A subalternidade das pequenas nações, a
austeridade e a pobreza estão garantidas em capitalismo, com ou sem euro. A
solução só pode surgir a partir da solidariedade dos povos europeus, da Ibéria
em particular, num quadro de prioridade para a satisfação das necessidades
coletivas
Sumário
Conclusões
6 – A
constante reconstrução das desigualdades
8 – A
dependência externa de Portugal
7 – Processos
globais de integração capitalista
9 – O
endividamento externo e a subalternidade
10 -
Sair do euro?
Conclusões
- Sendo o capitalismo um sistema hierárquico por excelência, o capitalismo mais avançado subalterniza as formas menos evoluídas e gera desigualdades profundas entre os povos submetidos;
- Num quadro de globalização ainda em expansão, soluções nacionalistas para o capitalismo, mesmo que ancoradas numa moeda própria, são opções quixotescas para países pequenos e subalternos;
- Portugal continua num plano de redução da importância dos capitalistas indígenas, relegados para áreas menos tecnológicas ou dependentes dos baixos salários e, consequentemente a ser objeto de integração em redes de negócio com uma lógica transnacional que desmonta fronteiras e soberanias nacionais;
- A construção da UE assenta na hierarquização dos territórios e na sucessiva criação de instrumentos que facilitem as trocas, gerando-se áreas com excedentes externos tendencialmente credoras de outras, com deficits;
- O sistema financeiro e as multinacionais prosseguem a concentração de poder e, ao mesmo tempo, a unificação do mundo sob o seu poder, diluindo ainda mais as soberanias nacionais. A UE como parte desse processo estará a ser superada por integração num TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership, como também numa lógica militarista soprada do Pentágono;
- O deficit da balança de transações em Portugal é estrutural sendo ultimamente menor dada a austeridade e a ausência de investimento e essa é a situação típica da periferia Sul da UE; a adopção ou não do euro não é correlacionável com uma situação positiva ou negativa da balança de transações correntes;
- O desequilíbrio da conta corrente com o exterior manifesta-se regularmente muito antes da adopção do euro, é dos mais acentuados da Europa e para o efeito, o principal contributo vem dos empréstimos obtidos;
- Esses empréstimos obtidos no exterior são largamente assumidos pelo sistema financeiro até à eclosão da crise de 2007/08. As dificuldades de refinanciamento externo por parte dos bancos conduziram a problemas graves na concessão do crédito, na assunção de malparado e foram supridas pelo BCE, numa primeira fase, até a troika incluir na dívida pública a intermediação do refinanciamento do sistema bancário, cuja último e desastroso acto dá pelo nome de BES;
- Essa responsabilização pública pela recapitalização dos bancos tem tido um papel importante na política de cortes em rendimentos e direitos da população que assim se vê onerada por uma dívida privada. Com surpresa para alguns, na classe política não se vem observando qualquer levantamento da ilegitimidade de parte da dívida destinada aos bancos e não só;
- Nos segmentos mais nacionalistas da chamada esquerda, curiosamente, a recusa do levantamento da ilegitimidade de dívida coincide com propostas tão radicais como suicidas, de saída do euro e da UE;
- O principal risco de saída do euro poderá surgir de uma qualquer engenharia política das principais potências europeias que ultrapasse o vazio legal no contexto comunitário, num quadro de grande instabilidade do euro, em paralelo com a continuidade do afundamento económico e social de Portugal;
- Para já, está no terreno o pagamento dos juros da dívida pública como instrumento de dependência e da tutela das altas instâncias da UE sobre as finanças públicas, com implicações nocivas e duradouras sobre os portugueses;
- E está, certamente, colocado fora de causa uma deriva nacionalista e autárcica, por razões de ordenamento político e económico global, por razões de ordem histórica ou que se prendem com as interligações externas de Portugal e ainda por conveniência (ou menor inconveniência) de quem vive em Portugal.
6 – A
constante reconstrução das desigualdades
Em Portugal, a desestruturação
resultante da inserção nas cadeias transnacionais que desenham o perfil
produtivo da UE e do mundo interage com uma deliberada escolha histórica dos
capitalistas portugueses, em privilegiar, sectores de baixa incorporação
tecnológica, salários baixos, pouco sujeitos à concorrência externa uma vez que
têm porque têm sido aqueles sectores a permitir melhores remunerações do
capital, comparativamente a outras, no plano das suas capacidades técnicas e
disponibilidade de meios.
Na hierarquia do capital acontece como
nas hierarquias sociais. Ao subalterno, ao serviçal apenas são possíveis as
escolhas admitidas pelos senhores.
No plano do capitalismo, essa escolha
só seria diferente no contexto de um aparelho de estado capitalista,
desenvolvimentista, interventor, keynesiano e apostado numa reestruturação
profunda da estrutura empresarial portuguesa, à semelhança do registado nos
anos 60 e 70 nos designados “tigres asiáticos” (Coreia do Sul, Formosa,
Singapura). Ora esse modelo não tem possibilidades de aplicação no contexto da
UE e nas proximidades da mudança de século, após a vitória do modelo neoliberal
e o enterro do keynesianismo.
Quer um quer o outro – o modelo dos
“tigres” ou o neoliberal - certamente não por acaso, se baseiam na repressão
dos trabalhadores, na compressão do seu poder de compra, dos seus direitos, com
fraco apreço pela democracia. No caso daqueles países asiáticos, observou-se um
tipo de capitalismo de estado, um processo que se desenvolveu no quadro de um
acirrado protecionismo e de forte nacionalismo, em torno de poderosos grupos
económicos protegidos e financiados pelos estados; só numa segunda fase se
procedeu a algum planeamento da relação rendimentos do trabalho/consumo interno
e alguma descompressão no pendor totalitário, com aqueles países, hoje rendidos
à democracia de mercado, com gangs partidários e o consumismo necessário para
manter mansa a multidão. O modelo dos “tigres” foi, em muito, copiado da
prática japonesa do pós-guerra e continuado posteriormente pela China; aqui,
ainda sem a adopção da democracia de mercado mas, antes na tradição centralista
e corrupta dos velhos mandarins dos tempos do império.
Em Portugal, pelo contrário,
assiste-se – e hoje sob pressão do pagamento da dívida pública – à
transferência de áreas públicas para a inserção em grupos estrangeiros, bem
como à compra de empresas privadas por capitais externos, processo que se vem
atenuando, parecendo esgotado, como se observou em outras ocasiões[1].
