Um tributo de solidariedade com o povo grego
O
sistema financeiro para sobreviver precisa de exportar dívida para os povos, servindo-se
do Estado e das classes políticas para impor dois tipos de modelos – a desvalorização
interna (austeridade) e a da moeda. Existem alternativas mas, somente saídas da
vontade coletiva dos povos, sem taras nacionalistas ou autoritárias
Sumário
1 - O domínio através da
dívida, o verdadeiro problema
2 - Duas falsas alternativas do
neoliberalismo
3 – Por onde passa a alternativa?
4 – Sair do euro e/ou da UE como e com que
vantagens?
5 – As preocupações do BCE, da UE e do FMI
5.1– Objetivo 1 - A estabilidade e a rendabilidade dos mercados
financeiros
5.2– Objetivo 2 - Conter os europeus na austeridade, na ignorância e… no
medo
5.3 – Objetivo 3 – Conter as ameaças geoestratégicas
1 -
O domínio através da dívida, o
verdadeiro problema
Desenvolvemos
recentemente algumas considerações sobre o crescimento e as desigualdades[1]. Vejamos
agora como o crédito e a subsequente acumulação de dívida têm sido instrumentos
essenciais para “alavancar” esse crescimento, gerando estratégias empresariais
e pessoais de endividamento, colocando o mundo em estado de servidão face aos
donos da dívida, o sistema financeiro. Esses donos, são bancos, seguradoras,
fundos de pensões e outros - com relevo para os “simpáticos” fundos abutre - e
toda uma diversificada panóplia de serviços e funções parasitárias – analistas
financeiros, dealers, consultores, etc; sem esquecer os reguladores, o FED, o
BCE e a rede de bancos centrais europeus, onde se enquadra o “nosso” Bdp cujo
nome nos faz lembrar os pouco recomendáveis, Constâncio e Carlos Costa. Todo
essa maquinaria procura manter oleada a máquina da dívida, do seu demencial
crescimento, em concertação com os seus funcionários das classes políticas a
quem cabe garantir a estúpida apatia vigente na multidão de seres humanos
perante a captura da vida de cada um, diretamente ou através do “seu” estado,
na espiral da dívida.
O
gráfico seguinte fornece um quadro do aumento do peso da dívida total –
pública, das empresas financeiras ou não financeiras e das pessoas - que, em
última análise sobrecarrega os humanos. Em 14 anos passou dos 246% do PIB
mundial para os 286% e os seus $ 199*1012 representam cerca de $
28000 por ser humano ou, de outro modo, o correspondente a perto de três anos
de trabalho de cada pessoa. Se se preferir, aquela capitação corresponde a
quatro anos de remunerações brutas de um trabalhador português com o salário
mínimo. Trágico e assustador!
A
evolução ali espelhada revela que até 2007 a dívida crescia essencialmente no
seio do próprio sistema financeiro e das famílias, por razões bem conhecidas;
nos últimos anos o crescimento da dívida centrou-se nos estados, a quem compete
proceder à sua distribuição pela população, situando-se o sistema financeiro
oculto, na sombra, de corruptos governantes que fazem o trabalho sujo. Assim,
os estados surgem na frente dos detentores de dívida, em 2014 com mais de 29%
do total, claramente acima das responsabilidades que cabem diretamente às
famílias e ao próprio sistema financeiro. Esta situação obriga a relembrar o
papel dos estados nas sociedades capitalistas, como instrumentos dos segmentos
dominantes do capital, com funções de articulação das relações inter-capitalistas
e de redistribuição regressiva entre os capitalistas no seu conjunto, por um
lado e a grande massa da população, por outro. Entre nós e “eles”, entre os de
baixo e os de cima.
Esta
política é global e não se cinge às práticas do BCE ou do FED norte-americano.
Desde 2006 acelerou a monetarização massiva das economias – os quantitative easings - por parte do
conjunto dos bancos centrais do mundo. As necessidades intrínsecas do capital
financeiro de reproduzir lucros não se podiam limitar à formação de poupanças
das famílias, nem ao crescimento do volume dos depósitos nos bancos e daí a
demencial criação de dinheiro, muito para além das necessidades da economia,
constituída pela produção de bens e serviços, em última análise para satisfazer
as necessidades humanas. Assim, desde 2006 os ativos do conjunto dos bancos
centrais do mundo passaram de $ 6*109 para $ 22*109 muito
acima, portanto, do crescimento dos rendimentos contabilizados. No caso do FED,
os seus ativos cresceram 23 vezes em 1987/2014 enquanto o PIB se multiplicou
apenas três vezes e o rendimento médio das famílias norte-americanas somente
duplicava. Como se diz em Espanha, não há pão para tanto chouriço.
