sexta-feira, 3 de julho de 2015

Grécia, vítima da gula dos bancos e das desigualdades dentro da UE

 Um tributo de solidariedade com o povo grego

O sistema financeiro para sobreviver precisa de exportar dívida para os povos, servindo-se do Estado e das classes políticas para impor dois tipos de modelos – a desvalorização interna (austeridade) e a da moeda. Existem alternativas mas, somente saídas da vontade coletiva dos povos, sem taras nacionalistas ou autoritárias

Sumário
1 - O domínio através da dívida,  o verdadeiro problema
2 - Duas falsas alternativas do neoliberalismo
3 – Por onde passa a alternativa?
4 – Sair do euro e/ou da UE como e com que vantagens?
5 – As preocupações do BCE, da UE e do FMI
       5.1– Objetivo 1 - A estabilidade e a rendabilidade dos mercados financeiros
       5.2– Objetivo 2 - Conter os europeus na austeridade, na ignorância e… no medo
5.3 – Objetivo 3 – Conter as ameaças geoestratégicas



1 - O domínio através da dívida,  o verdadeiro problema

Desenvolvemos recentemente algumas considerações sobre o crescimento e as desigualdades[1]. Vejamos agora como o crédito e a subsequente acumulação de dívida têm sido instrumentos essenciais para “alavancar” esse crescimento, gerando estratégias empresariais e pessoais de endividamento, colocando o mundo em estado de servidão face aos donos da dívida, o sistema financeiro. Esses donos, são bancos, seguradoras, fundos de pensões e outros - com relevo para os “simpáticos” fundos abutre - e toda uma diversificada panóplia de serviços e funções parasitárias – analistas financeiros, dealers, consultores, etc; sem esquecer os reguladores, o FED, o BCE e a rede de bancos centrais europeus, onde se enquadra o “nosso” Bdp cujo nome nos faz lembrar os pouco recomendáveis, Constâncio e Carlos Costa. Todo essa maquinaria procura manter oleada a máquina da dívida, do seu demencial crescimento, em concertação com os seus funcionários das classes políticas a quem cabe garantir a estúpida apatia vigente na multidão de seres humanos perante a captura da vida de cada um, diretamente ou através do “seu” estado, na espiral da dívida.

O gráfico seguinte fornece um quadro do aumento do peso da dívida total – pública, das empresas financeiras ou não financeiras e das pessoas - que, em última análise sobrecarrega os humanos. Em 14 anos passou dos 246% do PIB mundial para os 286% e os seus $ 199*1012 representam cerca de $ 28000 por ser humano ou, de outro modo, o correspondente a perto de três anos de trabalho de cada pessoa. Se se preferir, aquela capitação corresponde a quatro anos de remunerações brutas de um trabalhador português com o salário mínimo. Trágico e assustador!

A evolução ali espelhada revela que até 2007 a dívida crescia essencialmente no seio do próprio sistema financeiro e das famílias, por razões bem conhecidas; nos últimos anos o crescimento da dívida centrou-se nos estados, a quem compete proceder à sua distribuição pela população, situando-se o sistema financeiro oculto, na sombra, de corruptos governantes que fazem o trabalho sujo. Assim, os estados surgem na frente dos detentores de dívida, em 2014 com mais de 29% do total, claramente acima das responsabilidades que cabem diretamente às famílias e ao próprio sistema financeiro. Esta situação obriga a relembrar o papel dos estados nas sociedades capitalistas, como instrumentos dos segmentos dominantes do capital, com funções de articulação das relações inter-capitalistas e de redistribuição regressiva entre os capitalistas no seu conjunto, por um lado e a grande massa da população, por outro. Entre nós e “eles”, entre os de baixo e os de cima.


Esta política é global e não se cinge às práticas do BCE ou do FED norte-americano. Desde 2006 acelerou a monetarização massiva das economias – os quantitative easings - por parte do conjunto dos bancos centrais do mundo. As necessidades intrínsecas do capital financeiro de reproduzir lucros não se podiam limitar à formação de poupanças das famílias, nem ao crescimento do volume dos depósitos nos bancos e daí a demencial criação de dinheiro, muito para além das necessidades da economia, constituída pela produção de bens e serviços, em última análise para satisfazer as necessidades humanas. Assim, desde 2006 os ativos do conjunto dos bancos centrais do mundo passaram de $ 6*109 para $ 22*109 muito acima, portanto, do crescimento dos rendimentos contabilizados. No caso do FED, os seus ativos cresceram 23 vezes em 1987/2014 enquanto o PIB se multiplicou apenas três vezes e o rendimento médio das famílias norte-americanas somente duplicava. Como se diz em Espanha, não há pão para tanto chouriço.

