A CRP conseguiu juntar
estimáveis princípios de ordem geral com uma clara preocupação em centralizar a
decisão numa classe política, avessa e desconfiada de qualquer forma de poder
democrático. Os deméritos da CRP são não ter evitado a rapina dos bens públicos
nem ter potenciado o aprofundamento da democracia.
Sumário[1]
1 – Introdução
2 - A soberania
3 - O povo cria o Estado ou é o Estado que cria o
povo ?
4 - Quem constitui o
povo?
5 - A captura da
democracia
6 – A invalidação dos
referendos
1 – Introdução
São as pessoas que dão substância às sociedades humanas. A sua presença
continuada num determinado território atribui-lhes, coletivamente, o direito de
o utilizarem de modo a garantir o seu bem-estar, como ainda a responsabilidade
de transitar esse território, para as gerações seguintes, no mínimo melhorado e
enriquecido no seu equilíbrio e na capacidade de gerar bem-estar.
Dada a grande complexidade das sociedades humanas, torna-se
necessária uma atividade colaborativa entre os seus membros, que a todos
beneficie, enquanto usufrutuários comuns de um conjunto de bens e serviços e
que, simultaneamente, minimize o esforço físico e intelectual de cada um,
enquanto produtor daquele conjunto de bens e serviços. Essa atividade
colaborativa na gestão da res publica
passa pela existência de instituições, entendidas como grupos de pessoas que as
constituem e gerem como instrumentos de toda a sociedade para o desempenho de
tarefas específicas, sem prerrogativas de autoridade, quer no seu seio, quer em
relação a quantos os que sentem as consequências desse desempenho.
Temos consciência da imaturidade política da multidão em
Portugal – e não só - após quatro décadas de regime cleptocrático e da
propaganda em torno da inevitabilidade do capitalismo e da democracia de
mercado, como modelos finais e perfeitos de organização das sociedades; isso,
no seguimento de 48 anos de um fascismo defensor de um corporativismo beato e
da pobreza como virtude, também como elementos de um modelo final e perfeito de
organização social. O regime fascista usava a censura e a repressão primária
para obviar a ínvias contaminações; o actual regime pratica também a censura e a
subtil marginalização dos elementos e das ideias contaminantes.
Por outro lado, o período que se sucedeu a 25 de novembro de
1975, marcado por uma escassa movimentação social, não gerou, nem vem gerando,
uma avançada consciência democrática ou, a potenciação da resolução comum das
necessidades sociais. Pelo contrário, promoveu um conformismo acrítico que tem
contribuído para a calamitosa situação actual - cujo agravamento se avizinha
como a evolução mais provável - e a cómoda e ingénua espera por um Estado
paternalista que zele pelo bem-estar coletivo.
Quanto à Constituição da República Portuguesa (CRP), tem havido
um informal consenso no seio da classe política, no sentido da sua não
alteração, sem prejuízo de regulares alusões a modificações, referentes a
aspetos parcelares, que se enquadram somente nos típicos jogos florais interpartidários.
Nas bandas do partido-estado PSD/PS, a CRP é um pomposo adereço, que pouco tem
servido de empecilho para a prossecução dos seus objetivos de saqueio dos bens
públicos, de redução de direitos e de aumento da carga fiscal. Nos lados da
chamada esquerda, tem-se adoptado, desde 1975, a posição defensiva de conservar
o que está, para que das mudanças não advenha algo pior. Esta postura de
permanente consolidação do statu quo
constitucional não tem servido para coisa alguma de positivo, uma vez que a CRP
foi concebida, na letra, no capítulo das instituições ou do modelo de
representação que dela imana, como um passador que tudo permite no que convém
ao capital; até mesmo admitiu a colonização pela troika, apesar das muitas referências a uma orgulhosa soberania.
Tomar os primeiros artigos da CRP constitui um inevitável tropeçar
com um conjunto de definições filosóficas basilares, ausentes na realidade
superveniente ou, cuja total denegação tem sido, de facto, permitida pela
própria CRP, através dos órgãos a quem competiria zelar pela sua cabal
aplicação. Uma peça exemplar do caráter fraudulento das instituições
cleptocráticas foi a votação na Assembleia da República, por unanimidade, de
uma recomendação para combater a pobreza, em 2008[2]. Três anos depois, mais ou
menos os mesmos convivas, aceitavam, submissos, o memorando da troika, evidente acelerador da pobreza.
2 - A soberania
Está ultrapassado o tempo do encerramento autárcico dos
estados-nação[3],
desconfiados face a ameaças reais, potenciais ou imaginárias provenientes do
exterior e que justificavam fronteiras estanques, forças militares para
aprisionarem os povos como objeto de caça e espoliação a favor dos capitalistas
domésticos.
Entendamo-nos. Não nos tocam sentimentos patrióticos de orgulho
nacional; temos mais afinidades e devemos mais solidariedades para com
trabalhadores, desempregados ou espoliados de qualquer parte do mundo do que
com capitalistas ou mafiosos portugueses.
