodo dos
ingleses - a situação da tropa portuguesa era calamitosa (como era cem anos
antes ao tempo das invasões francesas) mas, rapidamente se improvisou um corpo
expedicionário a enviar para a frente de batalha; o qual, mal treinado, mal
armado, mal equipado foi, mais tarde, massacrado em La Lys. Os aprisionados
passaram horrores de fome, frio e doença nos campos de concentração, bastante
desacompanhados pelas autoridades portuguesas, conforme vem sendo relatado nos
episódios comemorativos da I Guerra, organizados pela Antena 1 – Cem
mil portugueses na Primeira Guerra.
No final da guerra, as grandes potências (e até a Bélgica)
repartiram entre si as colónias alemãs, cabendo a Portugal a confirmação da
re-adição à colónia de Moçambique, do “Triângulo de Quionga”, um pequeno
território na margem sul do rio Rovuma. A ocupação de Quionga[3]
fez-se pela ação de uma coluna militar portuguesa, sem o disparo de um só tiro,
pois o território havia sido abandonado pelos alemães; uma ação que ficou
lembrada, pelo menos na toponímia de Lisboa, sob o título de “Heróis de
Quionga” embora nada mais tenha sido do que um passeio com muita vibração patriótica
perante o hasteamento da bandeira no vazio posto alemão.
A onda nacionalista e fascista que se levantou no
seguimento da I Guerra favoreceu em Portugal uma sensação de soberania, de
império, pluricontinental e plurirracial, com o afastamento dos perigos de
partilha pelas grandes potências; embora a pobreza, o analfabetismo e o
subdesenvolvimento continuassem imperando… mesmo após a intervenção divina, em
Fátima.
Ao regime imposto em 1926, por um general tonto, seguiu-se
o consulado de one only man show
(Salazar) que, até à sua morte (1967), manteve esse delírio, ensinado nas
escolas sob a forma de uma História francamente distorcida e alheio ou crítico
da descolonização levada a cabo pelas potências coloniais europeias, entre o
final da II Guerra até meados da década de 1960. Como se verá, ao contrário das
outras potências que desfizeram os seus impérios coloniais sem colocarem em
causa as suas estruturas políticas – a despeito das guerras francesas na
Indochina e na Argélia, do episódio do regime racista na então Rodésia ou da
breve resistência dos holandeses em sair da metade ocidental da Nova Guiné – a
perda das colónias por Portugal, mudou o regime e o enquadramento geopolítico,
sem modificar a incipiência da estrutura económica.
Durante a II Guerra, a colónia portuguesa de Timor foi
ocupada pelos japoneses, com alguma resistência portuguesa que, de seguida, se
integrou com tropas australianas e holandesas, com uma unidade portuguesa de
para-quedistas; porém, nunca houve uma declaração de guerra ao Japão que,
também ocupou Macau. Timor voltou a ser ocupado em 1975, desta vez pelos
fascistas indonésios, com Portugal a cingir-se a uma ação diplomática de apoio
aos timorenses e que veio a conduzir à independência em 2002, quando Clinton
decidiu intervir nesse sentido, depois de Gerald Ford ter tolerado a invasão
indonésia, mais de 25 anos antes.
Salazar, durante a II Guerra continuava focado nas
colónias portuguesas, sem se pretender envolver no conflito, tendo recusado
firmar o Pacto Anti-Komintern, ao contrário da Espanha,
que tinha de honrar a decisiva ajuda que tivera de alemães e italianos durante
a Guerra Civil.
Nessa lógica, a Salazar interessava um razoável equilíbrio
para evitar o envolvimento na guerra, ao contrário do que fora desejado após o
início da I Guerra, em 1914. Assim, em agosto de 1939 Portugal firma um acordo
de cooperação militar com a Grã-Bretanha que se consubstancia no rearmamento da
tropa portuguesa e que só se viria a aplicar depois de setembro de 1943, no
seio do pacote onde se encontrava a concessão de facilidades nas Lajes. Pouco
depois, em junho de 1940, Portugal e Espanha celebram um protocolo adicional ao
Tratado de Amizade e Não-Agressão firmado no ano anterior.
