Durante muitos anos mal
ouvíamos falar do Chancerelle de Machete, confortavelmente acampado na FLAD –
Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Elevaram-no a ministro e o
homem aproveita-se do poleiro para dizer “coisas” para uma imprensa servil que
lhe coloca o microfone à frente. O já pouco brilhante Machete, próximo dos
Mobutus angolanos deu ontem um contributo sinistro à sua imagem. Desenvolveu
esta ideia, claramente fascizante:
"Os
direitos fundamentais sociais têm de assentar num desenvolvimento económico
compatível com o nível de satisfação desses direitos e isso é uma tarefa
prioritária que pode justificar aquilo que os juristas classificam como certas
restrições aos direitos fundamentais, prontas a serem levantadas logo que o
desenvolvimento o permita".[1]
Baseando-se em colegas dele,
juristas, certamente imaculados defensores da democracia, subordina esta última
aos indicadores económicos; aliás, outra grada figura do seu partido, Ferreira
Leite, anos atrás já havia referido que se deveria suspender a democracia. Por
seu turno, também Passos já havia lançado o mote quando aconselhou a emigração a
centenas de milhares de pessoas, retirando-lhes o direito de viverem na sua
terra, junto de familiares e amigos. Nesse campo, Passos teve a frontalidade
que Salazar não apresentou ao obrigar a atravessamentos da fronteira a salto
mas, sorrindo com a entrada de remessas em divisas. A ideia da suspensão dos
direitos deverá, pois, ser transversal dentro do gang PSD.
O arguto Chancerelle entende
que há um limite mínimo para a vigência dos direitos fundamentais – expressão,
associação, greve, manifestação – abaixo do qual aqueles direitos deverão ser
suspensos, por decisão da AR. Na realidade, o atual regime já vem limitando o
exercício dos direitos sociais - saúde, educação, habitação, circulação, de aposentação
e de pensão. Certamente, continuarão a manter as romarias eleitorais porque a
colocação de votos em urnas dá à plebe a ideia de que tem o direito de escolher
alguma coisa na área da governação.
A Constituição admite a
suspensão do exercício de direitos (artº 19º) “nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de
grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade
pública”, termos que dão margem a várias interpretações, como é típico em
textos constitucionais. Aqui, o regime até pode utilizar facilmente a
calamidade pública como argumento e criando uma excepcionalidade avulsa ou
sucessiva para que o estado de sítio possa ultrapassar os 15 dias
constitucionais (nº 5 daquele artigo). A autorização do estado de sítio ou de
emergência cabe à complacente AR (artº 138º) e a sua declaração formal compete
ao Presidente da República (artº 134, d)), cujo perfil dá todas as garantias
para comportamentos fascizantes.
Diz-se que um Estado tem por
missão promover o bem-estar da população. Os constantes cortes em rendimentos e
direitos associados aos aumentos da carga fiscal usados para alimentar uma
dívida que não é utilizada para o bem-estar da população, nem diminui, coloca
em total ilegitimidade a governação PSD/CDS. A suspensão dos direitos
fundamentais proposta pelo Chancerelle constituiria um selo aferidor dessa
ilegitimidade e só poderia ser encarado pela população como sinónimo de golpe
de estado, de instauração de uma ditadura, a justificar a revolta e o devido final do atual regime
cleptocrático.
Quais os indicadores económicos
subjacentes à sugestão do Chancerelle e qual o seu nível? Durante as décadas
que durará a suserania da UE enquanto a dívida pública não chegar aos 60% do
PIB? A queda do PIB em 10%? O aumento da dívida pública para 150% do PIB? Depois
de os níveis de pobreza atingirem metade da população? O período de tempo
necessário para o salário médio se tornar equiparado ao de um vietnamita?
O Chancerelle anula de uma
penada o caráter absoluto, irrevogável e inalienável dos direitos fundamentais;
provavelmente estará a pensar na sua privatização a um consórcio internacional,
eventualmente liderado pela sua tutora Isabel dos Santos, com o argumento do
pagamento da dívida.
Nas antigas colónias
portuguesas, os direitos vigentes na chamada Metrópole (muito limitados) só
abrangiam brancos e assimilados; os “indígenas” só tinham o direito de ser
chibatados, de pagar o imposto de palhota e cumprir o trabalho forçado. O
Chancerelle sabe disso e pensa aplicar o modelo em Portugal, substituindo os brancos
e assimilados por empresários e banqueiros de referência, a classe política e
seus mainatos, equiparando os portugueses comuns nos autóctones de terra
conquistada. Chancerelle é um neocolonialista.