Esta loucura por parte dos bancos centrais corresponde aos interesses do capital financeiro muito mais interessado na especulação baseada em cascatas de títulos e jogos na bolsa do que em financiar a atividade económica. O sistema financeiro, de acordo com as contas das instituições estatísticas, inclui os juros cobrados e os lucros como contributos para o PIB mesmo que se acumulem nas contas da oligarquia mundial de banqueiros, executivos e acionistas de multinacionais, milionários, com fraco impacto na economia. A contabilização dos lucros, essenciais para agradar aos acionistas, pode basear-se no registo de mais-valias potenciais, o que como se depreende são incertas e voláteis contribuindo para que a dimensão do próprio PIB perca muito do seu sempre nebuloso significado, em termos reais.

Por outro lado, esse dinheiro criado e transitado do BCE para os bancos vai permitir que estes ajudem as classes políticas nacionais e autárquicas a criar obra, com o consequente endividamento público a que irá corresponder a oneração fiscal da população; e os bancos até desenvolvem técnicas de perpetuação de dívida pública com contratos de parceria público-privadas, swaps e outros, com a aprovação de ministros e altos quadros da área das finanças comprometidos, com o partido no poder ou, por mera ignorância. Enquanto as economias forem apresentando algum crescimento, este edifício de frágil filigrana vai-se mantendo mas, quando há emperramento logo surgem as vítimas – empresas que fecham, famílias que não podem pagar os empréstimos para a habitação e são despejadas, estados constituídos como devedores eméritos, impulsionadores diretos ou indiretos de políticas de austeridade, de cortes, privatizações, etc.

As taxas de juro baixíssimas são a única forma de fazer crescer a espiral do crédito em economias estagnadas; se fossem mais altas então haveria ainda menos procura para investimentos produtivos. Por outro lado, se com taxas próximo de zero a economia não cresce, admitindo que a taxa de juro continua a ser o nivelador do volume do crédito, o crescimento só poderá surgir, matematicamente, de taxas negativas que não incentivarão à poupança junto dos particulares que, talvez pensem guardar as economias no colchão. Como o capital financeiro não pode parar de crescer, como acontece com qualquer “mercado” e sendo insuficiente e esquiva a poupança dos particulares, quem terá de salvar a situação é, como é usual, o Estado, para além da torneira aberta dos bancos centrais. É o Estado se constituirá em devedor compulsivo junto dos bancos que entregarão esses títulos como “colaterais” (garantias) junto dos bancos centrais. O problema é que a afetação de receitas públicas ao serviço de dívida acentua o pendor recessionista, ao retirar poder de compra e a impor medidas de austeridade às populações, coloca restrições de natureza política e social. Enfim, o Estado, como capitalista coletivo a funcionar em toda a sua transparência a favor do segmento dominante do capitalismo, o sistema financeiro.

Este modelo em que o Estado se endivida para ajudar o sistema financeiro (entre outros capitalistas) à custa das populações, sem qualquer benefício para estas é a matriz da ilegitimidade da dívida contraída. É uma exigência dos povos a sua anulação mesmo que haja partidos ditos de esquerda que tentam ajudar o sistema financeiro, à custa da multidão, propondo mansas fórmulas de reestruturação da dívida.

Essas mansas fórmulas apenas adiarão o estoiro da bolha de dívida – pública, das empresas e das famílias. Nesse estoiro desaparecerão milhares de bancos e empresas financeiras que se alimentam da bolha, obrigadas a assumir os seus créditos como incobráveis perante sociedades arrastadas em espirais de falências, de desemprego, de pobreza e repressão por parte das classes políticas, em defesa dos seus mandantes do sistema financeiro, como também da sua existência enquanto segmento social parasitário e nefasto.

2 - Duas falsas alternativas do neoliberalismo

Na cartilha neoliberal há duas posições para resolver os desequilíbrios financeiros dos estados.

