quarta-feira, 25 de junho de 2014

O ‘projeto’ UE e a democracia de plástico


Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu demonstram apenas um exercício de legitimação do poder do capital financeiro e da austeridade.
                                                                              
Sumário

1 - A UE, versão para adultos
2 - A romaria europeia de maio
3 – Avaliação histórica das romarias em terras lusitanas
3.1 – Avaliação global
          3.2 – Distribuição pelas cadeiras de Estrasburgo
           3.3 – As votações partidárias
4 – À guisa de conclusão


++++++++++ !! ++++++++++


1 - A UE, versão para adultos

Não é uma união mas uma prisão. Não é europeia mas do capital financeiro global. Uma burla desastrosa e genocida.

Entende-se como evidente a existência de grandes desigualdades na UE, à qual impropriamente se designa por Europa, como se os outros estados tivessem perdido a sua localização geográfica, por estarem fora da UE. E, como vamos assistindo, parece que a Ucrânia, sendo geograficamente Europa não o será ainda totalmente enquanto não tiver a sua estrela plantada na bandeira azul. Essa abusiva designação disfarça mal o pendor hegemónico do grande capital, desejoso de dominar a bacia mediterrânica e as margens do mar Negro.

Na UE podem desenhar-se, um centro de poder polarizado num triângulo que tem vértices em Londres, Berlim e Milão e duas periferias, uma a Leste e outra a Sul onde, por comodidade, incluímos a Irlanda. As periferias correspondem a áreas de produção de bens e serviços que nada têm de relação com as necessidades dos seus povos mas antes, com a segmentação da produção orientada a partir do Centro, de acordo com os interesses do capital financeiro e das multinacionais. Neste contexto, as economias periféricas vão perdendo o que ainda tiverem de articulação interna entre as suas atividades económicas para se tornarem objeto da “especialização” ditada pelo mercado, isto é, pelo poder sediado no Centro. É ainda neste contexto que Portugal, por exemplo, se vem desindustrializando e orientando para o mercado turístico, como produtor de têxteis e calçado ou como terreno para a profusão do eucalipto, enquanto a Alemanha se vocaciona para a produção de material de transporte (automóveis, locomotivas, material de guerra, produtos químicos).

Esta segmentação promove uma grande desigualdade na geração de rendimentos, deficits comerciais nas periferias e superavits no Centro, onde se acumulam capitais ávidos de uma colocação rentável. E daí o fornecimento pelos bancos do Centro, de crédito aos bancos das periferias, para estes se encarregarem de encontrar formas de colocação no financiamento de empresas e famílias, que paguem os juros aos financiadores do Centro e ofereçam ainda margens de lucro para os bancos das periferias. A integração numa mesma área económica, financeira e monetária (como para os países onde vigora o euro) facilita esses fluxos: de empréstimos do Centro para as periferias, reembolsos e juros das periferias para o Centro. Como a aplicação desses capitais nas periferias terá de ter, forçosamente, em conta a divisão de trabalho no seio da UE, aquele financiamento vai privilegiar sectores virados para o consumo interno, para desenvolver bolhas imobiliárias ou de obras públicas de utilidade duvidosa. Os Estados nacionais, como departamentos do capital financeiro, dominados por classes políticas mafiosas, entram nesta dança, endividam-se e quando a ressaca chega, está aberto o caminho para um longo calvário de austeridade.


As desigualdades daí resultantes geram dependências e subalternidades, grandes diferenças salariais e na qualidade de vida, longe das promessas que pareciam concretizáveis, sobretudo a partir das entradas massivas de fundos comunitários, de uma homogeneidade de bem-estar para todos os povos comunitários e que se demonstra ter sido publicidade enganosa para os povos das periferias, como também para muitos milhões de trabalhadores dos países do Centro.
  
2 - A romaria europeia de maio

As recentes eleições para o Parlamento Europeu (PE) evidenciam várias sensibilidades perante o fracasso (para os povos) do projeto da UE. Por um lado, não é demonstrável que o PE tenha grande impacto na vida das pessoas; por outro, é claramente perceptível que o PE é dominado por um cartel de partidos de direita (PPE – Partido Popular Europeu e S&D – Socialistas e Democratas) que engloba, naturalmente em posição subalterna e de obediência, os nossos bem conhecidos institutos de tráfico de influências que as pessoas bem-educadas aqui designam por “arco da governação”; para cúmulo, assistiremos à nomeação do novo presidente da Comissão Europeia que será objeto de uma validação obediente pelo PE, uma vez colocada fora de causa qualquer eleição direta pela população da UE, que não para a palhaçada do PE. Como acontece com os parlamentos nacionais, o PE é uma encenação, um género de teatro de marionetas, um biombo de negócios escusos; e por isso defendemos a não votação ou a utilização de votos em branco ou anulados, como forma de protesto e recusa da legitimação do statu quo[1].

Um número crescente de pessoas na UE mostra desafeição face às fórmulas antidemocráticas que caraterizam as instituições comunitárias e essa desafeição tende a crescer onde maior é a degradação de condições materiais de vida; e daí, resultaram aumentos no abstencionismo, nos nacionalismos ou novos projetos que geraram esperança nas pessoas – Grécia, Espanha.

Vamos tomar como indicador as taxas de participação eleitoral (que incluem escolhas partidárias como também votos nulos e brancos) de onde se consegue, por exclusão, obter a dimensão da abstenção; não são consideradas na informação da UE sobre as eleições, o volume dos votos nulos ou em branco. Estes últimos, por exemplo, na Bélgica e em Espanha correspondem, respetivamente a 6.1% e 4% dos votos expressos; isto é, o volume das pessoas com uma bem expressa rejeição do sistema é ocultada, as suas opções são escondidas na cave.

A participação eleitoral, para o conjunto da UE tem vindo a reduzir-se desde o início (1979), estabilizando este ano, face à eleição anterior, em 2009. Isso revela, o gradual descrédito que a UE tem ganho junto dos povos e o aumento da consciência de que o PE é um brinquedo e, demasiado caro.

1979
1984
1989
1994
1999
2004
2009
2014
62,0
59,0
58,4
56,7
49,5
45,5
43,0
43,1

Na periferia Sul, em nove países, a participação eleitoral em 2014 só cresceu em três. Na Grécia, a situação catastrófica do país e o desmoronamento da votação na direita tradicional, conduziu a uma maior esperança numa mudança, em torno do Syriza[2]; convém recordar que na Grécia, como em Chipre, está instituído o voto obrigatório. Em Espanha, a participação teve um ligeiro aumento, para o qual terá contribuído o apoio catalão aos partidos independentistas e ao surgimento do Podemos. O terceiro caso de aumento registou-se na recente aderente Croácia que, contudo, não ultrapassou os 25.1% de participação eleitoral.

