As oligarquias montaram em Portugal um
sistema de fuga e mau aproveitamento do dinheiro dos impostos que se cifra em
mais de 25% do PIB, a que se deve juntar o apoio aos bancos de 6.8% do PIB, nos
últimos anos. Isto vai para além da economia paralela e das 1000 famílias mais
ricas que pagam apenas 0.5% do IRS[1].
E não se pode dizer que daqui sai um
reforço do investimento. Em 2010/14 a sua quebra supera a verificada durante a
intervenção do FMI em 1983/85.
1 – Quem paga o crescimento da carga fiscal
2 - … e as desigualdades que daí resultam
3 - Os descontos feitos
na área do IRC
4 – Subvenções e
benefícios públicos
1 – Quem paga o crescimento da carga fiscal
A evolução dos principais impostos nos
últimos anos revela um forte crescimento daqueles que são pagos, de facto, pela
população que não tem formas de ocultar rendimentos e de fuga ao pagamento de
impostos – o IRS e o IVA. A máquina fiscal aumentou muito as suas capacidades
de escrutínio e invasão das nossas vidas e, para mais, de forma socialmente
discriminatória e marcada por muitos casos de ineficiência e erros de caráter
administrativo.
Cabe assinalar o enorme crescimento do IRS
que se evidencia como o principal imposto, destronando o IVA. Bons resultados?
Para quem? O IVA, por seu turno, parece prosseguir os aumentos anuais e o IRC,
em termos médios, mantém-se relativamente estável, ligeiramente abaixo das
cobranças realizadas em 2011 e 2013. Finalmente, o IMI irá aumentar 39.7% nos
quatro anos findos em 2015, a despeito da desvalorização dos preços dos
imóveis, da quebra geral dos rendimentos. Espanta a longa e variada lista de
entidades isentas de IMI (contempladas no Estatuto dos Benefícios Fiscais, artº
44º a 50º) que inclui associações religiosas, patronais e mesmo parques de
estacionamento, revelando assim a sua grande iniquidade[2] e total ilegitimidade[3].
Em termos de comparação face ao PIB é bem
claro o aumento do peso do IRS – 3 a 4% a mais no espaço de quatro anos – muito
superior ao crescimento do IVA, cujo aumento das taxas compensou a redução dos
consumos, inerente à estratégia de empobrecimento coletivo. Quanto ao IRC
cumpriu-se a divinização dos empresários pelo Portas, os tais que, se criam
riqueza, exportam-na ou ocultam-na ou, se criam emprego, é com baixos salários,
precariedade e apoios públicos; assim, o seu peso no PIB não se altera.
Milhoes
€
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015 out
|
2015 OE
|
2015 est*
|
|
IRS
|
9831
|
9099
|
12325
|
12877
|
14760
|
13168
|
17000
|
% PIB
|
5,58
|
5,40
|
7,28
|
7,44
|
8,33
|
7,43
|
9,59
|
IRC
|
5168
|
4289
|
5103
|
4553
|
4109
|
4690
|
4900
|
% PIB
|
2,93
|
2,55
|
3,01
|
2,63
|
2,32
|
2,65
|
2,77
|
IVA
|
13052
|
12800
|
13287
|
13837
|
12208
|
14491
|
14600
|
% PIB
|
7,41
|
7,60
|
7,84
|
8,00
|
6,89
|
8,18
|
8,24
|
IMI
|
1168
|
1230
|
1306
|
1468
|
-
|
1632
|
-
|
% PIB
|
0,66
|
0.73
|
0.77
|
0.85
|
-
|
0.92
|
-
|
CGE 2013 e 2014; DGO – Sintese da Execução Orçamental –
out/15, OE 2015,
* estimativa anualizada dos impostos; PIB
nominal superior 2.4% face a 2014
Salazar deixou escola com a sua manha de
sobreavaliar as receitas extraordinárias e subavaliar as ordinárias
(basicamente os impostos) para, no final dizer que a sua gestão criteriosa
tinha permitido prescindir do recurso a receitas extraordinárias, dado o
desempenho positivo das receitas ordinárias. Ficava a pairar a sua aura de mago
das finanças num país de semi-analfabetos, desconhecedores do truque.
Os seus dignos sucessores usam a mesma esperteza
saloia beneficiando da despolitização e da ligeireza com que os portugueses
encaram a gestão económica e política conduzida pela classe dos mandarins. No
capítulo das receitas fiscais, estas são subavaliadas por dois motivos; à
partida, para dar à plebe um sinal de moderação da punção fiscal e no final
para se vangloriarem pelo seu trabalho ao apresentarem cobranças muito
superiores ao previsto, em nome da “eficiência e da eficácia” dos serviços
tributários. Comparem-se os valores de receita apontados acima e a afirmação
contida no orçamento para 2015 elaborado pelo gang de Passos; “Neste contexto,
o Governo decidiu que não deveriam ser aumentados os impostos para alcançar a
meta de 2,5% do PIB” (pag. 51).
2 - … e as desigualdades que daí
resultam
A punção fiscal atrás representada através
de alguns dos seus mais notórios e gravosos elementos, vem sendo apontada como temporariamente
necessária para fazer face ao serviço de dívida, numa simplista unívoca relação
causa-efeito para esse endividamento; na realidade, trata-se de uma panóplia de
elementos, de fatores sistémicos e conjunturais, de modelo económico e político,
que já aflorámos em vários trabalhos[4].
Essa dívida e a austeridade que, no
discurso oficial, dela deriva, inserem-se numa política global dirigida contra
os povos, no sentido da desvalorização interna, de quebra nos salários reais, nos
rendimentos, no valor da propriedade e nos direitos; no reordenamento dos espaços de acordo com as
hierarquias traçadas pelo capitalismo, conduzido pelos seus elementos
dominantes – sistema financeiro, transnacionais e capital mafioso – e que vão
reduzindo o poder dos Estados, instrumentalizando as respetivas classes
políticas.
A nível interno, num país pobre e
periférico como Portugal, essa pressão global tem uma manifestação, que adiante
quantificaremos, nas isenções, na fraude e na fuga ao pagamento de impostos,
cujo exercício os chamados empresários, em conivência com a classe política,
têm uma experiência histórica de rapina. O conjunto de benefícios, dívidas,
prescrições e subvenções representa 25.6% do PIB, cerca de cinco vezes e meia
de encargos dívida pública; por seu turno, os apoios ao sistema financeiro,
cujas leviandades deram origem à intervenção da troika, correspondem a 6.8% do PIB.