Não é estranho que o espaço português constitua uma área de confluência entre
diversas redes internacionais do capital, para além de interesses ligados ao
“establishment” angolano ou de magnatas chineses em busca de lavandaria, sob a
forma, tão acarinhada por Portas, dos passaportes dourados. Falta acrescentar
um capitalismo luso, inepto, descapitalizado, subalterno. Se dessa confluência
emanasse uma estruturação virtuosa do espaço português e para os residentes em
Portugal, não seria sequer obra do acaso mas, um milagre da senhora de Fátima.
O perfil da instrução da população em
Portugal é claramente mais pobre do que nos outros países da Europa e revela
precisamente as caraterísticas do capitalismo em Portugal[2],
bem como do tipo de inserção nas redes globais de negócio. As pessoas mais
qualificadas integram-se em empresas de capital estrangeiro ou emigram, como
produtos de universidades mercantis viradas para a exportação de jovens com
formação; ou para a reexportação de alunos provenientes de países terceiros,
onde as propinas são bem mais caras que em Portugal.
Para a atividade turística, serviços
pessoais, têxtil, calçado ou construção não se requer, em geral, grande volume
de pessoas com um alto padrão de qualificações; bastam qualificações médias e
baixas. No trabalho em Portugal vigoram as regras de “empresários” que despedem
trabalhadoras grávidas ou impedidas de engravidar ou ir à casa de banho, de
utilizadores de estagiários pagos pelo Estado, de horas extras não pagas, etc;
regras sempre em apuramento repressivo por parte do governo.
O modelo de (sub)desenvolvimento
baseado na competitividade exportadora, tão divulgado pelo Pires das cervejas
ou pelo Paulo dos submarinos está bem presente no quadro seguinte, onde se
evidenciam os baixos salários de importantes atividades exportadoras. O têxtil
é mesmo o sector campeão, com o salário médio mais baixo do país, logo seguido
por quem trabalha na hotelaria/restauração. E certamente, daí resulta o facto
de a região Norte ser a mais pobre da Ibéria, como observámos na primeira parte
deste trabalho[3].
Nº (a)
|
€ (b)
|
|
Total
|
2779077
|
900,0
|
Fab. Têxteis, vest.e couro
|
159110
|
605,0
|
Construção
|
294129
|
792,6
|
Com. a retalho, excep. de veíc. Aut. e mot.
|
303939
|
717,0
|
Alojamento, restauração e similares
|
198813
|
650,8
|
(a)
pessoas ao serviço (b)
remunerações base médias,
Fonte: Quadros de pessoal ref. Out 2010
Outra hipótese de vida – para além da
emigração - para as melhores qualificações, tem sido o aparelho de estado dadas
as suas caraterísticas intrínsecas – saúde, educação, tribunais, militares -
que, por esse exato motivo, são o alvo do governo Passos para as reduções
salariais, aumentos de horários, perdas de direitos; isso, com o paralelo
recurso aos negreiros do século XXI, as empresas de trabalho temporário, ou de
funções desempenhadas por fornecedores de serviços e consultores, o que
representa objetivamente uma empresarialização privada de funções públicas. Nas
áreas mais corporativas ou vitais (militares, polícias e juízes) os governos
têm alguma uma complacência nessa sanha persecutória.
A continuidade da periferização de
Portugal no seio da Europa ou das redes internacionais do capital parece
assegurada através da evolução da banca, elemento central, estratégico, dessa
inserção. As dificuldades, primeiro na área periférica da banca – BPN e BPP
(mera banqueta como designado, tempos atrás, por alguns) - passaram aos
beneficiários do indireto financiamento da troika
(BCP, BPI e Banif) atingindo agora o grupo Espírito Santo, um elemento
histórico do regime cleptocrático, antes e depois do 25 de Abril. Finalmente, o
futuro encerramento dos balcões do Barclay’s (em toda a Europa ocidental da
zona euro), possivelmente seguido pelo BBVA e pelo Deutsche Bank[4],
será acompanhado com o desmantelamento da rede do BES; todos esses elementos
constituem sinais claros da revisão em baixa dos planos do capital global para
a paróquia lusa. Neste inevitável processo de reestruturação do sistema
financeiro em Portugal são beneficiários capitais angolanos e chineses,
necessitados de instrumentos de lavagem e/ou de antenas dentro da UE.
7 – Processos globais de integração
capitalista
No processo de construção da UEM –
União Económica e Monetária foram definidos critérios para a sua integração por
parte dos países. Procurava-se a homogeneidade entre os elementos financeiros
de cada estado que promovesse uma mais maleável circulação de bens e capitais,
que aumentasse a densidade das trocas no espaço da UE, eliminando as
inconveniências das distorções resultantes de diferentes taxas de inflação, de
conversões onerosas entre várias moedas, embaratecendo o acesso ao crédito. Ficariam
como elementos essenciais para promover a concorrência, a fiscalidade, de modo
mitigado e, de forma mais extensiva, a utilização da mercadoria força de
trabalho, acoplada à legislação laboral, configurando ambos o “mercado de
trabalho”, designação degradante usada de modo ligeiro pelos portadores da tal
força de trabalho, numa assunção da sua condição de recursos humanos, da sua
coisificação, a par dos recursos financeiros, tecnológicos ou materiais
lançados na panela do capital.
Para um país periférico e pobre como
Portugal a capacidade de resistência à força centrípeta do capital residente no
Centro, era e é muito limitada. Ali se encontra a grande fatia das relações
comerciais e financeiras, dali provém o investimento estrangeiro que domina os
setores relevantes da economia portuguesa e que integra o país nas redes
globais da atividade económica, desestruturando-o como unidade interna e
estruturando-o como localização de recursos para o capital global que,
naturalmente, pouco se ocupa com a coerência interna do território enquanto
estado-nação ou como área onde se fixam cerca de 10.5 milhões de seres humanos.
Em todo o processo de construção da
UEM a oposição dos meios empresariais ou políticos em Portugal mostrou-se
irrelevante ou foi utilizada apenas como elemento de diversão eleitoral, sendo
de referir que João Ferreira do Amaral era dos poucos a considerar nefasta a
integração num sistema monetário global. Quanto à plebe, ao hábito da situação
periférica e do subsequente desinteresse pelo que acontece para além de
Badajoz, juntava-se a pobreza relativa e a despolitização, formando-se uma
maioria desatenta ao processo e ao seu significado real mas, bastante ocupada
no usufruto do crédito e do consumo, tomados como definitivas dádivas do
projeto europeu.
Voltemos um pouco atrás.
