quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

GANHOS E PERDAS DE PODER DE COMPRA NAS TERRAS DE PORTUGAL - 2004/2013



No contexto de um empobrecimento global verificável, mesmo empiricamente, observou-se uma maior homogeneidade no território, com perdas bem visíveis em áreas com maior poder de compra e ganhos em regiões, na sua maioria, em processo de desertificação.

Onde antes havia remediados e pobres, a distinção agora é menos pobres e mais pobres, para além dos que se disseminaram pelo mundo.



O poder de compra, enquanto medida do bem-estar material nos 308 concelhos portugueses pode ser encarado tendo como referência um valor nacional. Para o efeito utilizaremos o conceito de IpC – Indicador per Capita, isto é, a forma como o poder de compra se traduz quotidianamente, em termos médios, por cada habitante.

O INE publica dados sobre o poder de compra há mais de dez anos. Decidimos avaliar as variações entre as situações no lapso de tempo de dez anos, a começar em 2004 e a terminar  em 2013, tendo como ponto intermédio 2009; por esta mesma razão, de ser intermédio e porque nesse ano se posicionou o ponto de partida para a crise económica e social que ainda hoje está presente, sem um fim à vista.

Como dissemos, o elemento de referência é a capitação do poder de compra nacional ao qual, em cada um dos anos considerados será imputado o índice 100, como referente para todos os concelhos, com as suas variações próprias, sempre aferidas em relação com aquele índice nacional. A comparação do poder de compra nacional com outras realidades externas será efectuado oportunamente.


2.004
2.009
2.013
IpC
Municípios
População
Municípios
População
Municípios
População
>= 100
27
3.413.445
39
3.911.594
32
3.223.328
>=75/<100
66
3.265.736
84
3.914.458
133
5.635.973
>=50/<75
186
3.518.384
173
2.686.987
143
1.515.521
< 50
29
331.690
12
124.674
0
0
                                                                                                    INE – Anuários Estatísticos

Em 2004 era muito próximo o número de municípios com um IpC inferior a metade do valor nacional e o daqueles que superavam este último. Nos concelhos mais pobres residiam cerca de 330 mil pessoas e nos mais ricos (em termos nacionais) 3.4 M. Mais de metade dos concelhos apresentavam um indicador entre metade e 2/3 da média nacional e neles residiam mais de 3.5 M de pessoas, um pouco acima das populações contidas que em cada segmento de concelhos com IpC superior. Para além dos 29 concelhos mais pobres, a população distribuía-se, em termos práticos, pelos três outros escalões.

Em 2009 há um reforço evidente quer dos concelhos onde o indicador supera a média nacional, quer daqueles onde que superavam 75% da média nacional mas, situando-se aquém do padrão global. A população incluída nos concelhos destes dois segmentos aumentou para 7.8 M de pessoas, contra quase 6.8 M cinco anos antes.

Como é evidente, o número dos concelhos mais desfavorecidos reduz-se, bem como a população neles residente, sobretudo no caso daqueles onde o IpC se situava abaixo de metade da média nacional – sobram então, apenas 12 concelhos[1], com perto de 125 mil residentes. No entanto, em mais de metade dos concelhos, o indicador continua – como em 2004 - com valores entre metade e 75% do valor nacional, neles residindo cerca de 2.7 M de pessoas.

Em 2013 deixam de existir municípios com IpC inferior a metade da média nacional e reduzem-se também aqueles onde o indicador se coloca entre metade e 2/3 do valor global – passam a ser 143 contra 173 cinco anos antes enquanto a população residente abrangida se reduz para 1.5M. Assim, face a 2009, 42 concelhos ascendem ao escalão dos 75-100% do IpC nacional aos que se devem somar 7, quantitativo líquido[2] dos que baixaram àquele patamar, deixando de figurar entre os que detêm um indicador acima da média global. Dito de outro modo, há um pendor para maior homogeneidade no território nacional, deixando de haver concelhos com IpC inferior a metade da média nacional, ao mesmo tempo que se reduz o território com população acima da referida média; neste último caso, situa-se em perto de 700 mil o volume líquido de população “despromovida” ao escalão com IpC inferior à média global ainda que superior a 75% do mesmo. Esse pendor corresponde à ideia geral de espoliação e empobrecimento das camadas médias da população que, rebaixando o nível material das condições de vida das pessoas residentes nas zonas com maior IpC torna, por comparação, mais lisonjeiros os indicadores das áreas territoriais menos favorecidas, mais desertificadas de gente, trabalho e atividade económica.

