quinta-feira, 14 de maio de 2015

O economicismo ou o discurso do empobrecimento compulsivo

Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.


Convém que se aponte a dívida como elemento de ordem política – e não apenas financeira - para a duradoura submissão de povos. Tão ilegítima é a dívida, como criminosa a classe política que a suporta.

Sumário

1 - A magia do excel
2 – Universidade, fábrica de obediência
3 – O economês, a linguagem do poder
4 - A ortodoxia economicista
5 – Desigualdades, pobreza e controlo político



1 - A magia do excel

Recentemente, foram emanados pela escolástica economicista portuguesa dois textos. Uma “Proposta de Programa de Estabilidade 2015/19” vindo da área governamental e um relatório designado “Uma década para Portugal” encomendado por uma área política que quer ser governo.

O primeiro tem o selo de um ignorante chamado Passos e o segundo não é assumido pelo manhoso Costa. Neste último caso, não é preciso vários doutoramentos para perceber a jogada; o homem manda 12 sumidades configurar o futuro dos portugueses para uma década, como balão de ensaio, resguardando-se, para mais tarde aparecer como o corretor ortográfico do documento ou, um género de polícia bom que se demarca do polícia mau.

O excel pode ter muitos defeitos mas um não tem; não deixa de reproduzir de modo irrepreensível o resultado dos números que lhe metem dentro. O problema, naturalmente, não é do instrumento mas, de quem o manuseia e do que vai na sua cabeça. Se tiver bom senso e ética, procura incorporar e relacionar variáveis que conduzam ao bem-estar coletivo; se ética e cidadania lhe tiverem sido ensinados como reles produtos sem cotação na bolsa, sobressai o ridículo ou o prejuízo da coletividade.

O excel do Gaspar falhou e o homem, reconhecidamente lento na expressão, precisou de dois anos para ver que os dados que havia colocado na folha de excel obedeciam a uma aritmética diferente da que revela as relações económicas e sociais. Bateu com a porta e cedeu o lugar ao Portas, bem mais habilidoso a gerir numerário.

Simbolicamente, a folha de excel do Gaspar terá ficado perdida num computador do ministério e encontrada pelas duas turmas de economicistas.

Do ponto de vista dos interesses da esmagadora maioria da comunidade dos sobreviventes em Portugal, o resultado das folhas de excel dos entes encarregados de os produzir é um aglomerado de bestialidades bem adornadas pela insípida linguagem técnica que disfarça a petulância, o espírito antissocial ou a desonestidade intelectual de muitos universitários de topo.

Será algo semelhante a folhas de excel que emite as previsões do FMI, corrigidas constantemente para que no final batam certo com a realidade, numa esperteza infantil indigna de crânios viciados na laboriosa configuração das reformas estruturais, cujos benefícios os povos – ignorantes - nunca conseguem almejar. O excel também veicula as previsões dos resultados da denodada ação governamental que a realidade se recusa a subscrever, como no caso da dívida pública, do deficit, das exportações, do investimento estrangeiro, etc. Ainda não havia excel e já o planeamento soviético se mostrava expedito na aldrabice; os dados que descreviam a realidade eram inventados para ultrapassarem as previsões do plano e revelarem assim a maestria dos gloriosos líderes da classe operária.

Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.

2 – Universidade, fábrica de obediência

Num país de pacóvios, com o nível de instrução mais baixo da Europa (se excluirmos a Turquia) e onde muitos se inscrevem na categoria de homo videns, dado o tempo passado defronte da televisão, é cultivada a deferência por políticos comentaristas ou por produtos da universidade, sobretudo se bem-falantes, de onde sai, empacotado, o “Conhecimento”, a escolástica economicista, neoliberal.

