Os
sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo
as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na
história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.
Convém
que se aponte a dívida como elemento de ordem política – e não apenas
financeira - para a duradoura submissão de povos. Tão ilegítima é a dívida,
como criminosa a classe política que a suporta.
Sumário
1 - A magia do excel
2 – Universidade, fábrica de obediência
3 – O economês, a linguagem do poder
4 - A ortodoxia economicista
5 – Desigualdades,
pobreza e controlo político
1
- A magia do excel
Recentemente, foram
emanados pela escolástica economicista portuguesa dois textos. Uma “Proposta de
Programa de Estabilidade 2015/19” vindo da área governamental e um relatório
designado “Uma década para Portugal” encomendado por uma área política que quer
ser governo.
O primeiro tem o selo
de um ignorante chamado Passos e o segundo não é assumido pelo manhoso Costa.
Neste último caso, não é preciso vários doutoramentos para perceber a jogada; o
homem manda 12 sumidades configurar o futuro dos portugueses para uma década,
como balão de ensaio, resguardando-se, para mais tarde aparecer como o corretor
ortográfico do documento ou, um género de polícia bom que se demarca do polícia
mau.
O excel pode ter
muitos defeitos mas um não tem; não deixa de reproduzir de modo irrepreensível
o resultado dos números que lhe metem dentro. O problema, naturalmente, não é
do instrumento mas, de quem o manuseia e do que vai na sua cabeça. Se tiver bom
senso e ética, procura incorporar e relacionar variáveis que conduzam ao
bem-estar coletivo; se ética e cidadania lhe tiverem sido ensinados como reles
produtos sem cotação na bolsa, sobressai o ridículo ou o prejuízo da
coletividade.
O excel do Gaspar
falhou e o homem, reconhecidamente lento na expressão, precisou de dois anos
para ver que os dados que havia colocado na folha de excel obedeciam a uma
aritmética diferente da que revela as relações económicas e sociais. Bateu com
a porta e cedeu o lugar ao Portas, bem mais habilidoso a gerir numerário.
Simbolicamente, a
folha de excel do Gaspar terá ficado perdida num computador do ministério e
encontrada pelas duas turmas de economicistas.
Do ponto de vista dos
interesses da esmagadora maioria da comunidade dos sobreviventes em Portugal, o
resultado das folhas de excel dos entes encarregados de os produzir é um
aglomerado de bestialidades bem adornadas pela insípida linguagem técnica que
disfarça a petulância, o espírito antissocial ou a desonestidade intelectual de
muitos universitários de topo.
Será algo semelhante
a folhas de excel que emite as previsões do FMI, corrigidas constantemente para
que no final batam certo com a realidade, numa esperteza infantil indigna de
crânios viciados na laboriosa configuração das reformas estruturais, cujos
benefícios os povos – ignorantes - nunca conseguem almejar. O excel também
veicula as previsões dos resultados da denodada ação governamental que a
realidade se recusa a subscrever, como no caso da dívida pública, do deficit,
das exportações, do investimento estrangeiro, etc. Ainda não havia excel e já o
planeamento soviético se mostrava expedito na aldrabice; os dados que
descreviam a realidade eram inventados para ultrapassarem as previsões do plano
e revelarem assim a maestria dos gloriosos líderes da classe operária.
Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade
antecipavam o futuro lendo as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa
linhagem. A modernidade na história da aldrabice é hoje bem representada pelos
economicistas.
2
– Universidade, fábrica de obediência
Num país de pacóvios,
com o nível de instrução mais baixo da Europa (se excluirmos a Turquia) e onde
muitos se inscrevem na categoria de homo
videns, dado o tempo passado defronte da televisão, é cultivada a
deferência por políticos comentaristas ou por produtos da universidade,
sobretudo se bem-falantes, de onde sai, empacotado, o “Conhecimento”, a
escolástica economicista, neoliberal.