Por ação da troika, através de quem cumpriu com dedicação canina as suas determinações, Portugal passou a ser um país mais igualitário. Antes havia remediados e pobres, agora há menos pobres e mais pobres, para além dos que se disseminaram pelo mundo.

Para cada um dos anos considerados, estreita-se claramente o fosso entre os concelhos com maior e menor IpC, o que constitui um outro aferidor daquela redistribuição homogeneizante:

2004
2009
2013
Lisboa (a)
277,93
Lisboa
232,54
Lisboa
207,91
Celorico de Basto (b)
41,77
Sernancelhe
47,36
Cinfães
56,54
 (a)/(b)
6,65

4,91

3,68

Observemos com maior detalhe essa redistribuição resultante das políticas da troika, observando os concelhos que reduziram o seu IpC entre 2004 e 2013 e o seu índice neste último ano. Dos 30 municípios onde o indicador se reduziu naqueles dez anos, 16 têm em 2013 um IpC superior à media nacional (metade do total) e dos restantes também superavam aquela média global, Lagos, Odivelas e Sintra (2004), Loulé, Loures e Porto Santo (2004 e 2009). Neste total, 11 concelhos situam-se na área metropolitana de Lisboa, 4 na do Porto, 10 no Algarve e 2 na Madeira.


IpC 2013
Variação. 2013/04

IpC 2013
Variação 2013/04
Albufeira
104,64
-36,53
Loures
92,00
-24,65
Aljezur
68,82
-7,60
Matosinhos
120,95
-4,91
Almada
107,40
-13,54
Odivelas
90,63
-18,80
Amadora
103,59
-25,50
Oeiras
180,73
-0,24
Barreiro
100,54
-5,56
Olhão
81,21
-0,09
Cascais
125,59
-36,70
Portimão
101,61
-17,42
Coimbra
130,32
-2,15
Porto
169,85
-28,63
Entroncamento
101,45
-4,35
Porto Santo
98,82
-11,96
Espinho
101,96
-10,20
Seixal
92,03
-2,43
Faro
132,31
-7,84
Setúbal
105,89
-2,03
Funchal
111,92
-8,86
Silves 
75,10
-6,40
Lagoa
86.63
-13.96
Sintra
99,08
-5,43
Lagos
89,00
-21,31
Valongo
88,97
-4,72
Lisboa
207,91
-70,02
Vila do Bispo
63,56
-24,17
Loulé
98,62
-22,16
V. N. Barquinha
72,85
-0,37



















O mapa seguinte mostra a evolução do IpC nos dez anos terminados em 2013, evidenciando as variações daquele indicador por concelho.  

Entre 2004/13, 232 dos 308 concelhos reduziram a sua população num total de 392000 pessoas e os restantes 76 aumentaram os seus residentes em 237600. E não se regista um paralelismo entre aumento da população e melhoria do IpC ou, redução da população e deterioração do indicador.

São 11 os municípios que reduziram a população e também o seu posicionamento no capítulo do IpC  - Vila do Bispo, Amadora, V N de Barquinha, Seixal, Espinho, Setúbal, Barreiro, Coimbra, Lisboa, Porto e Sintra (os três últmos perderam 69400 pessoas) - com grande predomínio na área da Grande Lisboa.

A deterioração do IpC registou-se também onde houve aumento de população; isto é, em  19 concelhos - Lagoa, Aljezur, Entroncamento, Porto Santo, Silves, Olhão, Faro, Lagos, Valongo, Oeiras, Almada, Albufeira, Loures, Matosinhos, Funchal, Loulé, Portimão, Odivelas e Cascais. Cascais é o concelho com maior aumento populacional no país no período considerado (27900 mas, também com uma substancial queda do IpC (-36.7) só superada por Lisboa (-70). No conjunto dos 19 concelhos predominam concelhos algarvios (9) e isso admite algumas reflexões laterais sobre o modelo económico prevalecente no Algarve como na Madeira.

Os aumentos de população num contexto nacional de regressão e empobrecimento revelam que onde isso acontece houve condições para fixação de população e mesmo de atração de gente vinda de outros lugares. 

A atividade turística apresenta-se como dominante nos concelhos algarvios acima referidos, bem como nos dois citados situados na Madeira e, porventura, é essa atividade que atrai pessoas para se manterem ou fixarem naqueles territórios. A evolução das dormidas entre 2004 e 2014 revela um crescimento assinalável, a exigir um acréscimo de trabalhadores, como se pode observar adiante; a não ser que em 2004 houvesse um enorme volume de trabalhadores excedentários.