                                                              Participação eleitoral - Sul 

2009
2014
Var. %
Chipre
59,4
44,0
-15,4
Croácia*
          20,8
25,1
4,2
Eslovénia
28,3
21,0
-7,4
Espanha
44,9
45,9
1,0
Grécia
52,6
58,2
5,6
Irlanda
58,6
51,6
-7,0
Itália
65,1
60,0
-5,1
Malta
78,8
74,8
-4,0
Portugal
36,8
34,5
-2,3
Total UE
43,0
43,1
0,1
                                                             * 2013 e 2014             Fonte: UE

Inversamente, sublinha-se a grande queda da participação eleitoral em Chipre na Irlanda, na Eslovénia e na Itália, países submetidos a programas de austeridade induzidos dos desmandos dos banqueiros. Em Portugal, no contexto da periferia sul e apesar do desastre económico e social, a queda da participação eleitoral é pequena, a que não estará estranho a anomia coletiva, ou o impacto dos populismos em torno de um candidato mediático ou da defesa da saída do euro e da UE.

Na periferia Leste a participação é mais baixa do que no Sul, sublinhando-se os casos da Eslováquia e da República Checa que demonstram, de modo particularmente claro, a ausência de representatividade dos “seus” deputados europeus. A subida da participação apenas se observa na Lituânia e na Roménia, com variações muito distintas.

                                                           Participação eleitoral - Leste

2009
2014
Var. %
Bulgária
39,0
35,5
-3,5
Eslováquia
19,6
13,0
-6,6
Estónia
43,9
36,4
-7,5
Hungria
36,3
28,9
-7,4
Letónia
53,7
30,0
-23,7
Lituânia
21,0
44,9
23,9
Polónia
24,5
22,7
-1,8
Rep Checa
28,2
19,5
-8,7
Romenia
27,7
32,2
4,5
Total UE
43,0
43,1
0,1
                                                                          Fonte: UE

Todos os outros países mostraram um crescente desinteresse pelas eleições para o PE, nomeadamente a Letónia, vítima de um esmagador programa de empobrecimento subcontratado pela UE ao FMI, já que o país não pertencendo à zona euro, não poderia colher os ‘benefícios’ da atuação do BCE.

Nos países dominantes do conjunto comunitário a situação evidencia um quadro de maior participação do que nas periferias, porque nenhum é vítima de planos acelerados de empobrecimento generalizado e porque são os menos prejudicados com as desigualdades induzidas no conjunto da UE, pelo desenvolvimento capitalista.

As variações negativas na Bélgica e no Luxemburgo devem ser vistas tendo em consideração a existência de voto obrigatório, que gera elevada participação. Note-se que a existência de obrigatoriedade no voto conduz na Bélgica a um relativamente elevado valor de votos brancos e nulos (6.1% em 2014 contra 6.3% em 2009). Na Áustria e na Finlândia as variações, sendo negativas, são também negligenciáveis.

                                                            Participação eleitoral - Centro

2009
2014
Var.
Alemanha
43,3
47,9
4,6
Austria
46,0
45,7
-0,3
Bélgica
90,4
90,0
-0,4
Dinamarca
59,5
56,4
-3,1
Finlândia
40,3
40,0
-0,3
França
40,6
43,5
2,9
GB
34,7
36,0
1,3
Holanda
36,8
37,0
0,3
Luxemburgo
90,8
90,0
-0,8
Suécia
45,5
48,8
3,3
Total UE
43,0
43,1
0,1
                                                                                                         Fonte: UE

A Alemanha apresenta a maior taxa de crescimento da participação eleitoral, o que poderá resultar da não aplicação (a partir destas eleições europeias) da regra dos 5% como limiar mínimo para um partido poder eleger um deputado europeu. O fim dessa regra antidemocrática, ao aumentar as possibilidades de eleição para candidatos de pequenos partidos, terá conduzido a essa maior participação eleitoral.

Ainda que não definitiva, a arrumação dos novos deputados pelos grupos parlamentares revelou um género de vaga sísmica em alguidar. A observação da distribuição dos deputados europeus revela uma razoável continuidade em torno dos partidos nacionais, dos siameses inscritos no PPE ou no S&D, pontualmente reforçados pelos liberais (grupo ALDE) que se pretendem menos conservadores que o PPE mas, também menos “avançados” que os inscritos no S&D. O ALDE constitui, na realidade, um espaço ideológico tão vasto como o que separa duas camadas de cebola; e daí terem passado no PE a 64 lugares, contra os 83 de cinco anos atrás, com um forte contributo dos liberais alemães para essa descida.

As variações do número de deputados no PE, entre 2009 e 2014, revelam a santa aliança entre o PPE e o S&D, com maiorias constituídas, em alguns casos, com a inclusão de outros partidos, mormente da confederação ALDE.


2009
2014
PPE
S&D
% total
PPE
S&D
% total
Alemanha
42
23
65,7
34
27
63,5
Austria
6
5
57,9
5
5
55,6
Bélgica
4
5
42,9
4
4
38,1
Bulgária
7
4
61,1
6
4
58,8
Chipre
2
2
66,7
2
2
66,7
Croácia
5
5
83,3
5
3
72,7
Dinamarca
1
5
46,2
1
3
30,8
Eslováquia
6
5
84,6
6
4
76,9
Eslovénia
4
2
75,0
5
1
75,0
Espanha
25
23
88,9
17
14
57,4
Estónia
1
1
33,3
1
1
33,3
Finlândia
4
2
46,2
3
2
38,5
França
30
14
59,5
20
13
44,6
Grã-Bretanha *
27
13
54,8
20
20
54,8
Grécia**
7
8
68,2
5
4
42,9
Holanda
5
3
30,8
5
3
30,8
Hungria
14
4
81,8
12
4
76,2
Irlanda
4
2
50,0
4

36,4
Itália
34
23
78,1
17
31
65,8
Letónia
4
1
55,6
4
1
62,5
Lituânia
4
3
58,3
2
2
36,4
Luxemburgo
3
1
66,7
3
1
66,7
Malta
2
4
100,0
3
3
100,0
Polónia
28
7
68,6
23
5
54,9
Portugal
10
7
77,3
7
8
71,4
Rep Checa***
2
7
40,9
7
4
52,4
Roménia
14
11
75,8
9
16
78,1
Suécia
5
6
55,0
4
6
50,0
Total
300
196
64,8
234
191
56,6

Neste panorama, a coligação efetiva entre PPE e S&D manteve-se em 2014, apesar da perda de deputados registada. Nos casos marcados a azul as maiorias entre os deputados nacionais só se conseguem com o apoio dos partidos pertencentes ao ALDE. Em 2014 surgiram mais três situações desse género na Irlanda, na Lituânia e em França; aqui, devido ao surgimento em força da xenófoba Le Pen que retirou muitos deputados à direita tradicional. Em contrapartida, na República Checa o binómio PPE/S&D conseguiu alcançar a maioria, contrariamente a 2009, quando o partido maioritário estava integrado no CRE - Conservadores e Reformistas Europeus.