Esta
loucura por parte dos bancos centrais corresponde aos interesses do capital
financeiro muito mais interessado na especulação baseada em cascatas de títulos
e jogos na bolsa do que em financiar a atividade económica. O sistema
financeiro, de acordo com as contas das instituições estatísticas, inclui os
juros cobrados e os lucros como contributos para o PIB mesmo que se acumulem
nas contas da oligarquia mundial de banqueiros, executivos e acionistas de
multinacionais, milionários, com fraco impacto na economia. A contabilização
dos lucros, essenciais para agradar aos acionistas, pode basear-se no registo
de mais-valias potenciais, o que como se depreende são incertas e voláteis
contribuindo para que a dimensão do próprio PIB perca muito do seu sempre
nebuloso significado, em termos reais.
Por
outro lado, esse dinheiro criado e transitado do BCE para os bancos vai
permitir que estes ajudem as classes políticas nacionais e autárquicas a criar
obra, com o consequente endividamento público a que irá corresponder a oneração
fiscal da população; e os bancos até desenvolvem técnicas de perpetuação de
dívida pública com contratos de parceria público-privadas, swaps e outros, com a aprovação de ministros e altos quadros da
área das finanças comprometidos, com o partido no poder ou, por mera
ignorância. Enquanto as economias forem apresentando algum crescimento, este
edifício de frágil filigrana vai-se mantendo mas, quando há emperramento logo
surgem as vítimas – empresas que fecham, famílias que não podem pagar os
empréstimos para a habitação e são despejadas, estados constituídos como
devedores eméritos, impulsionadores diretos ou indiretos de políticas de
austeridade, de cortes, privatizações, etc.
As
taxas de juro baixíssimas são a única forma de fazer crescer a espiral do
crédito em economias estagnadas; se fossem mais altas então haveria ainda menos
procura para investimentos produtivos. Por outro lado, se com taxas próximo de
zero a economia não cresce, admitindo que a taxa de juro continua a ser o nivelador
do volume do crédito, o crescimento só poderá surgir, matematicamente, de taxas
negativas que não incentivarão à poupança junto dos particulares que, talvez
pensem guardar as economias no colchão. Como o capital financeiro não pode
parar de crescer, como acontece com qualquer “mercado” e sendo insuficiente e
esquiva a poupança dos particulares, quem terá de salvar a situação é, como é
usual, o Estado, para além da torneira aberta dos bancos centrais. É o Estado
se constituirá em devedor compulsivo junto dos bancos que entregarão esses
títulos como “colaterais” (garantias) junto dos bancos centrais. O problema é
que a afetação de receitas públicas ao serviço de dívida acentua o pendor
recessionista, ao retirar poder de compra e a impor medidas de austeridade às
populações, coloca restrições de natureza política e social. Enfim, o Estado,
como capitalista coletivo a funcionar em toda a sua transparência a favor do
segmento dominante do capitalismo, o sistema financeiro.
Este
modelo em que o Estado se endivida para ajudar o sistema financeiro (entre
outros capitalistas) à custa das populações, sem qualquer benefício para estas
é a matriz da ilegitimidade da dívida contraída. É uma exigência dos povos a
sua anulação mesmo que haja partidos ditos de esquerda que tentam ajudar o
sistema financeiro, à custa da multidão, propondo mansas fórmulas de
reestruturação da dívida.
Essas mansas fórmulas apenas adiarão o
estoiro da bolha de dívida – pública, das empresas e das famílias. Nesse
estoiro desaparecerão milhares de bancos e empresas financeiras que se
alimentam da bolha, obrigadas a assumir os seus créditos como incobráveis
perante sociedades arrastadas em espirais de falências, de desemprego, de
pobreza e repressão por parte das classes políticas, em defesa dos seus
mandantes do sistema financeiro, como também da sua existência enquanto
segmento social parasitário e nefasto.
2
- Duas falsas alternativas do neoliberalismo
Na
cartilha neoliberal há duas posições para resolver os desequilíbrios
financeiros dos estados.