Essa deferência tem raízes que remontam a uma passada e miserável ruralidade, à Inquisição e ao fascismo. No tempo de Salazar era hábito, em Coimbra, tratar-se por doutor qualquer adolescente com capa preta. Hoje, continua a usar-se, na linguagem verbal ou escrita, como prefixo para o nome de qualquer produto da universidade, um Dr., um Doutor, um Professor, quando não um Professor Doutor. E, entretanto, voltou a usar-se em escolas superiores aquela farda que se tornou símbolo da idiotia alcoolizada das praxes, que merecem a infinita benevolência de acomodados reitores.

É evidente que este modelo cultural elitista se esboroa quando dezenas de milhares de jovens doutrinados na obediência emigram sem retorno, como quaisquer reles proletários; ou, quando se observa, nos que ainda vivem em Portugal - desobedecendo a Passos, com a recusa da emigração - um desemprego massivo ou pagas precárias de € 500. Mas, mantém-se, na plebe, a deferência pela opinião de uns quantos comentaristas, construtores do conservadorismo que torna passiva e atávica a sociedade portuguesa. Veja-se a notoriedade televisiva daquele lente capaz de ler 50 índices e prefácios de livros por dia e de promover um livro sobre caroços de pêssego, entre duas irrelevâncias de caráter político. Na realidade, o pior não é o lente nem as suas vacuidades mas, os que se apoucam ao sorver as suas palavras.

A universidade tornou-se uma fábrica de especialistas[1] apesar de a palavra apontar para o conhecimento da globalidade, da realidade, forçosamente una. A universidade é capaz de promover a ciências, simples técnicas empresariais ou contábeis e o empreendedorismo, a competição e o individualismo são os instrumentos privilegiados de atuação, em detrimento da lógica colaborativa que promoveu o alargamento, a densificação e a difusão do conhecimento, desde os tempos mais remotos. Nessa lógica competitiva, o desempenho mede-se pelo número de papers, de bolseiros precarizados, em rácios de custo/benefício, com a utilização frequente de colagens de textos retirados da internet e longas referências bibliográficas para impressionar; a criatividade será a possível desde que se não melindre as opiniões expendidas pelo supervisor e não sejam esquecidas as referências aos seus papers. Por último, o produto final tenderá a não ser grande coisa.

O facto de o economicismo[2] se ter tornado a ideologia do neoliberalismo torna os seus práticos soberbos, verdadeiros sacerdotes que revelam aos donos do dinheiro os enigmas dos oráculos. São duas das suas faces mais desacreditadas e ridículas, as predições das empresas de rating que os media regurgitam com ar solene; e a informação fornecida, várias vezes ao dia, sobre a marcha das cotações na bolsa, neste caso, particularmente esclarecedora quando nos informam que a evolução está “mista”.

James Galbraith, economista de relevo, refere que há um fosso entre o exercício profissional dos economistas e a realidade. Segundo ele, na geração de seu pai (John Kenneth), os economistas sabiam que a economia é apenas parte de uma realidade complexa e de difícil previsão; e por isso eram humildes, ao contrário dos atuais que vivem num verdadeiro claustro[3]. Dessa soberba vivem professores universitários cujos elementos mais “avançados” conseguem ultrapassar a imbecilidade para chegar ao fascismo, como um tal Cosme Vieira[4]

3 – O economês, a linguagem do poder

Os relatórios ou programas acima citados recentemente revelados, escritos no mais puro economês, são a antítese da economia enquanto disciplina social. De facto, o economês, nada tem de social, os economicistas reviram os olhos de êxtase perante uma célebre frase da santificada Thatcher: “A sociedade não existe”. Nos dicionários do economês, a sociedade é uma ilusão de óptica típica dos ignorantes e que os impede de ver o pendular funcionamento dos divinos mercados.

Perante a observação das monótonas centúrias de economicistas que por aí andam, Tchekov, se fosse vivo, voltaria a dizer, como há uns 150 anos “A universidade desenvolve todas as capacidades, inclusive a estupidez”; e falava com conhecimento de causa, pois era médico. Guerra Junqueiro, um pouco mais tarde dizia que a universidade iluminará o mundo no dia em que lhe largarem fogo; e sabia do que falava, pois licenciara-se em direito. Em tempos mais recentes, Agostinho da Silva e Bento Jesus Caraça, entre outros, foram expulsos da universidade como indignos de ombrear com os doutos colegas de Salazar, em tempos de feroz combate ao cosmopolitismo destruidor das virtudes pátrias.