Registem-se, contudo, alguns casos especiais. No caso da Grã-Bretanha, os conservadores não pertencem ao PPE mas, ao CRE mais distanciado face ao projeto europeu que os membros do PPE, que se pretendem os dirigentes máximos do chamado projeto europeu. No quadro acima, a equiparação do CRE ao PPE para efeito da constituição de maiorias não tem repercussões na última linha.

Salientam-se duas situações inovadoras. Uma, em Espanha, com o surgimento do Podemos, entre outros grupos mais pequenos de caráter autonómico e/autogestionários e de esquerda, que produziram uma queda enorme na maioria PP/PSOE, sem contudo a suplantarem. O caso mais revelador de uma possível e próxima mudança política, observa-se na Grécia; em 2009, a Nova Democracia e o Pasok tinham uma vasta maioria na representação grega no PE e que se transformou em minoria este ano (marcada no quadro a amarelo sublinhado). A grande transformação do xadrez partidário grego tornou a esquerda detentora do maior número de deputados, com realce para o Syriza; porém, para acentuar as clivagens existentes há a registar a presença de três representantes dos nazis da Aurora Dourada. A profundíssima crise económica e social tende a esfarelar os partidos tradicionais no poder reforçando duas esquerdas, uma europeísta e outra nacionalista mas, também a referida Aurora Dourada, não apenas nacionalista mas também xenófoba, merecendo o epíteto de nazi.

A acrescida presença de fascistas e fascistóides não altera a correlação de forças no PE mas, serve para apontar aos protagonistas da abstenção, do voto nulo ou em branco todas as acusações, idiotas na sua maioria; e de até os etiquetarem como potenciadores da ameaça fascista, libertando as direitas europeias e os seus banqueiros das culpas por todos os desastres que configuram o tal ‘projeto europeu’.

A ideia é a utilização do perigo fascista – que, contudo é real – para que os praticantes da abstenção, do voto nulo ou em branco, sejam olhados depreciativamente pelos seus concidadãos como despossuídos do proclamado espírito cívico que encobre um antiquado dever patriótico. No âmbito deste último, qualquer desempregado sentir-se-á orgulhoso perante a revelação dos enormes lucros do compatriota Belmiro ou com o chorudo salário do Mexia, desprezando um madrileno despejado da sua casa só porque está para além do Caia e embora vítima da mesma política neoliberal que irmana as mafias governamentais ibéricas. Há demasiada gente interessada em esconder o internacionalismo no sótão para manter as pessoas comuns isoladas e divididas em função da entidade emitente do seu cartão de identidade. 

Nenhum sistema político aprecia o desafeto da população, seja um sistema de democracia de mercado ou de ditadura levantando-se vozes que apelam ao voto obrigatório, para salvar as aparências. E daí que os seus agentes explícitos ou implícitos se empenhem na quase criminalização dos protagonistas da abstenção, do voto nulo ou em branco para aumentar o número de votos em partidos do sistema que assim, resultará legitimado e perpetuado.

Essa tentativa de criminalização torna-se mesmo ofensiva quando é evidente serem os partidos tradicionais do poder que mais têm criado as condições para o ressurgimento das taras nacionalistas, fascistas e xenófobas.


3 - Avaliação histórica das romarias em terras lusitanas

3.1 – Avaliação global

No plano europeu, a situação em Portugal apresenta um conservadorismo entediante e revelador da incapacidade do estagnado sistema político em apresentar qualquer solução favorável à multidão; tal como revela o fracasso da esquerda institucional na captação do descontentamento, em contrapartida do seu sucesso no papel de manipulação/destruição dos movimentos sociais, obviando ou retardando a construção de algo que remotamente se possa associar a um embrião visível de contestação.

A coligação no poder, ao perder agora três dos seus dez deputados europeus assiste a um resultado medíocre do seu rival PS, também parceiro na aplicação do memorando empobrecedor da troika, que só acrescentou um deputado ao elenco anterior. O maior vencedor foi um populista – Marinho Pinto – que, como criação televisiva[3], se apresentou com um discurso contra a corrupção e o estagnante pentapartido, captando audiência conservadora que assim, se não deslocou para o PS, no âmbito do tradicional pêndulo eleitoral entre o PS e o PSD. No âmbito da esquerda do sistema o facto mais marcante é a enorme queda do BE (mais uma) e algum apoio ao discurso nacionalista do PC que lhe permitiu recuperar um terceiro deputado no PE, perdido em 1999.

Em 27 anos de europeias a movimentação eleitoral em geral tem uma evolução que evidencia o desinteresse popular e a redução da capacidade dos partidos concorrentes em captar votos. Na realidade as eleições europeias constituem um motivo para o elenco partidário se digladiar sobre questões da governação interna, com a quase ausência da abordagem dos aspetos relativos ao cenário europeu. No que se refere ao desinteresse com a votação nas europeias, a situação surge mais ampliada do que a observada nas eleições autárquicas[4] ou legislativas, como temos observado.

Sob a designação de não integrados considera-se a abstenção, votos não expressos e os brancos e nulos, expressos e tomados como não válidos por não indicarem unívoca preferência entre os concorrentes. Entre estes últimos, expressos e reveladores ostensivos de desafeição face à oferta partidária ou mesmo quanto ao sistema de representação, têm havido escassa expressão nas eleições europeias em Portugal mas, com uma tendência crescente, nos últimos anos. Nas últimas eleições europeias, a soma dos votos brancos com os nulos situa-se em 2.5% dos inscritos, um pouco mais do que o nível atingido por Marinho Pinto.

Em termos concretos, as variações entre a primeira eleição de deputados europeus em 1987 e a mais recente, no passado dia 25 de maio, apresenta o seguinte perfil, que revela, de modo claro, que os protagonistas e açambarcadores do sistema político vão atraindo cada vez menos pessoas. E se existissem estatísticas para o voto útil, o desajustamento entre a multidão e a oferta partidária seria bastante maior.                                                            


                                                                                             Variação 1987-2014
Inscritos
1913164
Votantes
-2356316
Abstenções
4269480
Brancos
76456
Nulos
26261
Votos não dirigidos
4372197
Votos em partidos
-2459033

A variação entre inscritos e votantes entre 2009 e 2014 por distritos está estampada no gráfico seguinte e revela que a um decréscimo global dos inscritos de 0.4% corresponde uma redução de 7.8% dos votantes. Se, por um lado, existem seis distritos eleitorais onde o volume de inscritos aumentou, no que se refere aos votantes observa-se uma quebra generalizada.

No que se refere aos votantes, o quadro abaixo apresenta o valor concreto dos distritos eleitorais com os indicadores mais extremados de variação.

Menores reduções
Maiores reduções
Setúbal
-3,6%
Vila Real
-16,9%
Lisboa
-4,4%
Madeira
-16,4%
Porto
-5,7%
Castelo Branco
-13,8%

Uma comparação da evolução (2009/2014) entre os votos dirigidos a partidos e os não integrados (abstenções, votos nulos ou brancos) revela um crescimento de 4.1% dos últimos e uma redução de 8.6% dos votantes em partidos.