A deriva neoliberal que gera as investidas contidas na
prossecução do chamado projeto europeu é acompanhada do afundamento político e
ideológico da esquerda tradicional[4] e tem vindo a vincar
diferenças, hierarquias e xenofobias no seio da Europa. Não queremos ser
cúmplices desse processo e imitar os nossos avós que se lançaram como feras
sobre os seus congéneres, igualmente vítimas do capitalismo, em 1914/18, só
porque viviam do outro lado da fronteira. Não queremos apoiar os “nossos”
capitalistas contra os capitalistas de outras latitudes e, nesse apoio,
entrarmos em disputas estupidamente fratricidas com outros povos: defendemos a colaboração
com outros povos e gentes, um reafirmar da solidariedade internacionalista a
que a globalização capitalista obriga, desde o seu início.
A sociabilidade dos povos baseia-se na expressão das
solidariedades, tanto quanto possível no seio das comunidades locais; porém,
isso não significa encerramentos paroquiais no seu espaço próximo ou nacional,
sendo tempo de criação de partilhas de soberanias desde que daí não resultem
cedências gratuitas ou sacrifícios de uns face a outros, sem qualquer
contrapartida imediata ou mediata. Num plano mais geral, o bem-estar da
multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores residentes em Portugal não é
alienável para benefício de interesses externos nem de interesses particulares
de entidades portuguesas, sejam elas os capitalistas ou os entes mafiosos que
enformam a classe política.
A breve introdução sobre a soberania serve, no contexto dos
propósitos deste documento para tecermos considerações sobre o artº 1º da CRP que
afirma Portugal como uma “República soberana” embora seja evidente que o
partido-estado (com o atrelado CDS) cedeu essa soberania aos mercados
financeiros, às instituições da troika
e aceitou a tutela dos mecanismos enformadores de uma dívida eterna[5]. O que vem sucedendo com a
Grécia[6] mostra o respeito que as
instituições ao serviço do capital financeiro, incluindo nelas as classes
políticas nacionais, têm para com as soberanias de estados-nação de pequena ou
média dimensão.
Tem-se assistido à passagem dos centros de decisão das grandes
empresas de capitais portugueses para paraísos fiscais (Holanda e Luxemburgo).
As empresas privadas de capitais portugueses, em geral, são pequenas,
descapitalizadas, endividadas e mal geridas, com dificuldades de inserção na
selva da competição global e, mesmo quando exportadoras bem geridas, dependem
de empórios globais para obterem encomendas ou para a colocação da produção.
Finalmente, as privatizações, inserindo as empresas em redes transnacionais de
negócios, transformam os nós portugueses em peças de engrenagens totalmente
alheias aos interesses dos residentes em Portugal. Numa lógica capitalista, sem
empresários capazes de construir núcleos de interações entre sectores
complementares, Portugal tende a ser apenas um território onde se cruzam as
referidas redes transnacionais de negócios, ignorando a esmagadora maioria do
universo de PME de capitais lusos e em diálogo direto com o partido-estado para
a obtenção de facilidades, honrando os hábitos locais de corrupção. Neste
contexto, a soberania é um sonho ou uma saudade.
Por outro lado, em Portugal, a atuação lesiva e subserviente do
partido-estado, no capítulo da soberania, não encontra no resto da sociedade ou
nas suas instituições, elementos que possam funcionar como recurso que obvie
àquelas atuações. As instituições do regime funcionam como um sistema fechado
de poderes segmentados e cuja ocupação por parte do partido-estado as constitui
em teia totalitária e mafiosa ao seu serviço, como elementos mais ou menos
distanciados da intervenção da população, inserida numa nova servidão.
O partido-estado decidiu prescindir da soberania ainda restante ao
aceitar uma efetiva subordinação ao capital financeiro e às suas instituições
plurinacionais, com evidente prejuízo para a generalidade da população. A CRP
não tem um instrumento de recurso perante uma ocupação como a que se verificou,
nem para os danos que ela possa provocar na multidão, conduzida a restringir-se
a protestos simbólicos ou à resignação face ao “normal funcionamento da
democracia”.
Na CRP houve o cuidado de lhe não incluir quaisquer fórmulas de
recurso, através das quais a sociedade possa evidenciar a vitalidade suficiente
para a sua autónoma organização, para a sua autodefesa face à ocupação
institucional por parte de uma constelação de interesses mafiosos. A oligarquia
blindou-se atrás da CRP que construiu há 40 anos.
A CRP estabelece uma vincada separação entre dois sistemas de
relações. Um, constituído pelas relações entre a classe política, os
capitalistas de referência, o sistema financeiro e os burocratas internacionais
que gerem, sem real escrutínio nem recurso, a vida da multidão; e um sistema de
relações pessoais e afetivas protagonizado pela grande maioria da população que,
só entra em contacto com aquele outro sistema, de modo indireto ou difuso, no
meio laboral, no seio da punção fiscal, no contexto da autoridade judicial ou
policial ou, em triviais actos de consumo. Fisicamente, os elementos que
protagonizam estes dois sistemas de relações, não se encontram.
