quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Presidente da República – figura dispensável num regime democrático



Nada melhor do que uma campanha presidencial para uma reflexão sobre a inutilidade do cargo, emanação oligárquica de um chamado poder moderador construído para controlar os parlamentos, as verdadeiras representações dos povos em regimes genuinamente democráticos; como não é o caso português


1 – Um problema central – o regime político
2 - A luta entre a democracia e as oligarquias; a invenção do poder moderador
3 - A figura do PR na história portuguesa
4 - O papel do PR na Constituição portuguesa
4.1 - As funções presidenciais; as potenciais, as inúteis e as burocráticas 



1 – Um problema central – o regime político

Temos vindo a observar nas nossas abordagens[1] sobre a Constituição vigente (CRP) a necessidade de profundas alterações para que se institua um regime democrático em Portugal; onde o povo seja quem mais ordena, como cantado em 1974. Consideramos que o atual regime não é democrático, uma vez que as pessoas são colocadas à porta, beneficiando apenas, regularmente, da mercê, concedida pela classe política, do exercício do voto, em regra para elegerem membros da mesma classe política. A urgência é gritante, dada a sequência de acontecimentos reveladores de burlas com o envolvimento da classe política e do empresariato, a dormência do sistema judiciário e o empobrecimento e ausência de perspetivas de futuro para a grande maioria da população, chamada a pagar sem protestos uma fatura fiscal que mais se assemelha a um saque. A alteração da organização política e do modelo de representação não é abordada pela classe política, evidente beneficiária do pantanal sem esperança que atravessa Portugal e a Europa; ou se o é, comporta apenas alterações circunstanciais e irrelevantes como a escolha do governador do Banco de Portugal.

Demonstrámos no que aos órgãos das autarquias e da Assembleia da República (AR) diz respeito que a organização política e o modelo de representação configuram um regime oligárquico que alimenta e reproduz uma classe política, como uma burocracia ao serviço do sistema financeiro, das empresas de regime, protagonista da corrupção que carateriza o capitalismo em Portugal; como um conjunto de quadrilhas que funciona como orientador técnico ao serviço das redes multinacionais de negócio, integrando os mais subservientes e ignorados escalões da oligarquia comunitária.

Um regime político onde às pessoas comuns é dado o poder de voto difere das ditaduras tradicionais, como a salazarista, onde essa possibilidade era restringida pelo regime; durante o regime fascista, também a generalidade das pessoas considerava de pouca utilidade votar onde só concorriam candidatos escolhidos pelo regime, de partido único. Considerava-se, em Portugal e de modo realista, em 1974, que o regime fascista não evoluiria, nem conduziria uma mudança, como viria a acontecer em Espanha; a guerra colonial e a ausência de uma movimentação popular de contestação ao regime, exigiria uma saída de ruptura dentro das instituições do próprio regime, no caso concreto, a partir das forças armadas, fiéis e mansos sustentáculos do regime durante 48 anos, sem prejuízo de algumas tentativas putchistas, isoladas e mal planeadas.

Havia no povo o realismo suficiente para perceber o imobilismo do regime fascista; e esse realismo conduziu a uma emigração maciça onde se incluíam muitos jovens nada receptivos a participar na guerra colonial. Do ponto de vista político, nos últimos anos do regime fascista esse imobilismo revelou-se em dois momentos. O primeiro, em 1969, quando à habilidade do novo chefe do governo, Marcelo Caetano[2], não correspondeu um interesse generalizado pela inscrição nos cadernos eleitorais, nem obviamente uma votação massiva nas candidaturas da oposição[3]. Em 1973, desfeitas as ilusões sobre a abertura de Caetano, nem a oposição de esquerda compareceu às eleições, nem a direita liberal liderada por Sá Carneiro voltou a preencher lugares na bancada da assembleia dita legislativa do regime.

A programada despolitização da multidão[4] – que não é exclusiva de Portugal – aceita ingenuamente uma mentira; a de que democracia coincide com eleições livres. Isso é necessário mas, muito insuficiente.

Ao modelo vigente chamam-lhe democracia representativa preferindo nós designá-lo por democracia de mercado para frisar que não há real representatividade e que a democracia que existe é a que se observa no centro comercial; muitos compram, uns poucos vendem, não havendo escolha ou renovação de funções.

É verdade que em democracia de mercado qualquer pessoa pode votar e abster-se de votar, embora haja gente que, por ignorância ou espírito totalitário, entende deva o exercício do voto ser obrigatório, recusando o direito de qualquer um de não se sentir atraído pelos produtos eleitorais a concurso; um direito que também não existe na… República  “Democrática” da Coreia, vulgo Coreia do Norte. Como se vive em sociedades de síntese em torno do mercado, em democracias de mercado, assentes em economias de mercado, tal postura significaria a aceitação implícita da obrigatoriedade de fazer uma compra, a partir do momento em que se entra numa loja; significaria o acto de compra obrigatório limitado aos produtos apresentados em montras e escaparates; significaria a possibilidade da compra compulsiva, com uma afetação estatal dos rendimentos familiares ao consumo de bens pré-definidos pelo binómio Estado/empresas, num desenvolvimento do Big Brother. A votação obrigatória seria mais um imposto, não monetarizado mas, como aqueles, unilateral e sem uma contrapartida visível e profícua.