Em todos os distritos eleitorais há uma redução dos votos em partidos, com particular relevo para Trás-os-Montes e os distritos fronteiriços da Beira.

Menores reduções
Maiores reduções
Setúbal
-3,3%
Madeira
-19,5%
Lisboa
-4,7%
Vila Real
-18,5%
Porto
-6,6%
Bragança
-15,2%

Por seu turno, na maioria dos distritos há um aumento dos não integrados e, isso não acontece, nos distritos alentejanos e nos do interior centro ou norte, onde se registou também um decréscimo dos eleitores inscritos, reflexo da sua desertificação humana. Inversamente, há distritos com pequena redução de eleitores e elevado ou médio aumento dos não integrados (Madeira e Leiria) e outros com aumentos mais modestos (Coimbra, Santarém, Viana do Castelo e Viseu).
Maiores reduções
Maiores aumentos
Bragança
-6,0%
Madeira
10.5%
Vila Real
-6,0%
Faro
10,2%
Beja
-5,7%
Braga
8,4%

A votação para o PE dirigida a partidos iniciou-se em 1987 com valores relativamente aceitáveis de participação (70.6%), como resultado da integração recente na UE, das esperanças (ilusões) existentes face ao projeto e ainda, por efeito do sufoco mediático e partidário durante todo o período anterior à absorção portuguesa pela então CEE. Rapidamente, passados sete anos, o volume de votantes em partidos decresceu para os valores absolutos mínimos até hoje, ligeiramente mais baixos do que os registados no dia 25 de maio. Em termos percentuais, a votação partidária mantém-se pouco acima de 1/3 do total dos eleitores no período 1994/2009, caindo para 31.3% este ano.

                                Nota     BE - BE, UDP, PSR, Pol XXI, PC(R)
                                            PCP/CDU - PCP, MDP/CDE
                                           Outros Esquerda – PCTP/MRPP, POUS, FER, MAS, PAN, Livre
                                           Outros Direita – PND, PPM, MPT, PSN, MEP, MMS, PRD, PTP, PNR, PDA, PPV

Pode proceder-se a um exercício de avaliação das transferências de voto nas últimas eleições, de modo agregado. Uma primeira observação é que globalmente, os partidos da direita ou da esquerda do sistema político perderam votos para a abstenção e para os votos brancos ou nulos.

Dá-se como adquirido de que não foram diretamente os assuntos de política europeia os grandes definidores do voto em 25 de maio. Mas, todos se aperceberam que o governo funcionou como o braço obediente das instruções do capital financeiro global veiculadas pela troika, para mais com uma descarada criatividade no sentido de favorecer os interesses do capitalismo luso. E daí que a atuação do governo terá sido o principal decisor do sentido do voto; por isso se poderá dizer que em 25 de maio houve um exame (infelizmente não eliminatório) ao governo.

Admitindo que não há grande comunicabilidade entre as duas áreas políticas, é evidente que os modestos ganhos do PS e, sobretudo de Marinho Pinto, beneficiam da debandada no apoio à coligação no poder, conduzindo indiretamente, para os incómodos de Seguro; mas, em conjunto, não tiveram argumentos para atrair uma grande fatia dos descontentes com o dueto Passos/Portas, que terão preferido não dirigir os seus votos a partidos, particularmente com falta de comparência registada nos solares das urnas.


2009
2014
variação
Esquerda
809.960
764.734
-45.226
PCP
379.707
416.425
36.718
BE
382.011
149.615
-232.396
Out. Esquerda
48.242
198.694
150.452




Direita
2.498.487
2.273.168
-225.319
PS
946.475
1.033.088
86.613
PSD/CDS
1.427.300
909.855
-517.445
Out. Direita
124.712
330.225
205.513

No lado esquerdo do espetro parlamentar a aritmética não é muito distinta. Há um perdedor claro, provavelmente incapaz de conter o interesse de muitos pelo Livre, pelo PAN e marginalmente pelo MAS ou o MRPP/PCTP, estes dois últimos seguidores do PC na onda nacionalista, pela saída do euro e da UE. E, o PC teve um aumento eleitoral de uns 10% suficientes para conseguir um terceiro deputado em Estrasburgo.

3.2 – Distribuição pelas cadeiras de Estrasburgo

À distribuição dos deputados em Estrasburgo são-lhe devidas algumas observações;


1987
1989
1994
1999
2004
2009
2014
PS
6
8
10
12
12
7
8
PSD/CDS
14
12
12
11
9
10
7
   PSD
10
9
9
9
7
8
6
   CDS
4
3
3
2
2
2
1
MPT






2
PRD
1






PCP
3
4
3
2
2
2
3
BE




1
3*
1
Total
24
24
25
25
24
22
21
                                 * inclui-se aqui o Rui Tavares que, zangado com a direção do partido por
      onde foi eleito, não soube apresentar a ética suficiente para abandonar
      o lugar, em vez de saltar para outro grupo parlamentar, para garantir a
      boa vida de Estrasburgo

O PS regressou como partido mais votado, ainda que somente tenha conseguido mais um lugar mas, beneficiando das fortes perdas do PSD/CDS.

O conjunto PSD/CDS, ou com os seus membros em desunião de facto, teve sempre a maioria durante o cavaquismo, só recuperando esse predomínio em 2009, em consequência do desgaste de Sócrates no governo do país. O PSD, em 2014, tal como o CDS apresentam o menor número de deputados de sempre, muito longe dos tempos áureos de 1987.

Quanto ao fenómeno televisivo MPT (leia-se Marinho Pinto team) goraram-se as nossas expectativas de ver as suas propostas criativas no grupo parlamentar europeu dos Verdes, sobre o aquecimento global, os efeitos de Fukushima, os transgénicos, etc. Acaba de se encostar à direita, ao grupo dos liberais, o ALDE, onde já militou o glorioso PSD[5]. Não ficarão por aqui as cambalhotas do advogado.

O PC voltou este ano a ter um terceiro deputado em Estrasburgo, o que não acontecia há vinte anos, enquanto o BE confirmou nestas eleições os efeitos das suas opções estratégicas, já observados nas eleições autárquicas e nas legislativas de 2011 - centragem na atividade parlamentar, incipiente trabalho a nível local, atitude ziguezagueante face ao PS, apoio ao candidato presidencial de Sócrates (Alegre), incapacidade de compreender as potencialidades dos movimentos sociais, adotando atitudes desastradas de controlo ou, de se demarcar do PC, entre outras.

Iniciar-se-á assim, mais um período de cinco anos em que pouco se ouvirá falar dos deputados lusos em Estrasburgo, das suas discussões e, menos ainda dos efeitos positivos das suas decisões; para mais que, sendo poucos e integrados em grupos parlamentares europeus numerosos (quando não mafiosos) não lhes será dada a oportunidade para grande brilho mediático. Têm também contra si, o facto de os media, sabendo do caráter cosmético do PE, pouco acompanharem o que se discute em Estrasburgo, centrando-se mais na disneylândia de S. Bento, até porque nesta o teatro também é a forma dominante de expressão artística.