Colocavam-se vários cenários de invasão de Portugal.
Depois da ocupação da França pelos alemães (maio de 1940), Hitler cria uma
“Operação Felix”, cuja diretiva 18 consistia em atravessar a Espanha, com ou
sem o consentimento dos espanhóis e ocupar Gibraltar. Nesse contexto, planeia
uma invasão de Portugal se, naquele contexto, se mostrasse ali iminente um
desembarque dos aliados; para o efeito, seria usada uma divisão blindada para
ocupar os portos de Lisboa e Setúbal, uma outra, eventualmente espanhola,
entraria pela costa Norte e uma terceira, de infantaria motorizada, ocuparia o
Sul do país. Hitler sabia que a tropa portuguesa não tinha blindados ou
artilharia anti-tanque, para além do caráter geralmente obsoleto do equipamento.
A pouca valia das forças
armadas portuguesas - que é uma constante histórica que se mantém – era
refletida nos jornais, nos anos 80, quando se soube que a divisão Brunete,
instalada perto de Madrid, seria suficiente para, numa semana, ocupar Portugal.
Na realidade, a pouca profundidade do território é uma grande debilidade para
uma invasão terrestre do país, por parte de um exército invasor moderno; qualquer
resistência teria sempre por passar por ações de guerrilha.
A “Operação Felix” não se concretizou, como sabemos. Por
um lado, dadas as exigências espanholas colocadas aos alemães quanto a
equipamento, mesmo que então, a tropa de Franco tivesse ampla superioridade
sobre a portuguesa; por outro, aos alemães não agradava a ideia de terem uma
muito mais dilatada linha de costa a defender de um desembarque aliado e por
isso, foi dada prioridade aos Balcãs como preparação para um ataque à URSS;
finalmente, o plano só seria eventualmente cumprido se a URSS fosse rapidamente
aniquilada, o que não aconteceu.
Para além dos planos de Hitler que Salazar, então, não
saberia, a prioridade dele foi neutralizar um perigo espanhol sabendo que o
poderoso Serrano Suñer, inflamado falangista e germanófilo, pretendia ocupar
Portugal, confiante de que a guerra seria ganha por Hitler, cumprindo-se
finalmente a unidade peninsular, com a anexação da única “província” que
teimosamente se vinha mantendo fora da hegemonia de Madrid; a Falange chegou
mesmo a divulgar um mapa dessa unidade peninsular. Por isso, Salazar queria
manter alguma segurança junto dos ingleses que, naturalmente, não admitiriam
que um país possuidor de pontos estratégicos do quilate dos Açores ou Cabo
Verde, caísse nas mãos do inimigo.
É nesse contexto que Salazar tem o seu único encontro com
Franco, em Sevilha, com uma estratégia bem montada que se impõe a um indeciso
Franco[4]
e mesmo ao falcão Suñer; que mais tarde evocarão as qualidades negociais de
Salazar[5].
Franco, contudo, não deixará de avisar que tomará uma invasão dos aliados a
Portugal como uma agressão a Espanha, com as implícitas consequências.
Esta conjuntura coloca várias hipóteses de invasão do
território português; e por isso, Salazar coloca quase toda a aviação nos
Açores, envia para o arquipélago muitos militares, para criar uma retaguarda
segura, onde o governo se pudesse refugiar em caso de invasão alemã ou ocupação
pelos aliados. Isso desincentiva ingleses e americanos a ocupar o arquipélago,
dada a resistência que poderiam encontrar; Roosevelt chega mesmo a pensar enviar
tropas brasileiras para os arquipélagos portugueses no Atlântico.
Portugal, à época não tinha relações diplomáticas com os
EUA. Salazar, provinciano e ultramontano abominava o American way of life que identificava com uma vida dissoluta de
Hollywood, mulheres a fumar e em outras “poucas vergonhas” que não deveriam
contaminar a pureza da ruralidade analfabeta do português que o Divino, pouco
tempo antes premiara com “aparições” nas terras de Ourém[6];
e o manhoso Churchill apresenta um plano melhor do que Roosevelt.