Democracia não significa apenas a possibilidade de votar; aceitar esse simplismo é uma auto-castração. Votar é uma escolha, tal como a candidatura a qualquer lugar de representação deveria ser objeto de decisão individual, sem restrições legais. O direito de voto tem a mesma dignidade que o de ser votado, e isso colide com a existência de uma classe política, a não ser que se entenda ser toda a população a classe política, por paradoxal que isso seja. A conjunção desses dois direitos – o de votar e o de ser candidato a que votem em si, aplicável a todos - é a base igualitária de um sistema político democrático.

Como em Portugal e nos outros países com o mesmo modelo de representação, as candidaturas partem forçosamente de sistemas partidários; quem não pertença a um partido ou, pertencendo, não goze do aval da sua direção, está afastado de qualquer exercício de funções políticas. A classe política assume-se como uma nobreza, acima dos plebeus, é um escol de grilos-falantes, ou de corruptos, sem prejuízo da existência de alguns membros com real valia intelectual e ética. Na velha nobreza também era assim, nem todos eram néscios, embrutecidos por uma vida de ócio ou pela consanguinidade.

Durante o predomínio da nobreza, plebeus mais endinheirados compravam títulos de nobreza aos seus titulares arruinados; na actual democracia de mercado, compram-se e vendem-se partidos, como forma de obviar a uma recolha trabalhosa de assinaturas e dados pessoais, entregues para validação num Tribunal Constitucional onde predominam juízes… nomeados pela concorrência, pela classe política já instalada.

2 - A luta entre a democracia e as oligarquias; a invenção do poder moderador

A passagem do absolutismo para o liberalismo político sucede com a construção de instituições políticas, deixando o rei ou a nobreza de ter direitos políticos e económicos sobre as pessoas; é a recusa dos direitos feudais e dos monarcas absolutos que se confundiam com o Estado (“L’Etat c’est moi”, como proclamava Luís XIV). É também o princípio da construção dos Estados-nação modernos, instrumentos adequado à expansão e consolidação do capitalismo, sendo cada um daqueles, exigente de mercados coloniais, de proteção face à concorrência, de defesa das fronteiras e do direito de conter a população (entendida como força de trabalho) à disposição das burguesias nacionais.

John Locke, nos finais do século XVII, em oposição ao absolutismo, havia referido os direitos naturais – à vida, à liberdade, à propriedade e pela tolerância de religião, uma vez que o credo era argumento para violações e espoliações; mas, excluindo dessa tolerância os povos das áreas coloniais, os escravos, os pobres (que deveriam ser orientados para  a condição de mão de obra, segundo Locke) e … os católicos – acrescentando, contudo, o direito de desobediência e revolta contra os governos despóticos; direito esse, obviamente não extensível àqueles excluídos. Locke defende o contrato social, o primado da lei e o estado de direito mas, não atribui ao povo qualquer soberania, como viria a acontecer com Rousseau.

Em 1748, Montesquieu, após catorze anos de trabalho produziu uma peça fundamental no pensamento político, com o Espírito das Leis, na sequência da ideia de contrato social presente no Segundo Tratado do Governo Civil, de John Locke. Ali se defendia a divisão dos poderes, entre legislativo, executivo e judicial, articulados por um “sistema de freios e contrapesos“ que evitasse a preponderância de um sobre os outros e a tirania, numa visão iluminista de defesa de uma aristocracia de esclarecidos.

Em 1762 Rousseau publica Do Contrato Social onde defende que a soberania pertence ao povo que escolherá os seus representantes e a sua forma de governo, através de um pacto social, sem contudo recusar a aristocracia ou a realeza - admitindo a democracia apenas numa base local – desde que tutelados pela expressão da vontade popular. Nesse contexto, às organizações políticas compete estatuir e defender a lei, garantindo a propriedade, os direitos e os deveres de cada um, dentro da expressão de uma vontade geral.

As fórmulas dos três poderes e da soberania popular, mesmo no período da Revolução Francesa, tinham muitos adversários. Sièyes e Le Chapelier defendiam a existência de uma assembleia constituída por representantes eleitos nas várias partes da França onde repousaria a soberania nacional e a responsabilidade exclusiva da produção legislativa. O rei seria, apenas uma figura simbólica, que assinaria as leis, sem direito de veto, em antagonismo total com o despotismo esclarecido da época, segundo o qual a soberania era prerrogativa real; de facto, não sendo eleito, o rei não teria legitimidade para se impor à assembleia, nem para exercer qualquer arbitragem.

Vários naipes de reacionários eram adversários de uma assembleia como centro único da soberania popular e, para o efeito, procuraram criar formas que pudessem obviar a eventuais desvios, erros ou inconveniências por parte dos eleitos pelo povo. Essas posições não derivavam de, naquele tempo, o conceito de povo excluir muita gente, centrando-se nos ilustrados, na burguesia e nos proprietários; resultavam, pelo contrário, do grande temor que tinham daqueles grupos sociais, sobretudo pela sua capacidade de recolherem o apoio da turba, da multidão de “descamisados”, veiculando a sua imputável inata insensatez, em contraste com as vistas largas dos monarcas e da corte, bafejados pelo sopro divino.