Para além das rotinas eleitorais em que se propicia “aos de
baixo” uma escolha viciada, restringida “aos de cima”, estes têm todo o poder
de decisão. Por exemplo, o mecanismo do referendo está, na realidade, vedado à
utilização, por parte do povo, por um conjunto de instâncias e procedimentos
bloqueadores, nas mãos da classe política.
Quando se afirma, no mesmo art. 1º, que a República se baseia na
dignidade da pessoa humana, convirá que se pergunte para onde foi remetida a
dignidade de quantos trabalham sem direitos, dos que viram os seus direitos na
reforma reduzidos, na saúde diminuídos ou ainda a dignidade dos que foram
aconselhados a “desamparar a loja”, emigrando.
Quanto à vontade popular referida ainda no art. 1º cabe
perguntar, onde e quando foi ela expressa para a execução do plano de
austeridade, para as privatizações, o apoio aos bancos falidos, à continuidade
das parcerias público-privadas, etc.
Finalmente, no capítulo do objetivo da “construção de uma
sociedade livre, justa e solidária”, só alguém demente ou beneficiado com a
cleptocracia vigente a poderá tomar como uma realidade.
3 - O povo cria o Estado ou é o Estado que
cria o povo ?
O artº 2º afirma a existência de um Estado de direito e toda uma
vasta gama de belas ideias mas, que encontram pouca visibilidade na realidade, como
já se referiu atrás.
A crítica ao artº 2º que aqui pretendemos desenvolver é de ordem
sequencial. Os constituintes decidiram definir a existência do Estado antes de
referir a existência de pessoas, de povo, o qual só surge na CRP no artº 3º; ou
se se preferir, conceberam a existência de um povo como subjacente à existência
prévia de um Estado; ou ainda, que é o Estado que dá existência e dignidade a um
povo, enquanto entidade cultural. Parece haver, nesta sequência contida na CRP,
uma aplicação de uma concepção deísta, bíblica, sobre a criação do Homem, por
um deus intemporal e exterior ao plano da realidade cognoscível.
A sequência utilizada contraria a lógica oitocentista, na qual a
existência de um povo mereceria a constituição de um Estado próprio, que o
libertasse da subordinação e da sujeição a poderes tirânicos; essa tese visava
o desmembramento de impérios europeus (austro-húngaro e otomano). Nessa lógica,
é a pré-existência de um povo, ou conjunto de povos, que origina e justifica a
construção de um Estado, como instituição coletiva, onde repousará a sua
dignidade como comunidade, entre outras comunidades, povos, nações.
A sequência contida na CRP – o Estado antes do povo – parece ter
sido importada de … África. Em África, a ocupação colonial correspondeu a uma
divisão territorial como se de propriedade imobiliária se tratasse, sem
qualquer preocupação com as vontades e as identidades culturais dos seus
habitantes. Quando sobreveio a descolonização e para evitar conflitos,
entendeu-se manter as fronteiras definidas pelas potências coloniais, mesmo que
tivessem dividido aldeias ao meio; daí, a manutenção de povos distribuídos por
vários Estados ou de Estados com vários povos, com identidades distintas e até
conflituantes. Em África, por exemplo, os Estados atuais são estruturas
políticas herdadas, criadas pelo colonialismo, independentemente de eventuais
homogeneidades ou heterogeneidades observadas entre os povos neles integrados;
aí sim, pode dizer-se que foram criados Estados sendo aos seus habitantes dada
uma designação estranha a qualquer dos povos e culturas integrantes. Por
exemplo, os habitantes da Nigéria designam-se por nigerianos, podendo todavia
ser haussas, ibos, yorubas, etc, com línguas, religiões e culturas distintas.
De qualquer dos modos, entendemos que o importante são as
pessoas e que as suas estruturas políticas e organizativas são (ou deverão ser)
sempre delas derivadas, por muito diversas que sejam as suas raízes culturais e,
democráticas ou opressivas possam ser essas estruturas.
Apesar de todas as guerras e separações pretensamente
identitárias, a deificação do estado-nação não impediu que continuem a existir
centenas de povos, com culturas bem marcadas, sem Estado próprio. Em quaisquer
circunstâncias, os Estados mantêm, zelosos, o controlo dos seus súbditos,
emitindo, por exemplo, cartões de cidadão, passaportes e, mais recentemente, códigos
individualizados para o exercício da punção fiscal.
Os povos constituem os sujeitos e a razão de ser de qualquer
instituição. O preâmbulo da Constituição dos EUA, escrito em finais do século
XVIII, muito liminarmente, informa que “nós, povo dos Estados Unidos… promulgamos
e estabelecemos esta Constituição para os EUA”. A recente constituição
islandesa enuncia no seu preâmbulo a mesma origem legitimadora, declarando que “nós,
o povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa que ofereça as mesmas
oportunidades a todos. As nossas diferentes origens são uma riqueza comum e,
juntos, somos responsáveis pela herança de gerações”.