Essa deferência tem
raízes que remontam a uma passada e miserável ruralidade, à Inquisição e ao
fascismo. No tempo de Salazar era hábito, em Coimbra, tratar-se por doutor
qualquer adolescente com capa preta. Hoje, continua a usar-se, na linguagem
verbal ou escrita, como prefixo para o nome de qualquer produto da universidade,
um Dr., um Doutor, um Professor, quando não um Professor Doutor. E, entretanto,
voltou a usar-se em escolas superiores aquela farda que se tornou símbolo da
idiotia alcoolizada das praxes, que merecem a infinita benevolência de
acomodados reitores.
É evidente que este
modelo cultural elitista se esboroa quando dezenas de milhares de jovens
doutrinados na obediência emigram sem retorno, como quaisquer reles proletários;
ou, quando se observa, nos que ainda vivem em Portugal - desobedecendo a
Passos, com a recusa da emigração - um desemprego massivo ou pagas precárias de
€ 500. Mas, mantém-se, na plebe, a deferência pela opinião de uns quantos
comentaristas, construtores do conservadorismo que torna passiva e atávica a
sociedade portuguesa. Veja-se a notoriedade televisiva daquele lente capaz de
ler 50 índices e prefácios de livros por dia e de promover um livro sobre
caroços de pêssego, entre duas irrelevâncias de caráter político. Na realidade,
o pior não é o lente nem as suas vacuidades mas, os que se apoucam ao sorver as
suas palavras.
A universidade
tornou-se uma fábrica de especialistas[1]
apesar de a palavra apontar para o conhecimento da globalidade, da realidade,
forçosamente una. A universidade é capaz de promover a ciências, simples
técnicas empresariais ou contábeis e o empreendedorismo, a competição e o
individualismo são os instrumentos privilegiados de atuação, em detrimento da
lógica colaborativa que promoveu o alargamento, a densificação e a difusão do
conhecimento, desde os tempos mais remotos. Nessa lógica competitiva, o
desempenho mede-se pelo número de papers,
de bolseiros precarizados, em rácios de custo/benefício, com a utilização
frequente de colagens de textos retirados da internet e longas referências bibliográficas para impressionar; a criatividade
será a possível desde que se não melindre as opiniões expendidas pelo
supervisor e não sejam esquecidas as referências aos seus papers. Por último, o produto final tenderá a não ser grande coisa.
O facto de o
economicismo[2] se ter
tornado a ideologia do neoliberalismo torna os seus práticos soberbos,
verdadeiros sacerdotes que revelam aos donos do dinheiro os enigmas dos
oráculos. São duas das suas faces mais desacreditadas e ridículas, as predições
das empresas de rating que os media
regurgitam com ar solene; e a informação fornecida, várias vezes ao dia, sobre
a marcha das cotações na bolsa, neste caso, particularmente esclarecedora
quando nos informam que a evolução está “mista”.
James Galbraith, economista de relevo, refere que há um
fosso entre o exercício profissional dos economistas e a realidade. Segundo
ele, na geração de seu pai (John Kenneth), os economistas sabiam que a economia
é apenas parte de uma realidade complexa e de difícil previsão; e por isso eram
humildes, ao contrário dos atuais que vivem num verdadeiro claustro[3].
Dessa soberba vivem professores universitários cujos elementos mais “avançados”
conseguem ultrapassar a imbecilidade para chegar ao fascismo, como um tal Cosme
Vieira[4]
3
– O economês, a linguagem do poder
Os relatórios ou
programas acima citados recentemente revelados, escritos no mais puro economês,
são a antítese da economia enquanto disciplina social. De facto, o economês,
nada tem de social, os economicistas reviram os olhos de êxtase perante uma
célebre frase da santificada Thatcher: “A sociedade não existe”. Nos
dicionários do economês, a sociedade é uma ilusão de óptica típica dos
ignorantes e que os impede de ver o pendular funcionamento dos divinos
mercados.
Perante a observação
das monótonas centúrias de economicistas que por aí andam, Tchekov, se fosse
vivo, voltaria a dizer, como há uns 150 anos “A universidade desenvolve todas
as capacidades, inclusive a estupidez”; e falava com conhecimento de causa,
pois era médico. Guerra Junqueiro, um pouco mais tarde dizia que a universidade
iluminará o mundo no dia em que lhe largarem fogo; e sabia do que falava, pois
licenciara-se em direito. Em tempos mais recentes, Agostinho da Silva e Bento
Jesus Caraça, entre outros, foram expulsos da universidade como indignos de
ombrear com os doutos colegas de Salazar, em tempos de feroz combate ao
cosmopolitismo destruidor das virtudes pátrias.