Entre esses reacionários, uns que se chamariam hoje tecnocratas, apostavam num executivo forte, que produzisse a modernização, as reformas estruturais, não querendo uma assembleia fortemente política a travar as melhorias na competição externa (sobretudo com a Inglaterra) e o “pugresso” para usarmos uma expressão típica de Cavaco. Pretendiam uma continuidade do iluminismo, de um despotismo esclarecido e desenvolvimentista, sem grandes mudanças na estrutura social e política; a defesa da eficácia e da eficiência, como hoje se apregoa.

Não sendo o primeiro a avançar com uma proposta de um quarto poder, Benjamim Constant propôs um “poder judiciário dos outros poderes” que viria a ser mais conhecido por “poder moderador” ainda que também designado por neutro ou regulador, para esse efeito de controlo da assembleia legislativa; …para caçar ratos, pouco importa a cor do gato. Esse quarto poder pretendia-se acima dos outros, um árbitro supremo, com uma capacidade intocável e inapelável de ajuizar o que interessa ao povo e à nação, um ser divinizado, um extra-terrestre; essa figura tutelar, tanto poderia ser um indivíduo, um conselho de sábios, um senado, uma segunda câmara, desde que pudesse vetar – obviamente a partir da sua imputável neutralidade e bom senso – as decisões dos poderes legislativo e executivo. Com tais figuras o povo poderia dormir descansado; embora seja perante povos adormecidos que a História constrói assassinos e ditadores empenhados em definir o que interessa ao povo.

As ideias mais avançadas, de uma assembleia onde repousasse a soberania, tiveram um primeiro eco na Península Ibérica com a constituição espanhola de 1812 (chamada de Cadiz) e cuja influência se veio a observar na América Latina e na constituição portuguesa de 1822, esta na sequência da revolta liberal do Porto, dois anos antes. No Brasil, o imperador Pedro I colocou-se a chefiar o executivo numa lógica do governo forte[5], contida na primeira constituição do país, em 1824; era clara a inspiração francesa, desta vez reacionária, da Carta Constitucional de 1814, outorgada por Luis XVIII depois da queda de Napoleão, iniciando uma tradição ainda vigente na França de hoje, onde os presidentes detêm um poder executivo considerável.

Em 1826 o mesmo imperador do Brasil, (momentaneamente como Pedro IV de Portugal) outorgou aos portugueses a Carta Constitucional de 1826, que viria a estar em vigor, com alterações, até ao final da monarquia em 1910. Aí se definia um poder moderador que, de facto se impunha ao legislativo e ao executivo e que tinha como protagonista um rei que repartia a soberania com a nação, que tinha todo o poder sobre as cortes e que ancorava o seu predomínio num recenseamento eleitoral muito restrito e na ligação à nobreza e ao clero.

Na constituição republicana de 1911 o PR é pouco mais do que um símbolo da nação, no âmbito interno e externo. É eleito por quatro anos, não pode ser reeleito durante o quadriénio imediato, pode ser destituído pelo Congresso e compete-lhe promulgar os projetos de lei vindos das duas câmaras do congresso; neste campo, mesmo que se remeta ao silêncio, quinze dias passados surgirá automaticamente a promulgação. Mais sintomático da debilidade dos poderes do PR na I República portuguesa é o artº 49 que reproduzimos na íntegra “ Todos os actos do Presidente da República deverão ser referendados, pelo menos, pelo Ministro competente. Não o sendo, são nulos de pleno direito, não poderão ter execução e ninguém lhes deverá obediência.”

O que hoje observamos no modelo ocidental de configurações do poder político é o predomínio dos executivos, que detêm o grosso da ação legislativa, por competência própria ou delegada através de “autorizações legislativas”, concedidas por complacentes parlamentos, preenchidos com membros de oligarquias partidárias e vocacionados para manterem espetáculos de wrestling verbal. Os presidentes (ou reis), como instituições personalizadas de topo são, na maior parte dos casos, figuras baças, cinzentas ou em fim de carreira, género de zeladores do povo, símbolos da pátria, passeantes regulares pelo território para lembrar ao povo que o poder não é só saque fiscal mas, também festa. Frequentemente, essas figuras enchem um avião com mandarins e empresários em alegre confraternização de negócios, enquanto a veneranda figura se perfila ao ouvir o hino em terras distantes, antes de qualquer discurso de circunstância. A este figurino decadente e ridículo chamam democracia e, com todo o desplante, dita representativa.

Na arquitetura da UE a situação é particularmente grave pois o poder executivo comunitário nem sequer é eleito – os comissários são indicados pelos governos nacionais, o BCE, estatutariamente é independente (?) e ainda existe um Eurogrupo, com poder assinalável, mesmo não passando de um grupo informal de ministros das finanças dos países do euro. Inversamente e para dourar a pílula da antidemocracia vigente foi inventado um cosmético Parlamento Europeu mais conhecido pela boa vida que os seus membros levam, do que pelas decisões que favorecem os cidadãos europeus. 

