Draghi
avançou, finalmente, com o seu plano de financiamento dos bancos, na procura de
um sopro de crescimento na UE, após mais de seis meses de concertação no seio
das altas esferas comunitárias, tendo o FMI como observador atento e empenhado.
Propõe-se comprar títulos de dívida pública e privada imobilizados nos ativos
dos bancos, ao ritmo de € 60000 M por mês, a partir de março próximo e até
setembro de 2016 (e que pode ser prolongado), recebendo os bancos, em troca, dinheiro fresco. Em
economês, trata-se de um quantitive
easing.
- Merkel e Christine Lagarde já
vieram dizer que estão de acordo, como se estas decisões não tivessem uma
concertação prévia que envolveu as duas figuras. Porém, não deixaram de
insistir na concretização das sempre inacabadas reformas estruturais, cuja
tradução prática significa privatizações, redução de gastos públicos,
baixos custos laborais, austeridade, etc;
- Note-se que em setembro último, a
taxa de juro de referência caiu para uns ridículos 0.05% a cobrar aos
bancos a necessitar de refinanciamento; e que nem assim animou a atividade
económica;
- Perante a deflação que se vive numa
Europa em que ninguém investe pois todos veem poucas oportunidades de
negócio - devido à entropia social
resultante do desemprego e da redução dos rendimentos das populações - não
parece que a existência de mais dinheiro disponível nos bancos constitua
uma vantagem para quem não tem intenções de investir. Podem os bancos
estar interessados em mais liquidez se, com isso, beneficiarem de
privatizações incluídas em “reformas estruturais” ou destinarem esses
fundos na especulação bolsista, com impactos na valorização das suas ações
mas que em nada melhoram a vida das pessoas;
- No caso português, a compra de
divida fica limitada a 1.7434%, que é a parcela do Banco de Portugal no
BCE e que não ultrapassará € 25000 M, o que é aproximadamente 1/5 da
dívida pública total, excluídas as parcelas das instituições da troika e os certificados de aforro.
É o Banco de Portugal que assumirá os riscos de 80% do valor dos títulos
adquiridos, cabendo a responsabilidade pelos riscos do restante ao
conjunto dos países da zona euro;
- A compra pelo BCE de títulos de
dívida pública já detidos pelos bancos não altera as taxas de juro
inerentes a pagar pelo devedor, não altera o volume em dívida ,nem dos
encargos que lhes estão relacionados. Isso, a não ser que em época
posterior e em função de uma evolução mais realista do endividamento dos
países europeus do Sul, o BCE os troque, por outros títulos menos gravosos
ou que pura e simplesmente os anule. Reconhecer-se-ia assim, por exemplo,
que as dívidas públicas portuguesa e grega são impagáveis nos seus atuais
níveis e que é ilegítimo apenas alguns países arcarem com os custos da
sustentação do euro na configuração atual, tecida no Pacto de Estabilidade
e Convergência e no Tratado Orçamental;
- Porém, a abertura à compra, ainda
que limitada de títulos de dívida pública portuguesa pelo BCE reduz a
sensação de risco sobre a globalidade e portanto as taxas de juro para
novos empréstimos sabendo os futuros detentores que os poderão endossar ao
BCE em troca de liquidez. Tudo porém, dependerá da notação dos “fatwa” das empresas de rating que, atualmente afastam a
Grécia e Chipre desta habilidade do BCE, poupando por pouco os títulos
portugueses da designação de lixo. Ao que se sabe, os verdadeiros
destinatários do empenho de Draghi serão a França e a Itália, too big to fail;
- As distorções constantes na
arquitetura do funcionamento da UE e da zona euro em particular
evidenciam-se no ridículo do BCE, que tem como único objetivo estatutário
o controlo da inflação -como reflexo da má memória alemã com a inflação
dos anos 20 - se lance agora numa cruzada contra a deflação tendo como
objetivo uma …inflação inferior a 2%;
- Em Portugal as empresas têm
tradicionalmente um grau de endividamento dos maiores da Europa ainda que
minorado pela fuga fiscal e contributiva; neste último caso, a dívida
cresceu € 2815/minuto em 2013. Confrontam-se também com um passado recente
de recessão e um futuro já anunciado de austeridade para as próximas
décadas; e daí que não haja candidatos ao investimento produtivo nem que
abundem empresas suficientemente robustas para os bancos concederem
crédito;
- Nos últimos dias Portugal colocou,
a 5 anos, € 5000 M de dívida em boas condições, beneficiando da conjuntura
de baixas taxas de juro, como também da perspetiva das declarações de
Draghi. Por outro lado, ontem, dia 21, Maria Luís, baseada na
possibilidade de obtenção de novos empréstimos com baixas taxas pretende
antecipar um pagamento ao FMI não se sabendo, no entanto, se os outros
credores prescindem do direito de rateio e de beneficiar igualmente desse
reembolso.
- Nada disto vai aligeirar a carga da
existência de um capitalismo subalterno e atrasado, de empresários tão
cúpidos como incompetentes e de uma classe política que tresanda a
conformismo e corrupção.
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