No preâmbulo da CRP, o MFA “coroa a longa resistência do povo” e
são os “legítimos representantes do povo” que definem a Constituição que
corresponde às aspirações do “país”. Não há, no preâmbulo, uma clara e
inequívoca expressão da soberania popular, como elemento fundador mas, a
definição dos autores materiais da CRP, travestidos de povo. Aponta-se para o
instrumento, deixando omisso o elemento ontológico. Somente no artº 3º, nº 1º
se declara que a soberania reside no povo, depois de criado o Estado.
No caso dos EUA a constituição foi redigida em 1787 por
representantes estaduais, onde pontificaram Jefferson e a sua lógica
federalista. A constituição islandesa foi escrita em quatro meses por 25
pessoas que se basearam nas traves mestras apontadas por 1000 outros
indivíduos, numa reunião de dois dias e que receberam 16000 sugestões populares,
a que se seguiu um referendo.
Nas situações exemplificadas a questão não é tanto a da legitimidade
dos legisladores que está em causa; é a referência, o reporte que fazem, ou não,
ao povo como elemento central do estado-nação, a relação de precedência entre a
sede do poder – o povo - e os seus representantes. Há uma grande diferença
entre situações em que a soberania residente no povo é reconhecida pelos
legisladores, como seus assumidos mandatários (EUA, Islândia); e outras em que
são os legisladores a assumirem-se como representantes do povo, sem que se
defina ab initio, uma expressa afirmação
preambular de que a soberania pertence ao povo.
A
constituição da Islândia de 2012 tem 114 artigos e teve na sua génese uma
construção popular enquanto a CRP, foi desenhada por 250 deputados, tem 296
artigos e nunca foi objeto de qualquer consulta popular; nem antes, nem depois
da sua elaboração. Por outro lado, a escolha dos constituintes portugueses foi
enviesada previamente para recair em pessoas contidas em listas partidárias,
depois de passado o crivo das cúpulas dos partidos concorrentes.
4 - Quem constitui o povo?
Não se definindo no artº 3º o que é o povo que serve de alicerce
a uma soberania “una e indivisível” (?) trata-se, todavia, de declarar desde
logo essa unicidade e indivisibilidade, retirando liminarmente aos elementos desse
povo, o direito de secessão, por exemplo. Embora, o referido povo não
manifeste, hoje, pendores secessionistas em parcelas do seu território, nada
deverá impedir que isso se venha a concretizar por vontade do povo de uma
região ou comunidade que tome essa decisão com práticas absolutamente
democráticas.
Um território pertence a quem nele reside com continuidade e
essa comunidade tem o direito de escolher as leis e instituições pelas quais se
deve reger. O princípio da subsidiariedade consiste em essa comunidade se
associar a outras para a resolução de problemas e satisfação de necessidades
coletivas; um território não é propriedade privada de um Estado, nem os seus habitantes
devem ser obrigados a regerem-se por uma jurisdição que considerem inconveniente.
Será que os estados-nação foram, alguma vez, realidades eternas,
imutáveis? Não, têm uma origem recente e sempre foram produtos de
circunstâncias históricas, bastante contingentes; ainda que haja alguns
(poucos) que têm origens culturais muito antigas, enquanto impérios ou
senhorios (China, Irão, Egipto).
Os Estados que, em geral, recusam o direito de secessão, com
grande prodigalidade e frequência estabelecem regimes de extraterritorialidade
para os capitais ou para a movimentação de mercadorias – os célebres offshores e as zonas francas. No âmbito
dos contratos internacionais é frequente considerarem-se como aplicáveis, legislações
estranhas a qualquer dos países de residência dos contratantes; o tenebroso
TTIP irá, se aplicado, banalizar essa prática. Finalmente, recorde-se que nas
bases militares estrangeiras, como nas Lajes ou em Guantanamo, a lei vigente é
a do ocupante, o mesmo acontecendo em embaixadas e consulados, o que tem
permitido a Julian Assange viver na representação equatoriana em Londres e
evitar a detenção.
A mesma CRP que afasta secessões, pelo contrário contém, toda a
abertura para a integração em espaços económicos e políticos que exigem óbvias
perdas de soberania, remetendo para as instituições, para a classe política
todas as decisões nesse âmbito, não colocando nunca a hipótese referendária. O
caráter autoritário do actual regime político insere-se numa longa tradição
histórica de esmagamento da democracia, inerente a uma sociedade onde sempre
predominaram estruturas económicas atrasadas e onde a renovação foi considerada
como inconveniente.
A CRP, não definindo explicitamente o povo, esclarece quem são os
cidadãos portugueses (artº 4º) remetendo para lei ou convenção internacional;
isto é, não define coisa alguma, deixando a definição para a lei ordinária ou
para acordo internacional, para a alçada do executivo ou da Assembleia da
República.