Depois de se ter referido historicamente a figura presidencial como um elemento de controlo e desvalorização das assembleias eleitas pelos povos e, antes de se passar à abordagem mais específica da actual CRP no que respeita à instituição presidencial, observem-se alguns elementos que vigoraram na experiência mais democrática e socialmente avançada que a Humanidade viveu – a Comuna de Paris de 1871 que durou perto de dois meses antes de ser afogada barbaramente, em sangue. Entre esses elementos, obviamente, não existiam figuras presidenciais, de controlo das assembleias ou que simbolizassem um poder distante, de um pai austero e protetor do povo.

Procurava-se apenas organizar e administrar os serviços públicos e não erigir uma autoridade governamental. Essa organização cabia a uma federação de representantes de bairro, eleitos por sufrágio universal, com mandatos pré-definidos e revogáveis a qualquer momento. Essa prática é o que se designa por democracia direta, que é entendida de modo erróneo por ignorantes e falseada pelos caciques da área trotsko-estalinista. Nessas eleições, por exemplo, participavam os estrangeiros, dada a irrelevância do conceito de pátria, no âmbito de um internacionalismo real e não apenas retórico, para adornar discursos.

3 - A figura do PR na história portuguesa

A tradição portuguesa desde a monarquia liberal é a de um governo com todo o poder e um rei ou presidente mais ou menos distanciado do exercício do poder, nem sempre com poderes de destituição do governo e de nomeação do primeiro-ministro. A história dessas figuras de topo, transversais e paternais, contempla o assassínio do rei Carlos como o do seu primogénito e sucessor, Luís Filipe, em 1908 a que se seguiu a fuga do último rei para Inglaterra, em 1910, para evitar a captura pelos republicanos, acabados de abolir a monarquia. Durante a I República (1910-26), entre vários PR civis e democratas, surgiu um militar fascizante - Sidónio Pais – que ocupou a cadeira presidencial em 1917 mas acabou mal, assassinado pouco depois.

Durante o fascismo as prerrogativas típicas de um PR eram meramente teóricas e o investido nessa função foi sempre um militar mais ou menos decorativo, para cooptar a instituição militar ao regime; a tropa era o único receio de Salazar que por isso, sempre procurou manter as messes bem abastecidas e caros brinquedos para distrair a oficialidade, evitando assim que um tinir de espadas afoitasse um qualquer coronel ou general a afastar o ditador. Um ex-dignitário do regime, o general Humberto Delgado, em corte radical com Salazar anunciou que o demitiria se ganhasse a eleição presidencial de 1958. Como é evidente não lhe foi permitido ganhar a eleição e em 1965 pagou com a vida tal frontalidade, assassinado pela Pide.  Para evitar novas surpresas desse teor, Salazar tornou o PR como um produto eleito intramuros, pela Assembleia Nacional fascista; o único que foi nomeado nessas condições foi o almirante Américo Tomás que esteve no cargo até ao 25 de Abril e que ficou mais conhecido pelos disparates com que recheava os seus discursos.

Todo o período do regime fascista (1926/74) teve como PR militares e essa tradição ainda se prolongou depois do 25 de Abril, durante o PREC, por nomeação sucessiva pela Junta de Salvação Nacional para o cargo, dos generais António de Spínola e Costa Gomes. O primeiro, foi um convencido do seu carisma como merecedor de toda a submissão alheia e o segundo, ficou célebre pela habilidade em flutuar entre duas águas, surgindo daí o cognome de “rolha”, amplamente divulgado pela imprensa estrangeira de então.

O primeiro PR eleito, já em 1976 (dois mandatos findos em 1985), viria a ser ainda um militar – Ramalho Eanes – o comandante da “normalização” de 25 de novembro, como elemento de transição entre o período 1974/75, com o poder centrado na tropa e o que se pretendia viesse a ser uma democracia chamada representativa, protagonizada por paisanos.

Eanes, ainda tentou prolongar o seu papel como peão político dominante criando um partido (PRD) onde se centraria o regime, com o esvaziamento do PS e do PSD, no que não teve sucesso, desaparecendo rapidamente da ribalta o tal partido e o seu mentor. No seu seguimento, seguiram-se três chefes partidários[6], Mário Soares, Jorge Sampaio, ambos do PS e o abominável Cavaco, cada um com dois mandatos de cinco anos, cumprindo todos, o simbolismo idiota de entregar previamente o cartão de membros partidários, na sede do partido, como se com esse acto apagassem os seus passados partidários, as suas ideologias, os seus compadrios. Os povos sempre foram manipulados por símbolos; e os portugueses, na sua despolitização, levam a sério essas vazias solenidades[7], pouco dados a rir das mesmas.

Cavaco veio corroborar com os seus tiques de mal disfarçado ignorante e com a sua nocividade, o caráter decadente da classe política em geral, cuja única habilidade é agarrar o pote com as duas mãos e reproduzir vacuidades com a boca toda, com o traseiro assente em sagradas mordomias. Cavaco é apenas um elemento que nos leva a pensar se é necessária uma presidencial figura, para mais, com tamanha fatia do orçamento, adrede.