Dormidas  2004
Dormidas  2014
Algarve
13 252 873
16 591 548
Albufeira
5 364 333
7 177 322
Lagoa
1 028 486
1 335 126
Loulé
1 832 505
2 201 919
Portimão
2 457 454
1 910 173
R. A. Madeira
5 493 076
6 506 866
Funchal
4 020 779
4 442 953
Porto Santo
 216 107
341 982
                                                                             INE – Anuários Estatísticos

Embora o INE não revele aumentos do número de trabalhadores por conta de outrém, apresenta indicações de variações muito positivas dos seus ganhos médios mensais. Neste contexto, cabe a colocação de duas questões.

1)   se um aumento da procura de instalações hoteleiras na dimensão referida, não exigindo um reforço da força de trabalho ao serviço, pode gerar, pelo contrário, reduções no efetivo de trabalhadores? Os hoteleiros andam a comprar robots?

2)   Se há uma menor necessidade de trabalhadores porque razão os ganhos médios sobem, negando assim os mecanismos de mercado, num contexto de população (chamada oferta) aumentada.

Parece-nos que a resposta não se encontra nos dados estatísticos do INE, baseados na economia formal e que as justificações caberão dentro da portentosa economia paralela que em Portugal se poderá medir em cerca de 25% do PIB; e que envolverão trabalhadores não legalizados, precarizados, sazonais, vivendo no invernos dos restos dos salários auferidos no verão, vindo-nos à memória uma solicitação, anos atrás, dos “industriais” do turismo algarvio para a importação de dezenas de milhar de trabalhadores sazonais polacos.

Depois de uma imagem sobre as variações do IpC no período 2004/13, observe-se agora a distribuição dos valores do indicador, em 2013, de acordo com três escalões – os que se situam acima da média nacional, os que se acham abaixo daquela, sendo superiores a 75% da base nacional e os restantes que apresentam um IpC entre 50% e 75% da média geral. 

Dos 143 concelhos com a classificação mais negativa (50<IpC<75) em 2013, na sua grande maioria distribuidos pelo interior, de norte a sul e nas Regiões Autónomas,  somente em 15 se verificaram aumentos populacionais comparativamente a 2004. Esses ganhos de população, no total de 26.7 mil pessoas devem comparar-se com perdas de 148 m nos restantes 128, mais de um terço dos municípios portugueses e reveladores da crescente desertificação humana observada no período. Em termos líquidos, nos dez anos considerados a população daqueles 143 concelhos reduziu-se 7.5%.

No que se refere ao grupo dos 133 concelhos com um IpC intermédio no contexto português (75<IpC<100) em 2013, a sua localização concentra-se na metade do território mais próxima do litoral, com outras concentrações no Alto Trás-os-Montes, na faixa Castelo Branco-Guarda, no Alto Alentejo e nos Açores. Somente 41 concelhos apresentam um crescimento populacional, entre 2004 e 2013, num total de 103 m individuos enquanto os restantes sofreram uma regressão populacional de 182 m pessoas, de onde resulta uma variação negativa de 79 m habitantes, para o total deste segmento de municípios. Este valor global, líquido representa uma quebra populacional de 1.4% para o período de dez anos; não sendo um quadro de desertificação maciça é um claro quadro de regressão económica e social.

No que se refere aos 32 concelhos com um IpC superior à média nacional, a sua distribuição no território é bastante dispersa e baseia-se na área metropolitana de Lisboa e nas capitais de distrito; no total dos distritos só se acham fora daquele grupo, Viana do Castelo, Bragança, Guarda, Viseu e Castelo Branco. Entre este grupo de

concelhos observa-se uma variação positiva no número de habitantes na ordem de 46 m pessoas, volume que resulta de aumentos populacionais em 21 municípios (108 m pessoas no total, com quase metade desse aumento concentrado em Cascais, Montijo e Braga).  

Este e outros textos em:



[1] Do mais empobrecido ao menos pobre: Sernancelhe, Celorico de Bastos, Ribeira de Pena, Vinhais, Cinfães, Vila Nova de Paiva, Resende, Armamar, Valpaços, Mondim de Basto, Penalva do Castelo e Penedono, na sua maioria em Trás-os-Montes e na margem sul do Douro
[2]  Deixaram de ter um IpC superior à média nacional Benavente, Loulé, Loures, Mafra, Palmela, Porto Santo, Santiago do Cacém, Vila Franca de Xira e Vila Nova de Gaia. Ascenderam a um IpC superior à média apenas dois concelhos – Castro Verde e Leiria

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