Não se entende como o conceito de povo, elemento primordial e essencial
para efeitos de enformação de um estado-nação, seja um elemento contingente,
remetido para decisão governamental, do partido-estado.
O artº 10º refere que “o povo exerce o poder político através do
sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico, do referendo e das
demais formas previstas na Constituição” continuando sem se saber quem
constitui o povo. Por outro lado, refere-se (artº 15º nº1) que aos estrangeiros
residentes em Portugal se aplicam os mesmos direitos e deveres dos portugueses
exceptuando (nº2 do mesmo artigo), os direitos políticos e o exercício de funções
públicas que não sejam meramente técnicas.
Prosseguindo e aprofundando o seu discurso, patrioteiro e
excludente, a CRP admite, num assomo de magnanimidade, aos estrangeiros
residentes em Portugal “capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição
dos titulares de órgãos de autarquias locais” (artº 15º nº 4) em condições de
reciprocidade. A admissão aos estrangeiros residentes de uma cidadania truncada
poderá, para alguns, ser considerada como uma concessão benevolente e progressista,
quando na realidade, é reacionária e xenófoba.
Essa limitação é, para mais, acrescida com a exigência da
reciprocidade, uma condição adicional que acentua como são limitados os
direitos políticos concedidos aos imigrantes ou outros estrangeiros residentes
em Portugal.
As pessoas, para os constituintes, não valem por si, não têm
dignidade própria, nem se lhes reconhece a integração ou o empenho em
participar na vida coletiva; dependem das práticas dos Estados de onde são
oriundos – muitas vezes Estados repressores, criminosos ou ditos falhados -
onde o imigrante não tenciona voltar. As pessoas ficam como reféns de um
vínculo imposto por um cruzamento de vontades de entes distantes e
majestáticos, como são os Estados e os seus insensíveis burocratas. As muitas
referências na CRP aos direitos, liberdades e garantias constituem tiradas
ideológicas tão pomposas como desligadas do que tem sido a realidade prática do
regime.
Os estrangeiros residentes em Portugal que sejam cidadãos de
países da UE gozarão ainda “do direito de elegerem e serem eleitos deputados ao
Parlamento Europeu” (artº 15º nº5). Conhecendo-se os escassos poderes efetivos
do Parlamento Europeu, essa excepção à total preponderância de um canhestro
nacionalismo, não passa de berloque europeísta.
A mesma CRP, aparentemente, não constituiu obstáculo à venda de
vistos dourados a oligarcas estrangeiros que coloquem em Portugal umas centenas
de milhar de euros para a compra de imobiliário; isto é “investimento
estrangeiro” mesmo que sem qualquer impacto produtivo. Por seu turno, um
imigrante que venha para Portugal trabalhar não terá tantas facilidades; ser
pobre é motivo de discriminação apesar das loas igualitárias e de uma
referência hipócrita à Declaração Universal dos Direitos do Homem (artº 16º,
nº2).
Que
sentido fará afirmar-se a propósito do princípio da universalidade, (artº 13º,
nº 2), que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de
qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de … raça, língua,
território de origem…”?
5 - A captura da democracia
O caráter oligárquico do regime que se consolidou em Portugal depois
de 25 de novembro assume mesmo formas ridículas, neste contexto, da expressão
democrática.
O artº 10º, como já atrás referimos, aponta no seu nº 1 a ideia
do sufrágio… e logo no seu nº 2 introduz os partidos políticos, concorrentes
“para a organização e para a expressão da vontade popular”, como se essa
expressão tivesse de depender forçosamente daqueles; como se os partidos
políticos possam abarcar todas as alternativas e sensibilidades, vincando-se
assim, na CRP, a atitude paternalista de gerar os instrumentos que os elementos
do povo, equiparados a pobres de espírito, ficam obrigados a utilizar para
procederem às suas escolhas.
Esse paternalismo é, na sua essência, uma apropriação
empobrecedora dos direitos democráticos, pretendendo-se reproduzir, constitucionalmente,
a necessidade de um escol de ungidos que, do alto das suas superiores
qualidades técnicas, éticas e culturais se tomam como putativos intérpretes da vontade
popular. A deplorável qualidade da esmagadora maioria dos membros da classe
política, que se pretendem apresentar como mais capacitados do que o cidadão
médio, é ofensiva para este último. Onde a superioridade dos mandarins se
manifesta é na capacidade de mentir e no à-vontade com que dizem vacuidades com
ares de sábios, perante jornalistas coniventes ou inibidos para manterem o
emprego.
A CRP, como construção da classe política, sem discussão ou
validação democrática, eleva acima da multidão uma vanguarda condutora do povo,
ainda que de modo não tão explícito como nos cardápios do trotsko-estalinismo. Nestes
últimos, a vanguarda define-se sob a forma de um partido único, naturalmente
com facções internas mais ou menos conhecidas, enquanto nas democracias de
mercado essas facções apresentam-se autónomas perante o povo, irmanados,
contudo, na férrea intenção da manutenção do regime cleptocrático, tão
excludente da multidão, como onde dominam as vanguardas da “classe operária”.