4 - O papel do PR na Constituição portuguesa

No regime fascista não eram tolerados partidos: nem a União Nacional de Salazar, rebatizada Ação Nacional Popular por Caetano, era verdadeiramente um partido mas uma comissão eleitoral e um agregador de fiéis. Salazar era um ditador solitário, distante mas tentacular e odiava partidos alegando a instabilidade política que atravessou a I República a qual teria motivado, no seu conceito, as dificuldades financeiras que só uma estabilidade política em torno de um elemento predestinado (ele próprio) para condutor da nação, poderia superar. Os constituintes de 1976, tendo esse exemplo num passado próximo e assustados com a agitação social e política que se seguiu – não podendo erigir um predestinado pai da pátria - decidiram polarizar nos partidos políticos toda a ação política, bloqueando de várias formas as iniciativas políticas que não passem por partidos, devidamente remunerados para a função.

A CRP elege os partidos como as estruturas básicas da organização política e revela-o de modo infantil quando, ao inseri-los na CRP (artº 10º nº 2.) deixa para artigo posterior (o 11º) algo tão simbólico e solene como a bandeira e o hino; e mesmo a língua que expressa toda uma cultura, com um lastro secular, só é considerada depois dos partidos. A oligarquia política não descurou a afirmação do seu papel para o futuro.

Nesse contexto, não é estranho que a primeira referência ao PR se faça (artº 15º, 3º), não para definir as suas funções ou o seu papel na organização política mas, de modo acidental, para a sua inclusão entre aqueles cargos que terão de ser forçosamente desempenhados por portugueses, sem possibilidades de aplicação de quaisquer acordos de reciprocidade de direitos com outros países. Só no artº 110º se define que o PR é um órgão de soberania, o único personalizado[8]. Estes factos revelam implicitamente alguma menorização das funções do PR.

No que respeita ao PR, a CRP manteve a existência da figura, tal como durante o regime fascista, sem descurar que o poder se situaria no governo, repondo-lhe uma eleição direta e não por escolha na AR. Estando colocados os partidos no centro do poder de estado, naturalmente que o eleito sairia da classe política, não sendo fácil a eleição de um outsider, sem apoios partidários; na prática é uma escolha intramuros, com um cerimonial eleitoral para dar ao povo a ideia de que protagoniza uma escolha entre elementos distintos. Excecionalmente e até 1982 no plano da transição da turbulência de 1974/75 para o pântano actual, o PR teve mais atribuições que atualmente, quanto ao desempenho do governo, associadas à continuidade do Conselho da Revolução que era presidido pelo PR.

4.1 - As funções presidenciais; as potenciais, as inúteis e as burocráticas 

a)      O PR e o referendo

Sequencialmente, a primeira função do PR apresentada na CRP figura no nº 1 do artº 115º que lhe comete a decisão de convocar a plebe para se pronunciar em referendo mediante proposta da AR ou do governo. O caráter acessório das pessoas subjacente ao caldo de cultura caraterístico da classe política envolvida na redação da CRP (como a de hoje) é bem claro quando coloca em segundo plano propostas de referendo com iniciativa popular, cuja efetivação depende de filtragem pelo poder. Diz a CRP, no nº 2 do mesmo artigo, que “o referendo pode ainda resultar de iniciativa de cidadãos; expressa uma benesse, uma esmola. A verdade é que os meandros procedimentais e os filtros políticos evitaram que houvesse até hoje um referendo nacional por iniciativa popular. Já anteriormente espelhámos o caráter antidemocrático do regime no capítulo do referendo[9]. Para dotar a figura presidencial de algum papel arbitral, o nº 10º do artº 115º dá-lhe o direito de recusar propostas de referendo, hipótese pouco provável, dada a sua inserção dentro da classe política. De modo mais categórico atribui-se ao PR o poder de autorizar um referendo (artº 134º, al. c) ou, se se preferir, de modo mais objetivo, de evitar veleidades populares de colocação a referendo de questões que atentem contra o regime político ou os interesses do mercado.

A intervenção do PR no âmbito do referendo é perfeitamente dispensável quer no actual ordenamento em que eles só surgem por iniciativa governamental, quer porque o povo, na sua diversidade e saber, tem a total legitimidade de submeter questões a referendo e qualquer tutela oligárquica é antidemocrática.

b)     O PR e a independência nacional

O artº 120º inicia um título com 21 artigos dedicados ao PR atribuindo-lhe o caráter de símbolo nacional e de poder regulador do “funcionamento das instituições democráticas” para além do comando supremo da tropa.

Como garante da independência nacional não se descortina o que isso representa hoje, para além da resistência a um improvável invasor das fronteiras. A tal independência ganha-se ou perde-se sem tiros de canhão mas, através de decisões políticas ou económicas tomadas em Bruxelas, em Frankfurt, em Washington ou decididas pelos “mercados”, perante a subserviência dos governos e do próprio PR de turno; o TTIP, de conteúdo secreto, será, se aprovado um enorme atentado à soberania mas, isso não preocupa o PR actual nem a classe política. Se se considerar a garantia da independência como a de assegurar o flutuar da bandeira sem que um exército invasor proceda ao seu arrear, sem dúvida que os PR têm cumprido bem a função.