3.3 – As votações partidárias

Votação no PS

O PS aumentou a sua votação em todos os distritos eleitorais com uma média nacional de 9.2%, representando esse crescimento apenas 86,8 mil votantes para o total do país, servindo de argumento para a contestação a Seguro, em torno do promotor de eventos publicitários, António Costa.

De facto, o PS, a despeito da vitória eleitoral sobre um adversário enfraquecido, obteve a sua segunda pior marca quanto ao número de eleitores e quanto à efetiva representatividade democrática que se cifra apenas em pouco mais de um décimo dos inscritos.

PS

votos
% dirigidos
% inscritos
1987
1.267.672
23,1
16,3
1989
1.184.380
29,4
14,6
1994
1.061.560
36,0
12,4
1999
1.498.820
44,8
17,4
2004
1.517.282
46,6
17,3
2009
946.475
28,5
9,8
2014
1.033.088
34,0
10,9

As razões para a contestação interna na agremiação não aconteceram há cinco anos, no tempo de Sócrates. Este, detinha um efetivo poder sobre a seita e esta, por outro lado, como tinha um acesso privilegiado ao pote, poucas razões tinha para se manifestar. Agora a situação é outra, Seguro é uma pileca política que serviu para o interregno e na perspetiva de regresso ao controlo do pote, os barões agitam-se e querem um dos seus no trono.

Em termos regionais, as maiores subidas verificam-se particularmente nos distritos onde o eleitorado decresceu, na sua maioria colocados no interior. Há, porém, casos de aumento significativo da votação no PS em distritos com crescimento de eleitores inscritos (Açores, Faro e Setúbal).


Menores aumentos
Maiores aumentos
Porto
4,3%
Madeira
28,3%
Lisboa
4,3%
Bragança
21.8%
V. do Castelo
4,9%
Évora
16,1%

A representatividade do PS na população contudo, não apresenta grandes disparidades face aos 10.9% do total dos inscritos, como se poderá observar:

Menor representatividade
Maior representatividade
Madeira
7,6%
Portalegre
13,9%
Leiria
8,0%
Cast. Branco
13,9%
Açores
8,2%
Beja
12,6%

Votação no PSD/CDS

A coligação PSD/CDS constitui um agregado curioso. O primeiro comparsa precisa do segundo para ter alguma hipótese de ganhar eleições e o segundo precisa do PSD para existir. Cada vez mais parecem um único partido, dadas as vezes em que aparecem juntos e a escassa diferença programática entre ambos.

Os resultados eleitorais recentes demonstram perdas enormes na votação do dueto PSD/CDS face a 2009 e menos de 1/3 dos votantes nas primeiras eleições europeias, no auge do cavaquismo. Porém, esta enorme derrota, embora não tendo repercussões favoráveis à multidão das vítimas do governo, ficou na sombra dos resultados medíocres obtidos pelo PS, pela sua guerra intestina e, pouco depois, pelo ruído feito pelo PSD/CDS no rescaldo das tíbias decisões do Tribunal de Contas que, ordeiramente, esperou pelas eleições para emitir as suas salomónicas bulas. A realidade, porém, levanta-se e impõe-se pela sua crueza; a dívida pública aumenta, a economia sofreu nova quebra (0.7%) no primeiro trimestre, enquanto o gang governamental prescinde da última fatia da troika, para mostrar uma cara lavada perante os mercados, tentando aproveitar a onda de baixas taxas de juro para as quais em nada contribuiu.

Após a derrota de 25 de maio a coligação governamental passa a representar apenas 9.4% da população. Sabendo-se que as pessoas votaram essencialmente tendo em mente a atuação do governo e muito menos as questões da política europeia, o resultado eleitoral evidencia que está totalmente prejudicado o princípio da representação. O governo não se demite, nem é demitido no âmbito dos mecanismos que enformam a falsa democracia existente, uma vez que isso não é entendível de imediato no âmbito de uma organização política em que os governos aprisionam a vontade das pessoas e tomam medidas absolutamente ao arrepio dessa vontade. Passos não sofre contestação entre as suas hostes que preferem cerrar fileiras em torno do chefe, para garantir o acesso ao pote e a instalação no Estado, a máquina do tráfico de influências.

PSD/CDS

votos
% dirigidos
% inscritos
1987
2.980.546
54,2
38,3
1989
1.946.455
48,4
24,0
1994
1.425.962
48,3
16,6
1999
1.360.593
40,6
15,8
2004
1.133.647
34,8
13,0
2009
1.427.300
42,9
14,7
2014
909.855
30,0
9,4

A abordagem dos resultados por distrito eleitoral revela a já referida quebra global que, no caso menos desastroso, corresponde à perda de 30.5% (Leiria). É notável a redução eleitoral na Madeira, feudo histórico do PSD, mais especificamente do AA Jardim, bem alcunhado de Bokassa[6], pelo seu estilo de imperadorzinho, um desaire aliás, já observado nas autárquicas de setembro último[7].


Menores reduções
Maiores reduções
Leiria
-30.5%
Madeira
-57.4%
Braga
-31.5%
Açores
-43.3%
Aveiro
-33.1%
Cast. Branco
-42.9%

A representatividade da coligação a nível nacional fixou-se em 9.6% da população, contra 15% em 2009. As diferenças entre os distritos com maior ou menor representatividade são mais dilatadas do que no caso do PS, como resumidamente se expõe:

Menor representatividade
Maior representatividade
Beja
4,1%
Braga
12,8%
Setúbal
4,9%
Viseu
12,1%
Açores
5,8%
Leiria
11,9%

Votação no PC

Embora formalmente se trate de uma coligação, é bem conhecido que o Partido Ecologista ‘Os Verdes’, parceiro habitual do PC em todas as eleições, não passa de um expediente eleitoral criado para a captação do apoio de pessoas com relutância em votar em algo que inclua a palavra ‘comunista’. Trata-se de um resquício de uma prática frentista que, provavelmente, nada acrescentará em termos de votos, dada a irrelevância política de ‘Os Verdes’, somente conhecidos pelos seus deputados na AR. Preferimos relevar o que nos parece mais transparente.

O PC aumentou em 9.7% os seus votos face a 2009, um pouco acima dos acréscimos percentuais obtidos pelo PS (9.2%) não sofrendo a sua direção, minimamente, qualquer contestação como a que logo surgiu face a Seguro; o que não admira, quer pelos resultados obtidos, lisonjeiros, quer pela estrutura organizativa do partido e pela disciplina que é incutida aos seus militantes.