Salazar também dizia que os
portugueses não estavam preparados para a democracia alegando o analfabetismo,
a ruralidade, a tradição de obediência, no campo, na fábrica, sob o campanário
e, sobretudo sob a égide dos predestinados para difícil condução dos destinos
pátrios, isto é, do próprio Salazar. Este era um fervoroso adepto da
estabilidade política como aliás acontece com todos os governos, sempre apreciadores
da ausência de obstáculos à mentira e ao roubo que os caraterizam; e para o
evitar, os partidos políticos eram proibidos. Ainda não estava madura a prática
da democracia de mercado, com um partido-estado e duas alas que se revezam
mutuamente no poder, sem que se altere nada de substantivo.
E por isso a ditadura de
Salazar parecia aplicada a contragosto, paternalmente, como um mal necessário para
defender os bons e pacíficos portugueses das más influências de gente
subversiva, maldosa, a soldo de potências estrangeiras para destruir a paz nacional, açambarcar as
“nossas” colónias e gerar o caos.
A democracia não era para
Salazar um direito absoluto de convivência humana; a generalização de direitos
individuais de expressão, divulgação, associação e decisão sobre os interesses
coletivos eram modernices pouco adequadas à natureza dos portugueses e mais
precisamente pouco desejadas por grupos económicos débeis dependentes do apoio
do Estado, dos salários baixos e de limitações para as importações. Chancerelle
estará, certamente, de acordo.
O que se prefigurará no
círculo íntimo do gang governamental?
Não há instabilidade política
em Portugal. Tudo é concertado numa monotonia que rivaliza com a rotatividade
dos programas televisivos – telenovela, publicidade, futebol…. Na AR cada um
cumpre o seu papel de apoio ao governo ou com o chapéu de oposição, sabendo-se
que os primeiros ganham sempre os chamados debates parlamentares. A contestação
social não existe e a nível sindical tudo é previsível e ordeiro.
Assim sendo, para que
pensam, Chancerelle e outros, na suspensão de direitos? As greves não são
muitas nem prolongadas pelo que a suspensão do direito de greve pouco
acrescenta. A contratação coletiva já pouco se usa, em detrimento de contratos
individuais e maioritariamente precários. A contestação popular ou
extra-parlamentar é muito escassa, desorganizada e politicamente infantil. Nada
neste cenário justifica que o SIS se movimente como uma nova pide.
No entanto…
A dívida pública cresce
apesar das reduções do nível do deficit; as exportações não arrancam e as
importações não caem a contento e há indicações de que poderá ocorrer um
segundo resgate. Esse resgate, a acontecer, não será acompanhado por mais
nenhum dos velhos PIIGS cuja situação não está tão degradada como a portuguesa;
nem sequer pela Grécia que tem melhorado os seus indicadores económicos. Ou
poderá ser substituído por uma saída do euro e da UE se isso puder funcionar
como alívio e alento a uma recuperação da credibilidade da moeda; o que
tornaria Portugal num pequeno pedaço abandonado da Jangada de Pedra de
Saramago.
É evidente que essas
hipóteses configuram um desastre maior que o actual – empobrecimento acelerado,
redução do aparelho de estado às funções de “soberania” - tropa, polícia
tribunais e punção fiscal - com a maioria da população lançada à sua sorte,
minimizada pela caridade em vez de uma ação social respeitadora da dignidade de
cada um.
No caso de saída do Euro e
da UE o cenário é dantesco: dificuldades de exportação, importações muito caras
porque obtidas tendo de permeio uma moeda nacional em constante desvalorização.
aumento astronómico da dívida externa pública e privada medida em moeda
nacional, inflação, perdas enormes de poder de compra para aguentar um
capitalismo atrasado e subalterno, com a brutal repressão ajustada à desastrosa
situação.
Estes cenários justificariam,
para o gang governamental actual, uma suspensão ad eternum dos direitos fundamentais. A hipótese colocada pelo Chancerelle
anda nos corredores do poder e o homem descaiu ou é ele que mandou os bitaites
à toa, levianamente?
Este e outros textos em:
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
O que eu defendo é que, tão cedo quanto possível, seja suspensa a capacidade de respirar a toda esta rapaziada...
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