Sabendo da antipatia de Salazar para com os americanos,
Churchill solicita ao ditador facilidades nas Lajes em troca do fornecimento de
armamento (mesmo que antiquado, como se veio a verificar) para a tropa
portuguesa. Salazar aceita, (Acordo Luso-Britânico, agosto de 1943) até porque a pujança
dos alemães na guerra já tivera melhores dias e daí que fosse conveniente
assegurar o futuro, do lado para onde pendia a vitória. Os ingleses instalam-se
nas Lajes e pouco depois, como combinado com os norte-americanos, são estes que
lá se colocam (1944) recebendo o testemunho dos ingleses; e, ainda lá hoje se
encontram[7].
O manhoso Salazar foi enganado por um indivíduo ainda mais manhoso, Churchill.
Este alinhamento de Portugal com os Aliados e a
importância estratégica dos arquipélagos, sobretudo dos Açores, permitiu que o
país fosse um dos fundadores da NATO e que as ditas democracias ocidentais
aceitassem sem reticências o regime fascista. Deverão ter pensado que Salazar
embora fascista, era um dos “nossos”, uma vez que o inimigo principal era Stalin,
“comunista” e ateu; a Espanha, por seu turno, só entrou na NATO em 1982, já
depois da morte de Franco, pela mão do “socialista” Felipe González, embora
desde 1953 – em plena Guerra Fria - mantenha no seu solo várias bases dos EUA.
8 - A guerra colonial abateu o fascismo
A criação da CEE, em 1958, juntou as principais economias
europeias, ficando a Grã-Bretanha de fora, ainda com muitas esperanças nas
relações com a Commonwealth; a mesma Grã-Bretanha que, em 1960, em
contrapartida, patrocinou a EFTA, à qual Portugal se juntou (ao contrário da
Espanha), uma vez que o caráter ditatorial do regime não era compatível com os
princípios do Tratado de Roma e a Grã-Bretanha era um parceiro comercial de
topo.
A primeira pedrada na demência imperial foi Salazar ter de
aceitar a integração de Goa na Índia, por força de uma intervenção militar, em
1960; um passeio, ao qual as forças portuguesas sabiamente não resistiram, como
lhes tinha sido ordenado pelo ditador, que mais gostaria ter heróis mortos para
celebrar as virtudes da pátria.
Logo de seguida, assistiu-se ao início das guerras
coloniais, (Angola em 1961, Guiné-Bissau em 1963 e Moçambique em 1965) nas
quais os guerrilheiros eram tomados como terroristas infiltrados a soldo de
potências estrangeiras e do comunismo internacional, apostados em prejudicar a
ação civilizadora de Portugal em África, segundo a propaganda do regime. O
império tremia e adivinhava-se o seu fim; seria uma questão de tempo, embora
ninguém então pensasse serem necessários treze anos.
Na perspetiva da adesão da Grã-Bretanha à CEE em 1973,
depois de De Gaulle sair de cena, Portugal não poderia ficar de fora, sem
aproveitar a pujança económica da CEE e teria de rodear os problemas do regime
político e da guerra colonial. Assim, em 1972, foi celebrado o Acordo de
Comércio Livre entre Portugal e a CEE já em tempos da cinzenta primavera
marcelista de “evolução na continuidade”, o slogan
de Marcelo Caetano, o padrinho do actual Presidente da República.
Depois de 25 de abril de 1974, aconteceu a queda do regime
fascista, a retirada das tropas das colónias e, pouco depois, a independência
daquelas. No fundo, foi a ação dos movimentos de libertação que, tornando
impossíveis vitórias militares do exército colonial, obrigaram este a colocar
um fim à guerra e com isso precipitar a queda do regime, cuja existência
política estava empenhada à existência do império. Aliás, do ponto de vista
económico, as colónias encolhiam a sua relevância no comércio da “Metrópole”,
situação agravada pela inexistência de uma moeda única para as várias parcelas
do império o que provocou dificuldades insuperáveis de pagamento das parcelas
coloniais aos seus fornecedores na parte europeia do império. Em suma, é à luta
dos povos africanos contra o colonialismo português que Portugal deve o
essencial da queda do fascismo.