  • Uma, defende a desvalorização interna, com austeridade, reduções salariais, cortes de pensões, nos direitos, com privatizações e outras “reformas estruturais”, como a liberalização do “mercado” do trabalho, a carga fiscal agravada, excepto para empresas, e o desmantelamento da segurança social, com a população na penúria e com uma precarização que, a partir do trabalho, se estende para todas as áreas que envolvem a vida. Esta narrativa diz-se necessária para que os países se tornem mais competitivos e tirem o pescoço do cepo através da exportação. Um dia…
  • Outra, é a desvalorização de uma moeda própria (com saída do euro) para obter essa mesma competitividade face à concorrência nos mercados externos, provocando forte inflação, perda de poder de compra da população, sobretudo dos assalariados – os eternos pagadores - e, desigualdades enormes entre quem tem acesso a moeda forte e quem não tem, com contrabando, mercado negro, fuga de capitais através de esquemas de subfacturação e sobrefaturação por parte do empresariato[2]. Em casos de forte dependência de importações e de exportações com baixo valor acrescentado, como é caso de Portugal ou da Grécia, o instrumento monetário seria desastroso, tal como a chamada desvalorização interna.
A primeira opção foi a adoptada pela troika, imposta para Portugal como para a Grécia dado que uma desvalorização regional da moeda não está disponível. O fracasso está à vista, dedicando-se Draghi ao seu quantitative easing, comprando dívida com o produto da emissão de moeda para alimentar a especulação dos bancos; ou ainda compensando a fuga de dinheiro da Grécia, dando luz verde ao banco central grego para ir imprimindo euros (é o ELA, emergency liquidity assistance).

O fracasso actual é evidente, porque se não pretende a colocação em causa da arquitetura europeia baseada em fundas desigualdades regionais e sociais, na segmentação do território entre Centro e periferias, elementos esses que são anteriores ao euro; para que se não molestem os sagrados interesses do capital financeiro, a oligarquia comunitária e o FMI admitem a colocação da Grécia no “lixo”, como um pária indigno de se sentar à mesa do banquete capitalista que se abastece na referida arquitetura.

A questão não é entre a desvalorização interna ou a de uma moeda nacional, ou de exercícios encantatórios sobre a coexistência pacífica entre duas moedas. Em todos os países, mesmo os que detêm moedas nacionais, manifestam-se grandes desigualdades regionais e sociais quanto ao desenvolvimento e riqueza; e não consta que se venham a criar moedas próprias para o conjunto dos lander alemães que constituíam a antiga RDA, para Trás-os-Montes, para a Extremadura espanhola, para o Mezzogiorno italiano ou o Epiro grego. Existem, mesmo sendo insuficientes, formas de estabelecimento de solidariedades dentro de cada estado-nação, incentivos e benefícios fiscais, transferências, qualquer que seja a sua moeda.

Como se sabe, são pouco evidentes essas formas de solidariedade no seio da UE, que se pretende um espaço único. A UE preocupa-se mais com planos de investimento que viabilizam empresas, que engordam os bancos, que alegram governos e autarcas nacionais, com a competitividade fiscal entre os países e entre estes e os off-shores, do que em constituir fórmulas avançadas de desenvolvimento regional e de transferências que façam da UE, de facto, um espaço coeso e solidário.

3 – Por onde passa a alternativa?

A dicotomia entre a desvalorização interna ou a de uma moeda nacional é o discurso do sistema financeiro, das classes políticas que o servem, sendo uns, neoliberais convictos e servis e outros, keynesianos, convencidos de que maiores poderes a um Estado capitalista (dirigido por eles, obviamente…) são a porta do Eden. Porém, todos são defensores explícitos ou implícitos, apenas complacentes com o capitalismo; aquela dicotomia separa apenas os segmentos mais à direita ou ditos de “esquerda” das classes políticas. Qualquer solução tem de se construir com:

·        uma base social e política alargada a construir nos planos nacionais;
·        a determinada recusa de propostas nacionalistas bem como de intervenções autoritárias[3] construídas e exigidas pelas instituições da troika;
·        uma forte componente de construção internacionalista, solidária e supranacional;
·        a criação de instituições nacionais e supranacionais democráticas, emanadas diretamente dos povos e submetidas ao controlo popular;
·        a ausência de uma classe política, de profissionais do tráfico de influências;
·        o redimensionamento e reconfiguração do sistema financeiro, baseado nas poupanças e não na estouvada criação de meios artificiais para alimentar a especulação.

4 – Sair do euro e/ou da UE como e com que vantagens?