- Uma, defende a desvalorização interna, com austeridade, reduções salariais, cortes de pensões, nos direitos, com privatizações e outras “reformas estruturais”, como a liberalização do “mercado” do trabalho, a carga fiscal agravada, excepto para empresas, e o desmantelamento da segurança social, com a população na penúria e com uma precarização que, a partir do trabalho, se estende para todas as áreas que envolvem a vida. Esta narrativa diz-se necessária para que os países se tornem mais competitivos e tirem o pescoço do cepo através da exportação. Um dia…
- Outra,
é a desvalorização de uma moeda própria (com saída do euro) para obter
essa mesma competitividade face à concorrência nos mercados externos,
provocando forte inflação, perda de poder de compra da população,
sobretudo dos assalariados – os eternos pagadores - e, desigualdades
enormes entre quem tem acesso a moeda forte e quem não tem, com
contrabando, mercado negro, fuga de capitais através de esquemas de
subfacturação e sobrefaturação por parte do empresariato[2].
Em casos de forte dependência de importações e de exportações com baixo
valor acrescentado, como é caso de Portugal ou da Grécia, o instrumento
monetário seria desastroso, tal como a chamada desvalorização interna.
A
primeira opção foi a adoptada pela troika,
imposta para Portugal como para a Grécia dado que uma desvalorização regional
da moeda não está disponível. O fracasso está à vista, dedicando-se Draghi ao
seu quantitative easing, comprando
dívida com o produto da emissão de moeda para alimentar a especulação dos
bancos; ou ainda compensando a fuga de dinheiro da Grécia, dando luz verde ao
banco central grego para ir imprimindo euros (é o ELA, emergency liquidity assistance).
O
fracasso actual é evidente, porque se não pretende a colocação em causa da
arquitetura europeia baseada em fundas desigualdades regionais e sociais, na
segmentação do território entre Centro e periferias, elementos esses que são
anteriores ao euro; para que se não molestem os sagrados interesses do capital
financeiro, a oligarquia comunitária e o FMI admitem a colocação da Grécia no
“lixo”, como um pária indigno de se sentar à mesa do banquete capitalista que
se abastece na referida arquitetura.
A
questão não é entre a desvalorização interna ou a de uma moeda nacional, ou de
exercícios encantatórios sobre a coexistência pacífica entre duas moedas. Em
todos os países, mesmo os que detêm moedas nacionais, manifestam-se grandes
desigualdades regionais e sociais quanto ao desenvolvimento e riqueza; e não
consta que se venham a criar moedas próprias para o conjunto dos lander alemães que constituíam a antiga
RDA, para Trás-os-Montes, para a Extremadura espanhola, para o Mezzogiorno
italiano ou o Epiro grego. Existem, mesmo sendo insuficientes, formas de
estabelecimento de solidariedades dentro de cada estado-nação, incentivos e
benefícios fiscais, transferências, qualquer que seja a sua moeda.
Como
se sabe, são pouco evidentes essas formas de solidariedade no seio da UE, que
se pretende um espaço único. A UE preocupa-se mais com planos de investimento
que viabilizam empresas, que engordam os bancos, que alegram governos e
autarcas nacionais, com a competitividade fiscal entre os países e entre estes
e os off-shores, do que em constituir fórmulas avançadas de desenvolvimento
regional e de transferências que façam da UE, de facto, um espaço coeso e
solidário.
3 – Por
onde passa a alternativa?
A
dicotomia entre a desvalorização interna ou a de uma moeda nacional é o
discurso do sistema financeiro, das classes políticas que o servem, sendo uns,
neoliberais convictos e servis e outros, keynesianos, convencidos de que
maiores poderes a um Estado capitalista (dirigido por eles, obviamente…) são a
porta do Eden. Porém, todos são defensores explícitos ou implícitos, apenas
complacentes com o capitalismo; aquela dicotomia separa apenas os segmentos
mais à direita ou ditos de “esquerda” das classes políticas. Qualquer solução
tem de se construir com:
·
uma base social e
política alargada a construir nos planos nacionais;
·
a determinada recusa
de propostas nacionalistas bem como de intervenções autoritárias[3]
construídas e exigidas pelas instituições da troika;
·
uma forte componente
de construção internacionalista, solidária e supranacional;
·
a criação de
instituições nacionais e supranacionais democráticas, emanadas diretamente dos
povos e submetidas ao controlo popular;
·
a ausência de uma
classe política, de profissionais do tráfico de influências;
·
o redimensionamento
e reconfiguração do sistema financeiro, baseado nas poupanças e não na estouvada
criação de meios artificiais para alimentar a especulação.
4 – Sair
do euro e/ou da UE como e com que vantagens?