A contestação social e a introdução do PCP na área do
poder assustou a Espanha franquista, nomeadamente depois dos confrontos de 11
de março de 1975. Não fora o seu primário anticomunismo, herdado da Guerra Civil,
o governo espanhol teria percebido que a URSS não estava a apoiar[8]
uma revolução bolchevique em Portugal mas sim, em ter uma relação privilegiada
com as antigas colónias lusas, no âmbito da sua rivalidade geopolítica com os
EUA[9];
e que isso passava ao lado dos interesses espanhóis. A fuga de Spinola para
Espanha e o seu pedido para uma intervenção militar espanhola em Portugal só
veio reforçar essa leitura distorcida das coisas; o que levou o chefe do
governo espanhol Arias Navarro a contatar os EUA através subsecretário de
estado Robert Ingersol, acrescentando que Portugal poderia ser uma ponte para a
desestabilização da Espanha por parte da URSS. No seu delírio, Navarro
esquecera-se da aproximação entre as grandes potências, tendo como pontapé de saída
o reconhecimento norte-americano da República Popular da China, os acordos SALT
iniciados em Vladivostok, em 1972 e a repartição de áreas de influência no
âmbito da Conferência de Helsínquia.
A situação politica em Portugal, no caso dos sobressaltos
de 1974/75 resultou das divisões no seio do poder, geradoras de inação ou
atitudes contraditórias, uma vez que antes do golpe militar não existia uma
situação social ou uma contestação que colocasse o regime fascista em
dificuldades. O regime caiu em função do esgotamento do modelo político
vigente, do isolamento internacional resultante da teimosia colonialista, da
erosão promovida pela ação dos movimentos de libertação, no campo militar e
diplomático e ainda, das transformações na economia mundial que inviabilizaram
a continuidade da especialização económica desejada.
9 – A montagem da atual democracia de mercado
Depois do golpe conservador de 25 novembro de 1975, o novo
poder instituiu-se perante uma contestação moderada, rotinizada, contida na
norma constitucional oligárquica que continua em vigor até hoje. E a adesão à
CEE ocupou a agenda portuguesa, como novo paradigma, independentemente do
segmento da classe política – PS ou PSD – que dominasse o governo. Formalmente,
o pedido de adesão aconteceu em 1977 mas, o processo só terminou nove anos
depois.
Fechado o ciclo de 500 anos como potência colonial e,
simultaneamente colonizada a partir do século XVII, tornava-se inevitável uma
recentragem geoestratégica de Portugal,
de exclusiva inserção no chamado mundo ocidental, no seguimento da já efetiva inclusão
na NATO e na EFTA. As tentações ditatoriais clássicas ficavam excluídas porque
o modelo admissível só poderia ser o da estandardizada democracia dita
representativa, monopolizada por partidos e com a população em geral destinada
a validar a continuidade de quatro em quatro anos.
Estavam presentes enormes problemas – a reestruturação
económica, exigida pela perda dos mercados garantidos nas colónias e na
sequência das crises energéticas de 1973 e 1979; os crónicos problemas de
divisas; a inflação; o histórico atraso do capitalismo português e do perfil
educativo da população, construído à medida das
parcas capacidades técnicas dos patrões lusos para gerar desenvolvimento…
Seria um passo política e estrategicamente decisivo. Pela
primeira vez, Portugal iria assumir, voluntariamente, uma redução formal da sua
soberania
e uma situação também formal de soberania partilhada que, num contexto de grandes
desigualdades, iria acentuar a sua situação
periférica em termos económicos e subalterna em termos políticos. Deveria
ter havido um referendo no culminar de uma campanha de esclarecimento sobre o
que significaria a adesão à CEE, como uma forma de responsabilização dos
portugueses por uma decisão tão estruturante. Não houve, por obstinada oposição
do PS e do PSD, as duas alas do partido-estado português. E isso, por duas
razões.