Os escolásticos durante muito tempo entendiam que as obras de um tal Shakespeare pertenceriam a várias pessoas distintas daquele, pois achavam inconcebível que o William tivesse aquela maestria na análise social e na construção literária sem… nunca sequer ter frequentado a escola. Um reitor da universidade de Coimbra, ao ser confrontado com a gravidade, conceptualizada por Newton, entendeu recusá-la com o lapidar argumento de que não constava da Bíblia. Inversamente, David Graber antropólogo pouco dado a recitar o que convém ao poder, foi dispensado da universidade de Yale, enquanto ninguém persegue os muitos professores universitários de recorte trotsko-estalinista, dada a sua utilidade na promoção do Estado, da hierarquia e da propriedade, peças essenciais à fogosidade do capital.

Confundir conhecimento com religião e chamar factos a construções preconceituosas é de todas as épocas onde se assista ao casamento entre o poder de estado e a autoridade escolástica, par definidor do bem e do mal, como antes se observava, entre o rei e o clero.

4 - A ortodoxia economicista

A ortodoxia economicista no capítulo das dívidas soberanas da periferia Sul da zona euro – particularmente da Grécia e de Portugal – pretende, como objetivo supremo, que aquela seja paga. O que é absolutamente falso; a dívida é impagável e todos sabem isso[5].

Essa ortodoxia coloca-se tanto do lado do sistema financeiro (BCE incluído) acomodados nas suas funções de (eternos[6]) credores, como do lado dos poderes nos países endividados que se afincam na punção fiscal dos povos, com o argumento de que “não somos caloteiros”. Os primeiros, discretos, colocam-se atrás dos funcionários de Bruxelas e Frankfurt que os representam; e os governos dos países endividados colocam-se na posição confortável de cobradores, (falsos) impotentes intermediários que lastimam a exação fiscal que aplicam aos povos, por imposição ou melhor, por diktat externo.

Acontece que a dívida – particularmente nos casos grego e português - não é pagável[7]. Primeiro, porque em termos estritamente financeiros, um plano de amortização, com escrupuloso pagamento de capital e juros, não se coaduna com os objetivos impostos para o deficit e para o crescimento do PIB, sem a remessa dos povos dos países endividados para uma nova idade das trevas. Em segundo lugar, porque ao capital financeiro interessa somente manter o fluxo de uma renda eterna de juros, com a pressão necessária e suficiente para o seu pagamento, para a substituição de fatias de dívida pagas por novas dívidas, numa reciclagem perfeita. Em terceiro lugar, a manutenção da pressão para o pagamento da dívida e dos seus juros embaratece privatizações, precariza o trabalho, reduz salários, aumenta jornadas de trabalho, promove o assalto aos fundos de pensões, facilitando a acumulação de capital. O capital financeiro é bom conhecedor da fábula da galinha dos ovos de ouro…

Por outro lado, uma dívida imputável a Estados-nação periféricos e dependentes é uma aplicação segura, pois tem toda uma população como garante e por tempo ilimitado, o que não acontece com nenhuma instituição privada.

Por seu turno, as classes políticas, pretendem manter o papel de cobradores, perpetuando as suas comissões pelo serviço que prestam. Os governos assumem o seu odioso papel, usando a persuasão ou o cacete; e as oposições mantêm o circo a funcionar, mostrando-se alheias ou combatendo as reclamações radicais das vítimas da punção fiscal e da austeridade[8].

Uma coisa as classes políticas na sua generalidade não farão: apontar a dívida como elemento de ordem política – e não apenas financeira - para a duradoura submissão de povos.

Nesse contexto, tão ilegítima é a dívida, como criminosa a classe política que a suporta. Nesta frente de recusa da ilegitimidade há um consenso entre a classe política e o economicismo universitário, como natural produto da simbiose entre ambos.