Os
tratados europeus não contemplam a saída de um país da zona euro, embora seja
referido frequentemente, pelos media
e pelos membros da classe política, a possibilidade de expulsão da Grécia,
sabendo-se que a Grécia, o seu governo e o seu povo não terão ainda descoberto
nisso qualquer vantagem. Estará a faltar-lhes, certamente os avisados conselhos
do seu KKE, dos lusos PCP e satélites ideológicos, do nacionalista Ferreira do
Amaral, do volúvel Louçã e de vários escolásticos da praça. A adopção do euro é
como o nascimento de um filho; pode evitar-se que venha a nascer mas, fazê-lo
desnascer é muito complicado.
O
artº 140, nº 3º do Tratado sobre o Funcionamento da UE fixa de modo irrevogável
a taxa com qual o euro substituiu a moeda nacional do país aderente, não se
admitindo a saída voluntária nem a expulsão, nem estando contemplados
mecanismos ou calendários para a concretização dessa saída. No entanto, está
previsto que um país pode abandonar a UE (artº 50º do Tratado da União),
sendo-lhe dado um prazo não superior a dois anos para o efeito. Mas não pode
ser expulso. Assim, se a Grécia abandonar a UE, por arrastamento deixa o euro;
o que provavelmente não fará, pelos inconvenientes económicos e financeiros que
teria e para não facilitar a vida aos outros membros, colocando nestes a
invenção dessa sanção máxima que o direito comunitário não prevê, a de expulsão
da UE. Mesmo que de modo desastrado, o ministro austríaco das finanças sugere
que a Grécia peça para sair da zona euro (?) e que todos os outros países
deverão concordar com isso.
Pode
pensar-se que o artº 4º do Tratado da União estatui que os estados-membros se
devem abster de qualquer medida susceptível de colocar em perigo a realização
dos objetivos da UE mas, não esclarece quem tem essa competência. Falar de
saída do euro mostra as divergências existentes, o azedume mas, legalmente,
qualquer tentativa de a levar a cabo redundaria numa enorme confusão jurídica,
política e económica, um desastre para o euro como moeda (para gáudio dos EUA)
e para a Grécia, submetida a todas as pressões e chantagens.
Não
deixa de ser ridiculamente curioso, por exemplo que o PCP, seus satélites e
Louçã defendam a saída do euro de modo concertado, num género de acordo de
cavalheiros, onde eles não existem, como se vai observando no seu comportamento
com a Grécia. E, ao mesmo tempo se quedem por algo tão manso e pífio como a
reestruturação da dívida pública, não assumindo nem a sua ilegitimidade e
contribuindo no engano de que aquela seja pagável. Considera-se que uma dívida
ao ultrapassar os 100% do PIB jamais será pagável e, para mais com o
crescimento anémico que se observa nos países europeus mais endividados e a
continuidade das suas corruptas classes políticas.
Nas
ditaduras o direito vale o que vale, é instrumental e não uma referência para a
convivialidade social. As instituições estatais ou pluri-estatais europeias não
são um exemplo de democracia; implícita ou explicitamente, adoram Carl Schmitt.
Segundo o pensamento deste ideólogo do fascismo, o exercício da soberania
comporta a decisão fora de qualquer norma jurídica, assumindo, como conveniente
a existência de uma situação de excepção para justificar uma decisão
arbitrária; não se esquecendo de apontar como objetivo a eficácia de uma medida
que vise o regresso a uma situação de normalidade. Neste contexto, a
normalidade não passa de uma utopia que assoma, sem se fixar, nos evanescentes
intervalos que separam estados de excepção reais ou criados pelas classes
políticas – programas de estabilização financeira, ameaça terrorista, inflação,
deflação, desemprego elevado, reformas estruturais, estabilidade dos mercados…
Dito isto, é evidente que, se necessário, os poderes (BCE, Bundesbank,
Eurogrupo, Comissão Europeia) inventarão um dispositivo qualquer, no seio das
suas posturas de ditatorial arrogância, para retirar a Grécia da zona euro; e
terão como apoiantes mais fervorosos os cães, que sempre ladram mais alto que a
dona.
Em que estado ficarão o euro, a UE, os
chefes nacionais e sobretudo a Merkel que deu a cara por toda esta situação?
Situação que se carateriza por atropelos e trapalhadas, que chegam ao ponto de
condenarem a realização de um referendo na Grécia, negando ao povo grego o
direito elementar de decidir sobre as propostas dos oligarcas comunitários. A
rotina, de facto, tem sido a inexistência de consultas populares (ou que são
torpedeadas como no caso da Irlanda). Cada vez mais a arquitetura da UE se
parece com uma ditadura que concede, sorridente, a realização de romarias
eleitorais como toscos espetáculos de final a
priori conhecido.