O pensamento único, de manutenção do capitalismo, nas suas
várias formas, com políticas neoliberais ou keynesianas, apresenta-se, repartido
sob formas pluripartidárias ou monopartidárias, ainda que com diferenças no
capítulo da repressão. Na pobre narrativa pseudodemocrática propagada pelas
classes políticas, um regime oligárquico monopartidário ou pluripartidário faz
toda a diferença. Esta diferença formal resume-se a que, no primeiro caso, a
continuidade é a regra, enquanto que no último, a continuidade se mascara com a
ilusão de possibilidade de mudança. Os regimes políticos na Europa são todos
pluripartidários e no entanto, os programas de resgate, os tratados europeus
foram impostos autocraticamente, recorrendo-se mesmo à criação de governos
impostos do exterior, como na Grécia e na Itália, em 2012.
A
sequência dos artigos da CRP revela também a hierarquia dos valores presente
nos constituintes. O seu espírito antidemocrático e sobranceiro revela-se
quando se observa que a introdução dos partidos surge (artº 10º), na CRP, antes
dos símbolos nacionais como a bandeira, o hino e da língua (artº 11º).
6 – A invalidação dos referendos
Um referendo, onde exista livre circulação da opinião, constitui
um poderoso instrumento de exercício da democracia, de democracia direta, em
que o povo decide, sem intermediação, sobre os seus assuntos. Por esse motivo,
as classes políticas em geral, não gostam de referendos e, quando levados a executar
algum, tentam incluir a decisão referendária nos seus objetivos ou, se do
referendo não surgir o que lhes interessa, torpedeiam-no e promovem a sua
repetição, como na Irlanda que, inicialmente recusou o Tratado de Lisboa.
O referendo é apontado na CRP (artº 10º nº 1) como uma forma de
o povo exercer o poder político. Se nos recordarmos que só houve até hoje três
referendos nacionais (dois em 1998 e um em 2007), não se poderá dizer que o
regime decidiu muitas vezes consultar o povo, diretamente e para questões muito
específicas. Para comparação, refira-se que na Suíça se realizam três a quatro
referendos por ano, cada qual com várias questões para votação e isso,
ininterruptamente desde 1944[7], estando previsto para
2016 um referendo para a introdução de um rendimento básico de 2500 francos suíços
mensais.[8]
O extensíssimo e minucioso artº 115º, que trata do referendo,
precisa de conter toda uma vasta quinquilharia legislativa para o desvirtuar e
evitar assim surpresas e problemas para a oligarquia. Com tantas precauções e
detalhes, a CRP reconhece, indiretamente, no referendo, um instrumento poderoso
de afirmação democrática.
Logo no seu nº 1, o artº 115º designa que um referendo será
decidido pelo Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da
República ou do governo; órgãos que, em regra e por mero acaso… têm a mesma
origem e raramente são dissonantes. O mesmo artigo (nº2) abre à plebe a
iniciativa de um referendo com apreciação pela Assembleia da República, que lhe
configurará a prosa, uma vez que da população, na sua imputada menoridade
política, não poderá surgir um texto que não deva ser (re)composto pela omnisciente
classe política. A soberania popular expressa no artº 2º é, portanto submetida
à vontade da classe política, presente na Assembleia da República, cujos
membros são inamovíveis nos seus mandatos e, portanto, inimputáveis, como sempre
acontece quando se fala de verdadeiros oligarcas.
Muito pedagógica, a CRP anuncia às ignaras gentes que o tema a
referendar deverá ser de “relevante interesse nacional” (nº3), não vá alguém
conseguir 75000 assinaturas a solicitar um referendo sobre uma vacuidade
qualquer. Os temas a referendar serão da competência da Assembleia da
República, do governo ou de acto legislativo. Note-se que um deputado é eleito,
em média por 20/30000 votos na sua respetiva lista partidária, não se lhe
exigindo nenhuma outra validação e, nesse contexto, atribui-se aos votantes
toda a maioridade na escolha (mesmo que nunca tenham ouvido falar do indivíduo).
Para além das limitações anteriores, o nº 4 do mesmo artigo,
exclui do referendo as alterações à própria CRP; há nisto total coerência por
parte dos constituintes e da classe política onde se incluíam. Se a CRP não
provém do povo português (ver acima, ponto 3) mas, dos seus representantes, elevados
acima do povo, os membros desse povo não têm o direito de alterar a CRP, como
não tiveram de a aprovar, como seria da mais elementar prática democrática. A
CRP não é uma construção democrática mas, objeto de uma sacralidade total face
ao povo; só o escol da oligarquia, qual classe sacerdotal, a pode alterar. Já a
interpretação das leis cabe a outra distinta instituição, o Tribunal
Constitucional[9], com membros escolhidos
pela classe política e que só age no seu sonolento afã interpretativo, na
sequência de solicitações provenientes da classe política, sendo-lhe vedada
qualquer iniciativa ou qualquer atendimento de queixas e petições vindas dos
populares; no entanto, são lestos em atribuir a si próprios privilégios para
lhes colorirem a vida.