- Devido à arrogância de casta superior que é caraterística da classe política, toda ela, convencida de que se acha mandatada, ungida para decidir tudo em nome da plebe, menorizada, tomada como um rebanho;
- Porque o PS/PSD e o
empresariato, na sua maioria, não quereriam de modo algum correr o risco –
num referendo - de perder o acesso aos fundos comunitários, malbaratados e
envolvidos em corrupção, como se veio a verificar.
Durante esse periodo inicial - 1975/86 - Portugal foi
objeto de duas intervenções do FMI (1977/78, governo PS/CDS) e 1983/85 (bloco
central, PS/PSD). As ajudas pré-adesão e depois os fundos comunitários, bem
como as reprivatizações concertadas entre Cavaco (PSD) e Constâncio (PS)
tiveram um impacto favorável no equilíbrio das contas públicas; mas essas
ajudas ficaram, ab initio manchadas,
uma vez que entregues aos típicos capitalistas rentistas portugueses,
entrançados com os vários gangs de burlões emanados da classe política que se
foram formando através do tempo (vejam-se o caso SUCH com Costa Freire à
cabeça, o mau uso de fundos europeus pelas chefias da UGT que terminaram em
prescrição, o BPN onde estava envolvida a nata do cavaquismo incluindo o ex-PR,
o BPP que o então governador do Banco de Portugal, António de Sousa foi
obrigado a aceitar como banco… e, qual cereja encimando o bolo, a falência do
secular BES).
A fragilidade política e económica de Portugal foi
evidente quando, fechados os dossiers da adesão à UE, esta pouco se importou
com o interesse do governo luso em proceder a uma adesão formal a solo e fez
Portugal esperar uns meses para que os dossiers da adesão espanhola
terminassem, entrando ambos os países peninsulares na UE, no mesmo momento. Uma
pequena glória que não foi concedida por Bruxelas.
Nasceu aí a volúpia da obra pública, da construção civil e
do imobiliário patrocinadas pela banca, com crédito fácil no exterior, depois
da adesão ao euro. O fecho de unidades industriais endividadas, por
deslocalização ou por mera transferência de capitais para o negócio
imobiliário, representou a reconversão que os capitalistas e a classe política
eram capazes de fazer; o saque através de dívidas incobráveis das empresas para
com o Fisco e a Segurança
Social nunca foi relevado política e mediaticamente.
Surgiu a multiplicação de autoestradas como forma de
alimentar o rentismo de velhos “capitães da indústria” como o grupo Mello, o
desordenamento urbano, o abandono do transporte público para satisfazer o
novo-riquismo da posse do automóvel, para gáudio de um setor sobredimensionado
de venda dos mesmos. A mesma volúpia permitiu a utilização dos fundos comunitários
como substitutos do crédito, mantendo baixo o volume do investimento produtivo
e a ausência de inovação e, facilitou o gosto na classe política pela economia
de eventos, como a Expo 98, o campeonato europeu de futebol ou, mais
recentemente, a Web Summit, recheados de corrupção e dispêndios sumptuários…
para fazer crescer o célebre PIB. Eventos esses que têm versões anuais sob a
forma de festivais de cerveja, de promoção de telemóveis, com muitos artistas
de fraco quilate, com o povo a circular em verdadeiras avenidas de calorias,
com fritos e doces em abundância. Esta incipiência no ancorar de um verdadeiro
desenvolvimento é ainda marcado pela depressão de 1993/95 que selou o fim do
cavaquismo, a de 2001/2003 que afastou Guterres e a iniciada em 2011 com o
afastamento de Sócrates e o programa da troika… que continua, agora pintado de
cor-de-rosa; o habitual rotativismo entre PSD e PS…
Em poucas décadas, Portugal passou de um país
essencialmente agrícola para uma economia de serviços (turismo, transportes rodoviários,
limpezas, segurança, trabalho temporário…) sem perder a sua propensão para
pagar pouco pelo trabalho; nesse período e na sequência das mudanças
resultantes da crise energética de 1973 a que se seguiu a vigência do paradigma
neoliberal, a indústria foi em grande parte tomada por capitais estrangeiros
(setor automóvel, cerâmica, química) tal como a agricultura ou, baseia-se em
baixos salários (têxtil, calçado, mobiliário).