Os escolásticos
durante muito tempo entendiam que as obras de um tal Shakespeare pertenceriam a
várias pessoas distintas daquele, pois achavam inconcebível que o William
tivesse aquela maestria na análise social e na construção literária sem… nunca
sequer ter frequentado a escola. Um reitor da universidade de Coimbra, ao ser
confrontado com a gravidade, conceptualizada por Newton, entendeu recusá-la com
o lapidar argumento de que não constava da Bíblia. Inversamente, David Graber
antropólogo pouco dado a recitar o que convém ao poder, foi dispensado da
universidade de Yale, enquanto ninguém persegue os muitos professores
universitários de recorte trotsko-estalinista, dada a sua utilidade na promoção
do Estado, da hierarquia e da propriedade, peças essenciais à fogosidade do
capital.
Confundir conhecimento com religião e chamar factos a
construções preconceituosas é de todas as épocas onde se assista ao casamento
entre o poder de estado e a autoridade escolástica, par definidor do bem e do
mal, como antes se observava, entre o rei e o clero.
4 - A ortodoxia
economicista
A ortodoxia
economicista no capítulo das dívidas soberanas da periferia Sul da zona euro –
particularmente da Grécia e de Portugal – pretende, como objetivo supremo, que
aquela seja paga. O que é absolutamente falso; a dívida é impagável e todos
sabem isso[5].
Essa ortodoxia
coloca-se tanto do lado do sistema financeiro (BCE incluído) acomodados nas
suas funções de (eternos[6])
credores, como do lado dos poderes nos países endividados que se afincam na
punção fiscal dos povos, com o argumento de que “não somos caloteiros”. Os
primeiros, discretos, colocam-se atrás dos funcionários de Bruxelas e Frankfurt
que os representam; e os governos dos países endividados colocam-se na posição
confortável de cobradores, (falsos) impotentes intermediários que lastimam a
exação fiscal que aplicam aos povos, por imposição ou melhor, por diktat externo.
Acontece que a dívida
– particularmente nos casos grego e português - não é pagável[7].
Primeiro, porque em termos estritamente financeiros, um plano de amortização,
com escrupuloso pagamento de capital e juros, não se coaduna com os objetivos
impostos para o deficit e para o crescimento do PIB, sem a remessa dos povos
dos países endividados para uma nova idade das trevas. Em segundo lugar, porque
ao capital financeiro interessa somente manter o fluxo de uma renda eterna de
juros, com a pressão necessária e suficiente para o seu pagamento, para a
substituição de fatias de dívida pagas por novas dívidas, numa reciclagem
perfeita. Em terceiro lugar, a manutenção da pressão para o pagamento da dívida
e dos seus juros embaratece privatizações, precariza o trabalho, reduz
salários, aumenta jornadas de trabalho, promove o assalto aos fundos de
pensões, facilitando a acumulação de capital. O capital financeiro é bom
conhecedor da fábula da galinha dos ovos de ouro…
Por outro lado, uma
dívida imputável a Estados-nação periféricos e dependentes é uma aplicação
segura, pois tem toda uma população como garante e por tempo ilimitado, o que
não acontece com nenhuma instituição privada.
Por seu turno, as
classes políticas, pretendem manter o papel de cobradores, perpetuando as suas
comissões pelo serviço que prestam. Os governos assumem o seu odioso papel,
usando a persuasão ou o cacete; e as oposições mantêm o circo a funcionar,
mostrando-se alheias ou combatendo as reclamações radicais das vítimas da
punção fiscal e da austeridade[8].
Uma coisa as classes
políticas na sua generalidade não farão: apontar a dívida como elemento de
ordem política – e não apenas financeira - para a duradoura submissão de povos.