A segunda referência a impedimentos para efeitos de referendo, contida no
nº 4 aponta para “as questões e actos de caráter orçamental, tributário ou
financeiro”, tornados matérias de exclusiva competência da Assembleia da
República, dos partidos e, particularmente dos governos que deterão a maioria
em S. Bento. Isto é, para parte significativa dos assuntos de relevância
particular na vida das pessoas, estas não têm direito de definir coisa alguma,
diretamente, sobre as suas vidas, nem corrigir decisões tomadas pelos poderes. A
classe política fica, investida de plenos poderes de decisão, de mãos livres e
sem qualquer controlo popular sobre aumentos de impostos, alterações na sua incidência,
sobre taxas e sobretaxas, contratos danosos como as parcerias público-privadas,
a contração de empréstimos para fins desconhecidos ou sem objecto útil
(submarinos), afetar impunemente os rendimentos de trabalhadores, pensionistas,
desempregados e pobres, etc. Neste contexto, a liberdade detida pelo povo é a
de aceitar a ditadura financeira da classe política.
Esta preocupação de total afastamento do povo da gestão orçamental e
financeira revela o core business da
classe política – a focagem da sua atividade nos aspetos económicos, com a
conveniente aplicação do catecismo neoliberal, a prestação de serviços ao
sistema financeiro e às multinacionais, com a canina obediência às instituições
globais daqueles (BCE, FMI, OMC…). Como esse é o seu objeto essencial, a classe
política até se não opõe a iniciativas populares no que concerne a referendos
nas áreas dos direitos individuais, em questões de valores e afetos. Em primeiro
lugar, porque valores são produtos de baixa cotação para a classe política,
focada na gestão e na corrupção; e, em segundo lugar, porque essas questões têm
pouca relevância financeira e não constituirão mercados a dinamizar.
A terceira referência limitadora do referendo contida no nº 4 do artº 115º
da CRP aponta para as competências da Assembleia da República (artº 161º) que
não podem ser objeto de referendo. Destacamos neste ponto, aspetos
relativos à eleição dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões
autónomas, à contração ou à concessão de empréstimos por parte do governo, mesmo
que mais tarde a multidão seja chamada a pagar uma dívida pública ilegítima e
impagável ou o apoio ao salvamento de instituições bancárias em bancarrota. Referimos
também os tratados que comportem participação portuguesa em organizações
internacionais (como vimos no tratado de Lisboa ou futuramente no TTIP) e os
tratados de amizade, de paz, de defesa, devendo os portugueses olhar para o
lado perante as aventuras guerreiras do Pentágono, que controla a NATO, à qual
Portugal pertence. Ficam também excluídos de referendos, a retificação de
fronteiras, os assuntos militares, a declaração de guerra ou o estabelecimento
da paz e as matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia
(numa clara manifestação contrária às numerosas afirmações contidas na CRP
sobre a soberania nacional).
No último ponto do nº 4 do artº 115º aponta-se como excluídas de referendo as
matérias imputadas exclusivamente à Assembleia da República (artº164º), com a
solitária excepção das bases do sistema de ensino, a única área em que os
esforçados deputados da nação admitem o povoléu possa meter o bedelho. Nas
outras 20 matérias que exprimem as competências exclusivas da Assembleia da
República são proibidas interferências da plebe.
Nas exclusões da possibilidade de referendo contam, entre outras matérias, o
regime dos próprios referendos (naturalmente!), a configuração do já referido
Tribunal Constitucional e a organização, funcionamento e reequipamento das
forças armadas. Neste último caso, convém referir que as forças armadas
portuguesas não foram vencedoras de coisa alguma desde o aprisionamento do
Gungunhana nos finais do século XIX e que apenas servem como destino de
equipamentos usados escoados pelas potências do armamento e como local de vida
descansada para umas 30000 pessoas. Sabe-se ainda que a sua operacionalidade é
deveras baixa e que, em caso de hipotético ataque de outra potência,
soçobrariam aos primeiros embates; e cá ficaria o povo, que não pode opinar
sobre as forças armadas, a ter de se organizar para se livrar dos invasores.
Os regimes das associações e partidos políticos também não podem ser
referendados, o que é coerente com a natureza oligárquica do regime. Os
partidos em geral e a classe política em particular, dado o seu caráter
vertical e de vanguardas dirigentes do povo, acham-se com todos os direitos de
decidir o que convém à população; mas, a esta não é atribuída a possibilidade
de definir nada sobre os partidos – se devem deter o monopólio da representação
política, se há neles, internamente democracia e como é assegurado o seu
financiamento, por exemplo. A classe política é intratável no que se refere ao
acesso ao pote.