5
– As preocupações do BCE, da UE e do FMI
É
evidente que há uma pressão enorme das instituições da troika (chamamos-lhes assim a despeito do governo grego ter vincado
o seu fim e não usar o vocábulo) para que continue a desnatação do povo grego,
com cortes adicionais nas pensões e aumentos do IVA e não a oneração da
tributação das empresas de maior gabarito. Alheios a qualquer preocupação
humanitária, às instituições interessam-lhes três ordens de grandezas;
- a
estabilidade e a rendabilidade dos mercados financeiros;
- o
não agravamento da situação económica e social na Europa, nomeadamente
para que não haja um contágio grego;
- e a disputa entre o euro e o dólar pelas preferências de especuladores e estados quanto a divisas de transação, de referência nos preços e de reserva.
5.1– Objetivo 1 - A estabilidade e a rentabilidade dos
mercados financeiros
A
dívida grega, como a portuguesa, não tem tido uma evolução explosiva nos
últimos anos, de modo a colocar em perigo a estabilidade dos mercados
financeiros, embora seja real que, em qualquer dos casos possa haver uma
incapacidade de cumprimento dos planos de reembolso e de pagamento de juros,
por implosão das suas capacidades de geração de meios financeiros, ou de renovação
de divida a baixas taxas ou ainda, por explosão social, com repercussões
regionais e até geopolíticas.
O
interesse do capital financeiro global como principal baliza de alinhamento das
instituições e das classes políticas europeias, dota a dívida de um caráter
odioso e ilegítimo (ver relatório da Comissão pela Verdade sobre a Dívida Grega[4] e no
caso português[5]) porque os povos nada
beneficiam dela, mostrando-se simples instrumentos, obrigados fornecedores de
rendimentos para os credores, obrigações essas que lhes foram imputadas por
parte do capital financeiro, interessado, quer no caudal dos juros, como na
aceitação de títulos das dívidas públicas pelo BCE, como formas de garantia
para o abastecimento de fundos aos bancos.
Sabe-se
que os bancos procuram aplicar freneticamente todo o dinheiro que detêm e o que
criam a partir do nada. Em tempos de desemprego, de fraca performance das
economias, a procura de crédito não anda famosa e, por seu turno, os estados
têm por detrás populações susceptíveis de garantir reembolsos e juros, com
riscos não comparáveis com nenhuma outra entidade. Essas aplicações junto dos
estados permitem aos bancos assenhorearem-se de rendas correspondentes,
tendencialmente perpétuas, cobrando juros com taxas entre 1.9% ou 5% do PIB,
respetivamente, nos casos da Alemanha e de Portugal.
Esta
mina para o conjunto dos países do euro aderentes até 2009, aumentou de € 7.26
biliões em dezembro daquele ano, para € 9.3 biliões cinco anos depois, com um
crescimento de 30.9%, muito acima do crescimento da economia daquele conjunto
de países (média anual de 0.67% para a UE entre o 1º trim/2010 e o 2º trim/2014).
Há pois, um hiato entre o crescimento da divida pública e a evolução das
capacidades de lhe fazer face, o que prenuncia dificuldades de pagamento.
Essa
dívida pública não fica simplesmente registada nos balanços dos bancos
aguardando a chegada dos juros e o dia do reembolso. Ela é entregue como
garantia dos bancos ao BCE para este lhes fornecer dinheiro fresco à ridícula
taxa actual de 0.05%, para aplicação na sua atividade preferida, a especulação.
O BCE, formalmente fornece liquidez aos bancos para estes o colocarem na
atividade económica, em investimento efetivo levado a cabo por empresas mas,
essa afetação só se tornou vinculativa com um programa que se manterá até
meados de 2016, numa escala muito inferior à concessão não condicionada de
crédito.
Em 2012
o segundo resgate da Grécia contemplou a substituição de títulos de dívida
grega por outros, novos, de forma a continuarem como colaterais oferecidos
pelos bancos, mantendo-se assim intocáveis os níveis de financiamento do BCE
aos bancos, sem que a Grécia tivesse tirado daí qualquer benefício; por
exemplo, o BCE poderia ter então condicionado o dinheiro emprestado aos bancos
e garantido por aqueles títulos, a investimentos produtivos na Grécia, o que
não fez, pois isso não era conveniente para os bancos, mais interessados na
especulação e em aplicações corruptas concertadas com as classes políticas.