€ milhões
2013
|
2014
|
|
Benefícios fiscais
em sede de IRC (ano)
|
1.045,0
|
1.031,0
|
Dívida à Segurança
Social (acumul)
|
10.553,5
|
10.941,0
|
Subvenções e
benefícios públicos (ano)
|
4.389,5
|
4.379,5
|
Prescrições de
dívida fiscal (ano)
|
434,0
|
1.310,0
|
Divida ao Fisco
total (acumul)
|
21.084,0
|
21.373,0
|
da qual coerciva (acumul)
|
10.617,0
|
11.009,0
|
Dívida incobr. (reg
em falhas) (acumul)
|
3.863,0
|
3.436,0
|
Total
|
43.382,0
|
44.484,5
|
Apoios ao sistema
financeiro (2008/14)
|
11.822,0
|
Fontes: Autoridade Tributária, Conta da Segurança Social,
Inspeção-Geral de Finanças, Tribunal de Contas
Podem ainda extrair-se outros cotejos, como
o que coloca o total da dívida fiscal um pouco acima da receita de IVA ou que a
equipara a 23 meses de salários da administração central; o apoio dado aos
bancos pagaria um ano de aquisição de bens e serviços pela administração
central o mesmo sucedendo à dívida para com a Segurança Social; esta, por seu
turno corresponde a oito meses de receita de contribuições ou a quase um ano de
pagamento de pensões. Falar sobre sustentabilidade da Segurança Social é falar
do desbaratar da mesma pelos governos dos últimos quarenta anos, para gáudio de
empresários viciados na fraude.
A austeridade dos últimos tempos manifestou-se
em acrescido desemprego, em cortes salariais e nas pensões, em novos empregos
com salários rebaixados face a tempos pouco atrás, na precariedade laboral e na
vida, na imensa emigração, na redução do número de imigrantes, nas dificuldades
e aumentos de custos do acesso a serviços sociais e, entre outros, nos níveis
de pobreza. Se tudo isto de per si já reduz os rendimentos, o poder de compra e
a qualidade de vida, é preciso acrescentar os fortes aumentos da punção fiscal,
sobretudo direta, onde as poupanças no consumo não se exercem. Fica assim
destruída a ideia de um estado social, estando em seu lugar uma hidra
predatória da multidão que se distrai com o chilreio das aves canoras de S.
Bento ou dos grilos falantes que catequizam a plebe na tv; a haver um estado
social, os grandes beneficiários são os capitalistas - portugueses ou não - e a
classe política que gere a punção fiscal.
O gráfico seguinte mostra sucintamente quem
tem sido fustigado pela austeridade, induzida pelos interesses do sistema
financeiro e executada, neste período pelo PSD/CDS, com a oposição cordata do
resto da classe política; mesmo com a mudança dos atores de turno, espera-se
para breve, à sombra do Banif, novo pacote ou, na melhor das hipóteses, um
arrepio nas promessas de alívio. Bruxelas, Frankfurt e Berlim assim mandam.
Grosso modo, uma coluna do gráfico seguinte
quanto mais acima estiver da linha 1 mais favorável é a distribuição do
rendimento global para os trabalhadores. No contexto dos quadros de pessoal
relativos a outubro de 2013 consideram-se 164 mil “empregadores” e 2384 mil
trabalhadores por conta de outrem, entre os quais se incluem 103 mil indivíduos
incluídos na classe política e altos quadros de empresa que serão, certamente
os mais bem pagos. Não será necessário (nem é fácil) precisar quanta
desigualdade está contida na distribuição de rendimentos. Mas, quanto a estado
social, a existir, encolheu claramente. As desigualdades aproximam-se da reprodução
da situação observada durante a crise de 1983/85; e desta vez não será o início
da entrada de fundos comunitários que salvará a honra do convento.
3 - Os descontos feitos na área do IRC
Sabe-se que o IRC é um imposto com uma forte carga de
conveniência política que os próprios empresários de grande calibre encaram com
bonomia, pois a sua existência procura convencer os trabalhadores de que não
são os únicos a pagar impostos; é um imposto fortemente ideológico. O imposto
realmente pago exige uma vasta, complexa e cara maquinaria legal para o seu
cálculo, contemplando isenções, deduções que, naturalmente, deixarão incólumes
muitas formas de disfarce de rendimentos sob a forma de custos (automóveis
particulares, viagens, seguros, stock
options…). Essa maquinaria permite também hierarquizar os vários estratos
do empresariato entre grandes, médios e pequenos patrões, o que corresponde
também a um segmento de reta que tem de um lado os que definem a política
fiscal – quanto querem pagar - e do outro, os que apenas têm o dever de pagar.
Há a considerar também os esquemas de fuga de capitais, sobretudo
para o exterior, subfaturação nas vendas e sobrefaturação nas aquisições[5]. Existe uma
redução implícita dos custos salariais através da disponibilização, paga por
fundos públicos, de trabalhadores jovens e estagiários, comportando-se o Estado
como um manageiro, um angariador de trabalho temporário e gratuito para os
empresários. A essas formas de financiamento junta-se a prática bem portuguesa
do não pagamento das contribuições para a Segurança Social[6], que funciona
como um canal tradicional, ínvio e implícito de financiamento das empresas.
Viu-se acima a evolução da cobrança de IRC nos últimos
anos e que ela só tenuemente revela os impactos da crise; para o efeito convirá
se refira a manutenção de um conjunto de umas 50 formas contidas na lei para
beneficiar empresas, no que se refere ao IRC. Para cada um dos anos
considerados e para o total das empresas, esses benefícios correspondem a
descontos substanciais num IRC originário e calculado pela soma do valor
efetivamente cobrado pelo Estado com os referidos benefícios; representam descontos
com uma dimensão que nenhum supermercado oferece aos seus clientes.
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
19,3%
|
17,2%
|
17,0%
|
18,4%
|
O mesmo magnânimo Estado para com os patrões é o tal que
há uns anos aplicou o fator de sustentabilidade da Segurança Social obrigando
os trabalhadores a entregar anos adicionais de vida à atividade laboral, como
castigo pela sua maior longevidade. O protagonista desta inovação em terras
lusas foi um tal Pedro Marques, enquanto secretário de estado da Segurança
Social de Sócrates e agora promovido a ministro do Planeamento e das
Infraestruturas no governo Costa. O mesmo Estado persegue os desempregados,
encolhendo subsídios de desemprego, encurtando a sua vigência, inventando a
humilhante apresentação quinzenal, quando não os obriga a trabalho gratuito na
limpeza de matos e bermas de estrada ou a cursos de conteúdo inútil ou idiota.
O quadro abaixo sintetiza os valores correspondentes a
cada tipo de benefício no âmbito do IRC bem como a evolução dos mesmos.