A criação, extinção e modificação de autarquias locais não poderá ser
decidida pelas respetivas populações, como seria defensável num regime
democrático; não, essas populações, por princípio, são consideradas incapazes
de avaliar a organização da sua vida comum e, portanto, precisam da Assembleia
da República, da aprovação da classe política, para o efeito.
Com invulgar magnanimidade democrática a CRP concede a possibilidade de se
referendarem convenções internacionais mas, exclui, certamente pela sua
irrelevância, aspetos relativos à paz e às fronteiras (nº5 do artº 115º), que
só a classe política, em seu alto saber, poderá analisar e decidir.
O artº 295º abre a possibilidade de referendo “sobre a aprovação de tratado
que vise a construção e aprofundamento da união europeia”. Tendo em conta a
sonolenta tolerância que os portugueses têm para com as limitações criadas pela
oligarquia ao efetivo exercício da democracia; e admitindo que fossem reunidas
as 75000 assinaturas para a realização de um referendo naquela área, alguém duvidaria
que viessem a ser introduzidos enviesamentos ao texto inicial pela Assembleia
da República ou que o Presidente da República não viesse a rejeitar a
pretensão, como previsto no nº 1 do artº 115º? A subserviência na área do poder
governamental às instituições comunitárias é bem conhecida e ninguém se
atreveria a deixar a população levantar obstáculos ao processo de endividamento
esclavagista, em curso.
A Lei Orgânica do Regime de Referendo (nº 4/2005 de 8/9 que altera o texto
original de 1998) contém toda a minúcia – incluindo a reprodução do texto
constitucional - nuns breves… 244 artigos. Fica-se ali sabendo que uma proposta
de referendo não pode ultrapassar as três perguntas dicotómicas e que o
referendo só é vinculativo se os votantes ultrapassarem metade dos eleitores
inscritos (artº 115º nº 11).
Sobre a exigência do voto de metade dos eleitores inscritos levantam-se
algumas questões que atestam o caráter fechado, autoritário e discricionário,
típico das oligarquias que carateriza o actual regime político. Em primeiro
lugar o número de eleitores inscritos ultrapassa em muito a população real com
direito a voto porque o regime nunca cuidou de manter um recenseamento
atualizado, fiável, embora isso seja uma obrigação constitucional conforme o
artº 113, nº 2º onde se define que o “recenseamento eleitoral é oficioso,
obrigatório, permanente”. Em 2009, avaliámos[10] os eleitores fantasmas em
1101 milhares e em 2013 um estudo[11]
apontava para 1004 milhares, embora a atualização dos nossos cálculos[12]
conduzisse apenas a 893 mil; nesse contexto, numa hipótese de referendo, uma
proposta para vencer terá de ultrapassar em mais de 500000 votos o número realmente
necessário exigido na CRP uma vez que a medição se faz relativamente aos
eleitores inscritos. Este desleixo associado é revelador se se atender ao zelo
do regime com os cruzamentos de bases de dados para exercer a punção fiscal.
Mas há ainda uma segunda questão reveladora dos privilégios que a classe
política se atribui. A execranda figura acampada em Belém, foi catapultado para
um segundo mandato com apenas 23% do eleitorado e intitula-se presidente de
todos os portugueses, sem que a CRP exija o apoio de 50% do eleitorado, nem
qualquer limite mínimo ou mesmo, uma segunda volta legitimadora. Nas
eleições autárquicas de 2013, o total dos votos com escolhas partidárias situou-se
aquém dos 50% do eleitorado, tendo passado para 50 o número de municípios onde
as vereações foram eleitas apesar de taxas de abstenção superiores a 50% (16 em
2009)[13];
e, certamente, não houve caciques locais eleitos por mais de 50% dos eleitores
inscritos.
Se há algo em que a classe política tem sido de uma esmerada competência é
na sua blindagem à intervenção democrática. A CRP é um instrumento essencial
para isso, com os seus copiosos e detalhados 296 artigos, prosseguida por
imensa produção legislativa e regulamentar complementar emanada de uma tradição
jurídica ultraconservadora e de uma organização judicial pensadamente
burocratizada para demover muitos ao recurso à justiça que, assim fica
vocacionada para favorecer os grandes interesses e a permeabilidade à corrupção
e à vigarice.
[1] Este texto é o
quinto de uma série de textos cobre a CRP. Os anteriores podem ser consultados
aqui:
[5] Há quem considere tecnicamente que uma dívida pública
superior a 100% do PIB é impagável e sinónimo de bancarrota. A dívida pública
actual corresponde a 129.5%, beneficiando da alteração dos métodos de cálculo
que, em 2014 elevaram escrituralmente o PIB.
[7] Referimo-nos a esta data porque a partir dela tem havido
referendos todos os anos. A prática destas consultas sempre foi frequente, remontando
ao século XVIII
Sem comentários:
Enviar um comentário