Essa dívida (grega ou portuguesa) não é pagável, de todo, a não ser após uma reestruturação que contemple uma verdadeira tosquia que conduza o endividamento público aos níveis máximos admitidos pela UE – 60% do PIB - associado a um alongamento de prazos de pagamento e rebaixamento das taxas de juro. Para que não haja recaída torna-se também necessário proceder a alterações políticas que extingam a classe política e avancem para reformas estruturais (essas sim) na gestão das empresas e na redistribuição do rendimento.

A mais alarmante situação grega resume-se a uma escolha dicotómica: tosquia nos créditos dos bancos ou ceifa de vidas entre os 11 M de gregos. No caso português as coisas não são muito distintas; porém, a ausência de uma contestação social e a conivência da “esquerda” deixa todo o espaço mediático para o governo que anuncia a retoma e o fim da austeridade “do ano passado, para o mês que vem”, como diz Buarque. A propósito, não deixamos de achar curiosa a incoerência dos que querem pagar a dívida escrupulosamente e, ao mesmo tempo, acusam o euro de todos os males pátrios; em futebol, seria como querer ganhar o jogo com a mudança de cor das camisolas.

Para pagar a renda que alimenta o capital financeiro global por intermédio da dívida, a escolástica neoliberal é mais ou menos unânime nas medidas a adoptar; reformas estruturais como redução da despesa pública a partir de despedimentos, liberalização do “mercado” laboral, redução das pensões, privatizar, captar investimento estrangeiro com a oferta de reduções fiscais e exportar, exportar, investindo e ganhando competitividade no âmbito do livre comércio...

A pressão do Centro europeu sobre os países mais endividados da periferia Sul não se alivia com uma saída do euro, como se não modificarão as estruturas produtivas, europeia ou nacionais, estas, decorrentes da globalização capitalista. Esta globalização, de que a UE foi precursora, vai tornando as economias periféricas subalternas relativamente ao Centro, torna-as espaços atravessados por redes multinacionais de negócios, sem que daí resulte qualquer reforço da coerência interna da estrutura produtiva “nacional”; finalmente, reduzindo-se a relevância dos capitalistas autóctones, assim como a existência de centros de decisão dali oriundos ou ali instalados[9], estão criadas as condições para uma consolidação de economias neocoloniais.

Essas disfunções não são recentes, não nasceram no seguimento da crise financeira do subprime, nem da adopção do euro[10]. O capitalismo gera, por inerência, desigualdades e hierarquias territoriais e, em cada espaço, essas desigualdades e hierarquias evidenciam-se, entre os povos e as suas camadas possidentes, entre os de baixo e os de cima; e não é uma moeda própria que viabiliza uma soberania como o pretendem os nacionalistas lusos, sonhadores de uma saída negociada do euro, com Bruxelas e Frankfurt. As atuais dificuldades da Grécia, mesmo sem ter na agenda uma saída do euro, são premonitórias.

Uma abordagem histórica simples relembra que a América Latina chegou à independência, com bandeiras, hinos e moedas próprias, há 200 anos e que em África a colonização europeia terminou com o fim do império colonial português. Foram as formais soberanias nacionais e esses símbolos e instrumentos suficientes para livraram esses povos da subalternidade, das fortes desigualdades internas mantidas pelas suas elites, das crises de dívida, das intervenções do FMI, de guerras, golpes militares ou ditaduras? Agora o foco está colocado nas periferias europeias, a Sul e Leste, abarcando até antigas potências coloniais, como há 100 anos a uma focagem semelhante desfez o atrasado império otomano, distribuindo as terras do petróleo pelas grandes potências europeias.

Estas questões com pesado lastro histórico, são absolutamente estruturais e não se resolvem com mais intervenção estatal ou com um imposto mundial (como defende a estrela Piketty e, antes dele, Tobin); essas são as soluções piedosas dos que acreditam que a causa das desigualdades até se pode manter desde que os seus causadores sejam menos avaros, menos… capitalistas! É a lógica da remissão dos pecados através da esmola.