Como garante da independência, o PR de serviço assume o papel de comandante dos 31000 militares (artº 134º al. a) que, certamente não precisarão de derramar o seu sangue, pela elementar razão que não há um imaginável invasor; basta-lhes estar atentos a qualquer desmaio presidencial como na Guarda em 2014 e evitar assim que o poder caia, literalmente, na rua[10]. Quando das invasões francesas no início do século XIX a figura real, comandante da nação, zarpou para o Brasil deixando os portugueses como objeto da devassa e da violência por parte da soldadesca napoleónica; durante a II Guerra, os anglo-americanos impuseram a sua presença nas Lajes sem que Carmona avançasse com tropas para o impedir. O último a levar à letra o papel de comandante supremo foi um rei idiota, Sebastião, que deixou a pele em Marrocos.

c)      O PR e a unidade da nação

Quanto à unidade do Estado onde estará ela no âmbito da desertificação de grande parte do território, das enormes desigualdades existentes entre as várias parcelas, da desarticulação da estrutura económica que transformou o território num simples local de cruzamento das redes de negócio das transnacionais?

Se se pensar em unidade nacional, imperativo e programa em todas os candidatos a eleições e pela classe política em geral, adiantamos para já que isso é um mito e uma mistificação. Para não se ir mais atrás, veja-se como as imposições da troika foram distribuídas pelos portugueses, como as instituições nacionais se empenham mais em arcar com as sequelas das burlas financeiras, em apoiar os empresários de topo[11] do que com o bem-estar da grande maioria. Onde há ou pode haver unidade entre capitalistas exportadores de capitais e campeões da fuga fiscal e trabalhadores, precários e desempregados, pensionistas e pobres em geral? Um PR ao ter tal como objetivo, prossegue um imperativo irrealizável ou é utilizado como símbolo de uma mitológica e mistificatória unidade nacional.

d)     O PR e o Conselho de Estado

O actual PR para o cumprimento das suas funções dispõe de 36 assessores, um dos quais para a aconselhar a sua mulher que … não desempenha qualquer cargo ou serviço aos portugueses. Para além desse numeroso corpo de assessores, o PR dispõe de um órgão de consulta privativo - Conselho de Estado (artº 141º) - ao qual preside e, onde se incluem, o próprio PR os presidentes da AR e do Tribunal Constitucional, o primeiro-ministro, o provedor de justiça, os presidentes dos governos regionais, os anteriores PR e dez indivíduos, metade escolhidos pelo PR, metade pela AR, tendo em conta a representatividade dos partidos; na sua essência são membros da classe política, no ativo ou já retirados mas certamente escolhidos pela mesma. Não se poderá dizer que faltem fontes de informação e diálogo aos PR; é francamente excessivo o painel de consultores para as tão irrelevantes funções que são imputadas ao PR. Os conselheiros de Estado, para além de funções típicas de qualquer aconselhamento, darão opinião sobre, imagine-se… “a declaração de guerra e a feitura da paz” (artº 145º, al. c)). Se a figura de um PR já é bastante vazia de funções efetivas, o Conselho de Estado é um verdadeiro enfeite, uma mordomia de um monarca sem corte, um contributo (com o capítulo III, e seis artigos) para que a CRP seja das mais longas do mundo. A recente reconfiguração do Conselho de Estado, com a entrada de dois avatares da “esquerda” não passa de um avivar das cores do bolor.

e)     O PR e as assembleias eleitas

Uma AR democrática constituída por eleitos pelo povo em círculos uninominais – onde qualquer pessoa pode concorrer, ao contrário do que acontece agora - é o local onde se desenvolvem todas as discussões e decisões relevantes para o povo, incluindo sobre a sua auto-dissolução com convocação de novas eleições ou de regular convocação de novas eleições; se o governo for escolhido entre os membros da AR, é à AR no seu conjunto que compete demitir o governo ou os ministros que entender, dispensando a intervenção de um elemento ex machina, inamovível.

A capacidade legal so PR para a dissolução da AR (artº 133, al. e) com membros eleitos pelo povo é uma entorse democrática, um abuso da vontade popular expressa em eleições. Por outro lado, nos termos da actual CRP ninguém pode demitir o PR, provavelmente porque não se admite uma fissura no seio da classe política que a isso conduzisse e porque a sua própria natureza de poder moderador, coloca-o acima de tudo e todos, como se fosse um rei com contrato a prazo, sem direito a despedimento.

Entre as funções do PR encontram-se decisões meramente burocráticas e periódicas como a marcação do dia das eleições para um PR, dos deputados à AR e ao Parlamento Europeu, bem como às Assembleias Legislativas das regiões autónomas (artº 133, al. b). Trata-se, uma vez mais, de tarefas que caberão a uma AR soberana, num regime democrático, nos três primeiros casos; e às próprias assembleias regionais nos restantes. Dá a ideia que o legislador pretendeu constituir uma lista de funções burocráticas e acessórias para ocultar, pelo seu elevado número, a vacuidade do cargo.