TIPOS DE BENEFÍCIO EM SEDE DE IRC € milhões
2.011
|
2.012
|
2.013
|
2.014
|
|
Deduções ao rendimento
|
75,3
|
95,6
|
72.9
|
73,0
|
Deduções à coleta
|
145,2
|
164,1
|
425,4
|
363,4
|
Isenção definitiva
|
129,5
|
237,3
|
275,9
|
381,8
|
Isenção temporária
|
815,0
|
226,3
|
94,9
|
6,4
|
Redução de taxa
|
82,4
|
173,3
|
175,4
|
206,8
|
Dedução à matéria coletável
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
TOTAL
|
1.247,3
|
896,7
|
1.044,5
|
1031,4
|
Total corrigido
|
1.237,2
|
887,9
|
1.042,0
|
1027,8
|
Fonte:Autoridade Tributária
· A quebra no total,
observada em 2012, não tem continuidade nos anos seguintes, embora ainda não
voltem a ser atingidos os valores de 2011. Essa quebra inicial deve-se às isenções
temporárias, que representam cerca de 2/3 do total em 2011 enquanto nos outros
tipos de benefício se observam situações de crescimento;
· Para além das deduções
ao rendimento, relativamente estáveis no periodo, verifica-se o aumento do peso
dos benefícios aparentemente com maior durabilidade - deduções à coleta,
isenções definitivas e reduções de taxa. Em tempos de monitorização da troika a ortodoxia manda apoiar as
empresas para que gerem resultados positivos, invistam, criem empregos, o que
não aconteceu, de todo, num quadro conjuntural adverso. Na realidade, esses
benefícios perderam-se, improdutivos, eventualmente na fuga de capitais.
Claramente se verifica
neste exemplo, o caráter do Estado capitalista, do seu papel essencial de defensor
e organizador dos interesses dos capitalistas, o que, aliás, justifica,
historicamente, a sua existência. O que é estranho é haver gente que se diz de
“esquerda” que acredita estupidamente na possibilidade de transformação do
Estado como ente de bem, numa lógica moralista, a partir da sua ocupação por
gente “séria”. Aqueles que referem “o Estado somos todos nós” ou são
capitalistas e afirmam a mais meridiana realidade ou, não percebem o que é o
Estado ou o capitalismo! Não admira, pois, que alguma dessa gente de “esquerda”
se manifeste na disposição de votar no Marcelo para presidente[7], prolongando a
presença do homem, durante dezenas de anos no écran, a deslumbrar a plebe com
as suas capacidades de dedicado leitor de contracapas de livros. O recente caso
da Grécia é sintomático dessa fraseologia enganadora que se contenta com a
mudança da cor das paredes do aparelho de estado, protagonizada por uma nova
equipa de pintores… desde que de “esquerda”.
Iremos destacar, para
cada um dos tipos de benefícios, os elementos concretos dominantes:
3.1 - Deduções ao
rendimento (7.1% do total em 2014)
· Entre as deduções ao
rendimento, cerca de metade corresponde a majorações à criação de emprego
(art.º 19.º do EBF – Estatuto dos Benefícios Fiscais). Assim, uma empresa que
contrate um desempregado com idade inferior a 35 anos ou de longa duração, isto
é, com mais de nove meses de inscrição, pode considerar para efeitos fiscais
150% do salário e encargos sociais como custo fiscal; o que corresponde a uma
redução do rendimento tributável e da coleta potencial de imposto.
Assim, um trabalhador contratado com um salário de 500 €
em 2014 permitiria que a empresa considerasse – para além do custo habitual com
o trabalhador (500*14*1.2375=8663 euros ) um custo adicional de 4330 € nas
contas, no final do ano. Tendo em consideração que foi contabilizado globalmente
em 2014 um total de € 37 M, este valor poderá traduzir-se num máximo de 4270
trabalhadores com trabalho derivado deste dispositivo legal.
A relativa estabilidade deste benefício em 2011/14 revela
que o mesmo não entusiasmou as empresas portuguesas. E isso, mesmo que o tal artº 19º frise o
precioso conceito de “criação líquida de postos de trabalho” segundo o qual uma
empresa que contrate dois trabalhadores ao abrigo deste dispositivo virado à
criação de emprego, com impactos benévolos nas contas, tem a possibilidade de
despedir um terceiro. O Estado português, implicitamente, alimenta o
despedimento.
A medida é tão relevante que nenhum neoliberal mais
assanhado grita contra esta forma de subsidiar empresas, desvirtuar a
concorrência, contra esta verdadeira negação das sacrossantas regras do
mercado. O que se passa é que ninguém observou um acréscimo do investimento
resultante deste benefício fiscal que seria o investimento que gera emprego e
mais qualificado; este dispositivo tende a vincar a importância de um efetivo
baixo salário, uma estupidez que nunca gera melhorias nas condições de vida mas,
muito enraizada entre o empresariato português.
· Nesta área das deduções
ao rendimento sublinham-se as deduções fiscais de € 26.3 M em 2011/13 no âmbito
da “eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos por
sociedades residentes nos PALOP e Timor Leste (art.º 42.º do EBF)”, sobre a
qual ocorre à memória, inevitávelmente o nome de Isabel dos Santos, herdeira do
soba José Eduardo e outros nomes grados da mafia angolana.
· Referimos também com
valores anuais, em regra superiores a € 20 M, as “majorações aplicadas aos
donativos previstos nos artigos 62.º e
62.º - A do EBF” e ainda uns regulares € 3 M relativos a “majorações de
quotizações empresariais (art.º 44.º do CIRC – Código do IRC)”.
As primeiras, entre
outros casos, aplicam-se a fundações privadas que prossigam objetivos nas áreas
sociais, ambientais, desportivas ou educacionais cujas instituições, naturalmente,
exercerão atividade condicionada à existência desses donativos e à boa vontade
dos donatários. Dito de outro modo, a satisfação de necessidades permanentes e
de caráter público torna-se dependente de instituições privadas, limitando-se o
Estado a ilibar-se de responsabilidades delegando-as, com incentivos, em quem
cria fundações para evitar cargas fiscais gravosas sobre rendimentos e gerar
uma imagem pública simpática, eventualmente a contrastar com a de um patrão
sovina e despótico. Inclui-se aqui o mecenato científico que obedece ao mesmo
princípio de condicionamento à boa vontade do concedente, de geração de
precariedade e incerteza.
As segundas, contemplam
a consideração como custo nas contas das empresas de 150% do total das
quotizações pagas a associações empresariais. Majorações semelhantes não
acontecem, por exemplo, com os juros pagos pelas famílias e incluidos nas
prestações das casas, por conta de uma política de habitação que se resumiu na
sua delegação num trinómio constituido por bancos, construtores civis e
autarcas corruptos[8].
Ninguém conhece majorações em IRS para os casos de encargos de saúde ou de
educação que têm limites bem estreitos, ao contrário de empresas a quem os
governos concedem subsídios para concorrerem com os próprios serviços públicos,
como no caso da saúde e da educação.