Uma saída voluntária de Portugal do euro poderia ser um instrumento importante, se (e só se) num âmbito ibérico, com a Espanha ou as nações do actual estado espanhol, como mínimo de viabilidade. Essa situação abalaria sem dúvida o processo centrípeto do Centro e, tanto mais se acompanhado pela Grécia, pela Itália e por Chipre, num projeto que abrangesse o Sul da Europa; que poderia ter maior impacto se coincidisse com uma eventual saída da Inglaterra (com ou sem Escócia) da UE, em 2017[11]. Essas conjeturas exigiriam previamente o afastamento dos margraves ibéricos, profundas alterações na organização política, do modelo de representação e a construção de uma economia comum, baseada na satisfação das necessidades dos povos.

Voltando aos dias de hoje. A suserania de Frankfurt não admite secessões, tal como Madrid recusa a saída da rica Catalunha ou Lisboa reagiria a uma independência trasmontana. O poder transnacional da UE não é diferente dos poderes nacionais enquanto carcereiro de povos e beneficiário da extração do produto do seu trabalho.

5 – Desigualdades, pobreza e controlo político

Ignorar o que se vem expondo, o necessário relacionamento das realidades económicas, sociais, culturais e geopolíticas traduz-se nesta imagem:
O alargamento acelerado da UE a partir dos anos 80 e, particularmente após a implosão do bloco soviético, foi um instrumento do Centro, com relevo para a reforçada Alemanha, para a redefinição das hierarquias na Europa e suas decorrentes e inerentes desigualdades. O Centro reforçou a relevância de setores capitalizados, de alto valor acrescentado, incorporando periferias de mais baixos salários, vocacionando-os para a produção de bens de consumo ou intermédios, destinados de preferência ao Centro que, acumulando excedentes financeiros, ficou apto a colocá-los sob a forma de empréstimos nos bancos e nas empresas da periferia, altamente descapitalizadas e endividadas.

A liberalização crescente do comércio dentro da UE e, entre esta e o exterior, veio a conduzir à desindustrialização da periferia Sul e à sua sobredependência de atividades não transacionáveis com o exterior, a cargo de capitalistas indígenas em reconversão e, desenvolvidas com fundos comunitários ou fornecidos por bancos do Centro, alimentando uma prosperidade e níveis de consumo só temporariamente virtuosos, sem conduzirem a qualquer reforço da harmonia da estrutura económica ou do emprego sustentável, a prazo.

As desigualdades que se acumularam entre Centro e periferias, resultaram em desequilíbrios financeiros e estruturas produtivas enviesadas no sentido do imobiliário e do turismo, entusiasticamente alimentadas pelos bancos nacionais (com dinheiro emprestado pelo Centro) e que se pretendia reciclável pelos fluxos do turismo ou através do duradouro endividamento dos nativos, incitados a adquirir imobiliário, com o engodo da sua constante valorização.

Tamanhas disfunções, alimentadas durante cerca de década e meia (com a entrada do euro a meio do percurso) nunca seriam sustentáveis e iriam agudizar as desigualdades entre Centro e periferias; e também, porque no seio dos países periféricos a estagnação política facilitava a vida das elites económicas e politicas. Como se vem observando.

As disfunções agudizadas pela crise tendem a modificar o panorama político-partidário; e, são de tal ordem que rebentaram na Grécia com a direita ND/Pasok, criaram uma coligação de perfil social-democrata[12] (Syriza) vencedora das eleições de Janeiro, bem como o crescimento de um grupo xenófobo e nazi (Aurora Dourada) e a redução da relevância do estalinista KKE. Tudo isto num contexto de forte abstenção eleitoral (apesar do voto obrigatório) e do desenvolvimento de densas redes populares de solidariedade, reveladoras de um forte distanciamento de parte da população face ao sistema político e à economia de mercado.