Em termos globais, o PC representa agora 4.4% da população, contra os 4% que atraiu há cinco anos. Perante a dimensão da crise social e das perdas de rendimentos e direitos por quase toda a população, os ganhos do PC são marginais, como consequência do divórcio existente entre a população e o sistema partidário e, pese embora a agenda populista e nacionalista do PC, propondo a saída do euro e da UE, como reforço da habitual reivindicação da queda dos governos e eleições, algo que para muitos é reconhecido como um placebo para os problemas existentes.

Como abaixo se pode observar, o PC obtém o seu melhor resultado dos últimos vinte anos mas, muito longe dos resultados obtidos na década de oitenta.

PCP *

% dirigidos
% inscritos

1987
676.378
12,3
8,7

1989
654.659
16,3
8,1

1994
340.725
11,6
4,0

1999
358.404
10,7
4,2

2004
309.421
9,5
3,5

2009
379.707
11,4
3,9

2014
416.425
13,7
4,3

                                * Nas duas primeiras eleições incluímos nos resultados obtidos pelo MDP/CDE 
                                              que ficaram muito longe de justificar a quebra de 1994

Na análise regional e ao contrário da concorrência à direita que apresenta perfis de um só tipo em todos os distritos eleitorais – o PS sobe em todos e o PSD/CDS é, em todos, esmagado - o PC apresenta resultados eleitorais dispares. Há situações de grandes subidas de votos (Faro, Leiria e Lisboa) e também perdas no Alentejo, na raia a norte do Tejo e, sobretudo, na Madeira.


Maiores reduções
Maiores aumentos
Madeira
-39,6%
Faro
24,4%
Bragança
-10,2%
Leiria
20,1%
Guarda
-8,1%
Lisboa
19,1%

No capítulo da representatividade e perante um coeficiente de 4.4% para a totalidade do país as regiões de maior ou menor implantação do PC são as de há muito conhecidas e exprimem as grandes desigualdades que se sabem.

Menor representatividade
Maior representatividade
Açores
0,8%
Beja
12,8%
Bragança
1,3%
Évora
11,8%
Vila Real /Viseu
1,5%
Setúbal
10,3%

Votação no MPT ou melhor, em Marinho Pinto

Diz-se que o MPT foi uma barriga de aluguer para Marinho Pinto depois de habitualmente ter surgido em coligações locais com o PSD/CDS, no âmbito das suas propostas políticas de um ecologismo conservacionista aliado a um tradicionalismo nacionalista.

O MPT decuplicou a sua votação face a 2009, representado este ano 2.5% da população inscrita para votar. O aumento dos votos do MPT em Lisboa e Porto suplanta todos os ganhos eleitorais do PS a nível nacional, registando-se apenas cinco distritos onde os ganhos eleitorais do PS superam os do MPT (Beja, Bragança, Évora, Portalegre e Açores). Por outro lado, há casos em que as perdas do PSD/CDS se acham muito próximas da soma dos ganhos do PS com os do MPT (Beja, Évora e Setúbal) e outros em que se encontram bastante afastadas, mormente na Madeira ou em Vila Real.

Em termos de representatividade apresentam-se algumas disparidades no apoio a Marinho Pinto. Suspeitamos que nenhum votante no MPT saberá o que vão fazer em Estrasburgo os dois deputados que elegeu; e o mesmo deverá acontecer com Marinho Pinto e o seu colega de carteira.

Menor representatividade
Maior representatividade
Açores
1,0%
Madeira
3,4%
Beja
1,1%
Porto
3,1%
Bragança /Évora
1,5%
Aveiro/Braga
2,8%


Votação no BE

Há cinco anos o BE era a estrela que, fulgurante, ocupava um espaço crescente no seio do pentapartido, superando o seu concorrente direto, o PC. A partir daí sucederam-se os erros políticos que afugentaram parte substancial dos seus eleitores, para os quais o BE deixou de ser novidade, mostrando-se apenas radical na ação e conservador nas suas propostas políticas que não as relacionadas com as questões de género, orientação sexual e adopção.

Ainda em 2009 o BE lançou o seu apoio à candidatura presidencial de Alegre que, depois do brilharete conseguido ao afrontar a direção do PS em 2005, se preparava para ser o candidato de Sócrates como então apontámos[8]. Apoiar o candidato de Sócrates e zurzir no primeiro-ministro terá sido certamente tática muito criativa mas, pouco compreendida pela plebe. Em 2010, depois de atitudes pouco dignas de percurso, na manifestação contra a NATO o BE passou pela vergonha de se colocar do lado da polícia e da CGTP, benzendo o cerco policial de umas centenas de pessoas acusadas do crime de desobediência ao cacique Carvalho da Silva ou ao seu patrono Jerónimo[9].

Em 2011 inocentemente animados pelas manifestações de 12 de março[10], o BE tal como o PC, imaginaram uma radicalização popular que não havia, apostaram na queda de Sócrates e recusaram-se infantilmente em falar com os funcionários da troika. Nas eleições que se seguiram à queda de Sócrates, o BE perdeu metade dos seus deputados enquanto o PC, fidelizava os seus apoiantes e regressava ao primeiro posto da esquerda institucional portuguesa.

A partir daí, o BE manteve o seu atrativo pela cena par(a)lamentar, em condições muito difíceis, dada a redução do número de deputados e uma sólida maioria em torno de Passos e Portas. Adoptou uma posição tíbia e institucional sobre a dívida, assumindo-a mais como um problema financeiro do que político, e impulsionou a criação da IAC para veicular a defesa da “reestruturação” da dívida, ao mesmo tempo que inventava o Congresso da Alternativas do qual nada saiu de alternativo[11]. Para trás tinha ficado também a pouco edificante colaboração com o António Costa na CML e a elevação ao estrelato de um idiota cognominado “O Zé que faz falta”, em vez da procura de trabalho autárquico junto da população, cujos reflexos se verificaram em setembro último.

Mais recentemente, o BE animou um grupo fechado, o “Que se lixe a troika” que, em torno de um manifesto lamecha nunca acrescentou outra proposta política para além da reivindicação de queda do governo e eleições legislativas, um género de trajo típico da esquerda institucional (BE, PC e afilhados), para qualquer conjuntura. O povo percebeu bem que o PS não seria alternativa de governo que interessasse, devido ao seu compromisso com a troika e que o memorando delimitava a economia e a política em Portugal; e por isso, após duas manifestações multitudinárias em setembro de 2012 e março de 2013 - … sem que o governo caísse… - , o QSLT terminou sem glória, nas escadarias de S. Bento com música (?) emitida em muitos decíbeis e arengas ridículas emitidas do lado de dentro das grades montadas pela polícia em torno da AR[12]. Simbolicamente, o QSLT esteve com a polícia no espaço reservado da AR, do lado oposto aos manifestantes.

A participação do BE em eleições europeias cresceu substancialmente até 2009, multiplicando por seis o resultado de 1999). Este ano, o BE situou-se aquém da representatividade registada em 2004.