· É interessante
sublinhar – e em contraste com o ponto anterior sobre as majorações da
quotizações empresariais - a redução da majoração em 140% dos gastos relativos
a creches, lactários e jardins de infância em benefício do pessoal da empresa (art.º43.º,
n.º 9 do CIRC) cujo valor em 2014 se cifra em € 661 m, contra cerca do dobro em
2011. Suspeitamos que se trata da conjunção entre políticas de “externalização”
das empresas e a política social de Portas e dos seus adjuntos.
· As “Majorações aplicadas
aos benefícios fiscais à interioridade [art.º 43.º, n.º1, alíneas c) e d) do
EBF]” – € 2.3 M em 2011 – deixaram de se verificar nos anos seguintes, como que
a revelar o desinteresse pela desertificação que assola grande parte do
território. As reduções de taxa, que adiante serão contempladas, apresentam
também fortes decréscimos (v. 3.5 - Reduções de taxa).
3.2
- Deduções à coleta ( 35.2% do total em 2014)
· O “Regime fiscal de
apoio ao investimento (Lei n.º 10/2009, de 10/3 (sucessivamente prorrogada),
art.ºs 26.º a 32.º do Código Fiscal do Investimento (revogado) e art.ºs 22.º a
26.º do Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Dec-Lei n.º 162/2014. de
31/10)” envolve benefícios que crescem substancialmente no período, atingindo €
118.7 M em 2014.
O preâmbulo descreve as intenções facilitadoras – Reforma
do IRC, criação do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento, ambas em 2013
e a redução em 2 pontos percentuais da taxa de IRC - com parcos efeitos sobre o
emprego ou, quando os tiveram, foi com a criação de trabalho precário e
salários tão atrativos que não estancaram a emigração de 100000 pessoas por
ano. Aumenta-se o “limite máximo do crédito de imposto em sede de IRC, sendo
aumentadas as majorações previstas para investimentos realizados em regiões com
um poder de compra per capita significativamente inferior à média nacional”;
aponta-se para a inovaçao tecnológica ou a proteção do ambiente (é
politicamente correto falar nestas coisas); alarga-se até dez anos o período de
isenção do IMI (as famílias têm-no visto aumentado, como se mostrou em 1);
prevê-se a isenção do imposto de selo, a redução ou isenção do IMT e
prometem-se situações de apoios comunitários que podem superar € 500000, tudo
para atrair investidores ou fomentar o empreendorismo. O discurso é o habitual
e a ineficácia também, como se verá adiante.
A durabilidade exigida para a permanência numa região, dos
bens que materializam os investimentos que se pretendem criadores de emprego é
de 3 a 5 anos (artº 22 nº 4 c) o que é reforçado na al. f) onde se define um “investimento
relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção
até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento,
nos termos da al. c)”.
Apesar de tanto afã legislativo, a verdade é que o
investimento não corresponde ao rasgo, certamente encomendado a uma empresa de
advogados, como se pode observar pela evolução da FBCF nos últimos anos:
€ milhões
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
36938
|
32452
|
26672
|
24707
|
25183
|
Fonte: Eurostat
Não é regra que a História se repita mas, tem muito
significado que no periodo 2010/12 a FBCF tenha decrescido 28% ou 32% se o
periodo se alongar até 2014; isto é, um valor superior ao observado em 1983/85
(26%), durante a anterior presença do FMI como orientador técnico da política
económica portuguesa – a solo. A retoma nos anos oitenta teve como bóia
salvadora os fundos comunitários, subsequentes à diluição na então CEE;
atualmente a crise subsiste apesar daqueles fundos, mesmo com o FMI reforçado
com relevantes parceiros - essa criação ad
hoc de psicopatas[9] chamada
Eurogrupo e ainda a Comissão Europeia, o BCE acompanhados de perto pela tutelar
figura de Schauble.
· Foi criado em 2013 um
“Crédito fiscal extraordinário ao investimento (Lei n.º 49/2013, de 16/07 )”
que, em 2013/14, forneceu € 283.6 M de deduções à coleta; e em 2014 surge uma
“Dedução por lucros retidos e reinvestidos pelas PME (art.ºs 27.º a 34.º do
CFI)” que originou € 46.8 M de benefícios;
O primeiro diploma confere uma dedução à coleta de IRC no
montante de 20% das despesas de investimento efetuadas no 2º semestre de 2013 e
o segundo destina-se a investimento em favor de nano, mini, micro, pequenas e
médias empresas.
· No quadriénio
considerado, as deduções relacionadas com “Grandes projetos de investimento
(ex-art.º 41.º, n.º1 do EBF , art.ºs 15,º a
21.º do CFI (revogado) art.ºs 2.º a 21,º do CFI aprovado pelo Dec. Lei
n.º 162/2014, de 31/10)” computaram-se em € 134.9 M. Por seu turno, o “SIFIDE -
Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial
(Lei n.º 40/2005, de 3/08) e SIFIDE II (art.º 133 º da Lei n.º 55-A/2010 de
31/12, art.ºs 33.º a 40.º do CFI (revogado) e art.ºs 35,º a 42,º do CFI
aprovado pelo Dec-Lei n.º 162/2014, de 31/10)” dá cobertura a deduções
regulares pouco acima dos € 80 M anuais.
Por grandes projetos entende-se os que tenham um valor
superior a € 3 M e concluídos até 2020, podendo ser majorados em função do
rendimento da região e do volume dos postos de trabalho criados, num quadro de
grande detalhe.
· Finalmente, note-se a
parca utilização de deduções inerentes a projetos de investimento à
internacionalização (€ 940 mil em 2014) ou ao capital de risco (€ 537.5 mil) ou ainda concernentes a lucros
reinvestidos nos Açores (€ 28 mil).
3.3 - Isenções
definitivas ( 37% do total em 2014)
· Durante o quadriénio
regista-se uma isenção de “pessoas coletivas de utilidade pública e de
solidariedade social (art.º 10.º do CIRC)” no valor de € 532.5 M.
Trata-se de uma parcela para a consolidação de uma
“economia solidária” cuja viabilidade, na realidade, se baseia em subsídios
públicos (v. 3.4 - Isenções temporárias), na ligeireza da carga fiscal, em mão
de obra feminina com baixos salários; sem que daí se possa concluir pela
existência de instituições subsidiadas suficientes que evitem o recurso a
serviços privados tout court –
creches, lares de idosos – com preços proibitivos para a maioria das famílias. Em
muitas situações trata-se de negócios protagonizados por entidades não
empresariais, subsidiadas pelo Estado, que as subcontrata como seus
dependentes, alicerçando-se assim clientelas em torno do partido no poder;
muitas delas inseridas na galáxia da Igreja Católica. E não é dispicienda a
existência de uma economia paralela, pouco respeitadora das regras inerentes ao
respeito com a dignidade humana, para mais no caso de pessoas dependentes ou
diminuídas.