No início do século havia, no âmbito
da UE, um brutal conjunto de produção legislativa inerente à integração
europeia, a seguir ao tratado de Roma, fundador (1958), como o tratado de
Bruxelas (1965), o Acto Único Europeu (1986), o tratado de Maastricht (1992) e
os tratados de Amsterdão (1997) ou de Nice (2001), estes últimos como
clausulados mais formais; e isso foi entendido como necessário objeto de
compilação e simplificação. Por outro lado, os projetos de alargamento a novos
países e o pretendido aumento da densidade das áreas a unificar, traziam novas
necessidades de operacionalidade burocrática e de agilidade decisória. Todas
essas razões contribuíram para a criação de uma Constituição Europeia assinada
em 2004 que, após a sua recusa no referendo francês e a não ratificação inglesa
e holandesa, conduziu a uma reformulação que se veio a chamar Tratado de Lisboa
(2007).
Por essa ocasião, no final do século,
desenhavam-se também, a nível global, três instrumentos de enorme importância
política e económica.
Clinton iniciava na Jugoslávia (1999)
a aplicação do conceito de guerra humanitária, de guerras preventivas, com a
total subalternização da ONU e a subversão de uma ordem jurídica iniciada no
pós-guerra que impedia os países poderosos de atuarem de acordo com as suas
conveniências. Seguiram-se intervenções militares: Afeganistão, Iraque,
Bahrein, Líbia, Síria, Paquistão, Mali... tendo os motivos para as intervenções
sido tipificados em Lisboa, na Cimeira da NATO de 2010. A ordem do Império
ganhava assim um mais ágil braço armado para qualquer intervenção, independente
do quadro da ONU e muito para além do quadro geográfico inicial dos países
membros da NATO.
Contrariamente a todos os compromissos
assumidos em 1990, seis anos depois, Clinton, ao tempo do ébrio Ieltsin, na
Rússia, defendeu e veio a concretizar o alargamento da NATO ao Leste europeu,
para cercar a Rússia e remeter a sua influência à Ásia central. Interessava,
também cercar o principal adversário estratégico – a China -e controlar as suas
linhas de abastecimento energético. Inaugurava-se assim uma nova era de
crispação com a Rússia e que se estendeu à China, com frequentes exercícios
militares junto à costa chinesa, correspondendo, como reação à criação do OCX –
Organização de Cooperação de Xangai. Chama-se a atenção para o facto de o
Tratado de Lisboa contemplar também uma componente militar, que hierarquiza os
países nos processos decisórios nessa área, entre os pequenos e os que são
grandes produtores de armamento, num plano de submissa aceitação da supremacia
estratégica do Pentágono sobre a UE no seu todo.
O terceiro elemento prende-se com a
revogação em 1999 da lei Glass-Steagall, de 1933 que visava evitar a
contaminação do crédito à economia com atividades especulativas, impedidas,
portanto de usar o dinheiro dos depósitos de empresas e particulares. O capital
financeiro, já globalizado ganhava assim um enorme impulso para controlar as
economias, para integrar as suas várias formas de apresentação, para legalizar
e agilizar a criação das pirâmides de Ponzi, para precarizar a vida humana numa
panóplia de ações: captura dos estados, maior intensidade da aplicação das
escrituras neoliberais baseadas no consumismo, no individualismo e na
concorrência, na afirmação ideológica da preponderância de um fetiche chamado
mercado e da colocação das conveniências das empresas acima das concernentes às
pessoas.
Esse desenho que vem sendo
pacientemente elaborado está atualmente em desenvolvimento, através da
reconfiguração dos espaços mundiais do capital e de atuação das multinacionais,
no âmbito do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership / Acordo de
Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, TAFTA (Transatlantic Free
Trade Area) ou GMT (Grande Mercado Transatlântico). O seu objetivo geopolítico
é aumentar a integração entre a UE e os EUA, constituir uma frente, para fazer
frente aos BRIC, com realce para a China. Pretende-se uma estrutura económica
totalitária, tentacular, repressiva, que coincide com o espaço NATO… o que não
será certamente, uma simples coincidência.
O TTIP corresponde a um grau superior
de concentração capitalista, um patamar mais elevado do topo das hierarquias do
capital e tornará ainda mais irrelevante o papel das nações, sobretudo das
pequenas. O próprio TTIP, negociado diretamente entre a Comissão Europeia (por
parte da UE) e as multinacionais irá criar instrumentos jurídicos de
subalternização dos Estados que terão de se submeter aos interesses do capital,
das multinacionais, sob pena de penalizações. Se mesmo os estados-nação se irão
tornar obedientes face às disposições vinculativas do TTIP cabe perguntar que
papel será o dos povos e das pessoas, na lógica do capital?
Neste contexto, qualquer política de
retorno a soberanias nacionais, género de lutas pela independência nacional dos
anos sessenta, tem algo de quixotesco, de um regresso ao passado. Há quem pense
que é possível devolver o poder a burguesias nacionais, sobretudo de pequenos
países, num contexto em que o capital constrói um grau de concentração, uma
estruturação num plano nunca visto, uma arquitetura política que coloca diante
dos olhos da multidão mundial um inimigo tão bem definido e tão distanciado como
nunca.
Sabe-se que, em qualquer projeto de
burguesias nacionais, soberanistas, uma moeda própria, o domínio das funções
financeiras era essencial; como essenciais eram símbolos como um hino e uma
bandeira, para a captura ideológica da massa dos trabalhadores no apoio ao seu
projeto de domínio. Uma lógica soberanista só fará sentido quando um país tem
um empresariato capitalizado, empreendedor e ilustrado; caso contrário, a
soberania é uma caricatura. Não esqueçamos que Portugal constituiu, durante
séculos, o único caso de uma potência colonial simultaneamente dependente, um
protetorado inglês. Hoje, sem colónias, nem empresários capazes, uma
continuidade capitalista só se concretiza num papel subalterno que, gradualmente,
se vem tornando mais evidente. A saída para esta empobrecedora solução só pode
ocorrer num quadro europeu, de solidariedade entre os povos europeus; no mínimo,
num contexto de união dos povos ibéricos.
Asterix e Obelix, apesar de armados
com a célebre poção, não tinham qualquer hipótese de vencer a organização
romana que ocupou a Gália, uma vez que não souberam unificar os gauleses e os
outros povos subjugados por Roma. É perigoso criar esperanças de que uma ou
outra aldeia de Asterix consiga impor-se isoladamente ao poder do capital
global, em tempos de reforço da sua organização. Apostar no retorno da soberania
nacional, faz lembrar o retorno a revoluções democráticas e nacionais do
impagável Cunhal, estratégia que correspondia ao interesse da velha URSS de
manter a contestação do lado ocidental em banho-maria. Em Portugal, há por aí
vários Asterix que, não detendo a poção
mágica do druida, tomam alucinogénios.