Os defensores dos centros de decisão nacionais são cada
vez menos porque os seus sucessivos arautos vão vendendo a fazenda a
estrangeiros. Recordamos Vaz Guedes, protagonista de um manifesto dos 40 e que
mal o dito começou a circular, vendeu a Mague à Sacyr. A nata de empresários e
gestores, com Carrapatoso como arauto de um nado-morto Compromisso Portugal. O
Teixeira Duarte que vendeu a Cimpor a brasileiros necessitados de cimento para
os estádios da Copa e dos Jogos Olímpicos. O desmantelamento da tecnológica PT fez-se
por ordem de Ricardo Salgado aos seus homens de mão, Granadeiro e Bava; a Galp foi
entregue à ENI e à famiglia dos
Santos, etc. Todos esses patriotas vão-se fazendo à vida, inserem-se no capital
global, frequentam offshores e dedicam-se a negócios desterritorializados,
deixando-se de capitalismos patrióticos.
Resta para a defesa de um capitalismo nacional, nosso (?), o indómito
Jerónimo de Sousa que vendeu a Caminho mas, ao mui nobre português Paes do
Amaral, conde de Alferrarede.
Tem sido típico do regime o abandono do caminho de ferro,
se se excluir o troço de 40 km (Fertagus), negócio de rendabilidade fácil,
entregue ao prestigiado Pedrosa da Barraqueiro que apareceu recentemente também
na TAP. Não tem havido visão para a construção de uma linha ferroviária de alta
velocidade que permita uma ligação a Espanha e ao mundo transpirenaico. No
século XIX, na Península, o caminho de ferro construiu-se com uma bitola
diferente do resto da Europa para não facilitar uma eventual nova invasão
francesa; a Espanha já perdeu esse receio e talvez, na classe política
portuguesa, haja quem dificultando as relações com Espanha garanta mais
facilmente a … soberania. Quando a indigência cultural é grande tudo o que é
irracional torna-se verosímil.
10 - A integração ibérica e europeia
A integração na UE, nomeadamente a integração do espaço
ibérico, aumentou substancialmente o peso da Espanha no comércio externo, no
investimento estrangeiro e, mais recentemente no sistema financeiro. No quadro
seguinte, a importação a partir de França ou Grã-Bretanha reduz-se, enquanto
sobe para um terço do total a proveniente de Espanha; quanto à exportação,
identicamente, observa-se uma redução dos tradicionais grandes destinos,
sobretudo da Grã-Bretanha, o grande destino durante séculos, com grande aumento
da relevância espanhola.
|
Importação (% do total)
|
Exportação (% do total)
|
||||
1988
|
2000
|
2015
|
1988
|
2000
|
2015
|
|
França
|
11,2
|
10,8
|
7,5
|
15,5
|
11,5
|
12,0
|
Alemanha
|
12,8
|
14,0
|
12,8
|
15,5
|
20,5
|
11,8
|
Espanha
|
12,3
|
26,6
|
33,0
|
10,9
|
16,8
|
25,1
|
Grã-Bretanha
|
7,3
|
6,3
|
3,2
|
14,5
|
10,7
|
5,2
|
Soma
|
43,6
|
57,6
|
56,4
|
56,4
|
59,4
|
54,2
|
Fontes- INE, Estat. Comércio
Internacional e OCDE – Comécio Externo Português 1988/08
Tendo em consideração este quadro, Portugal tornou-se uma
economia particularmente ibérica mesmo que se não tenha alterado substancialmente
– sobretudo neste século - a importância relativa daquele conjunto de quatro
países no total do comércio externo. A contiguidade geográfica impôs-se -
depois de séculos de desconfiança e afastamento gerados pelos poderes - como
elemento natural de entrosamento económico e facilitador de trocas, comerciais,
sociais e culturais. Lastimável é que a população portuguesa venha abandonando
o interior onde não existem cidades com dimensões equiparáveis a Orense,
Zamora, Salamanca, Cáceres, Badajoz ou Huelva, todas próximas da fronteira,
como polarizadoras de atividades e população. A ligação económica e financeira
a Espanha, tendo em conta a desproporção demográfica e de rendimentos
procedeu-se pacificamente, como pacificamente poderá ou deveria ocorrer uma federalização
dos povos ibéricos, numa base solidária e de ajuda mútua, sem o conspurco
gerado por capitalistas e classes políticas.