Nessa linha de listar tarefas menores, o artº 133 al. d) e e) contempla as possibilidades de convocação extraordinária da AR e de lhe dirigir mensagens bem como às assembleias regionais. Entendemos que a CRP, na sua lógica oligárquica poderia rever a CRP para contemplar as mensagens presidenciais no Facebook, numa demonstração inequívoca de modernidade…

f)       O PR e o governo

A al. f) do mesmo artº 133º dá ao PR, tendo em conta os resultados eleitorais, o poder de nomear um primeiro-ministro, depois de os chefes partidários se perfilarem em encontros formais com o PR (artº 187º nº 1); e também pode demitir o governo e exonerar o primeiro-ministro (al. g daquele artigo) ou os membros do governo, sob proposta do primeiro-ministro (al. h) do mesmo artigo). Trata-se de mais um quisto democrático próprio de um poder dito moderador, de zelador, como se os deputados não tenham a priori legitimidade própria para construírem maiorias ou minorias, susceptíveis de constituírem um governo ou de lhe retirarem a confiança; como se precisassem de uma figura paternal para suprir uma imputável e inerente menoridade. Como atrás referimos, estas disposições radicam numa recuperação reacionária iniciada no rescaldo da Revolução Francesa, para reduzir a soberania das assembleias de representantes do povo, tutelando-as através de um poder moderador, objetivo agente das oligarquias, temerosas do povo.

No caso português e ocidental em geral, esse temor não se resumiu ao tal poder moderador. Foi acautelado e reforçado mais a montante, com a introdução de emanações oligárquicas como os partidos políticos, destinados a preencherem os lugares nos parlamentos, abastardando-os enquanto assembleias de representantes do povo, criando uma representação popular indireta e, portanto falsa. Está-se, pois, perante uma construção constitucional artificiosa que permite a permanência do poder efetivo nas mãos das oligarquias, que substituem as candidaturas para deputados dos elementos do povo, evitando assim surpresas que afetem a estabilidade política ou dos mercados. Simultaneamente, são utilizadas políticas de despolitização que começam na escola, que prosseguem no trabalho e se consumam num hedonismo primário e num consumismo doentio que constituem o caldo de cultura que torna natural para a plebe a equiparação de democracia com o voto em estruturas oligárquicas que assim, podem utilizar com impunidade o saque fiscal, a corrupção e a mentira, como instrumentos da sua constante reprodução enquanto oligarquias. Politicamente, o cerco fica completo.

São ainda enumeradas funções no mesmo artº 133º (al. i), j e l)) minudências irrelevantes ou de desrespeito para com assembleias de deputados – mesmo que membros de oligarquias partidárias. São elas a eventual presidência do conselho de ministros pelo PR, a dissolução das assembleias regionais, a nomeação ou exoneração dos representantes da República para as Regiões Autónomas, um género de governadores civis cuja existência prossegue mesmo depois de terem sido extintos no Continente.

Compete ainda ao PR uma tarefa essencialmente administrativa de promulgação de leis, decretos-leis, decretos regulamentares e outros decretos emanados do governo bem como resoluções da AR que aprovem acordos internacionais (artº 134º al. b). Trata-se de modo evidente da expressão de um papel de zelador que deveria competir à AR, enquanto emanação popular.

g)     O PR e os militares

Ao acrescentar às pesadas tarefas de um PR a presidência de um Conselho Superior de Defesa Nacional (al. o) e poderes de nomeação ou exoneração das chefias militares (al. p) torna-se necessário acompanhar o ambiente castrense ou as manobras do “inimigo”. Tais altas tarefas exigirão a existência de uma Casa Militar do PR, em contraponto com uma Casa Civil, numa lógica ultrapassada de separação entre militares e paisanos. Para quem tiver, como nós, todas as dúvidas sobre a utilidade de forças armadas[12] faz sentido a elaboração de um plano de médio prazo, que contemple, por exemplo, a constituição de uma guarda costeira onde se inclua a polícia marítima e a incorporação de muitos militares em funções de proteção civil (esta, por sua vez, previamente despida das taras militaristas atuais que marcam os grupos de bombeiros).

h)     O PR e as emergências nacionais

A CRP (artº 134º al. d) e e)) atribui ao PR a declaração dos estados de sítio e de emergência e dá ao figurante de serviço a capacidade de se pronunciar sobre as emergências graves que acometam a grei. No primeiro caso, trata-se de situações de excepção que envolvem restrições nos direitos essenciais das pessoas pelo que a decisão deverá competir exclusivamente à representação direta da população, à AR; a actual CRP exige que se proceda a autorizações prévias da AR mas, acrescenta a necessidade da assinatura da veneranda figura para efeitos de aplicação. Quanto à al. e) pode ser interpretada como um buraco negro que tudo pode conter, ou onde nada se enquadre, como também pode ser encarada como uma possibilidade igual à de qualquer pessoa, de se mencionar sobre os casos, graves ou não, sobre a vida coletiva; uma redundância para encher a complicativa CRP.

i)       O PR e o Tribunal Constitucional e o poder judicial

O PR pode requerer ao Tribunal Constitucional apreciação preventiva de constitucionalidade ou a declaração de inconstitucionalidade (artº 134º al. g) e h)). Quanto a esta questão levantam-se-nos duas objeções que vão para além da já apontada inutilidade e inconveniência de uma investidura presidencial.