Nesse contexto, tão ilegítima é a dívida, como criminosa a
classe política que a suporta. Nesta frente de recusa da ilegitimidade há um
consenso entre a classe política e o economicismo universitário, como natural
produto da simbiose entre ambos.
Essa dívida (grega ou portuguesa) não é pagável, de todo, a
não ser após uma reestruturação que contemple uma verdadeira tosquia que
conduza o endividamento público aos níveis máximos admitidos pela UE – 60% do
PIB - associado a um alongamento de prazos de pagamento e rebaixamento das
taxas de juro. Para que não haja recaída torna-se também necessário proceder a
alterações políticas que extingam a classe política e avancem para reformas
estruturais (essas sim) na gestão das empresas e na redistribuição do
rendimento.
A mais alarmante
situação grega resume-se a uma escolha dicotómica: tosquia nos créditos dos
bancos ou ceifa de vidas entre os 11 M de gregos. No caso português as coisas
não são muito distintas; porém, a ausência de uma contestação social e a
conivência da “esquerda” deixa todo o espaço mediático para o governo que
anuncia a retoma e o fim da austeridade “do ano passado, para o mês que vem”,
como diz Buarque. A propósito, não deixamos de achar curiosa a incoerência dos
que querem pagar a dívida escrupulosamente e, ao mesmo tempo, acusam o euro de
todos os males pátrios; em futebol, seria como querer ganhar o jogo com a
mudança de cor das camisolas.
Para pagar a renda
que alimenta o capital financeiro global por intermédio da dívida, a
escolástica neoliberal é mais ou menos unânime nas medidas a adoptar; reformas
estruturais como redução da despesa pública a partir de despedimentos,
liberalização do “mercado” laboral, redução das pensões, privatizar, captar
investimento estrangeiro com a oferta de reduções fiscais e exportar, exportar,
investindo e ganhando competitividade no âmbito do livre comércio...
A pressão do Centro
europeu sobre os países mais endividados da periferia Sul não se alivia com uma
saída do euro, como se não modificarão as estruturas produtivas, europeia ou
nacionais, estas, decorrentes da globalização capitalista. Esta globalização,
de que a UE foi precursora, vai tornando as economias periféricas subalternas
relativamente ao Centro, torna-as espaços atravessados por redes multinacionais
de negócios, sem que daí resulte qualquer reforço da coerência interna da
estrutura produtiva “nacional”; finalmente, reduzindo-se a relevância dos
capitalistas autóctones, assim como a existência de centros de decisão dali
oriundos ou ali instalados[9],
estão criadas as condições para uma consolidação de economias neocoloniais.
Essas disfunções não
são recentes, não nasceram no seguimento da crise financeira do subprime, nem da adopção do euro[10].
O capitalismo gera, por inerência, desigualdades e hierarquias territoriais e,
em cada espaço, essas desigualdades e hierarquias evidenciam-se, entre os povos
e as suas camadas possidentes, entre os de baixo e os de cima; e não é uma
moeda própria que viabiliza uma soberania como o pretendem os nacionalistas
lusos, sonhadores de uma saída negociada do euro, com Bruxelas e Frankfurt. As atuais
dificuldades da Grécia, mesmo sem ter na agenda uma saída do euro, são
premonitórias.
Uma abordagem
histórica simples relembra que a América Latina chegou à independência, com
bandeiras, hinos e moedas próprias, há 200 anos e que em África a colonização
europeia terminou com o fim do império colonial português. Foram as formais soberanias
nacionais e esses símbolos e instrumentos suficientes para livraram esses povos
da subalternidade, das fortes desigualdades internas mantidas pelas suas
elites, das crises de dívida, das intervenções do FMI, de guerras, golpes
militares ou ditaduras? Agora o foco está colocado nas periferias europeias, a
Sul e Leste, abarcando até antigas potências coloniais, como há 100 anos a uma focagem
semelhante desfez o atrasado império otomano, distribuindo as terras do
petróleo pelas grandes potências europeias.
Estas questões com
pesado lastro histórico, são absolutamente estruturais e não se resolvem com
mais intervenção estatal ou com um imposto mundial (como defende a estrela
Piketty e, antes dele, Tobin); essas são as soluções piedosas dos que acreditam
que a causa das desigualdades até se pode manter desde que os seus causadores
sejam menos avaros, menos… capitalistas! É a lógica da remissão dos pecados através
da esmola.