A resposta dos povos ao reforço
organizativo do capital não se pode cingir a lutas paroquiais, nacionais,
isoladas a favor dos “seus” capitalistas contra as multinacionais. e o sistema
financeiro. A resposta é a união, a concertação das lutas dos povos, abandonado
o espartilho dos estados-nação, a construção de um verdadeiro
internacionalismo, cujas últimas demonstrações se verificaram antes dos anos
vinte do século passado e com as brigadas internacionais durante a guerra civil
de Espanha.
8 – A dependência externa de
Portugal
Os saldos da balança de transações
correntes sintetizam relações comerciais, transações e transferências de cada
país (ou grupo de países) com o seu exterior. Um saldo positivo significa um
acréscimo dos meios financeiros e dos direitos de propriedade acumulados, na
posse dos residentes; um saldo negativo representa uma redução daqueles meios e
direitos em benefício do exterior.
Os saldos da balança de transações
correntes para os vários espaços económicos que configuram a UE, agrupados de
acordo com as estruturas da “divisão internacional do trabalho” definidas pelas
cúpulas do capital financeiro e das multinacionais, são apresentadas no gráfico
que se segue.
As segmentações existentes no seio da
UE são nítidas. O Centro gera normalmente fortes excedentes anuais, que têm
estabilizado a partir de 2006 e é relativamente imune a impactos produzidos
pela deterioração das contas externas na periferia Sul, não parecendo também
beneficiar diretamente dos crescentes deficits daquela, a partir de 2004. Na
realidade, não sendo a Europa uma realidade fechada, o Centro garante a
estabilidade dos seus excedentes a partir das suas relações com o resto do
mundo; por exemplo, o excedente registado pelo Centro não reflete em nada a
grande redução dos deficits do Sul em 2012/13, tal como pouco sofreu com o
afundamento dos deficits ali, em 1997/2008.
A periferia Sul determina a evolução
do saldo global da UE a partir de 2004 e, a passagem a uma situação
superavitária em 2013 permite que esse saldo global ultrapasse o excedente do Centro. A baixa nas
taxas de juro e a existência de uma moeda única favoreceram, como no caso
português, grandes aumentos do crédito, da importação e a deterioração da
estrutura produtiva, com a formação de bolhas imobiliárias. Como se sabe, a
melhoria recente da situação financeira no Sul foi conseguida através da quebra
da atividade económica, com menor importação de bens de investimento, do
consumo dos povos, o último preterido a favor da maior relevância das
exportações, que vieram justificar todas as medidas que reduziram o preço do
trabalho. Essa melhoria financeira no Sul só será sustentável com a fixação de
um novo patamar da sua subalternidade com o aumento das desigualdades no espaço
comunitário.
A periferia Leste só foi constituída
formalmente por membros da UE (já antes era uma periferia), a partir de 2004 e
isso manifesta-se no aumento do deficit global até 2009, quando aquele se cifra
em valores semelhantes aos verificados antes da integração.
O gráfico seguinte mostra, de modo
mais detalhado, tomando os países do Centro e os países intervencionados, os
respetivos saldos das transações correntes acumulados no período 1995/2013,
onde se evidenciam uma vez mais as desigualdades existentes dentro da UE, como
produto das especializações a que cada país foi conduzido.
Entre os dez países do Centro, apenas
dois apresentam um deficit para o período escolhido, por razões de
disponibilidade estatística no Eurostat; a França, com um valor reduzido e a
Grã-Bretanha, com um deficit acumulado de uns € 657000 M. Entre os restantes
sublinhe-se o caso particular do superavit alemão, bem como os da Holanda ou da
Suécia. No caso dos países do Sul (onde por comodidade incluímos a Irlanda),
todos apresentam deficits no período 1995/2013, com relevo para a Espanha e
ainda da Grécia e Portugal, nestes casos, tendo em consideração as suas
dimensões populacionais e de produção de riqueza.
O gráfico não revela nenhuma
inferência indiciadora da importância da adopção ou não, do euro. Há países
superavitários que usam o euro e outros (Dinamarca e Suécia) que mantêm as suas
próprias moedas. Entre os que apresentam deficits crónicos, para além dos
intervencionados pertencentes à zona euro, há a registar a Grã-Bretanha que
continua a utilizar a sua libra e com posições crescentes de antipatia face à
UE.
Como se vem verificando, os
desequilíbrios no seio da UE têm origens inerentes ao próprio processo de
integração capitalista e, mais recentemente, através de uma evolução normativa
que cria as condições para uma dominação do Centro sobre as duas reconhecidas
periferias. É elementar também a verificação que essas disparidades tanto se
verificam no tempo em que cada país detinha moeda própria quer já neste século
com a criação do euro, enquanto elemento facilitador da integração. Tentar
polarizar as dificuldades económicas vividas em Portugal, inerentes ao seu
débil capitalismo (como nos restantes países periféricos) com a integração numa
mesma zona monetária é como culpar a espuma das ondas da violência com que
estas desabam sobre a areia da praia; ou as casas, pela especulação que sobre
elas incide.
Numa época em que o capitalismo se
integra a nível global, alicerçada em desenvolvimentos tecnológicos na área das
comunicações e da logística, num processo conduzido pelas multinacionais e pelo
sistema financeiro; numa época em que a produção global se distribui por vários
locais geográficos e o trabalho se desenvolve no seio de uma matriz complexa de
micro-decisões, pode dizer-se que existe uma economia global que superou as
fronteiras laboriosamente (e com muito sangue) construídas nos séculos
passados.
Nessa sequência, é óbvio que o
processo exige instrumentos que facilitem a troca e o crédito e a simplicidade
nos instrumentos monetários está nessa linha.
Como
diz Krugman[5] sem solução europeia, aos países periféricos só lhes
resta aceitar a austeridade e perder soberania ou sair do euro. E os
nacionalistas ancorados tecnicamente na escolástica keynesiana de
universitários esquecidos de que a economia só o é como política, parece
admitirem uma possibilidade de um estado “soberano” viável com moeda própria,
qual ilha isolada da economia global, numa renovação do falanstério de Fourier.
E admitem, na peugada de Ferreira do Amaral, uma “saída negociada do euro”… o
que exigiria a criação de um governo patriótico de esquerda, e um frente a
frente entre Jerónimo e Merkel. Temos dificuldade e saber se a ideia é anedota ou
embuste.
9 - O endividamento externo e a
subalternidade
A posição do investimento
internacional representa o saldo global entre os direitos e as obrigações face
a entidades no exterior. Cerca de dois anos atrás observámos esta realidade de
acordo com grandes grupos comportamentais – pessoas/famílias, empresas comuns,
sistema financeiro e Estado e por tipo de responsabilidades face ao exterior
entre empréstimos (não titulados), títulos (que materializam empréstimos),
dinheiro e depósitos, ações e participações em empresas[6].
