No contexto de um empobrecimento
global verificável, mesmo empiricamente, observou-se uma maior homogeneidade no
território, com perdas bem visíveis em áreas com maior poder de compra e ganhos
em regiões, na sua maioria, em processo de desertificação.
Onde antes havia remediados e pobres, a distinção
agora é menos pobres e mais pobres, para além dos que se disseminaram pelo
mundo.
O poder de compra, enquanto medida do
bem-estar material nos 308 concelhos portugueses pode ser encarado tendo como
referência um valor nacional. Para o efeito utilizaremos o conceito de IpC –
Indicador per Capita, isto é, a forma como o poder de compra se traduz
quotidianamente, em termos médios, por cada habitante.
O INE publica dados sobre o poder de
compra há mais de dez anos. Decidimos avaliar as variações entre as situações
no lapso de tempo de dez anos, a começar em 2004 e a terminar em 2013, tendo como ponto intermédio 2009;
por esta mesma razão, de ser intermédio e porque nesse ano se posicionou o
ponto de partida para a crise económica e social que ainda hoje está presente,
sem um fim à vista.
Como dissemos, o elemento de
referência é a capitação do poder de compra nacional ao qual, em cada um dos
anos considerados será imputado o índice 100, como referente para todos os
concelhos, com as suas variações próprias, sempre aferidas em relação com
aquele índice nacional. A comparação do poder de compra nacional com outras
realidades externas será efectuado oportunamente.
2.004
|
2.009
|
2.013
|
||||
IpC
|
Municípios
|
População
|
Municípios
|
População
|
Municípios
|
População
|
>= 100
|
27
|
3.413.445
|
39
|
3.911.594
|
32
|
3.223.328
|
>=75/<100
|
66
|
3.265.736
|
84
|
3.914.458
|
133
|
5.635.973
|
>=50/<75
|
186
|
3.518.384
|
173
|
2.686.987
|
143
|
1.515.521
|
< 50
|
29
|
331.690
|
12
|
124.674
|
0
|
0
|
INE – Anuários Estatísticos
Em 2004 era muito próximo o número de
municípios com um IpC inferior a metade do valor nacional e o daqueles que
superavam este último. Nos concelhos mais pobres residiam cerca de 330 mil
pessoas e nos mais ricos (em termos nacionais) 3.4 M. Mais de metade dos
concelhos apresentavam um indicador entre metade e 2/3 da média nacional e
neles residiam mais de 3.5 M de pessoas, um pouco acima das populações contidas
que em cada segmento de concelhos com IpC superior. Para além dos 29 concelhos
mais pobres, a população distribuía-se, em termos práticos, pelos três outros
escalões.
Em 2009 há um reforço evidente quer
dos concelhos onde o indicador supera a média nacional, quer daqueles onde que superavam
75% da média nacional mas, situando-se aquém do padrão global. A população
incluída nos concelhos destes dois segmentos aumentou para 7.8 M de pessoas,
contra quase 6.8 M cinco anos antes.
Como é evidente, o número dos
concelhos mais desfavorecidos reduz-se, bem como a população neles residente,
sobretudo no caso daqueles onde o IpC se situava abaixo de metade da média nacional
– sobram então, apenas 12 concelhos[1], com
perto de 125 mil residentes. No entanto, em mais de metade dos concelhos, o
indicador continua – como em 2004 - com valores entre metade e 75% do valor
nacional, neles residindo cerca de 2.7 M de pessoas.
Em 2013 deixam de existir municípios com IpC
inferior a metade da média nacional e reduzem-se também aqueles onde o
indicador se coloca entre metade e 2/3 do valor global – passam a ser 143
contra 173 cinco anos antes enquanto a população residente abrangida se reduz
para 1.5M. Assim, face a 2009, 42 concelhos ascendem ao escalão dos 75-100% do
IpC nacional aos que se devem somar 7, quantitativo líquido[2] dos que
baixaram àquele patamar, deixando de figurar entre os que detêm um indicador
acima da média global. Dito de outro modo, há um pendor para maior
homogeneidade no território nacional, deixando de haver concelhos com IpC
inferior a metade da média nacional, ao mesmo tempo que se reduz o território com
população acima da referida média; neste último caso, situa-se em perto de 700
mil o volume líquido de população “despromovida” ao escalão com IpC inferior à
média global ainda que superior a 75% do mesmo. Esse pendor corresponde à ideia
geral de espoliação e empobrecimento das camadas médias da população que,
rebaixando o nível material das condições de vida das pessoas residentes nas
zonas com maior IpC torna, por comparação, mais lisonjeiros os indicadores das
áreas territoriais menos favorecidas, mais desertificadas de gente, trabalho e
atividade económica.
Por ação da troika,
através de quem cumpriu com dedicação canina as suas determinações, Portugal
passou a ser um país mais igualitário. Antes havia remediados e pobres, agora
há menos pobres e mais pobres, para além dos que se disseminaram pelo mundo.