O
gráfico seguinte é eloquente e nele facilmente se observa que os créditos
fornecidos – a vários títulos - pelo BCE à Grécia superam a própria situação
líquida do banco. Tecnicamente o BCE faliria mas, como tem por detrás os
estados da zona euro…
Para
continuar a financiar os bancos da zona euro, o BCE irá, até 2016, triplicar o
seu capital próprio actual que é de € 1 bilião. Para ofereceram colaterais
(garantias) ao BCE – impedido de financiar diretamente os estados – os bancos
concorrerão aos leilões de arrematação de dívidas soberanas que entregarão ao
BCE como garantia do fornecimento de liquidez, aumentando-se também a dívida
dos estados e o jugo no pescoço das populações.
A
pressão exercida sobre o povo grego pelas instituições da UE e o comparsa FMI,
consiste em que a Grécia vá empobrecendo com a nutrição em juros dos bancos,
garantindo que a eternização da dívida irá mantendo o financiamento quase
gratuito do BCE aos bancos para que estes desestruturem a economia global. Daí
a pressão contra o governo grego por não ser complacente com as instituições da
troika e os bancos que aquelas
representam (Draghi era do famoso Goldman Sachs[6], por
exemplo). Imagina-se o pânico que irá nas cabeças pensantes de Bruxelas,
Frankfurt e Berlim se nos países mais endividados do euro houvesse a
resistência que o governo Syriza está a tentar opor? Para evitar o contágio
grego, o falcão Schauble, desde o princípio, tem sido avesso a concessões aos
gregos, remetendo para os serviçais Passos e Rajoy a figura dos mais desejosos
da penalização ou banimento da Grécia; se isso acontecer ficarão na fotografia
dos bons alunos da turma, poderão apontar para a inevitabilidade das suas
miseráveis condutas e, quem sabe, poderão vir a sentar-se na administração de
um banco, provavelmente com um recado expresso “não abra a boca, nem mexa uma
palha”, tendo em conta a imbecilidade de ambos.
Os imbecis não têm vistas largas e a sua
atitude de penalização da Grécia permite-lhes descurarem que, banida a Grécia
do palco, o espetáculo irá continuar com outros atores, mormente Portugal. Este,
verá as taxas de juro da dívida a subir, maior retração das ofertas nos leilões
(como aconteceu recentemente) o que irá despedaçar as metas do deficit e
originar, para depois da romaria eleitoral de outubro, novas medidas punitivas
da população. Entretanto, a pobre tesoureira Maria Luís canta constantemente a
melodia dos cofres cheios… que talvez dure até à próxima romaria eleitoral.
5.2– Objetivo 2 - Conter os europeus na austeridade,
na ignorância e… no medo
A
Alemanha tem deixado arrastar a situação à espera de um acordo com os gregos
que deixe tudo como dantes – os gregos com austeridade sem fim e a Alemanha a
exportar os seus produtos, a proceder à manutenção dos submarinos vendidos à
Grécia e com o euro livre de pressões e flutuações, de todo inconvenientes para
países exportadores. A Alemanha, sabendo perfeitamente que a dívida grega não é
suportável pelos gregos, manteve o caldo em fervura lenta nos últimos três
anos, com a preciosa ajuda do governo Samaris. A saída deste último precipitou
a situação e tudo indica que a actual situação a propósito da Grécia é apenas o
princípio de uma grave crise do projeto europeu na sua actual configuração e
uma desvalorização/instabilidade do euro que torne a moeda pouco atraente como
divisa de reserva e de fixação de preços em contratos a prazo, com o dólar à
espreita para reafirmar a sua hegemonia. Assim, a Alemanha tudo fará para
manter a estabilidade do funcionamento dos mercados, a paz (podre) social da
Europa, agindo em conformidade, banindo, se necessário, a Grécia da UE/euro,
com rápida alteração dos tratados, no sentido de maior centralização da decisão
nos órgãos comunitários e ainda inventando uma contrapartida conveniente se, em
Espanha o Podemos e outros grupos colocarem em causa o binómio PP/PSOE.
Por
outro lado, dada a relevância que a exportação tem para a Alemanha a
instabilidade em torno do euro pode afetar o nível de emprego no país, conduzir
a alterações na actual paz laboral e colocar Merkel em causa, em benefício dos
seus irmãos do SPD e do aumento da popularidade do AfD, susceptível de captar
eleitorado tradicional da CDU/CSU.