Os tratados europeus não contemplam a saída de um país da zona euro, embora seja referido frequentemente, pelos media e pelos membros da classe política, a possibilidade de expulsão da Grécia, sabendo-se que a Grécia, o seu governo e o seu povo não terão ainda descoberto nisso qualquer vantagem. Estará a faltar-lhes, certamente os avisados conselhos do seu KKE, dos lusos PCP e satélites ideológicos, do nacionalista Ferreira do Amaral, do volúvel Louçã e de vários escolásticos da praça. A adopção do euro é como o nascimento de um filho; pode evitar-se que venha a nascer mas, fazê-lo desnascer é muito complicado.

O artº 140, nº 3º do Tratado sobre o Funcionamento da UE fixa de modo irrevogável a taxa com qual o euro substituiu a moeda nacional do país aderente, não se admitindo a saída voluntária nem a expulsão, nem estando contemplados mecanismos ou calendários para a concretização dessa saída. No entanto, está previsto que um país pode abandonar a UE (artº 50º do Tratado da União), sendo-lhe dado um prazo não superior a dois anos para o efeito. Mas não pode ser expulso. Assim, se a Grécia abandonar a UE, por arrastamento deixa o euro; o que provavelmente não fará, pelos inconvenientes económicos e financeiros que teria e para não facilitar a vida aos outros membros, colocando nestes a invenção dessa sanção máxima que o direito comunitário não prevê, a de expulsão da UE. Mesmo que de modo desastrado, o ministro austríaco das finanças sugere que a Grécia peça para sair da zona euro (?) e que todos os outros países deverão concordar com isso.

Pode pensar-se que o artº 4º do Tratado da União estatui que os estados-membros se devem abster de qualquer medida susceptível de colocar em perigo a realização dos objetivos da UE mas, não esclarece quem tem essa competência. Falar de saída do euro mostra as divergências existentes, o azedume mas, legalmente, qualquer tentativa de a levar a cabo redundaria numa enorme confusão jurídica, política e económica, um desastre para o euro como moeda (para gáudio dos EUA) e para a Grécia, submetida a todas as pressões e chantagens.

Não deixa de ser ridiculamente curioso, por exemplo que o PCP, seus satélites e Louçã defendam a saída do euro de modo concertado, num género de acordo de cavalheiros, onde eles não existem, como se vai observando no seu comportamento com a Grécia. E, ao mesmo tempo se quedem por algo tão manso e pífio como a reestruturação da dívida pública, não assumindo nem a sua ilegitimidade e contribuindo no engano de que aquela seja pagável. Considera-se que uma dívida ao ultrapassar os 100% do PIB jamais será pagável e, para mais com o crescimento anémico que se observa nos países europeus mais endividados e a continuidade das suas corruptas classes políticas.

Nas ditaduras o direito vale o que vale, é instrumental e não uma referência para a convivialidade social. As instituições estatais ou pluri-estatais europeias não são um exemplo de democracia; implícita ou explicitamente, adoram Carl Schmitt. Segundo o pensamento deste ideólogo do fascismo, o exercício da soberania comporta a decisão fora de qualquer norma jurídica, assumindo, como conveniente a existência de uma situação de excepção para justificar uma decisão arbitrária; não se esquecendo de apontar como objetivo a eficácia de uma medida que vise o regresso a uma situação de normalidade. Neste contexto, a normalidade não passa de uma utopia que assoma, sem se fixar, nos evanescentes intervalos que separam estados de excepção reais ou criados pelas classes políticas – programas de estabilização financeira, ameaça terrorista, inflação, deflação, desemprego elevado, reformas estruturais, estabilidade dos mercados… Dito isto, é evidente que, se necessário, os poderes (BCE, Bundesbank, Eurogrupo, Comissão Europeia) inventarão um dispositivo qualquer, no seio das suas posturas de ditatorial arrogância, para retirar a Grécia da zona euro; e terão como apoiantes mais fervorosos os cães, que sempre ladram mais alto que a dona.

Em que estado ficarão o euro, a UE, os chefes nacionais e sobretudo a Merkel que deu a cara por toda esta situação? Situação que se carateriza por atropelos e trapalhadas, que chegam ao ponto de condenarem a realização de um referendo na Grécia, negando ao povo grego o direito elementar de decidir sobre as propostas dos oligarcas comunitários. A rotina, de facto, tem sido a inexistência de consultas populares (ou que são torpedeadas como no caso da Irlanda). Cada vez mais a arquitetura da UE se parece com uma ditadura que concede, sorridente, a realização de romarias eleitorais como toscos espetáculos de final a priori conhecido.