Em Espanha, a crise atinge particularmente o PP que herdou o poder do PSOE, derrotado nas eleições de 2012 mas, coligados, ambos, na introdução na constituição da prioridade do pagamento da dívida sobre as responsabilidades sociais do Estado. Grandes movimentações sociais recolocaram no terreno as consignas libertárias, de uma democracia radical ou, fórmulas de autogestão que vieram a ser aproveitadas pela deriva partidocrata e social-democrata do Podemos ou, de uma direita renovada (Ciudadanos), para além do reforço das ambições autonomistas e independentistas, mormente na Catalunha. Aparentemente, também em contexto de elevada abstenção, como se observou na Andaluzia e que se poderá repetir nas eleições autárquicas de dia 24 de maio.

Em Portugal o sistema político tem resistido bem à crise apenas com um afundamento previsível do BE, cujos despojos são ambicionados por entidades de cariz tão pouco interessantes como o Livre (que procura integrar o PS) e o Agir que prolonga a burla política do “Que Se Lixe a Troika”[13].

Depois do golpe militar de 25 de novembro de 1975, o sistema cristalizou em torno de um partido-estado, bicéfalo (PSD/PS) com um CDS como contrapeso e um PC com um sucesso inegável na tarefa do controlo social que anulou a memória do radicalismo de 1974/75. Verificou-se com a crise um controlo partidário destruidor do frágil movimento social surgido na sequência do 15M espanhol e que tem facilitado a aceitação passiva e resignada da austeridade por parte da população.
(continua)
Este e outros textos também em:                           




[1]  Fala-se que o deslumbrante Crato prepara uma licenciatura em Teoria do Parafuso, com duas opções; a do Aparafusamento e a do Desaparafusamento, obviamente a permitir diplomas como os obtidos por Sócrates, Relvas e outros que constam na lista recente dos alunos da Lusófona com créditos fornecidos de forma pouco límpida.
[2]  Em maio de 2006 um tal Correia de Campos, ministro da Saúde afirmou que a palavra economicista não existe. O imbecil catedrático, emitiu uma fatwa.    http://www.slideshare.net/durgarrai/economicismo-doena-mental-do-neoliberalismo 
[3]  Parágrafo adaptado de um artigo sobre Varoufakis inserto no Courrier Internacional, Abril/2015
[5]  Draghi quando se comprometeu a comprar € 1.1 biliões de títulos de dívida, mormente pública (cerca de 4.5 vezes a dívida pública portuguesa), até setembro de 2016, sabe que irão alimentar uma grandiosa fogueira, um dia mais tarde; mas, nunca o dirá. E, entretanto coloca dinheiro fresco nos bancos, com a troca desses títulos, rezando para que o investimento surja, o consumo retome a economia cresça. 
[6]  Num raro momento de sinceridade, no início da actual crise, Sócrates (o presidiário) disse que a dívida externa não era para pagar. Como se trata de um mentiroso compulsivo, houve indignação e protestos pois ninguém supunha que, no caso, ele falava verdade
[11] Para quem ache que do desmantelamento da actual UE surgirá, de imediato, uma guerra, numa perspetiva de repetição da História, convém esclarecer que a Alemanha, a principal afetada com esse desmoronamento tem umas forças armadas de 132000 pessoas (que não lhe permitiriam grandes feitos militares) e sobretudo quando se sabe que somente uns 9000 daquele total estão operacionais. E como temos sentido de humor, podemos referir que a forças armadas portuguesas (31000 pessoas), para manter a proporção face à Alemanha, deveriam pertencer de um país com… 20 M de habitantes!
[12]  Por social-democrata entendemos a defesa de um modelo de intervenção keynesiana do Estado com retorno ou reforço do “modelo social europeu” o que no nosso entender, não é viável porque os tempos são muito diferentes da época 1933/70. Como é óbvio, esse conceito de social-democracia não tem relação alguma com os partidos sociais-democratas e socialistas europeus que mantêm aquelas referências como forma de ocultar o seu caráter de direita neoliberal.

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