Entre
a oligarquia espera-se com ansiedade a vitória do “sim” no referendo de dia 5
na Grécia (se ele se concretizar) e que daí advenha o afastamento do actual
governo, com o regresso dos funcionários gregos da troika e a paz celestial aos “mercados”. Porém, a presença de um
governo Syriza, de certo modo, tranquiliza a troika pois esta tem alguém com quem dialogar e a serenidade nas
ruas de Atenas. Imagine-se um regresso de um Samaris, com uma frágil maioria,
obrigado por dever de ofício a satisfazer os interesses da estabilidade do euro
e a aceitar as novas e brutais exigências da UE/FMI, com os gregos em
polvorosa, por razões sociais e políticas, vendo nisso o equivalente a uma nova
invasão alemã. A instabilidade manter-se-ia a não ser que Samaris imitasse em
termos de repressão, o regime dos coronéis; a UE aplaudiria pois as pessoas
nasceram para servir os mercados, não é verdade?
A
crispação da UE revela que os seus mandadores preferirão enviar a Grécia pela
borda fora para garantir a estabilidade do euro e a paz nos mercados e, com
isso, dar um sinal aos outros países endividados, mormente os de maior gabarito
- como Espanha - de que a norma é a obediência à lógica do endividamento e do
empobrecimento, para glória da ditadura do sistema financeiro. Aliás, essa
subordinação dos estados periféricos e a transformação dos poderes nacionais em
meras competências delegadas ou autárquicas, enquadra-se na lógica da
centralização das decisões em instâncias não democráticas, por um lado e, no
vincar da lógica economicista, por outro, como se observa também no âmbito dos
nebulosos tratados TTIP, TISA...
Toda
esta fixação no pagamento de dívidas incobráveis também parece estranha nos EUA
que consideram mais avisado proceder a uma redução razoável da dívida grega,
com ou sem acompanhamento por parte do FMI, como aliás sugerido pelo secretário
de estado do tesouro norte-americano[7]; resta saber se e como o conselho dado à Europa pelos
norte-americanos será por estes aplicado a Porto Rico, a braços com uma dívida
brutal que poderá ter impactos nos mercados financeiros[8]. Por seu
turno o próprio FMI divulgou, no último dia 26, um relatório onde procede a
cenários contemplando haircuts e
extensões dos prazos de pagamento até 2064[9].
O
problema da Alemanha é a manutenção do seu enorme excedente externo que
alimenta de liquidez o seu sistema financeiro, natural credor dos países do
Sul; uma redução da dívida grega levantaria idêntica reivindicação a países altamente
endividados como Portugal, Espanha, Itália… com efeitos devastadores sobre a
liderança alemã na arquitetura da zona euro.
Uma
bancarrota grega, como se adivinha, conduz a limitações aos movimentos de
capitais (em Chipre duraram dois anos e na Islândia sete), algo inimaginável
dentro dos objetivos mais sagrados da construção europeia e da ortodoxia
neoliberal; e, eventualmente daí poderão resultar limitações gregas à
importação de bens, como excepção a outra das vacas sagradas do capitalismo, o
comércio livre.
A experiência cipriota de 2012, com a
intervenção da troika, narra que os
depósitos acima dos € 100000 foram expropriados para abate na dívida, quer
fizessem parte das poupanças de cidadãos comuns, mormente reformados, ou do
fundo de maneio de empresas, por exemplo de hotelaria; revela também que o
serviço de dívida foi estabelecido sem qualquer atenção aos efeitos desastrosos
sobre a economia do país. Esta e as restantes experiências demonstraram que as
populações sofreram a subordinação das suas vidas aos interesses das
instituições que zelam pelos interesses do capital financeiro e dos seus cegos
burocratas. Porém, isso só aconteceu porque as suas classes políticas se
renderam totalmente aos desígnios da arquitetura europeia, marcada pela demarcação
de desigualdades entre Centro e periferias; e, pior que isso, porque as
populações se mantêm anestesiadas pelas rotinas da democracia de mercado,
mostrando-se afastadas da chamada a si das decisões sobre interesses coletivos,
relegando as classes políticas, para os capítulos dos maus momentos nos livros
de História.
5.3 – Objetivo 3 – Conter as ameaças geoestratégicas
O
euro está presente em 25% das reservas globais de divisas, é a forma de
expressão monetária de 40% do comércio mundial e é em euros que estão
denominados 34% dos empréstimos bancários[10]. Esses
indicadores representam um feito assinalável se se pensar que o euro tem apenas
14 anos de vida e que a sua representatividade se conseguiu a expensas de
algumas moedas como a libra e, particularmente, do dólar.