Procedamos agora a uma análise da segmentação por sectores institucionais.
O saldo é francamente negativo e
aumenta regularmente de 1996 até 2008; estagna durante dois anos e retoma o
ritmo de crescimento nos últimos anos. Os últimos dados conhecidos revelam um
nível líquido de responsabilidades perante o exterior da ordem dos 124% do PIB,
contra uns 10% em 1995 e 60% no ano da adopção do euro (2002). No âmbito da UE,
em 2013, a posição negativa do investimento internacional correspondente a
Portugal cifrava-se em 118.7% do PIB, ligeiramente ultrapassada na sua dimensão
relativa pela Grécia (119.3%) e já algo afastada dos níveis atingidos pela
Irlanda (104.9%) e Espanha (98.2%)[7].
Todos os componentes que contribuem
para o valor global da posição do investimento internacional têm um saldo
negativo, com a óbvia excepção das reservas do Banco de Portugal que, no
entanto, atingem valores relativamente baixos em 2004/2008, para crescerem até
2012 e caindo desde então.
O saldo dos derivados é irrelevante
(embora os valores anuais de movimentos a débito e crédito sejam significativos) e constante
em todo o período enquanto o saldo líquido do investimento estrangeiro, revela
um ligeiro acréscimo daquele que se efetua em Portugal sobre o que é efetuado
por portugueses no exterior. Convém não esquecer que muito do que é considerado
investimento estrangeiro constitui, na realidade, um truque contabilístico que
visa a obtenção de ganhos fiscais; trata-se da mudança de sede dos grandes
grupos portugueses para a Holanda e o Luxemburgo, com a continuidade dos
negócios aqui. Por seu turno o investimento de carteira (títulos sob a forma de
acções, unidades de participação e obrigações, sem perspetivas de longo prazo,
de consolidação) recuperou, mais recentemente, do grande aumento registado em
2007/2009.
A posição global do investimento
internacional ou melhor, o seu saldo negativo, é determinada pelo “outro
investimento”, isto é, empréstimos que correspondem a cerca de ¾ do saldo
global. É a evolução deste vector que degrada a posição global de endividamento
face ao exterior; e isso deve-se a um aumento dos passivos (5.5 vezes em
1996/2013) muito superior aos ativos (2.7 vezes). Nesse contexto, não
consideraremos uma análise da composição dos ativos mas, apenas dos passivos,
das responsabilidades perante o exterior, para não avolumar uma exposição, já
longa e densa por natureza. Vejam-se pois esses passivos, a sua dinâmica global
e, seguidamente, a evolução registada na sua composição.
As responsabilidades para com credores
no exterior crescem de modo imparável até 2007 mantendo-se estáveis até 2009,
pelo efeito direto da crise que afetou o sistema financeiro global no rescaldo
dos subprimes, da falência do Lehman
Brothers e das roturas financeiras que obrigaram a várias intervenções e
nacionalizações, nos EUA e na Europa (Royal Bank of Scotland, Bank of Ireland,
Dexia e o conhecido BPN). Seguem-se mais três anos em que o endividamento
retoma o seu ritmo anterior, reduzindo-se nos últimos tempos, refletindo a
quebra da atividade económica. Neste campo, a relevância do euro antes ou
depois da sua efetiva adopção, resulta da credibilidade de uma moeda global a
subscrever por um país periférico como Portugal, da sua supervisão pelo BCE que
dá segurança aos credores e porque sendo as taxas de juro baixas, facilmente se
torna acessível o recurso ao crédito, junto dos bancos que recolhem o produto
dos excedentes comerciais externos.
Observemos as posições relativas dos
componentes estruturais dos passivos classificados como “outro investimento”:
Até 2007 é o tempo de festa dos
bancos. O dinheiro é fácil de obter no exterior, as taxas são baixas e como é o
“mercado” que zela (?) pela aplicação socialmente eficiente do crédito, a
responsabilidade do sistema bancário no endividamento externo passa de 64.8% em
1996 para 80.1% em 2007, com a gradual redução do peso dos outros sectores.
Nesse período, as “autoridades monetárias” (eurosistema ou, mais concretamente,
o BCE e o BdP) como financiadoras do sistema financeiro têm uma relevância
desigual que não ultrapassa os 7.4%. E por seu turno, o Estado apresenta um
baixo nível de endividamento externo, entre 3.5 e 5.3% do total, no período
1996/2010.
O BCE começou a intervir com
financiamentos de longo prazo aos bancos europeus, a partir de finais de
2007 e também a comprar títulos de
dívida no final de 2008, com o acentuar da crise.
Em 2008, o contágio internacional
provoca baixas nas cotações dos bancos portugueses causando aumentos nas taxas
de juro e prémios de risco mas, em contrapartida, os bancos beneficiaram do
aumento interno dos depósitos, resultantes, por sua vez, das atitudes
cautelares de pessoas e empresas, face à conturbada conjuntura; os bancos
procederam ainda a uma vultuosa redução de haveres bancários no correspondente
a 13% do PIB; e finalmente aumentaram a sua dívida para com o BCE em mais de €
12700 M.
O endividamento externo do Estado
mantém-se a um mesmo nível – € 8000/9000 M entre 2004 e 2010, contrariamente ao
que muitos elementos afetos ao governo, propagam aos quatro ventos com a
complacência de jornalistas ignorantes ou temerosos/coniventes face aos
mandarins; e portanto, corruptos. Em 2008, o Estado colocava facilmente dívida
junto de investidores externos, como viria a acontecer em 2009 enquanto, neste
último ano, os bancos portugueses compravam obrigações e outros títulos de
dívida de médio e longo prazo emitidos por outros Estados que não o português.
A partir de finais de 2009 os bancos
têm grandes dificuldades em se financiarem, sobretudo a médio e longo prazo,
por contágio da crise das dívidas soberanas e, depois de maio de 2010, é o BCE
que financia extensivamente os bancos portugueses os quais, por sua vez,
compram dívida portuguesa emitida por um Estado já então também com
dificuldades em colocar dívida no exterior. Isso constitui o conhecido maná
oferecido aos bancos pelo BCE que os financia a 1%, fundos esses, seguidamente
utilizados na compra de dívida pública a valores de mercado, com juros muito
superiores. Recorde-se que estatutariamente o BCE não pode financiar
diretamente os Estados, como acontece nos estados com moeda própria e como
produto da tara mercantilista de uma concepção emanada do próprio capital
financeiro que, assim fica com o monopólio do financiamento dos estados
tendencialmente deficitários.