5 – As preocupações do BCE, da UE e do FMI

É evidente que há uma pressão enorme das instituições da troika (chamamos-lhes assim a despeito do governo grego ter vincado o seu fim e não usar o vocábulo) para que continue a desnatação do povo grego, com cortes adicionais nas pensões e aumentos do IVA e não a oneração da tributação das empresas de maior gabarito. Alheios a qualquer preocupação humanitária, às instituições interessam-lhes três ordens de grandezas;
  • a estabilidade e a rendabilidade dos mercados financeiros;
  • o não agravamento da situação económica e social na Europa, nomeadamente para que não haja um contágio grego;
  •  e a disputa entre o euro e o dólar pelas preferências de especuladores e estados quanto a divisas de transação, de referência nos preços e de reserva.
5.1– Objetivo 1 - A estabilidade e a rentabilidade dos mercados financeiros

A dívida grega, como a portuguesa, não tem tido uma evolução explosiva nos últimos anos, de modo a colocar em perigo a estabilidade dos mercados financeiros, embora seja real que, em qualquer dos casos possa haver uma incapacidade de cumprimento dos planos de reembolso e de pagamento de juros, por implosão das suas capacidades de geração de meios financeiros, ou de renovação de divida a baixas taxas ou ainda, por explosão social, com repercussões regionais e até geopolíticas.

O interesse do capital financeiro global como principal baliza de alinhamento das instituições e das classes políticas europeias, dota a dívida de um caráter odioso e ilegítimo (ver relatório da Comissão pela Verdade sobre a Dívida Grega[4] e no caso português[5]) porque os povos nada beneficiam dela, mostrando-se simples instrumentos, obrigados fornecedores de rendimentos para os credores, obrigações essas que lhes foram imputadas por parte do capital financeiro, interessado, quer no caudal dos juros, como na aceitação de títulos das dívidas públicas pelo BCE, como formas de garantia para o abastecimento de fundos aos bancos.

Sabe-se que os bancos procuram aplicar freneticamente todo o dinheiro que detêm e o que criam a partir do nada. Em tempos de desemprego, de fraca performance das economias, a procura de crédito não anda famosa e, por seu turno, os estados têm por detrás populações susceptíveis de garantir reembolsos e juros, com riscos não comparáveis com nenhuma outra entidade. Essas aplicações junto dos estados permitem aos bancos assenhorearem-se de rendas correspondentes, tendencialmente perpétuas, cobrando juros com taxas entre 1.9% ou 5% do PIB, respetivamente, nos casos da Alemanha e de Portugal. 

Esta mina para o conjunto dos países do euro aderentes até 2009, aumentou de € 7.26 biliões em dezembro daquele ano, para € 9.3 biliões cinco anos depois, com um crescimento de 30.9%, muito acima do crescimento da economia daquele conjunto de países (média anual de 0.67% para a UE entre o 1º trim/2010 e o 2º trim/2014). Há pois, um hiato entre o crescimento da divida pública e a evolução das capacidades de lhe fazer face, o que prenuncia dificuldades de pagamento.

Essa dívida pública não fica simplesmente registada nos balanços dos bancos aguardando a chegada dos juros e o dia do reembolso. Ela é entregue como garantia dos bancos ao BCE para este lhes fornecer dinheiro fresco à ridícula taxa actual de 0.05%, para aplicação na sua atividade preferida, a especulação. O BCE, formalmente fornece liquidez aos bancos para estes o colocarem na atividade económica, em investimento efetivo levado a cabo por empresas mas, essa afetação só se tornou vinculativa com um programa que se manterá até meados de 2016, numa escala muito inferior à concessão não condicionada de crédito.

Em 2012 o segundo resgate da Grécia contemplou a substituição de títulos de dívida grega por outros, novos, de forma a continuarem como colaterais oferecidos pelos bancos, mantendo-se assim intocáveis os níveis de financiamento do BCE aos bancos, sem que a Grécia tivesse tirado daí qualquer benefício; por exemplo, o BCE poderia ter então condicionado o dinheiro emprestado aos bancos e garantido por aqueles títulos, a investimentos produtivos na Grécia, o que não fez, pois isso não era conveniente para os bancos, mais interessados na especulação e em aplicações corruptas concertadas com as classes políticas.