Entenderíamos por sector social um conjunto de instituições
autónomas que recolhem recursos voluntários na sociedade à qual prestam
valiosos serviços, sem a dependência financeira do Estado, ao qual deve
incumbir apenas a definição e o zelo pelo cumprimento de regras técnicas de
funcionamento. Ora esse sector solidário, na realidade, não é constituído por
instituições provenientes da sociedade, independentes, financeiramente
autónomas e movidas por intuitos mais ou menos altruístas. Na medida em que a
sociedade não crie essas instituições autónomas, para o exercício dessas
funções, deveriam surgir soluções supletivas e de proximidade, com gestão local
ou regional, devidamente escrutinadas pela sociedade, pelas autarquias e pela
população, no âmbito de uma sociedade democrática, onde “o povo é quem mais
ordena”; e, jamais centralizadas num qualquer ministro com poderes
tentaculares, viabilizador de negócios por troca com apoio político e
financeiro à respetiva mafia partidária.
Como a “economia solidária” funciona, trata-se de mais uma
“externalização”, uma subempreitada de funções assumidas pelo Estado, em
empresas e instituições dele dependentes, ao arrepio da autonomia ontológica imputável
às empresas face ao Estado, inerente ao capitalismo nos seus inícios. Os
frequentes casos de redes criminosas no aparelho da Segurança Social revelam
outras formas de privatização ainda mais pútridas.
A solidariedade é um plano elevado de relações humanas,
baseada no afeto e na dádiva; se alguém é pago para garantir a aplicação da
solidariedade, esta desaparece e o que resta é um mero negócio, um comércio. Na
lógica do capitalismo tardio, onde prepondera a concorrência de cartéis e a
concentração de capital, as necessidades de reprodução do capital nunca
encontram fontes suficientes e satisfatórias; e daí o seu caráter invasivo e
predatório das áreas vocacionalmente não mercantis como a saúde, a educação, a ação
social, a segurança social, entre outras, através do domínio e
instrumentalização do aparelho de estado, pela classe dos capitalistas.
· As “atividades
culturais, recreativas e desportivas (art.º 11.º do CIRC e art.º 54.º, n.º 1 do
EBF)” colheram € 38 M no quadriénio, com particular incidência nos dois últimos
anos. São abrangidas as entidades com rendimentos brutos sujeitos a tributação
inferiores a € 7500.
· O setor cooperativo,
através de dois dispositivos “Cooperativas (estatuto fiscal cooperativo - Lei
N.º 85/98 de 16 de dezembro)” e “Cooperativas (art.º 66.º-A do ABF)” recebeu €
30.3 M no conjunto dos quatro anos.
· Francamente
beneficiados foram os “Fundos de pensões e equiparáveis (art.º 16.º, n.º 1 do
EBF) e outros fundos isentos definitivamente” que, apenas nos dois últimos anos
foram isentados de pagar € 54.9 M e € 198.5 M de IRC, para além do IMT às
autarquias (art.º 16.º, n.º 2 do EBF) e não contemplado naqueles valores.
Passada a moda da criação de fundos de pensões privativos de empresas,
nomeadamente de bancos, assistiu-se à integração de muitos, na CGA - Caixa
Geral de Aposentações e na Segurança Social[10], em condições
que prenunciam uma transferência de encargos futuros insusceptíveis de
cobertura com as reservas financeiras constituidas. À sombra dos fundos
privados de pensões procederam-se a muitas reformas antecipadas para alívio de
quadros de pessoal, para melhoria dos indicadores na bolsa e, passada essa
onda, chegou a altura da transferência para a esfera pública, para o Estado ou semi-pública
no caso da Segurança Social; ou com encargos reduzidos através de benefícios
fiscais. A ligeireza por parte dos reguladores na avaliação das condições
iniciais de criação de um fundo de pensões e do acompanhamento da viabilidade a
longo prazo, de fazerem face às suas responsabilidades futuras, promoveu a
assunção dessas responsabilidades por parte do erário público, aliviando ou
suprindo responsabilidades privadas; não faltando, na sequência, frequentes
alusões dos mandarins à sustentabilidade da Segurança Social ou à contribuição
da CGA para os deficits…
3.4 - Isenções
temporárias (0.6% do total em 2014)
· A grande quebra deste
tipo de benefícios no período deve-se ao fim das isenções às zonas francas da
Madeira e da ilha de Santa Maria, em 2011 (€ 814 M) e da evolução dos
concedidos a “SGPS, Empresas de Capital de Risco (SCR) e Investidores de
Capital de Risco (ICR) (art.º 32.º do EBF)” (€ 310 M, concentrados em 2012/13).
Os benefícios concedidos à Zona Franca da Madeira foram substituidos parcialmente
por reduções de taxa outorgadas às entidades licenciadas, como adiante se
referirá (v. 3.5 – Reduções de Taxa)
As sociedades de capital de risco podem deduzir na matéria
coletável o valor dos impostos pagos nos últimos cinco anos desde que esse montante
seja investido em sociedades com uma caraterística tão imprecisa e subjetiva como
terem “potencial de crescimento e valorização” conforme consta no nº 3 do art.º
32.º do EBF. Tendo em conta o volume dos benefícios, será interessante observar-se
as principais empresas beneficiárias, onde se encontram empresários do regime e
uma empresa – com sede na Zona Franca - que depois de ter recebido em 2012 um
benefício de € 59 M, foi liquidada no ano seguinte…
2012 € 1000
Soc Francisco Manuel dos Santos SGPS
SA (Grupo Jerónimo Martins)
|
79925
|
FI Madeira SGPS Unipessoal LDA *
|
59011
|
Parpública - Participações Publicas
SGPS SA
|
43312
|
2013 € 1000
Spiering SGPS LDA Holding do empresário Ilídio Pinho) *
|
35658
|
Tertir - Concessões Portuárias SGPS S
A (Grupo Mota-Engil) **
|
28243
|
* Acionista da Fomentinvest e patrão de Passos
Coelho
** Pelo menos uma outra empresa do grupo foi
beneficiada
- MOTA - ENGIL - Ambiente e Serviços SGPS S A contemplada
com € 4842 milhares
Quanto às isenções concedidas a “Associações públicas,
confederações, associações sindicais e patronais (art.º 55.º do EBF)” regista-se
a sua sextuplicação face a 2011 - € 4.4 M em 2013/14 tornando-se na maior
parcela destas isenções temporárias (69% do total). Em 2014 o principal
beneficiário foi o Centro de Formação Profissional da Industria da Construção
Civil e Obras Públicas do Norte com € 934 mil de isenção de IRC.
3.5 - Reduções de
taxa (20.1% do total em 2014)
· Em 2011 as reduções de
taxa contemplavam maioritariamente a interioridade (€ 69.8 M), colocando-se as
dirigidas às “Entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira (art.º 35º e 36.º
do EBF)” em segundo plano com € 8.2 M. A partir de 2012 enquanto decrescem
substancialmente os apoios à interioridade (€ 5 M em 2014) aumenta
escandalosamente o benefício concedido às tais entidades licenciadas na Zona
Franca da Madeira (€ 201.8 M em 2014, com 97.6% do total deste tipo de
benefício).