A primeira é estar vedada às pessoas comuns qualquer pedido da avaliação em termos de constitucionalidade, dependendo, portanto, a apreciação da constitucionalidade da vontade da classe política e dos interesses a que dá corpo; uma democracia truncada, também neste capítulo. A segunda questão é que o Tribunal Constitucional tem como membros dez elementos escolhidos pela AR (leia-se, por consenso no seio do partido-estado PS/PSD) (artº 222º nº 1) e ainda três… cooptados por aqueles dez; no total, nove serão juízes e os restantes terão de ser juristas (nº 2 do mesmo artigo). Esta focagem em pessoas de formação jurídica aponta para que se pretenda um órgão técnico e, nesse contexto, não se justificaria uma nomeação política como a actual; se se pretendesse um órgão não exclusivamente técnico então seria desajustado preencher o Tribunal exclusivamente com elementos com uma mesma formação jurídica de base. Um regime oligárquico revela sempre o seu cariz antidemocrático.

Mais curial seria, por hipótese, reproduzir a lógica contida na Constituição de 1911 que remete para o poder judicial qualquer impugnação da “validade da lei ou dos diplomas emanados do Poder Executivo ou das corporações com autoridade pública, que tiverem sido invocados” (artº 63). Note-se que a I República não considerou qualquer papel especial do PR quanto à constitucionalidade das leis e, por outro lado deixou bem claro no texto de 1911 que no âmbito do poder judicial, “as nomeações, demissões, suspensões, promoções, transferências e colocações fora do quadro serão feitas nos termos da lei orgânica do Poder Judicial” (artº 57º).

Quanto à nomeação ou exoneração do presidente do Tribunal de Contas, do Procurador-Geral da República ou do Conselho Superior de Magistratura (artº 133º m) e n)) não fará qualquer sentido uma interferência externa dentro do princípio democrático de que a administração pública e as instâncias judiciais são independentes das instâncias políticas; para mais de um “órgão de soberania” artificial e de cariz oligárquico.

j)       O PR e as relações externas

O artº 135 da CRP aponta para mais competências do PR, neste caso, no campo das relações externas. No caso da nomeação de embaixadores e da acreditação de representantes de outros países (al. a) do artigo) trata-se claramente da nomeação de agentes que reportam ao governo, à área das relações com o exterior. Na segunda situação, de reconhecimento oficial de um representante de um outro estado, a tradicional formalidade pode ser cumprida por quem cumpra o papel de representante da República face ao exterior, o que bem caberá a quem presidir à AR, naturalmente, escolhido pelos seus pares, com idênticos direitos e deveres que eles, incluindo o de ver o mandato cessado, por referendo geral ou da circunscrição pela qual tenha sido eleito, como anotámos em texto anterior[13].

k)      O PR e a ação social

O PR pode proceder a indultos ou comutações de pena, aconselhado pelo governo (artº 134º al. f)). Será que os sinais de clemência, de reconciliação com a sociedade de pessoas que andaram mal, para além de uma análise curricular e psicológica dos candidatos a indultos ou comutações de pena precisam, constitucionalmente do aval de um PR? Só para rir. E condecoração de pessoas, como forma de reconhecimento público dos seus méritos, precisa de uma chapéu de grão-mestre na cabeça do PR (artº 134º al. i)).? Só se for para premiar empresários manhosos e políticos corruptos.



[2]  Padrinho de um conhecido vendedor de livros pela tv chamado Marcelo Rebelo de Sousa, ex-chefe do PSD e filho de um ministro das polícias do regime fascista, Baltazar Rebelo de Sousa, por esse motivo isento de cumprimento do serviço militar e da “defesa da pátria” nas guerras coloniais
[3]  Em 1969 estavam recenseados apenas 1784300 pessoas e votaram 62.5% dos quais 132900 nas listas da oposição. No atual regime em vez de um pequeno número de recenseados, o que se observa é um… excesso, os eleitores fantasmas; e os votos em partidos ficaram por 54.9% dos inscritos.
[5] No seu juramento de coroação Pedro I revelou bem o que entendia como poder moderador ao afirmar que defenderia a Constituição… desde que fosse digna dele e do Brasil.
[6] Jorge Miranda afirma que “ ao contrário da França, em que chefes de partido têm sido candidatos à presidência da república, em Portugal isso nunca se verificou”. Trata-se de uma visão formal. Mário Soares terminou as suas funções governamentais como chefe do PS em novembro de 1985 e foi eleito PR em janeiro do ano seguinte. Sampaio foi secretário-geral do PS em 1989/91 e presidente da CML em 1989/95 passando a PR em janeiro de 1996. E Cavaco saiu do governo em 1995, foi candidato derrotado por Sampaio em 1996 e, embora não tenha tido cargos partidários, até passar a PR em 2006, era, naturalmente uma figura de referência do PSD, um cacique.
[7]  Tivemos a oportunidade de assistir ao “dia de Portugal” na Guarda em 2014 e analisar tão decadente sessão, livres do cheiro do bafio, uma vez a televisão ainda não transmite os odores
[8] A personalização permite que se identifique a imagem paternal de um PR com as suas caraterísticas pessoais. Soares, vaidoso e populista, com a majestade de um soba amante de mordomias e Cavaco, hirto e complexado mas soberbo e credor constante de deferência à sua vacuidade intelectual

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