O gráfico seguinte é eloquente e nele facilmente se observa que os créditos fornecidos – a vários títulos - pelo BCE à Grécia superam a própria situação líquida do banco. Tecnicamente o BCE faliria mas, como tem por detrás os estados da zona euro…
Para continuar a financiar os bancos da zona euro, o BCE irá, até 2016, triplicar o seu capital próprio actual que é de € 1 bilião. Para ofereceram colaterais (garantias) ao BCE – impedido de financiar diretamente os estados – os bancos concorrerão aos leilões de arrematação de dívidas soberanas que entregarão ao BCE como garantia do fornecimento de liquidez, aumentando-se também a dívida dos estados e o jugo no pescoço das populações.

A pressão exercida sobre o povo grego pelas instituições da UE e o comparsa FMI, consiste em que a Grécia vá empobrecendo com a nutrição em juros dos bancos, garantindo que a eternização da dívida irá mantendo o financiamento quase gratuito do BCE aos bancos para que estes desestruturem a economia global. Daí a pressão contra o governo grego por não ser complacente com as instituições da troika e os bancos que aquelas representam (Draghi era do famoso Goldman Sachs[6], por exemplo). Imagina-se o pânico que irá nas cabeças pensantes de Bruxelas, Frankfurt e Berlim se nos países mais endividados do euro houvesse a resistência que o governo Syriza está a tentar opor? Para evitar o contágio grego, o falcão Schauble, desde o princípio, tem sido avesso a concessões aos gregos, remetendo para os serviçais Passos e Rajoy a figura dos mais desejosos da penalização ou banimento da Grécia; se isso acontecer ficarão na fotografia dos bons alunos da turma, poderão apontar para a inevitabilidade das suas miseráveis condutas e, quem sabe, poderão vir a sentar-se na administração de um banco, provavelmente com um recado expresso “não abra a boca, nem mexa uma palha”, tendo em conta a imbecilidade de ambos. 

Os imbecis não têm vistas largas e a sua atitude de penalização da Grécia permite-lhes descurarem que, banida a Grécia do palco, o espetáculo irá continuar com outros atores, mormente Portugal. Este, verá as taxas de juro da dívida a subir, maior retração das ofertas nos leilões (como aconteceu recentemente) o que irá despedaçar as metas do deficit e originar, para depois da romaria eleitoral de outubro, novas medidas punitivas da população. Entretanto, a pobre tesoureira Maria Luís canta constantemente a melodia dos cofres cheios… que talvez dure até à próxima romaria eleitoral.

5.2– Objetivo 2 - Conter os europeus na austeridade, na ignorância e… no medo

A Alemanha tem deixado arrastar a situação à espera de um acordo com os gregos que deixe tudo como dantes – os gregos com austeridade sem fim e a Alemanha a exportar os seus produtos, a proceder à manutenção dos submarinos vendidos à Grécia e com o euro livre de pressões e flutuações, de todo inconvenientes para países exportadores. A Alemanha, sabendo perfeitamente que a dívida grega não é suportável pelos gregos, manteve o caldo em fervura lenta nos últimos três anos, com a preciosa ajuda do governo Samaris. A saída deste último precipitou a situação e tudo indica que a actual situação a propósito da Grécia é apenas o princípio de uma grave crise do projeto europeu na sua actual configuração e uma desvalorização/instabilidade do euro que torne a moeda pouco atraente como divisa de reserva e de fixação de preços em contratos a prazo, com o dólar à espreita para reafirmar a sua hegemonia. Assim, a Alemanha tudo fará para manter a estabilidade do funcionamento dos mercados, a paz (podre) social da Europa, agindo em conformidade, banindo, se necessário, a Grécia da UE/euro, com rápida alteração dos tratados, no sentido de maior centralização da decisão nos órgãos comunitários e ainda inventando uma contrapartida conveniente se, em Espanha o Podemos e outros grupos colocarem em causa o binómio PP/PSOE.

Por outro lado, dada a relevância que a exportação tem para a Alemanha a instabilidade em torno do euro pode afetar o nível de emprego no país, conduzir a alterações na actual paz laboral e colocar Merkel em causa, em benefício dos seus irmãos do SPD e do aumento da popularidade do AfD, susceptível de captar eleitorado tradicional da CDU/CSU.