Em 2010, a dívida pública total
aumenta uns € 19075 M face ao ano anterior mas, o endividamento externo do
Estado no âmbito do “outro investimento” até se reduziu em € 332 M, (tal como
se reduziu o passivo no contexto dos “investimentos em carteira”), sendo a
diferença absorvida, essencialmente, pelos bancos, que mesmo assim reduzem o
seu endividamento externo (menos € 11443 M).
Em maio e novembro de 2010,
respetivamente, acontecem os resgates da Irlanda e da Grécia e são criados o
FEEP (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira a ser substituído pelo MEE
(Mecanismo Europeu de Estabilidade) com a possibilidade de excepcional compra
direta de dívida dos estados intervencionados.
Os bancos portugueses, sem acesso
direto ao financiamento, fechadas as portas do BCE e repletos de títulos de
dívida irlandesa e grega (a que se juntaram os portugueses), todos tomados como
lixo pelas empresas de rating não
podiam emprestar ao Estado, nem se recapitalizar para o efeito.
Entretanto, na AR, a oposição, à
direita como à esquerda de Sócrates, uniu-se na reprovação do PEC IV (23 de
março) enquanto os banqueiros procuravam assegurar a salvaguarda dos seus
interesses no âmbito de um futuro resgate. Carlos Costa mostrou, pela primeira
vez, a sua pouca idoneidade como regulador ao afirmar numa reunião com os
banqueiros (4 de abril): “vocês não podem continuar a financiar (o Estado). O
risco é afundarem-se os bancos, a parte sã, e a República que é a parte que
criou o problema”[8]. Mais de
três anos depois, fácil se torna ver a saúde dos bancos… e as trapalhadas de
Costa em todo o processo do BES.
Segue-se o pedido do resgate (6 de
abril de 2011) e a demissão do governo. Os banqueiros, entretanto tinham
garantido a inclusão nos € 78000 M do empréstimo da troika, € 12000 M, para a sua recapitalização; era a República, a
austeridade, a perda de direitos e rendimentos da esmagadora maioria dos
portugueses que, afinal, iria salvar a tal “parte sã”, encurralada, sem
dinheiro próprio, nem acesso ao alheio que não com a mediação pública. Para que
haveria então de servir o Estado que não como capitalista coletivo, de último
recurso?
Lastimavelmente, é este capital
financeiro que, através da classe política, condiciona e inferniza as nossas
vidas. O neoliberalismo e o capital financeiro que tanto defendem o afastamento
do Estado das suas prestimosas atividades, nem hesitam em se financiarem
através do endividamento público. A utilização do aparelho de estado e da
classe política pelo capital financeiro é uma rotina; mas, esse expediente
viria a tornar-se objeto de repúdio, não só porque redundou na
responsabilização da população por uma dívida que é privada, como por toda a
avalanche de aumentos de impostos, de cortes no rendimento, nos direitos e nos
serviços públicos.
Esses evidentes motivos dotam essa
responsabilização de uma total ilegitimidade. Tendo em conta que toda a classe
política (à direita como da “esquerda”, se recusou, com argumentos diversos, em
colocar a questão da ilegitimidade de segmentos relevantes da dívida tomada
como pública, tem sido evitada qualquer discussão pública do assunto,
deixando-se a população à mercê dos políticos-comentadores que enformam o
adormecimento popular.
Até finais de julho último só cerca de
metade dos € 12000 M do empréstimo da troika
tinha sido utilizada pela banca (BCP, Banif, BPI e CGD) tendo os dois últimos
bancos procedido ao total reembolso. Até que o mesmo Carlos Costa e o governo
escondido no seu bolso acharam ser necessário voltar a colocar dinheiro público
numa outra “parte sã” do sistema financeiro, o BES[9]
Em 2011/13 sobe substancialmente o
passivo do Estado como resultado do recebimento do empréstimo da troika, enquanto os bancos reduziam
bastante os seus débitos externos (em 2013 era apenas 43% do volume registado
em 2007) como resultado do menor volume de crédito concedido e do aumento dos
depósitos, num evidente sistema de vasos comunicantes. Quanto aos apoios do BCE,
esses mantêm-se ao nível do ano anterior, pouco variando, posteriormente, até
hoje. De modo muito aproximado pode dizer-se que, em 2013, se estabeleceu uma
distribuição mais equilibrada entre os vários grupos de intervenientes, uma vez
que em 2007 os bancos respondiam por mais de 80% do endividamento externo
correspondente ao “outro investimento”, como se pode ver adiante:
2007
|
2013
|
|
Outras Instituições Financeiras Monetárias
|
80,1
|
29,7
|
Autoridades Monetárias
|
3,0
|
24,9
|
Administrações Públicas
|
4,8
|
33,5
|
Outros Sectores
|
12,1
|
11,9
|
Fonte
primária: Banco de Portugal
Todas estas mudanças verificadas nas
contas correntes com o exterior poderão ser imputáveis ao euro? Certamente que
nunca seria possível este grau de endividamento externo num país com uma fraca moeda
própria. Mas seria esta última o instrumento necessário e suficiente para
equilibrar a balança de transações correntes? Os desequilíbrios na estrutura
produtiva seriam menores em regime de autarcia monetária? A que preço seriam
obtidos os financiamentos externos? Quais os custos em termos de inflação? Que efeitos
teria a inflação e que desequilíbrios sociais e económicos teriam? Um sistema
bancário apenas ligado a um banco central indígena deixaria de ostentar
desvarios de contornos mafiosos?
A evolução recente da banca em
Portugal, bem como a que advirá da recomposição acionista do Novo Banco e de
uma provável privatização da CGD, é sintomática da debilidade do capitalismo de
raiz lusa. As nacionalizações de 1974/75 visaram obviar às debilidades do
sistema – especulação, vigarices, descapitalização – e conduziram à inclusão
das suas peças mais frágeis em estruturas melhor dimensionadas, com o
envolvimento de dinheiros públicos, colocadas na rampa de lançamento em direção
às privatizações dos anos 90. Despois das últimas, continuou a ser maioritária
a presença de capitais portugueses na banca, contudo em parcela bem inferior à
situação observada antes das nacionalizações de 1975. Gradualmente, o peso dos
capitais estrangeiros tem crescido e em breve será esmagador, sem nenhum banco
com capital maioritariamente português; uma situação que, aliás, já se verifica
na maioria das mais relevantes empresas portuguesas. Recordamos, anos atrás,
uma “carta dos 40” (empresários) que pareciam muito empenhados em manter os
centros de decisão em Portugal e que logo se esboroou quando Vaz Guedes vendeu
a Mague à espanhola Sacyr; a receita com o negócio superou os ímpetos
nacionalistas do magnata e nunca mais se ouviu falar da tal carta.