De modo muito sintético, dada a dimensão do referido artº
36, referimos que os benefícios às empresas licenciadas para “operarem” na Zona
Franca até ao final de 2014 serão tributados à taxa de 3% se instaladas entre
2007/09, de 4% se com atividade iniciada em 2010/12 e 5% se licenciadas a partir
de 2013 e até 2020; isso, porém, foi alterado para 5% para todos os licenciados
a partir de 2015 até final de 2020 (Lei 64/2015 de 1/7 e artº 36-A do EBF). O
benefício será concedido com limitações dependentes do número de postos de
trabalhos, sendo a matéria coletável máxima de € 2.73 M para a criação de
(apenas) 1 ou 2 postos… até € 205.5 M se os empregos criados se situarem acima
de 100.
Para embelezar o painel de benesses, as atividades
industriais terão ainda uma dedução de 50% à coleta do IRC, desde que cumpram
duas, pelo menos, das seguintes condições: modernização da economia regional, sua
diversificação, contratação de trabalhadores altamente qualificados, melhoria
ambiental e criação de 15 empregos mantidos durante cinco anos. Resta avaliar de
modo concreto qual o investimento estrangeiro que configura o contributo de 12%
da Zona Franca para o total nacional e qual o perfil das saídas de mercadorias
da Madeira para o exterior sabendo-se que 78% das exportações em 2014 terão
sido da responsabilidade de empresas sediadas na Zona Franca[12]. O caso da
Swatch cujos relógios são contabilizados como exportados da Zona Franca da
Madeira sem que lá se produza um só ponteiro é conhecido[13]; o mesmo se
passa com os produtos de luxo da Dior. Quanto ao emprego descreve-se no livro
referido na nota anterior que duas pessoas eram responsáveis por centenas de
empresas com sede num só apartamento do Funchal; e não consta que haja um fluxo
de pessoas a dirigir-se para a Madeira, para preencher os abundantes postos de
trabalho criados na Zona Franca.
Não é difícil ver aqui uma pintura a dourado de todo o
quadro da Zona Franca que, beneficiando empresas multinacionais ou negócios
mafiosos internacionais, tem como interessada a mafia regional, o PSD/Madeira,
também bem inserido no escândalo BANIF. Em paralelo, esse negócio prejudica a
vida dos madeirenses, uma vez que elevando os parâmetros da região para efeitos
de direito a fundos comunitários, reduz o volume daqueles que cabem à Madeira.
· Quanto à interioridade
ou as regiões periféricas observa-se e de modo transparente, algo de típico no
comportamento dos Estados em geral e do português em particular. O desinteresse
pela política regional, pelo combate à desertificação de grande parte do
território, pela harmonização territorial do desenvolvimento, coexiste com o
apoio a empresas que não trazem tecnologias, nem emprego, nem rendimentos para
a Madeira, neste caso concreto; apenas se servem da Zona Franca, como o nome
indica para se furtarem ao pagamento de impostos quer em Portugal, quer nos
seus países de origem[14].
4 –Subvenções e
benefícios públicos
4.1 – Tipos de
benefícios e principais concedentes
A Inspeção Geral de Finanças tem, nos últimos anos,
procedido a uma avaliação das subvenções e benefícios públicos concedidos. O
seu valor corresponde a 2.6% e 2.4% do PIB, respetivamente em 2013 e 2014,
reduzindo-se o valor médio por beneficiário porque aumentou muito o seu número
total, como se observa no quadro seguinte.
Subvenções e Benefícios Públicos
|
2013
|
2014
|
||
€ milhões
|
%
|
€ milhões
|
%
|
|
Total
|
4389,5
|
100,0
|
4379,5
|
100,0
|
Transf. Correntes e de Capital
|
2342,2
|
53,4
|
2308,8
|
52,7
|
Apoios Comunitários
|
1160,4
|
26,4
|
897,2
|
20,5
|
Subvenções/Subsídios Públicos
|
644,6
|
14,7
|
792,0
|
18,1
|
Garantias Pessoais
|
214,4
|
4,9
|
297,4
|
6,8
|
Outros
|
27,9
|
0,6
|
84,1
|
1,9
|
Entid. públ. Concedentes (nº)
|
534
|
544
|
||
Beneficiários (nº)
|
38955
|
49939
|
||
valor médio (€1000)
|
113
|
88
|
||
% PIB
|
2,6
|
2,4
|
Observa-se que mais de metade do total se enquadra como
transferências enquanto os fundos comunitários tiveram uma forte quebra entre
os dois anos, ao contrário do que sucedeu com subvenções e subsídios.
Cerca de 80% do total distribuido teve origem em apenas 10
das 534/544 instituições contempladas como se pode observar no quadro que se
segue .
10 Principais
concedentes
|
2013
|
2014
|
||
€ milhões
|
%
|
€ milhões
|
%
|
|
Total
|
4389,5
|
100,0
|
4379,5
|
100,0
|
Instituto da Segurança Social
|
1340,5
|
30,5
|
1403,6
|
32,0
|
Prog. Oper. Potencial Humano
|
598,1
|
13,6
|
465,8
|
10,6
|
Agência Desenv. e Coesão *
|
465,5
|
10,6
|
302,8
|
6,9
|
IEFP -Inst. Emp. Formação Prof.
|
204,1
|
4,6
|
438,9
|
10,0
|
Fundação Ciência e Tecnologia
|
227,4
|
5,2
|
254,4
|
5,8
|
DG Administração Escolar
|
180,7
|
4,1
|
172,8
|
3,9
|
DG Tesouro e Finanças
|
151,8
|
3,5
|
234,8
|
5,4
|
Inst. Gest. Fin. Segurança Social
|
107,9
|
2,5
|
73,3
|
1,7
|
DG Estabelecimentos Escolares
|
85,2
|
1,9
|
85,7
|
2,0
|
Autoridade Nac. Proteção Civil
|
79,1
|
1,8
|
68,2
|
1,6
|
Outros
|
949,2
|
21,6
|
879,2
|
20,1
|
* em 2013, Inst. Fin. Desenv. Regional
|
Esta distribuição
suscita algumas interrogações. O Instituto da Segurança Social agrega à sua
volta uma vasta e densa estrutura clientelar que vive do seu papel de
distribuidor de fundos públicos a um grande naipe de instituições religiosas,
comerciais ou ambas as coisas. Como rede clientelar, utiliza a ação social mais
como instrumento para a concretização dos seus fins do que como o objeto de
todo um sistema público de solidariedade social. Essa dependência favorece
também o partido no poder, sendo conhecida a apetência do CDS, pelas suas
relações com a Igreja Católica ou pelo seu amor ao empreendorismo, para a
gestão do ministério que contenha a Segurança Social no seu seio; como o CDS tem
poucos quadros qualificados – o ex-ministro Mota Soares é um caso patente -
fica aberta a porta ao recrutamento de qualquer oportunista ou marcado pela
iliteracia.