Uma saída voluntária
de Portugal do euro poderia ser um instrumento importante, se (e só se) num
âmbito ibérico, com a Espanha ou as nações do actual estado espanhol, como
mínimo de viabilidade. Essa situação abalaria sem dúvida o processo centrípeto
do Centro e, tanto mais se acompanhado pela Grécia, pela Itália e por Chipre,
num projeto que abrangesse o Sul da Europa; que poderia ter maior impacto se
coincidisse com uma eventual saída da Inglaterra (com ou sem Escócia) da UE, em
2017[11].
Essas conjeturas exigiriam previamente o afastamento dos margraves ibéricos,
profundas alterações na organização política, do modelo de representação e a
construção de uma economia comum, baseada na satisfação das necessidades dos
povos.
Voltando aos dias de hoje. A suserania de Frankfurt não
admite secessões, tal como Madrid recusa a saída da rica Catalunha ou Lisboa
reagiria a uma independência trasmontana. O poder transnacional da UE não é
diferente dos poderes nacionais enquanto carcereiro de povos e beneficiário da
extração do produto do seu trabalho.
5 – Desigualdades,
pobreza e controlo político
Ignorar o que se vem
expondo, o necessário relacionamento das realidades económicas, sociais,
culturais e geopolíticas traduz-se nesta imagem:
O alargamento
acelerado da UE a partir dos anos 80 e, particularmente após a implosão do
bloco soviético, foi um instrumento do Centro, com relevo para a reforçada
Alemanha, para a redefinição das hierarquias na Europa e suas decorrentes e
inerentes desigualdades. O Centro reforçou a relevância de setores
capitalizados, de alto valor acrescentado, incorporando periferias de mais
baixos salários, vocacionando-os para a produção de bens de consumo ou
intermédios, destinados de preferência ao Centro que, acumulando excedentes
financeiros, ficou apto a colocá-los sob a forma de empréstimos nos bancos e
nas empresas da periferia, altamente descapitalizadas e endividadas.
A liberalização
crescente do comércio dentro da UE e, entre esta e o exterior, veio a conduzir
à desindustrialização da periferia Sul e à sua sobredependência de atividades
não transacionáveis com o exterior, a cargo de capitalistas indígenas em reconversão
e, desenvolvidas com fundos comunitários ou fornecidos por bancos do Centro,
alimentando uma prosperidade e níveis de consumo só temporariamente virtuosos,
sem conduzirem a qualquer reforço da harmonia da estrutura económica ou do
emprego sustentável, a prazo.
As desigualdades que
se acumularam entre Centro e periferias, resultaram em desequilíbrios financeiros
e estruturas produtivas enviesadas no sentido do imobiliário e do turismo,
entusiasticamente alimentadas pelos bancos nacionais (com dinheiro emprestado
pelo Centro) e que se pretendia reciclável pelos fluxos do turismo ou através
do duradouro endividamento dos nativos, incitados a adquirir imobiliário, com o
engodo da sua constante valorização.
Tamanhas disfunções, alimentadas
durante cerca de década e meia (com a entrada do euro a meio do percurso) nunca
seriam sustentáveis e iriam agudizar as desigualdades entre Centro e
periferias; e também, porque no seio dos países periféricos a estagnação política
facilitava a vida das elites económicas e politicas. Como se vem observando.
As disfunções
agudizadas pela crise tendem a modificar o panorama político-partidário; e, são
de tal ordem que rebentaram na Grécia com a direita ND/Pasok, criaram uma
coligação de perfil social-democrata[12]
(Syriza) vencedora das eleições de Janeiro, bem como o crescimento de um grupo
xenófobo e nazi (Aurora Dourada) e a redução da relevância do estalinista KKE.
Tudo isto num contexto de forte abstenção eleitoral (apesar do voto
obrigatório) e do desenvolvimento de densas redes populares de solidariedade,
reveladoras de um forte distanciamento de parte da população face ao sistema político
e à economia de mercado.