Entre a oligarquia espera-se com ansiedade a vitória do “sim” no referendo de dia 5 na Grécia (se ele se concretizar) e que daí advenha o afastamento do actual governo, com o regresso dos funcionários gregos da troika e a paz celestial aos “mercados”. Porém, a presença de um governo Syriza, de certo modo, tranquiliza a troika pois esta tem alguém com quem dialogar e a serenidade nas ruas de Atenas. Imagine-se um regresso de um Samaris, com uma frágil maioria, obrigado por dever de ofício a satisfazer os interesses da estabilidade do euro e a aceitar as novas e brutais exigências da UE/FMI, com os gregos em polvorosa, por razões sociais e políticas, vendo nisso o equivalente a uma nova invasão alemã. A instabilidade manter-se-ia a não ser que Samaris imitasse em termos de repressão, o regime dos coronéis; a UE aplaudiria pois as pessoas nasceram para servir os mercados, não é verdade?

A crispação da UE revela que os seus mandadores preferirão enviar a Grécia pela borda fora para garantir a estabilidade do euro e a paz nos mercados e, com isso, dar um sinal aos outros países endividados, mormente os de maior gabarito - como Espanha - de que a norma é a obediência à lógica do endividamento e do empobrecimento, para glória da ditadura do sistema financeiro. Aliás, essa subordinação dos estados periféricos e a transformação dos poderes nacionais em meras competências delegadas ou autárquicas, enquadra-se na lógica da centralização das decisões em instâncias não democráticas, por um lado e, no vincar da lógica economicista, por outro, como se observa também no âmbito dos nebulosos tratados TTIP, TISA...

Toda esta fixação no pagamento de dívidas incobráveis também parece estranha nos EUA que consideram mais avisado proceder a uma redução razoável da dívida grega, com ou sem acompanhamento por parte do FMI, como aliás sugerido pelo secretário de estado do tesouro norte-americano[7]; resta saber se e como o conselho dado à Europa pelos norte-americanos será por estes aplicado a Porto Rico, a braços com uma dívida brutal que poderá ter impactos nos mercados financeiros[8]. Por seu turno o próprio FMI divulgou, no último dia 26, um relatório onde procede a cenários contemplando haircuts e extensões dos prazos de pagamento até 2064[9].

O problema da Alemanha é a manutenção do seu enorme excedente externo que alimenta de liquidez o seu sistema financeiro, natural credor dos países do Sul; uma redução da dívida grega levantaria idêntica reivindicação a países altamente endividados como Portugal, Espanha, Itália… com efeitos devastadores sobre a liderança alemã na arquitetura da zona euro.

Uma bancarrota grega, como se adivinha, conduz a limitações aos movimentos de capitais (em Chipre duraram dois anos e na Islândia sete), algo inimaginável dentro dos objetivos mais sagrados da construção europeia e da ortodoxia neoliberal; e, eventualmente daí poderão resultar limitações gregas à importação de bens, como excepção a outra das vacas sagradas do capitalismo, o comércio livre.

A experiência cipriota de 2012, com a intervenção da troika, narra que os depósitos acima dos € 100000 foram expropriados para abate na dívida, quer fizessem parte das poupanças de cidadãos comuns, mormente reformados, ou do fundo de maneio de empresas, por exemplo de hotelaria; revela também que o serviço de dívida foi estabelecido sem qualquer atenção aos efeitos desastrosos sobre a economia do país. Esta e as restantes experiências demonstraram que as populações sofreram a subordinação das suas vidas aos interesses das instituições que zelam pelos interesses do capital financeiro e dos seus cegos burocratas. Porém, isso só aconteceu porque as suas classes políticas se renderam totalmente aos desígnios da arquitetura europeia, marcada pela demarcação de desigualdades entre Centro e periferias; e, pior que isso, porque as populações se mantêm anestesiadas pelas rotinas da democracia de mercado, mostrando-se afastadas da chamada a si das decisões sobre interesses coletivos, relegando as classes políticas, para os capítulos dos maus momentos nos livros de História.

5.3 – Objetivo 3 – Conter as ameaças geoestratégicas

O euro está presente em 25% das reservas globais de divisas, é a forma de expressão monetária de 40% do comércio mundial e é em euros que estão denominados 34% dos empréstimos bancários[10]. Esses indicadores representam um feito assinalável se se pensar que o euro tem apenas 14 anos de vida e que a sua representatividade se conseguiu a expensas de algumas moedas como a libra e, particularmente, do dólar.