Para cada um dos anos considerados, estreita-se
claramente o fosso entre os concelhos com maior e menor IpC, o que constitui um
outro aferidor daquela redistribuição homogeneizante:
2004
|
2009
|
2013
|
|||
Lisboa (a)
|
277,93
|
Lisboa
|
232,54
|
Lisboa
|
207,91
|
Celorico de Basto (b)
|
41,77
|
Sernancelhe
|
47,36
|
Cinfães
|
56,54
|
(a)/(b)
|
6,65
|
4,91
|
3,68
|
Observemos com maior detalhe essa
redistribuição resultante das políticas da troika,
observando os concelhos que reduziram o seu IpC entre 2004 e 2013 e o seu
índice neste último ano. Dos 30 municípios onde o indicador se reduziu naqueles
dez anos, 16 têm em 2013 um IpC superior à media nacional (metade do total) e
dos restantes também superavam aquela média global, Lagos, Odivelas e Sintra
(2004), Loulé, Loures e Porto Santo (2004 e 2009). Neste total, 11 concelhos
situam-se na área metropolitana de Lisboa, 4 na do Porto, 10 no Algarve e 2 na
Madeira.
IpC
2013
|
Variação.
2013/04
|
IpC
2013
|
Variação
2013/04
|
||
Albufeira
|
104,64
|
-36,53
|
Loures
|
92,00
|
-24,65
|
Aljezur
|
68,82
|
-7,60
|
Matosinhos
|
120,95
|
-4,91
|
Almada
|
107,40
|
-13,54
|
Odivelas
|
90,63
|
-18,80
|
Amadora
|
103,59
|
-25,50
|
Oeiras
|
180,73
|
-0,24
|
Barreiro
|
100,54
|
-5,56
|
Olhão
|
81,21
|
-0,09
|
Cascais
|
125,59
|
-36,70
|
Portimão
|
101,61
|
-17,42
|
Coimbra
|
130,32
|
-2,15
|
Porto
|
169,85
|
-28,63
|
Entroncamento
|
101,45
|
-4,35
|
Porto
Santo
|
98,82
|
-11,96
|
Espinho
|
101,96
|
-10,20
|
Seixal
|
92,03
|
-2,43
|
Faro
|
132,31
|
-7,84
|
Setúbal
|
105,89
|
-2,03
|
Funchal
|
111,92
|
-8,86
|
Silves
|
75,10
|
-6,40
|
Lagoa
|
86.63
|
-13.96
|
Sintra
|
99,08
|
-5,43
|
Lagos
|
89,00
|
-21,31
|
Valongo
|
88,97
|
-4,72
|
Lisboa
|
207,91
|
-70,02
|
Vila
do Bispo
|
63,56
|
-24,17
|
Loulé
|
98,62
|
-22,16
|
V. N. Barquinha
|
72,85
|
-0,37
|
O mapa seguinte mostra a evolução do
IpC nos dez anos terminados em 2013, evidenciando as variações daquele
indicador por concelho.
Entre 2004/13, 232 dos 308 concelhos reduziram
a sua população num total de 392000 pessoas e os restantes 76 aumentaram os
seus residentes em 237600. E não se regista um paralelismo entre aumento da
população e melhoria do IpC ou, redução da população e deterioração do
indicador.
São 11 os municípios que reduziram a
população e também o seu posicionamento no capítulo do IpC - Vila do Bispo, Amadora, V N de Barquinha,
Seixal, Espinho, Setúbal, Barreiro, Coimbra, Lisboa, Porto e Sintra (os três
últmos perderam 69400 pessoas) - com grande predomínio na área da Grande Lisboa.
A deterioração do IpC registou-se
também onde houve aumento de população; isto é, em 19 concelhos - Lagoa, Aljezur, Entroncamento,
Porto Santo, Silves, Olhão, Faro, Lagos, Valongo, Oeiras, Almada, Albufeira,
Loures, Matosinhos, Funchal, Loulé, Portimão, Odivelas e Cascais. Cascais é o
concelho com maior aumento populacional no país no período considerado (27900
mas, também com uma substancial queda do IpC (-36.7) só superada por Lisboa (-70).
No conjunto dos 19 concelhos predominam concelhos algarvios (9) e isso admite
algumas reflexões laterais sobre o modelo económico prevalecente no Algarve como
na Madeira.
Os aumentos de população
num contexto nacional de regressão e empobrecimento revelam que onde isso
acontece houve condições para fixação de população e mesmo de atração de gente
vinda de outros lugares.
A atividade turística
apresenta-se como dominante nos concelhos algarvios acima referidos, bem como nos
dois citados situados na Madeira e, porventura, é essa atividade que atrai
pessoas para se manterem ou fixarem naqueles territórios. A evolução das
dormidas entre 2004 e 2014 revela um crescimento assinalável, a exigir um
acréscimo de trabalhadores, como se pode observar adiante; a não ser que em
2004 houvesse um enorme volume de trabalhadores excedentários.