O atrás exposto é um sintoma esmagador
do caráter subalterno do capitalismo de origem portuguesa, da incapacidade dos
capitalistas portugueses para criarem redes de negócio centradas em Portugal e
evitarem a desestruturação que se observa na economia portuguesa, mero lugar
geométrico onde se cruzam fluxos incluídos em redes distintas e desconexas, de
caráter global. Neste contexto de uma neocolonização típica do século XXI,
falar de soberania nacional é uma irrealidade e uma impossibilidade, como
referimos recentemente[10].
Essa subalternidade gera problemas
graves. Um problema, é que se constituiu em Portugal, uma verdadeira orgia de
crédito, em torno da construção/imobiliário que exigiria um crescimento
contínuo do poder de compra dos portugueses ou, de uma forte evolução das
exportações, impossível dado o baixo nível do investimento produtivo, inserido
num modelo de desenvolvimento alicerçado em baixos salários. Outro problema, é
a facilidade com que os grupos financeiros portugueses constituem redes de
fluxos entre lugares físicos e contas em offshores, dado que lhes é permitida a
total promiscuidade entre os depósitos das pessoas – na realidade obrigadas a
ter conta bancária – e a atividade especulativa, instável e imprevisível, por
natureza. O novelo do grupo Espírito Santo que se vai desenrolando com muitos
pontos obscuros revela isso mesmo; para que aqueles circuitos funcionem é
preciso uma regulação meramente cosmética, que observa sem nada querer ver e a
captura corrupta da classe política que se mostra como corpo executivo dos
interesses do capital financeiro, elementos essenciais para a movimentação
especulativa e criminosa de capitais. Em suma, a economia e a vida de todos os
residentes em Portugal fica dependente da atuação de bandos de criminosos que,
manietando o sistema judiciário, perpetuam um sistema político e um modelo de
representação que não passam de uma mascarada pseudo-democrática.
Não
foi a facilidade de crédito obtida pela existência de uma moeda única que
provocou o desastre lusitano mas, a lógica criminosa do capital financeiro que,
montando, a seu contento, toda a política de capitais, de crédito, de obra
pública e de habitação, utilizou as facilidades de financiamento externo na
estruturação de gangs mafiosos, como o BPN, o BES ou o BPP, arrastando nessa
volúpia o empresariato luso tão cúpido, quanto ignorante. Toda essa trama
exigiu a domesticação da classe política, convenientemente paga, para ajudar ou
para olhar para o lado, enquanto as instituições comunitárias entoavam salmos
às virtudes do “mercado”.
10 -
Sair do euro?
O artº 50º do
Tratado de Lisboa prevê uma possibilidade de saída voluntária e unilateral da
UE através de notificação nesse sentido ao Conselho Europeu o qual indicará os
trâmites do acordo de saída e das modalidades desta, a aprovar pelo PE (ver nº3
do artº 218 TFUE[11]). Estabelece-se ainda um período de
transição, com duração máxima de dois anos (com possibilidade de prolongamento)
após a referida notificação. Qualquer desejo de reingresso será equiparado a um
processo de adesão. Prevê-se uma hipótese de saída mas não a de expulsão,
embora a correlação de forças económicas e políticas na UE permita sempre a
construção de uma forma jurídica e excepcional de saída “voluntária” para um
pequeno país.
A regra de equilíbrio
orçamental está definida no nº1, artº 3º do TECG[12] que, através de medidas automáticas, pretende tornar as finanças públicas neutras ou
excedentárias. Esta regra é a aplicação em força de lei da tese (neo)liberal
sobre um Estado “neutro” e, sobretudo, sem concorrer com as empresas no recurso
ao crédito. É a negação de toda a tradição keynesiana sobre o papel
incentivador do gasto público e do deficit, na economia, da utilização dos orçamentos
como instrumentos anti-cíclicos, factores de estabilização dos ritmos de
evolução das economias. Admite-se, como excepção, apenas um deficit de 0.5% do PIB
no âmbito de objetivos de médio prazo propostos pela Comissão no sentido da sua
eliminação.
Se a dívida for “significativamente”
inferior a 60% do PIB, o deficit pode chegar a 1% do PIB; e se for superior tem
de ser reduzida em 1/20 por ano, como referência (art.º 3º, al. d) nº 1 do TAEG).
No caso de Portugal, que tem uma dívida pública de uns 135% do PIB, teria de se
contemplar uma redução de 3.75% do PIB, durante 20 anos, para que isso possa
ser cumprido; isso significa uma amortização acima dos € 6000 M anuais, para
além dos juros que se colocam acima dos € 7000 M para os próximos anos, como
analisámos recentemente[13]. Impossível de cumprir, frisamos.
A situação portuguesa no contexto do normativo
comunitário está longe de ser excepção; o que é excepcional é a coincidência
entre tal volume da dívida pública e uma estrutura económica frágil e
subalterna. No conjunto da UE, em 2013, a dívida pública é de 88.2% do PIB,
(92.6% na zona euro), havendo 14 países que não cumprem as regras tão
recentemente estabelecidas, entre os quais se contam todos os países ocidentais
e do sul europeu, exceptuando o Luxemburgo.
Uma união monetária não é caso virgem;
resulta, no caso da zona euro, de uma cópia do modelo mais bem sucedido, a
Zollverein estabelecida entre vários estados alemães em 1875, com a criação do
Reichsbank e do Reichsmark, pela mão de Bismark e após muitos anos de guerras
pela unificação da Alemanha, em torno da Prússia, contra a Dinamarca, a
Austro-Hungria e a França. A moeda única foi, no caso da UE, uma estratégia
cautelosa e paciente formalizada com o sistema monetário europeu em 1979,
depois com o tratado da UE, em Maastricht, em 1992 até à instauração do euro,
como moeda de conta, em 1999 e como moeda corrente a partir de 2002.
A instituição do euro pretende-se que
funcione em mancha, com a progressiva extensão a todos os países da UE, embora
seja muito duvidoso que isso aconteça, sem qua haja algumas defeções, sobretudo
da Grã-Bretanha. De qualquer dos modos, tem sido um argumento útil para a
consolidação de desigualdades no seio da UE uma vez que representa bem o
impulso de estabelecimento de um Centro e de periferias.
Tudo ia correndo sem sobressaltos enquanto
os deficits externos iam sendo financiados pelos bancos distribuidores dos
excedentes de outros. Com o contágio da crise dos subprimes esse fluxo foi perturbado, as taxas de juro subiram,
muitos bancos ficaram em dificuldades, o crescimento económico e o investimento
desapareceram enquanto as receitas fiscais caiam e o desemprego aumentava. Como
o BCE está impedido de fornecer liquidez aos estados, estes viram-se obrigados
a recorrer ao “mercado” que por sua vez recorria ao BCE, com enormes lucros
resultantes dos diferenciais entre taxas de juro.