Em regra, essas instituições fundem-se com o poder, defensor
implícito de uma paliativa caridade, para manterem uma casta de dignitários e
comerciantes que, por sua vez exploram uma mão-de-obra essencialmente feminina,
paga com salários de miséria. Para que essa fusão funcione, tornou-se política
ministerial a redução de trabalhadores, oficialmente para redução da despesa
pública, da racionalização dos serviços, intuitos que caem bem na lapela do
ministro de turno. Fazer caridade tendo o Estado como mediador e fornecedor de
óbulos não está nos cânones, é um descanso, um produto derivado do
neoliberalismo.
A concretização dessa política de externalização de
funções pode observar-se nestes elementos calculados a partir das Contas da
Segurança Social:
- crescimento de 5.8% das transferências para instituições sem fins lucrativos (2010/14)
- crescimento 11.9% dos serviços prestados pela banca e outros (2013/14)
- redução de 13.6% dos gastos com pessoal (2010/14)
No capítulo das
instituições com intervenção nas áreas do emprego, desemprego e qualificação é
conhecido o caráter histórico da má aplicação dos fundos comunitários que irão
escorregar para detentores de empresas de formação, com pouco benefício para a
população trabalhadora. Passados 30 anos após a integraçao na antiga CEE e da
chegada de fundos comunitários continua a observar-se um grande fosso entre a
formação da população portuguesa e a dos outros países europeus, como
observámos, tempos atrás[15]. Sabe-se do
entretenimento que o IEFP propicia a desempregados com cursos de inglês básico (por
exemplo) a pessoas de pouca instrução com mais de 45 anos ou de um imbecil
“empreendorismo no feminino”; como também se sabe dos artifícios que o IEFP
organiza para excluir dezenas de milhar de desempregados das estatísticas do
desemprego e como cuidadosamente burocratiza a entrada de jovens em estágios
remunerados ou mantém desempregados sob o humilhante regime de apresentação
quinzenal. Uma mesma lógica de arrastamento de uma precariedade na vida é
praticada pela FCT relativamente aos bolseiros.
A Agência para o
Desenvolvimento e a Coesão não é mais do que o distribuidor de fundos
comunitários para regiões e autarquias e que deveria combater as desigualdades
regionais (que se acentuaram apesar de 30 anos de fundos de coesão), valorizar
os recursos endógenos (num país que exporta muitos milhares de jovens
qualificados… com o incentivo do anterior primeiro-ministro) e cujo organograma
pretende rivalizar com o do Pentágono, tantas são as unidades organizativas.
As instituições ligadas
à educação apresentam como principais destinatários, como adiante se observará,
grupos privados que beneficiam de fortes apoios de fundos públicos e de ações
de instâncias governamentais para os favorecer. O caso do Grupo GPS, ligado à
maçonaria está suficientemente documentado[16].
4.2 – Subvenções e
subsídios não reembolsáveis
O quadro abaixo enumera
os principais beneficiários de subvenções/subsídios não reembolsáveis que
absorveram em 2013 e 2014, respetivamente, 64.4 e 65.5% do total concedido.
Subvenções/Subsídios
não Reemb. - 2013
|
Subvenções/Subsídios
não Reemb. - 2014
|
||
ANA - Aeroportos de
Portugal, S.A.
|
81,6
|
Fundo de Contragarantia
Mútuo
|
100,0
|
Caixa Económica Montepio
Geral
|
62,5
|
Eletricidade dos Açores,
S.A.
|
65,0
|
Empresa Portuguesa das Águas
Livres, S.A.
|
46,8
|
Caixa Económica Montepio
Geral
|
62,5
|
Fundo Reestruturação do
Sector Solidário
|
30,0
|
EPAL-Emp. Públ.
Águas Livres, S.A.
|
50,3
|
Grupo GPS (Gestão Particip
Sociais SGPS)
|
28,7
|
Grupo GPS (Gest. Particip
Soc. SGPS)
|
26,9
|
Saneam. Integr. Municíp.
Tejo e Trancão
|
24,5
|
Cruz Vermelha Portuguesa
|
21,6
|
Cruz Vermelha Portuguesa
|
22,3
|
AGDA - Águas Públ. Alentejo, S.A.
|
17,4
|
Escola Nacional de
Bombeiros
|
15,1
|
Águas do Ribatejo, E.M.
S.A.
|
17,1
|
Didáxis - Cooperativa de
Ensino, C.R.L.
|
13,3
|
AdP - Águas de Portugal,
SGPS, S.A.
|
15,8
|
AGDA - Águas Públicas do
Alentejo, S.A.
|
13,2
|
Escola Nacional de
Bombeiros
|
14,3
|
Fibroglobal – Comunic. Eletrónicas
S.A.
|
11,9
|
Águas do Noroeste S.A.
|
13,7
|
Águas da Região de Aveiro,
S.A
|
11,6
|
ATL - Assoc. de
Turismo de Lisboa
|
13,0
|
Grupo Salesianos
|
11,4
|
VRSA - Soc. Gest. Urbana E.M. S.A.
|
12,6
|
Assoc. de Jardins
Escola João de Deus
|
10,9
|
Inst. de Biologia
Molecular e Celular
|
12,4
|
CAP – Confed. dos
Agricultores Portugal
|
10,9
|
SIMDOURO – Saneam. Grande
Porto
|
12,1
|
Administração do Porto de
Lisboa, S.A.
|
10,5
|
DIDAXIS - Coop. de
Ensino CRL
|
11,6
|
Fundação Inatel
|
9,7
|
Investim. Habitacionais da
Madeira
|
11,4
|
Assoc. Jardins Escolas
João de Deus
|
10,4
|
||
Grupo Salesianos
|
10,3
|
||
Assoc. IST Investig e Desenv.
|
10,4
|
||
Cáritas Diocesana de
Coimbra
|
10,3
|
Esta listagem oferece
informação muito interessante, para além de algumas situações já retratadas
atrás, como o caso do grupo GPS. No que se refere à ANA, depois da decisão da
sua privatização em dezembro de 2012, por € 3080 M[17] logo no ano
seguinte, os seus novos acionistas são brindados pelo governo com uma subvenção
de € 81.6 M. Por seu turno, a Caixa Económica/Montepio Geral, provavelmente o
próximo abalo no precário sistema financeiro de capitais portugueses, também
recebeu dois brindes avultados, não se sabendo o que diferencia o MG dos outros
bancos, para além de assembleias gerais tumultuosas e com acusações de fraude.