Parece-nos perfeitamente claro que, no enquadramento
actual, nenhuma solução geopolítica poderá ocorrer em Portugal, fora do que
aconteça ao actual estado espanhol, hoje, ambos inseridos numa mesma UE
anti-democrática, com regimes nacionais igualmente oligárquicos; e, se ocorrer,
a situação portuguesa será certamente mais desfavorável. Por outro lado,
parece-nos também que a Península se não irá tornar na jangada de pedra
imaginada por Saramago[10].
A defesa de um encerramento
nacionalista não passa de um delírio
historicamente ultrapassado, economicamente desastroso e se traduziria numa
involução para um modelo social e político do tipo autoritário[11]
e fascizante. As pátrias, sejam o que se quiser, não estão à frente dos
interesses dos povos; e estes, para resolver os seus problemas coletivos,
precisam da solidariedade humana e não a baseada numa abstração nacional que
tudo tende a abarcar, em nome da qual todas as barbaridades são defensáveis, como
de um omnipotente deus exigente de sacrifícios. Bajo la inteligência, viva la muerte, zurravam os fascistas de
Franco; Pátria ou morte gritavam os
liberais no século XIX e alguns “esquerdistas” esquecidos do internacionalismo.
A dependência e a periferização vêm de muito
antes da entrada na UE e tentou-se criar a ilusão de que Portugal iria deixar
de ser periferia com a adesão, de per si,
sem alterar a lógica do baixo salário, da terciarização pouco qualificada, sem
um salto qualitativo que colocasse a população com um nível
educativo na média europeia… apesar da criação de tantas universidades
privadas (metade das quais encerradas no seio de burlas), bem representadas por
intelectuais do quilate de Sócrates, Passos ou Maria Luís, para não falar em
Relvas.
Na ausência de estratégia, de empresários
de gabarito ou de pressão popular para uma mudança, tem-se vivido um
capitalismo de modas ou eventos. Portugal vive na perseguição de desígnios
salvíticos, desde 1976 – a adesão europeia, a modernidade trazida pelos fundos
comunitários, as privatizações, o crédito abundante, a bolha imobiliária, os
eventos mobilizadores, o euro, a cura pela austeridade, a liberalização do
“mercado” de trabalho, o campeonato europeu de 2016…
Vive-se atualmente um novo boom imobiliário/turístico, este agora, adornado com tuc-tucs e folhas de rúcula, ao som dos
festivais pimba que, no verão, ensurdecem meio país. Vive-se a alegria de um
turismo low cost, que contrasta com
um imobiliário high price, com vistos
gold, tudo a contribuir para a
especulação, a movimentação improdutiva de capitais[12] e a
pressão para o baixo
salário, precário e sem direitos; os níveis salariais já ombreiam com os
observados na China, de onde vêm capitais para dominar a EDP, a Fidelidade, o
BCP. É este o pugresso prometido por
Cavaco que, com Soares, simbolizam os últimos quarenta anos de democracia de
mercado.
Os portugueses, não são mais nem menos
estúpidos que os outros povos mas, mantêm-se na cauda da instrução no espaço
europeu porque os governos, a classe política e os capitalistas, balizam as
competências do povo pelas suas próprias necessidades de controlo social e pelo
baixo nível tecnológico intimamente ligado a baixos salários; e daí não saem. Por
isso voltou-se a desenvolver uma forte emigração, observando-se, pela primeira
vez, com forte componente de gente qualificada[13],
desvalorizados em Portugal, pelos governos e pelo empresariato; porém, em
outras paragens os trabalhadores portugueses evidenciam qualidades excelentes
de desempenho, em tarefas simples ou mais qualificadas. Não é certamente o
clima que permite esse melhor desempenho.