Dormidas
2004
|
Dormidas
2014
|
|
Algarve
|
13 252 873
|
16 591 548
|
Albufeira
|
5 364 333
|
7 177 322
|
Lagoa
|
1 028 486
|
1 335 126
|
Loulé
|
1 832 505
|
2 201 919
|
Portimão
|
2 457 454
|
1 910 173
|
R.
A. Madeira
|
5 493 076
|
6 506 866
|
Funchal
|
4 020 779
|
4 442 953
|
Porto Santo
|
216 107
|
341 982
|
INE – Anuários Estatísticos
Embora o INE não revele
aumentos do número de trabalhadores por conta de outrém, apresenta indicações
de variações muito positivas dos seus ganhos médios mensais. Neste contexto,
cabe a colocação de duas questões.
1)
se um aumento da procura de instalações hoteleiras na dimensão referida,
não exigindo um reforço da força de trabalho ao serviço, pode gerar, pelo
contrário, reduções no efetivo de trabalhadores? Os hoteleiros andam a comprar
robots?
2)
Se há uma menor necessidade de trabalhadores porque razão os ganhos
médios sobem, negando assim os mecanismos de mercado, num contexto de população
(chamada oferta) aumentada.
Parece-nos que a resposta não se
encontra nos dados estatísticos do INE, baseados na economia formal e que as
justificações caberão dentro da portentosa economia paralela que em Portugal se
poderá medir em cerca de 25% do PIB; e que envolverão trabalhadores não
legalizados, precarizados, sazonais, vivendo no invernos dos restos dos salários
auferidos no verão, vindo-nos à memória uma solicitação, anos atrás, dos
“industriais” do turismo algarvio para a importação de dezenas de milhar de
trabalhadores sazonais polacos.
Depois de uma imagem sobre as
variações do IpC no período 2004/13, observe-se agora a distribuição dos
valores do indicador, em 2013, de acordo com três escalões – os que se situam
acima da média nacional, os que se acham abaixo daquela, sendo superiores a 75%
da base nacional e os restantes que apresentam um IpC entre 50% e 75% da média geral.
Dos 143 concelhos com a classificação
mais negativa (50<IpC<75) em 2013, na sua grande maioria distribuidos
pelo interior, de norte a sul e nas Regiões Autónomas, somente em 15 se verificaram aumentos
populacionais comparativamente a 2004. Esses ganhos de população, no total de
26.7 mil pessoas devem comparar-se com perdas de 148 m nos restantes 128, mais
de um terço dos municípios portugueses e reveladores da crescente
desertificação humana observada no período. Em termos líquidos, nos dez anos
considerados a população daqueles 143 concelhos reduziu-se 7.5%.
No que se refere ao grupo dos 133 concelhos
com um IpC intermédio no contexto português (75<IpC<100) em 2013, a sua
localização concentra-se na metade do território mais próxima do litoral, com
outras concentrações no Alto Trás-os-Montes, na faixa Castelo Branco-Guarda, no
Alto Alentejo e nos Açores. Somente 41 concelhos apresentam um crescimento
populacional, entre 2004 e 2013, num total de 103 m individuos enquanto os
restantes sofreram uma regressão populacional de 182 m pessoas, de onde resulta
uma variação negativa de 79 m habitantes, para o total deste segmento de
municípios. Este valor global, líquido representa uma quebra populacional de
1.4% para o período de dez anos; não sendo um quadro de desertificação maciça é
um claro quadro de regressão económica e social.
No que se refere aos 32 concelhos com
um IpC superior à média nacional, a sua distribuição no território é bastante
dispersa e baseia-se na área metropolitana de Lisboa e nas capitais de
distrito; no total dos distritos só se acham fora daquele grupo, Viana do
Castelo, Bragança, Guarda, Viseu e Castelo Branco. Entre este grupo de
concelhos observa-se uma variação
positiva no número de habitantes na ordem de 46 m pessoas, volume que resulta
de aumentos populacionais em 21 municípios (108 m pessoas no total, com quase metade
desse aumento concentrado em Cascais, Montijo e Braga).
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] Do mais empobrecido ao menos
pobre: Sernancelhe, Celorico de Bastos, Ribeira de Pena, Vinhais, Cinfães, Vila
Nova de Paiva, Resende, Armamar, Valpaços, Mondim de Basto, Penalva do Castelo e
Penedono, na sua maioria em Trás-os-Montes e na margem sul do Douro
[2] Deixaram de ter um
IpC superior à média nacional Benavente, Loulé, Loures, Mafra, Palmela, Porto
Santo, Santiago do Cacém, Vila Franca de Xira e Vila Nova de Gaia. Ascenderam a
um IpC superior à média apenas dois concelhos – Castro Verde e Leiria
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