No sector das águas pretendia-se
uma privatização e para o efeito, nada melhor do que a colocação de muitos
milhões de euros para tornar as empresas mais aliciantes para os compradores,
entre os quais pairam interesses partidários.
A Cruz Vermelha
Portuguesa é também uma feliz contemplada nos dois anos, o que certamente, não
será para exercer uma função social, se se atender aos preços praticados nos
seus serviços médicos[18].
Sublinha-se a subvenção
dada a uma confederação patronal, a CAP-Confederação dos Agricultores de
Portugal.
No campo da educação,
havendo tantas carências em escolas públicas, só no âmbito da corrupção
sistémica, do clientelismo ou das ligações partidárias é que se entendem as
subvenções dadas a escolas privadas vocacionadas para classes médias altas e
altas como, para além do já citado Grupo GPS, da Didáxis, do Grupo Salesianos e
da Associação de Jardins Escola João de Deus; e, eventualmente outras se
pudessemos dispor da longa lista dos beneficiados.
4.3 – Transferências
correntes e de capital
Há uma grande
coincidência entre os conjuntos dos principais beneficiários de subvenções ou
de transferências se bem que os últimos tenham aqui uma representatividade
muito inferior a registada para as subvenções – 7.2% e 5.9% do total,
respetivamente em 2013 e 2014.
Transf. Correntes e
de Capital - 2013
|
Transf. Correntes e
de Capital - 2014
|
||
Fundo Reestrut.
Sector Solidário
|
30,0
|
Grupo GPS
|
23,9
|
Grupo GPS
|
25,7
|
Cruz Vermelha Portuguesa
|
14,8
|
Cruz Vermelha Portuguesa
|
15,6
|
Escola Nacional de
Bombeiros
|
14,1
|
Escola Nacional de
Bombeiros
|
14,1
|
Assoc. Jardins Escolas
João Deus
|
10,0
|
Assoc. Jardins Escolas
João Deus
|
9,5
|
Cascais Dinâmica- E.M. SA
|
9,3
|
Fundação INATEL
|
9,5
|
Cáritas Diocesana de
Coimbra
|
9,4
|
Cáritas Diocesana de
Coimbra
|
9,1
|
Didáxis - Coop. de
Ensino, C.R.L.
|
8,4
|
Didáxis - Coop. de
Ensino, C.R.L.
|
9,1
|
Santa Casa Misericórdia Cascais
|
7,6
|
Santa Casa Misericórdia Cascais
|
8,8
|
Grupo Salesianos
|
8,6
|
Grupo Salesianos
|
8,4
|
Fundação Casa da Música
|
7,2
|
Associação de Turismo
Algarve
|
7,5
|
Associação de Turismo de
Lisboa
|
7,0
|
Associação de Turismo de
Lisboa
|
7,2
|
Fundação Centro
Cultural Belém
|
7,3
|
Fundação Centro
Cultural Belém
|
6,8
|
GEBALIS - Bairros Municip Lisboa,
|
8,3
|
Casa Povo Santa
Maria de Lamas
|
6,7
|
As entidades com
intervenção na área da educação e ainda a Cruz Vermelha ou o Fundo de
Reestruturação do Setor Solidário, para além de subvenções, incluem-se entre os
principais beneficiários de transferências correntes e de capital, evidenciando-se
claramente como entidades bem inseridas no regime político vigente.
Destacamos finalmente,
a presença de associações empresariais do setor turístico, a coqueluche que o
regime considera como uma das principais alavancas do “crescimento”, esquecendo
a forte componente importada da atividade, os baixos salários, a sazonalidade e
a escassa singularidade de Portugal como destino turístico, com resultados
atualmente favorecidos pela violência que tem marcado o norte de África.
4.4 - Apoios comunitários
No capítulo dos apoios
comunitários os principais beneficiários representam 10.2 e 18.2% do total
concedido, em 2013 e 2014.
Pesam, em ambos os
anos, entidades relacionadas com a água, preparando infraestruturas regionais
que desenvolvam processos de concentração dos sistemas de captação e
distribuição susceptíveis de interessar os grandes empórios globais das águas,
numa futura privatização. Note-se ainda que a CAP-Confederação dos Agricultores
de Portugal junta estes apoios aos recolhidos sob a forma de subvenções ou
subsídios.
Apoios Comunitários
- 2013
|
Apoios Comunitários
- 2014
|
||
Saneam. Integrado
Municip Tejo e Trancão, S.A.
|
24,4
|
CEIIA - Centro Excelência e Inovação na Ind. Automóvel
|
7,9
|
Águas Públicas do
Alentejo, S.A.
|
12,6
|
Águas Públicas do
Alentejo, S.A.
|
16,9
|
Fibroglobal-Comunic. Eletrón. S.A.
|
11,9
|
SMAS - Serviços
Municip.Água, Saneam Piscinas Viseu
|
7,8
|
ADRA - Águas da Região de
Aveiro, S.A
|
11,6
|
ADRA - Águas da Região de
Aveiro, S.A
|
9,3
|
Ostelecom Norte, Lda
|
10,9
|
ÁGUAS DO NOROESTE, S.A.
|
13,6
|
CAP – Confeder.
Agricultores de Portugal
|
10,2
|
CAP – Confeder.
Agricultores de Portugal
|
8,0
|
Associação EGP -
University of Porto Business School
|
9,4
|
SIMDOURO - Saneamento do
Grande Porto, S.A.
|
12,1
|
Administração dos Portos
do Douro e Leixões, S.A.
|
9,2
|
Centro de Neurociências e
Biologia Celular
|
7,4
|
Empresa das Águas de
Santarém EM, S.A.
|
9,1
|
Instituto de Biologia
Molecular e Celular
|
9,7
|
Águas do Algarve, S.A.
|
9,0
|
Assoc. Minho Park
Monção- Parq Empres. Noroeste Penins.
|
7,3
|
AR - Águas do Ribatejo,
S.A.
|
17,1
|
Este e outros textos
em:
Se
acabassem as isenções de que os partidos políticos gozam isso teria permitido
um aumento de 7.6% à receita de IMI em 2http://www.inverbis.pt/2014/atualidade/sistemapolitico/662-imoveis-partidos-imi
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
(existem versões em castelhano e inglês)
[9] Assim designado
por Varoufakis recentemente
[10] Numa primeira instância os fundos de pensões dos bancos
corresponderam a receitas de € 5950 M, o da PT € 1097 M, ambos em 2012/3 e ainda o do BPN e da IFAP
[14] Segundo João
Pedro Martins no seu livro “Suite 605” a “Madeira perdeu 900 milhões de euros
devido às exportações fictícias que inflacionaram artificialmente o PIB” e
convive com “30% da população da Madeira a viver abaixo do limiar da pobreza”.
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