Este e outros textos em:
[1] Destes
navios, 42 com 116000 t foram cedidos à Grã-Bretanha e à França; os
remanescentes, depois da guerra, foram devolvidos, com indemnizações pelos que
se haviam perdido. A importância deste enorme reforço da frota mercante e,
cerca de trinta anos depois (1945) 41% do porte bruto da frota ainda era
constituída por navios tomados aos alemães (conf. http://nossomar.blogs.sapo.pt/ )
[2] Conf.
“A Guerra que Portugal Quis Esquecer” de Manuel Carvalho
[3] Conf.
“A Guerra que Portugal
Quis Esquecer” de Manuel Carvalho
[4] Sobre a indecisão que se diz típica dos
galegos, há uma frase deliciosa - «se vires um galego numa escada nunca saberás
se vai a subir ou a descer»
[5] Em 13/1/1958 em entrevista ao “Le Figaro”
Franco refere-se a Salazar nestes termos «o mais completo e mais digno de
respeito estadista que conheci. Olho-o como uma personalidade extraordinária
pela sua inteligência, o seu senso político, a sua humanidade. O seu único
defeito é a modéstia». http://arquivodassombras.blogspot.pt/2006/03/salazar-e-franco-o-encontro-secreto.html
[6] Que viriam a justificar a criação do maior
centro comercial português a céu aberto, da aterradora imagem de uma imensa
fornalha para acender velas, gente a arrastar-se de joelhos e da recente
atribuição de poderes milagreiros, a duas crianças falecidas apenas com uns dez
anos de idade.
[7] A
base das Lajes já não é relevante para a logística guerreira dos EUA mas
continua a manter-se lá um dispositivo, provavelmente para evitar que os
chineses lá se instalem (ver http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/01/base-das-lajes-o-rentismo-e.html
)
[8] A neutralidade do PCP é bem clara, em 25 de
novembro de 1975, face ao desmantelamento dos grupos civis e militares de
esquerda pelas unidades comandadas por Eanes; e de imediato Melo Antunes se
opôs à ilegalização do partido como era o desejo da direita militar. Do mesmo
modo, a entrada do PCP logo no primeiro governo provisório, em 1974 não se
devia à implantação do partido mas, ao papel que se esperava viesse a assumir
no controlo social, quando rebentou a contestação nas empresas, com greves,
exigências económicas e políticas, como o saneamento de fascistas.
[9] Antes da independência de Angola, os EUA
questionaram a URSS sobre o apoio que esta estava a dar ao MPLA e que estaria a
sabotar os acordos a ultimar na Conferência de Helsínquia, ao que os soviéticos
responderam que África nada tinha a ver com a Europa; o que se passava em
Portugal sim, estava abrangido no espírito de Helsínquia de paz e contenção na
Europa e daí que o PCP não ultrapassaria o concertado na Finlândia. (conf.
Antonio José Telo, História Contemporânea de Portugal-II)
[10] Na
sequência, há dez anos, das afirmações de Saramago a favor de uma união
ibérica, desenvolvemos o tema de modo ainda hoje bastante actual http://grazia-tanta.blogspot.pt/2011/12/saramago-e-integracaoiberica-mitica-e.html
[11] Não deixa de ser
uma curiosidade que o PCP, grande arauto da soberania nacional, do encerramento
autárcico, tenha sido um dos poucos defensores, na Europa Ocidental, da célebre
teoria da Soberania Limitada, que Brejnev inventou para justificar a invasão da
Checoslováquia em 1968; e que vem trazendo a reboque o BE e usando grupinhos de
universitários desfasados, com uma audiência recrutada entre um lúmpen de
ignorantes à espera de um caudilho salvador qualquer. Espera-se que muitos
estejam em Fátima brevemente, à espera da intervenção divina
[12] As manobras de um tal Núncio, advogado de
serviço no governo Passos, revela o poder desse submundo constituído pelos
escritórios de advogados e pelas quatro grandes empresas de auditoria,
especializados em manipulação de informação, fuga e branqueamento de capitais,
isenção de impostos e produção legislativa à
la carte.
[13] Por exemplo, os enfermeiros a trabalhar na
Alemanha, na Grã-Bretanha e em Espanha serão cerca de 10000. Em Portugal,
muitos são precários e têm vários empregos em acumulação.
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