Em Espanha, a crise
atinge particularmente o PP que herdou o poder do PSOE, derrotado nas eleições
de 2012 mas, coligados, ambos, na introdução na constituição da prioridade do
pagamento da dívida sobre as responsabilidades sociais do Estado. Grandes
movimentações sociais recolocaram no terreno as consignas libertárias, de uma
democracia radical ou, fórmulas de autogestão que vieram a ser aproveitadas
pela deriva partidocrata e social-democrata do Podemos ou, de uma direita
renovada (Ciudadanos), para além do reforço das ambições autonomistas e
independentistas, mormente na Catalunha. Aparentemente, também em contexto de
elevada abstenção, como se observou na Andaluzia e que se poderá repetir nas
eleições autárquicas de dia 24 de maio.
Em Portugal o sistema
político tem resistido bem à crise apenas com um afundamento previsível do BE,
cujos despojos são ambicionados por entidades de cariz tão pouco interessantes
como o Livre (que procura integrar o PS) e o Agir que prolonga a burla política
do “Que Se Lixe a Troika”[13].
Depois do golpe
militar de 25 de novembro de 1975, o sistema cristalizou em torno de um
partido-estado, bicéfalo (PSD/PS) com um CDS como contrapeso e um PC com um
sucesso inegável na tarefa do controlo social que anulou a memória do
radicalismo de 1974/75. Verificou-se com a crise um controlo partidário
destruidor do frágil movimento social surgido na sequência do 15M espanhol e
que tem facilitado a aceitação passiva e resignada da austeridade por parte da
população.
(continua)
Este e outros textos também em:
[1] Fala-se que o
deslumbrante Crato prepara uma licenciatura em Teoria do Parafuso, com duas
opções; a do Aparafusamento e a do Desaparafusamento, obviamente a permitir
diplomas como os obtidos por Sócrates, Relvas e outros que constam na lista
recente dos alunos da Lusófona com créditos fornecidos de forma pouco límpida.
[2] Em
maio de 2006 um tal Correia de Campos, ministro da Saúde afirmou que a palavra
economicista não existe. O imbecil catedrático, emitiu uma fatwa. http://www.slideshare.net/durgarrai/economicismo-doena-mental-do-neoliberalismo
[3] Parágrafo
adaptado de um artigo sobre Varoufakis inserto no Courrier Internacional,
Abril/2015
[5] Draghi
quando se comprometeu a comprar € 1.1 biliões de títulos de dívida, mormente
pública (cerca de 4.5 vezes a dívida pública portuguesa), até setembro de 2016,
sabe que irão alimentar uma grandiosa fogueira, um dia mais tarde; mas, nunca o
dirá. E, entretanto coloca dinheiro fresco nos bancos, com a troca desses
títulos, rezando para que o investimento surja, o consumo retome a economia
cresça.
[6] Num raro momento
de sinceridade, no início da actual crise, Sócrates (o presidiário) disse que a
dívida externa não era para pagar. Como se trata de um mentiroso compulsivo,
houve indignação e protestos pois ninguém supunha que, no caso, ele falava
verdade
[11] Para quem ache que do desmantelamento da actual UE
surgirá, de imediato, uma guerra, numa perspetiva de repetição da História,
convém esclarecer que a Alemanha, a principal afetada com esse desmoronamento
tem umas forças armadas de 132000 pessoas (que não lhe permitiriam grandes
feitos militares) e sobretudo quando se sabe que somente uns 9000 daquele total
estão operacionais. E como temos sentido de humor, podemos referir que a forças
armadas portuguesas (31000 pessoas), para manter a proporção face à Alemanha,
deveriam pertencer de um país com… 20 M de habitantes!
[12] Por
social-democrata entendemos a defesa de um modelo de intervenção keynesiana do
Estado com retorno ou reforço do “modelo social europeu” o que no nosso
entender, não é viável porque os tempos são muito diferentes da época 1933/70.
Como é óbvio, esse conceito de social-democracia não tem relação alguma com os
partidos sociais-democratas e socialistas europeus que mantêm aquelas
referências como forma de ocultar o seu caráter de direita neoliberal.
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