Certamente os EUA estão preocupados com a situação do euro, pelos seus efeitos de contágio sobre o sistema financeiro mundial, nas cotações das bolsas, na procura de divisas para efeito de pagamentos internacionais ou para a reconfiguração de reservas em divisas. Gostariam de uma degradação da imagem do euro em lume brando que beneficiasse o dólar (e outras moedas, como o yuan… como danos colaterais), algo à semelhança do que aconteceu com a perda de relevância do dólar após o surgimento do euro. Mas não pretendem movimentos bruscos, susceptíveis de retrações e pânico, como aconteceu em 2008 com a crise dos “subprimes”.

Como única potência com capacidades de atuação global, em todas as vertentes – política, económica, militar, informação – os EUA pretendem consolidar o papel do dólar aproveitando as dificuldades institucionais na Europa ou ainda os impactos ali, do fluxo de emigrantes e refugiados provenientes de África e do Médio Oriente, que estão a facilitar o argumentário dos que antipatizam com as regras Schengen e impulsionam a militarização do Mediterrâneo como resposta à desagregação social e económica nas regiões que rodeiam a Europa.

Nesse âmbito estratégico, os EUA vêm antagonizando a Rússia, arrastando a Europa para lógicas de crispação que afetarão o preço do acesso ao petróleo e ao gás vindos da Rússia.

A Alemanha, por exemplo, que tem 1800 unidades industriais deslocadas na Ucrânia, onde os salários são baixos, interessa-lhe a integração ucraniana na sua esfera de influência em consonância com uma Rússia fornecedora de energia. Esse projeto não interessa aos EUA que veem aí um reforço da UE e do euro interessando-se mais em colocar a Nato junto à fronteira russa, empurrando a Rússia para a Ásia. O FMI, por seu turno, admite poder “emprestar dinheiro à Ucrânia mesmo que o país não possa cumprir o serviço de dívida"[11], depois de ter avançado com um empréstimo de $ 17500  em março. O contraste face à Grécia que não pagou no último dia 30 € 1600 não podia ser maior.

Ainda no campo da geopolítica, parece não haver nas instituições europeias quem observe o convite dos BRIC’s para a Grécia se tornar o sexto membro do seu projetado Banco de Desenvolvimento, que terá um capital de $ 100000 M, pertencendo à China a maior parcela e que se pretende apresentar como uma alternativa ao recurso do FMI, dominado pelos EUA e pela Europa[12]. Uma das funções do novo banco será satisfazer as necessidades dos seus membros que tenham deficits externos. Este projeto pode relacionar-se com o desvio do trajeto de um South Stream – oleoduto entre o Sul da Rússia e a Bulgária, através do mar Negro para a Turquia e a Grécia, atravessando a Macedónia e a Sérvia (o Turkish Stream).
Mais recentemente, a China apresentou-se para ajudar a Grécia nas dificuldades financeiras atuais, diretamente ou por intermédio das instituições europeias[13], o que não deixa de mostrar a todos a menoridade política das instituições europeias, dominadas por membros de dois gangs, o PPE e o S&D.

Este e outros documentos em:    







[3]  Em finais de 2011, o então chefe do executivo, Papandreu havia sugerido um referendo para aceitação ou não do segundo resgate da troika. A oposição das instâncias da UE e dos “mercados” financeiros, fielmente seguida pela Nova Democracia e parte importante do Pasok impôs na Grécia um financeiro vindo do BCE – Papademos - para primeiro-ministro de uma coligação ND/Pasok que haveria de preparar as novas eleições que viriam a ser ganhas pela ND de Antonis Samaris. Não houve referendo, o segundo resgate foi portanto, aceite e, como se vê, não tornou a Grécia livre do espartilho do capital financeiro, nem da troika.
[6] O glorioso Goldman Sachs montou na Grécia uma contabilidade fictícia em conluio com os governos da ND/Pasok e as instituições europeias. Até onde haverá responsabilidades pessoais de Draghi? Há algum princípio de justiça em ser o povo grego a pagar com desemprego, desespero e privações os efeitos de uma burla com responsáveis bem conhecidos fora da cadeia?
[10]  Retirado de “A solução novo escudo” de João F Amaral e F Louçã
[13]  http://www.zerohedge/2015-07-02/china-state-official-hints-beijing-may-bailout-greece

Sem comentários:

Enviar um comentário