BE *

% dirigidos
% inscritos
1987
105.904
1,9
1,4
1989
76.792
2,1
1,0
1994
49.066
1,7
0,6
1999
62.022
1,9
0,7
2004
167.286
5,1
1,9
2009
382.011
11,5
3,9
2014
149.615
4,9
1,5
         * Como o BE foi criado em 1999, incluimos nos anos    
            anteriores os partidos que vieram a nele confluir –
            UDP, PSR, PC (R), FER e Política XXI

Neste contexto, o BE reduziu os 4% do eleitorado que representava em 2009 para uns parcos 1,6% em maio último, passando de terceira força eleitoral para o quinto lugar, ultrapassado pelo PC e pelo fenómeno Marinho Pinto. Para além dos elementos de desgaste do partido atrás referidos, para a quebra de 232 mil votos terá concorrido, pelo menos em parte, o surgimento do Livre com um ideário muito próximo do BE e o MAS, criado a partir de uma cisão do BE, para além do poder de atração do PAN, pela primeira vez em eleições europeias. Porém, mesmo que todos os votos destes três partidos tivessem sido de ex-votantes do BE em 2009, ainda sobrariam uns 90000 eleitores que terão deixado de apoiar o BE, eventualmente com destino mais provável para a abstenção, para o voto nulo ou em branco.

Quanto às variações por distrito eleitoral elas são pesadas, com uma média 60.9% de perdas face a 2009 e valores regionais relativamente próximos. Os resultados obtidos nas regiões autónomas são os menos maus, os únicos com perdas inferiores a 50%, seguidos por Coimbra, Faro, Lisboa e Porto, onde as perdas se situaram abaixo dos 60%.

Maiores reduções
Menores reduções
Vila Real
-73,6%
Madeira
-43,4%
Cast. Branco
-70,1%
Açores
-47,6%
Portalegre
-68,3%
Porto
-57,3%

No capítulo da representatividade na população em geral o BE recolheu o apoio de 1.58% das pessoas, quando havia alcançado 4% em 2009. A sua implantação eleitoral revela algumas diferenças regionais mas, está longe das assimetrias reveladas entre os apoiantes do PC. E revela também a sua maior ligação aos meios urbanos, de maior rendimento e mais elevados graus de instrução.

Menor representatividade
Maior representatividade
Vila Real
0,6%
Setúbal
2,1%
Açores/ Bragança
0,7%
Faro/Lisboa
2,0%
Viseu
0,9%
Porto
1,9%

Outras votações

Este ano as eleições europeias tiveram, no lado esquerdo do espetro partidário, um elevado número de participantes. Para além dos mais mediáticos PC e BE atrás individualizados pela sua relevância eleitoral, manteve-se o concurso habitual do PCTP/MRPP e do POUS, com sortes distintas, como se pode observar:


1987
1989
1994
1999
2004
2009
2014
PCTP/MRPP
19.475
26.682
24.022
30.358
36.000
43.141
54.619
POUS
-
11.182
5.508
4.279
5.101
3.695

O primeiro insistiu na tecla nacionalista copiada do PC, por um governo democrático e patriótico, cujas semelhanças com um governo patriótico de esquerda apontado pelo PC, há pelo menos quatro anos, são notórias. Ambos defendem o abandono do euro e a saída da UE como alternativas virtuosas mas, quanto à dívida o PCTP/MRPP defende o não pagamento – toda ela é ilegítima – enquanto o PC aponta para a reestruturação, objetivo contraditoriamente muito moderado para quem se mostra tão radical, contra o euro e a UE. Na realidade, desde 1994, o PCTP/MRPP vem subindo nos resultados das europeias embora não represeente em 2014 mais de 1.8% dos votos dirigidos a partidos e 0,6% da população potencialmente votante.

O PCTP/MRPP obteve sensivelmente um terço da votação do BE, ficando a sua representação na população total com os melhores resultados relativos em Beja (1%), seguindo-se Évora, Faro e Setúbal.

O POUS apresentou o seu pior resultado de sempre, embora se saiba ter sido seu intuito a campanha e não a competição eleitoral propriamente dita. Sem figuras mediáticas e remetido a uma atividade localizada em alguns locais e sindicatos específicos, não seria fácil um melhor resultado. Por outro lado, colocando-se fora da ladainha da saída do euro e da UE, nem sequer arvorou a bandeira do populismo patrioteiro.

Entre as novidades eleitorais neste campo político, colocamos o PAN, o Livre e o MAS.

Certamente que entre os militantes do PAN haverá quem recuse a integração do partido no pêndulo esquerda-direita. Entendemos que as propostas do partido, centradas na ecologia, nos direitos dos animais e da natureza, constituem temas caros a quem tem uma visão progressista da inserção da espécie humana no planeta, que pouco é integrada nas propostas da esquerda institucional, de cariz trotsko-estalinista e, menos ainda, pela direita dos mercados. Embora com uma agenda temática circunscrita – tal como os Piratas em outras latitudes – o PAN conseguiu apoio em 0,6% da população (ligeiramente à frente do PCTP/MRPP – com maior representatividade na Madeira (1.1% e muito próximo da votação do BE), Lisboa, Setúbal e Faro.

O Livre é um projeto criado à pressa para a recondução do Rui Tavares no areópago de Estrasburgo; tudo, incluindo o arremedo assembleário foi construído com aquele propósito. Apesar do apoio prestado à divulgação do projeto do candidato, pelos seus amigos espalhados nos media, aquele não voltou ao PE, apesar de uma votação lisonjeira (obteve o apoio de 0,8% da população inscrita), aproximadamente correspondente a metade da obtida pelo BE, o antigo hospedeiro do ex-deputado.

Consideramos que a política é algo que exige um sentido ético irrepreensível que Tavares não teve. Pouco importa que tenha tido divergências públicas com Louçã, do partido que o catapultou para o estrelato, sabendo-se que só uma sorte tremenda colocou o cronista em Estrasburgo, com imenso espanto para o próprio, conta quem assistiu. Uma vez que foi eleito pelos apoiantes do BE e não pelos seus próprios méritos, competia-lhe ter renunciado ao lugar e não passar para uma bancada parlamentar da vizinhança, em Estrasburgo, obviamente, para continuar a beneficiar das mordomias inerentes ao lugar. Com esta postura, Tavares não é fiável, merece um enterro político, não se destacando das qualidades evidenciadas pelos protótipos da classe política.

No que se refere à distribuição regional dos votos, o Livre tem uma representatividade de 1.4% em Lisboa e 0.9% em Setúbal situando-se esse indicador inferior à média nacional em todos os outros distritos eleitorais.

Finalmente, o MAS, constituído em 2012 a partir de duas centenas de militantes do BE, inspirados na versão morenista do trotskismo, revelou-se uma verdadeira desilusão para os próprios, certamente. Na decisão de abandonarem o BE terá contribuído uma avaliação errada da movimentação social de 2011/12 que, aliás foi objeto de tentativas de controlo por parte de alguns vanguardistas ligados ao grupo.