Certamente
os EUA estão preocupados com a situação do euro, pelos seus efeitos de contágio
sobre o sistema financeiro mundial, nas cotações das bolsas, na procura de
divisas para efeito de pagamentos internacionais ou para a reconfiguração de
reservas em divisas. Gostariam de uma degradação da imagem do euro em lume
brando que beneficiasse o dólar (e outras moedas, como o yuan… como danos
colaterais), algo à semelhança do que aconteceu com a perda de relevância do
dólar após o surgimento do euro. Mas não pretendem movimentos bruscos,
susceptíveis de retrações e pânico, como aconteceu em 2008 com a crise dos “subprimes”.
Como
única potência com capacidades de atuação global, em todas as vertentes –
política, económica, militar, informação – os EUA pretendem consolidar o papel
do dólar aproveitando as dificuldades institucionais na Europa ou ainda os
impactos ali, do fluxo de emigrantes e refugiados provenientes de África e do
Médio Oriente, que estão a facilitar o argumentário dos que antipatizam com as
regras Schengen e impulsionam a militarização do Mediterrâneo como resposta à
desagregação social e económica nas regiões que rodeiam a Europa.
Nesse
âmbito estratégico, os EUA vêm antagonizando a Rússia, arrastando a Europa para
lógicas de crispação que afetarão o preço do acesso ao petróleo e ao gás vindos
da Rússia.
A
Alemanha, por exemplo, que tem 1800 unidades industriais deslocadas na Ucrânia,
onde os salários são baixos, interessa-lhe a integração ucraniana na sua esfera
de influência em consonância com uma Rússia fornecedora de energia. Esse projeto
não interessa aos EUA que veem aí um reforço da UE e do euro interessando-se
mais em colocar a Nato junto à fronteira russa, empurrando a Rússia para a
Ásia. O FMI, por seu turno, admite poder “emprestar dinheiro à Ucrânia mesmo
que o país não possa cumprir o serviço de dívida"[11], depois
de ter avançado com um empréstimo de $ 17500
em março. O contraste face à Grécia que não pagou no último dia 30 €
1600 não podia ser maior.
Ainda
no campo da geopolítica, parece não haver nas instituições europeias quem
observe o convite dos BRIC’s para a Grécia se tornar o sexto membro do seu
projetado Banco de Desenvolvimento, que terá um capital de $ 100000 M,
pertencendo à China a maior parcela e que se pretende apresentar como uma
alternativa ao recurso do FMI, dominado pelos EUA e pela Europa[12]. Uma
das funções do novo banco será satisfazer as necessidades dos seus membros que
tenham deficits externos. Este projeto pode relacionar-se com o desvio do
trajeto de um South Stream – oleoduto entre o Sul da Rússia e a Bulgária,
através do mar Negro para a Turquia e a Grécia, atravessando a Macedónia e a
Sérvia (o Turkish Stream).
Mais
recentemente, a China apresentou-se para ajudar a Grécia nas dificuldades
financeiras atuais, diretamente ou por intermédio das instituições europeias[13], o que
não deixa de mostrar a todos a menoridade política das instituições europeias,
dominadas por membros de dois gangs, o PPE e o S&D.
Este e outros documentos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[3] Em finais de
2011, o então chefe do executivo, Papandreu havia sugerido um referendo para
aceitação ou não do segundo resgate da troika. A oposição das instâncias da UE
e dos “mercados” financeiros, fielmente seguida pela Nova Democracia e parte
importante do Pasok impôs na Grécia um financeiro vindo do BCE – Papademos -
para primeiro-ministro de uma coligação ND/Pasok que haveria de preparar as
novas eleições que viriam a ser ganhas pela ND de Antonis Samaris. Não houve
referendo, o segundo resgate foi portanto, aceite e, como se vê, não tornou a
Grécia livre do espartilho do capital financeiro, nem da troika.
[6] O glorioso
Goldman Sachs montou na Grécia uma contabilidade fictícia em conluio com os
governos da ND/Pasok e as instituições europeias. Até onde haverá
responsabilidades pessoais de Draghi? Há algum princípio de justiça em ser o
povo grego a pagar com desemprego, desespero e privações os efeitos de uma
burla com responsáveis bem conhecidos fora da cadeia?
[10] Retirado de “A
solução novo escudo” de João F Amaral e F Louçã
[13] http://www.zerohedge/2015-07-02/china-state-official-hints-beijing-may-bailout-greece
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