Enquanto a dívida pública crescia em vários
estados, mormente da periferia Sul (onde incluímos a Irlanda) a fatura dos
juros ia tornando insustentável o serviço de dívida. Num espaço geográfico que
se pretende uniformizado seria lógico que a defesa da estabilidade do euro e a
dívida fosse assegurada de modo coletivo, mutualizado, com equilíbrios baseados
na solidariedade, como acontece dentro de cada estado-nação com as dívidas
soberanas. A estabilidade do sistema, pelo contrário, fez-se com o onerar dos
países periféricos e endividados, no âmbito do TECG, acentuando as desigualdades
que fazem parte dos genes da UE.
Voltemos ao clausulado comunitário.
Dirigido aos países
ditos de “deficit excessivo” e para assegurar a sua efetiva e sustentável
correção, é criado um programa de parceria orçamental e económica que
especifica as reformas estruturais a adoptar e homologadas pelo Conselho e pela
Comissão Europeia que se encarregam de supervisionar o programa, tal como
acontece com os orçamentos anuais (artº 5º, nº1 do TAEG). No seguimento desse
programa, os países (artº 7º) “comprometem-se a apoiar as propostas ou
recomendações apresentadas pela Comissão Europeia quando esta considerar que um
Estado-Membro da União Europeia cuja moeda seja o euro viola o critério do
défice no quadro de um procedimento relativo a um défice excessivo”.
Esse acto de
submissão tem uma justificação expressa no artº 9º no qual “as Partes
Contratantes comprometem-se a atuar conjuntamente no sentido de uma política
económica que promova o bom funcionamento da união económica e monetária e o
crescimento económico, mediante o reforço da convergência e da
competitividade”. Isso constitui uma forma de enquadramento dos países pequenos
e médios, revela uma convergência que em tudo diverge das desigualdades que se
vão afirmando na realidade e, claro, aponta para a competitividade como o
princípio ativo que tudo faz andar, numa lógica idiota de crescimento infinito,
de rebaixamentos salariais e redução do poder de compra que constituem, na
prática, a negação do crescimento da produção e do emprego. No entanto, é isso que
consta na parte final do mesmo artigo “…adotam as ações e medidas necessárias
em todos os domínios cruciais para o bom funcionamento da área do euro,
prosseguindo os objetivos de promover a competitividade, incentivar o emprego,
contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas e reforçar a
estabilidade financeira.”
O artº 10º insiste
para que ninguém se esqueça do recado; “…as Partes Contratantes estão
disponíveis para recorrer mais ativamente, sempre que adequado e necessário…
nas matérias essenciais para o bom funcionamento da área do euro, sem
prejudicar o mercado interno.” E foi isso que aconteceu a partir de 2008
quando, para garantir o “bom” funcionamento dos mercados financeiros, afetados
pelas dificuldades dos bancos, os Estados assumiram o preço dessas
dificuldades, endividaram-se, enveredaram pela austeridade, cortes e
privatizações, naturalmente reduzindo o mercado interno. Passados seis anos do
início do processo, está sempre iminente uma falência bancária, um contágio
galopante; a economia europeia não cresce, o desemprego é enorme, os deficits e
as dívidas públicas elevadas são banais; o BCE e a UE têm sempre em anúncio
medidas para aprimorar a supervisão bancária na Europa, não sendo possível
esquecer a inserção dos bancos no sistema financeiro global, as suas relações
com os capitais mafiosos, excelentes fornecedores de liquidez, ou os offshores,
tudo isso sem qualquer regulação efetiva. Tudo isso, por sua vez, em íntima
interação com o mundo da economia real, do mundo do trabalho, com as nossas
vidas esmagadas por impostos e incerteza, emanadas de aparelhos estatais e
classes políticas.
Não há no ordenamento
jurídico da UE nada que expresse uma saída do euro. E, certamente, nenhum
governo em Portugal o iria fazer mesmo com Jerónimo de Sousa como
primeiro-ministro.
Podemos especular que
num cenário de grande turbulência na área financeira da zona euro, com o
afundamento de um pequeno país como Portugal, possa ser conveniente para
acalmar o deus “mercado”, apresentar um culpado. E, num contexto desses,
facilmente os poderes reais no seio da UE encontrariam uma fórmula legal, por
interpretação criativa da legislação existente ou através de um novo instrumento,
para designar esse culpado. Adiantamos mesmo que a haver um sacrificado para
salvar a honra da agremiação, Portugal teria mais hipótese de ser o feliz
contemplado em detrimento da Grécia, pois a Ibéria é uma área pacífica do ponto
de vista geopolítico e os Balcãs não; e por outro lado, Portugal é encarado
como um desdobramento da Espanha e a Grécia não tem um enquadramento regional semelhante,
para além de aspetos de ordem interna, como a maior combatividade do seu povo.
(continua)
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
Juízes, Advogados e Jornalistas - MAUS, devem ser condenados? Sim ou não?
ResponderEliminarEsta "Santíssima Trindade da Justiça", deve ser julgada e condenada, no quadro de uma investigação profissional e independente, a serio e não hipócrita. Proponho-me a relatar o que acontece em Portugal e no Brasil, com Casos Reais e Verídicos, e que se encontram em Tribunais, a Inércia Profissional, ética e Moral destes três, no âmbito do Processo que envolve a Fundação Geolíngua e o projeto ENDOECONOMIA. Sugiro que se realize uma Grande Reportagem, com base nos arquivos destes órgãos - RTP, SIC, TVI, Visão, Público, DN, Correio da Manhã e, com destaque a Agência Lusa, entre outros, e que já possuem um Dossiê, completo do Processo citado a anos e anos, e, CALAM-SE! Creio que, a solução só pode surgir a partir da solidariedade do Povo Português e da Ibéria, num quadro de prioridade para a satisfação das necessidades colectivas. - Estou a disposição para colaborar e denunciar a "Santíssima Trindade da Justiça" na sua versão - Má e Hipócrita! - Roberto Moreno - geo@geolingua.org
Acho que isto só lá vai com alguma forma de golpe de Estado(claro que não estamos em 1974 ou em 1928 onde a realidade era outra)como sempre aconteceu neste país em situações limite(não advogo voltar atrás ou criar novos fascismos).Quanto a solidariedades ibéricas ou outras não devemos esperar nada pois nem já dentro dos países os povos se entendem(e esse foi o grande golpe dos globalistas ao conseguirem minar a coesão e a identidade cultural dos povos sob a capa dos chamados "direitos e liberdades")quanto mais entre países.Preferia estar enganado.
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