Votação da diáspora

A avaliação do recenseamento eleitoral junto dos emigrantes é sintomática da hipocrisia genocida do poder. Os inscritos considerados em maio eram cerca de 244 mil, uns 50 mil acima dos registados em 2009, não refletindo, portanto, as 288 mil pessoas que terão emigrado entre 2010 e 2013. Evidencia também que para o poder, importa apenas que os emigrantes enviem dinheiro para Portugal, para equilibrar as contas externas e municiar os depauperados cofres bancários. Certamente que muitos dos forçados à emigração terão muitas razões para não votar e outros, tê-lo-ão tentado mas, esbarraram com o caos que são as delegações consulares, também vítimas dos cortes e do desprezo do gang PSD/CDS.

As abstenções no âmbito da emigração foram da ordem dos 97.9% (!), o que ilustra bem as esperanças dos emigrantes face à classe política. Os votos dirigidos a partidos reduziram-se 9.1% face a 2009 e correspondem ao ‘considerável’ volume de 4884 eleitores, onde avultarão, porventura, as burocracias diplomáticas e consulares; daí resulta que na diáspora, o PSD/CDS tenha… ganho as eleições europeias, com o decisivo apoio dos residentes fora da Europa.


4 – À guisa de conclusão

Formalmente, o modelo de representação vigente é imune ao volume de participação eleitoral e o mandarinato sente-se legitimado para a ação política autocrática que permite o cálido encosto ao pote, qualquer que seja o nível de participação.

Essa atitude é acima de tudo de ordem prática pois dispensa atitudes e esforços para captação do apoio popular, para além da apresentação do produto eleitoral nos mesmos moldes em que se publicitam sabonetes ou automóveis mas, com uma maior margem de falsificação face à real valia do produto.

Consuma-se assim a existência de uma clivagem profunda entre “eles” e “nós” o que configura a razoabilidade da referência à existência de uma “classe política” termo que agasta todo o espetro partidário e provoca pinotes de indignação entre as suas claques; a classe política mostra-se um género de nobreza, a quem compete a política e a gestão da res publica, distanciada da multidão de servos, reduzida por diversos regulamentos e práticas sociais ao imundo planeta do trabalho ou da indigência. Como no ancien regime, esta nobreza considera como legítima a posse de direitos próprios, tenças, mordomias, imunidades diferenciadoras e é particularmente cuidadosa com a sua inclusão em leis de nível superior.

No tempo do fascismo qualquer pessoa detentora de esquerda considerava que a democracia dita representativa interessava como forma transitória entre as burlas eleitorais dos fascistas e a democracia “proletária”, embora se tenha tornado claro que esta última também se veio a revelar como pouco recomendável. Atualmente, a “civilizada” esquerda do sistema, tosco esquiço de qualquer pensamento alternativo de sociedade, aceita e privilegia os pleitos eleitorais, a democracia (não) representativa, a verbosidade fútil nos parlatórios, em detrimento da defesa da democracia de base, direta ou, da autogestão, da qual se terá esquecido, na sua senilidade. E, quais cabouqueiros da ordem capitalista, zurzem os abstencionistas e outros que se recusam a mostrar preferências de voto em gangs partidários.

Durante o fascismo era, de facto, mais fácil perceber do que atualmente, a inutilidade do voto, em eleições grosseiramente falsificadas ou restritas a uma minoria de potenciais inscritos. A possibilidade de defesa de ideias e de crítica não conduz, hoje, a uma perseguição policial extensiva mas seletiva, pois os sistemas políticos atuais emitem formas mais subtis e leves de controlo social. Entre essas formas, destacam-se uma escolaridade tecnocrática e apolítica prolongada, uma exposição elevada à boçalidade televisiva ou a superficialidade dos media em geral e o culto do individualismo como arma de sucesso, num contexto competitivo de superação ou esmagamento do outro. Sendo o sucesso, em última análise, medido pelo volume do consumo de bens e serviços, fica assim justificada a aceitação de jornadas de trabalho mais intensivas e extensivas, absolutamente em contradição com as capacidades dos meios de produção e de comunicação existentes, capazes de permitir uma redução substancial da parcela da vida dedicada ao trabalho. O consumo inveterado induz uma alegre submissão esclavagista ao mundo da mercadoria.

Os tópicos anteriores configuram a passagem das sociedades disciplinares para as de controlo biopolítico e que conduzem a diferenças na configuração dos modelos de representação que perpetuam, com normas distintas, a dominação da multidão pela minoria capitalista e pelos seus funcionários políticos.

Em Portugal e perante a crise económica e social em curso, já anunciada para durar décadas; face à existência de um sistema político e um modelo de representação criados ambos para garantir a perenidade do capitalismo dependente tradicional; e com a impune corrupção que por aí lavra, evidenciando a domesticação do poder judicial é, sem dúvida, de espantar a eficácia do caldo de cultura que incute a crença ou a inocência de quem votou em partidos, sem ter nada a ganhar com a continuidade da situação atual.

Esse conservadorismo resulta da perigosa ausência de contestação social, de construção política alternativa. Prefiguram-se iniciativas de faixas próximas da decadente esquerda institucional de pendor social-democrata e europeísta para manter morna a contestação e procurar ganhar algum alento, colando-se ao mediático Podemos e, numa segunda linha, ao Tsipras. Esse segmento político constitui um novelo que tem pontas soltas em Carvalho da Silva e no seu CES, atrelado ao Boaventura, o Tavares, a Ana Drago, o Daniel Oliveira; para mais, a guerra de chefes no PS pode fazer aproximarem-se alguns militantes que se juntem ao projeto de criação requentada de uma social-democracia. Do lado do PC, espera-se a continuidade da gestão sindical, recheada das rituais manifestações que não assustam o governo, nem fornecem qualquer incentivo à plebe, da gestão das câmaras que domina e a presença na concertação social, para além do habitual discurso nacionalista e de apelo a eleições.

Em Portugal, vive-se a continuidade do empobrecimento, económico e político.



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[3]   Todos sabemos que através da televisão é possível alimentar um populismo ao agrado do consumidor, capaz de vir a votar num qualquer pato donald bem falante e que saiba tocar temas caros como a corrupção, com tiradas que fazem agitar os traseiros alapados nos sofás.
[4]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/11/autarquicas-2013-e-putrefacao-do.html
[10]  O comportamento dos promotores da manifestação – M12M ou ‘Geração á Rasca’, denominações que se apressaram a registar comercialmente -  fortemente apoiados pelos media contra Sócrates, veio a revelar-se com fortes laivos de provocação. Nunca procuraram promover a unidade do povo contra o regime, como aconteceu em Espanha com os organizadores do 15M; colaram-se a eventos da CGTP e à futura IAC, provavelmente em busca de emprego; e tentaram conduzir e sabotar os esforços de unidade em torno do 15 de Outubro para apresentar serviço.

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