1 - Salazar, a presença de
um ausente
2
- Pátria, um fetiche em baixa de cotação nos mercados
3
– Forças armadas, brinquedo caro e inútil
4
– As intervenções externas não militarizadas
5
– A marcha celebrante do dia da ‘raça’
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1 -
Salazar, a presença de um ausente
No passado dia 10 de junho, excepcionalmente os
nossos olhos cruzaram-se com uma emissão televisiva; e, por acaso, na
transmissão das celebrações daquela data a que em tempos, Cavaco, numa sua emanação
salazarista, designou por dia da ‘raça’. O homem andava nessa época assoberbado
com o magno problema da identidade nacional, mostrando-se muito preocupado com
o afluxo de imigrantes que poderiam vir a suplantar (!!), em número… os tugas de
gema.
Há já algum tempo que encontramos muitas semelhanças
entre Cavaco e Salazar. São os dois entes mais nocivos na História portuguesa
do último século, com Salazar no degrau mais alto do pódio. Embora haja, entre
outras, uma diferença visível entre os dois; Salazar era um intelectual e
Cavaco um ignorante de alto gabarito.
No dia 10 observámos uma curiosa semelhança. Salazar,
em 1967 caiu da cadeira (ou melhor, enganou-se quando julgava que se ia deixar
cair na cadeira) e isso foi considerado como o início da última fase do regime
fascista, um marcador da sua queda próxima. Cavaco no dia da sua ‘raça’, caiu
do palanque, num claro símbolo da putrefação do regime cleptocrático atual,
ainda que tivesse voltado ao púlpito, pouco depois e continuado com mais uma
das suas vazias arengas. Em matéria de arengas, Cavaco aproxima-se mais dos
discursos do seu antecessor Américo Tomás, inspirador do anedotário nacional da
sua época.
Outro símbolo interessante é a queda do presidente
nos braços do grande ayatollah castrense. Aliás, a centralização das
comemorações do dia da ‘raça’ nas forças armadas sugere que a fragilidade do
regime cleptocrático exige que o mesmo seja levado ao colo das forças armadas,
papel que estas não recusarão para valorizar o seu papel e o quinhão do
orçamento. Poderá considerar-se o folclore da Guarda como exibição dessa
simbiose, da sintonia entre o poder civil e o militar, com os dez milhões de
portugueses a assistir, desejavelmente anestesiados pelo brilho da cerimónia.
Minutos após o presidencial chelique surgiu no écran o
emplumado general que comanda toda a tropa lusa; pensámos, por momentos, que iria
anunciar estar Cavaco definitivamente para lá de Bagdad e assegurar que o poder
não cairia nas ruas. Não há general que não goste da lei e da ordem nas ruas e
de abastança nas messes.
A cinzenta figura estava tão preocupada com as ruas
que logo admoestou os manifestantes anti-governo, colocando a parada em
sentido, com um “tenham respeito por Portugal e pelas forças armadas!” Terá
sido a necessidade de Cavaco elevar a voz para fazer ouvir o seu tosco bosquejo
- sobre a presença na Flandres da tropa lusitana na I grande guerra - acima do
coro dos manifestantes, que terá motivado o chelique. Uma fragilidade
confrangedora!
2 - Pátria, um fetiche em baixa de cotação nos
mercados
Não nos parece que a pátria, uma figura abstrata, um
fetiche, seja merecedora de respeito algum, como qualquer conceito inventado
para que muitos obedeçam e aceitem os privilégios de alguns, como instrumento
de divisão entre pessoas da mesma condição, só porque têm línguas e culturas
diferentes.
Diz-se que uma nação é composta por território, povo e
Estado. O território merece-nos respeito enquanto parcela do habitat global de
seres vivos e que se pretende seja preservado na sua harmonia, considerando-se
como ínvia e desastrosa a apropriação privada da utilização dos seus recursos.
Quanto ao povo, há certamente uma pequena faixa de elementos tóxicos que nos
não merece respeito algum - as várias estirpes de capitalistas e mandarins -
tendo-se em conta que a esmagadora maioria das pessoas tem um grande potencial
de expressão solidária na construção das suas vidas, pessoais e coletivas. Quanto
ao Estado, constitui outro inconveniente fetiche, emanado das referidas
estirpes e para seu exclusivo uso e abuso, com funções repressivas, de punção
fiscal, agravadas recentemente com cortes em rendimentos e direitos da
esmagadora maioria em nome de uma dama virtuosa (diz-se), a austeridade.
3 – Forças armadas, brinquedo caro e inútil
A existência de forças armadas em Portugal é um luxo,
incompatível com um povo que vive, na doutrina do poder, acima das suas possibilidades[3]. Entre
as suas funções atuais, umas não se justificam, de todo, no quadro da segurança
externa; outras, podem ser desmilitarizadas, como seja a vigilância das águas
territoriais, que uma guarda costeira pode promover para a dissuação dos vários
tipos de tráficos que utilizam a via marítima, bem como da pilhagem dos
recursos haliêuticos ou de descargas poluentes.
Não é divisável qualquer ameaça militar externa à
integridade do território; e, a acontecer, teria de ser protagonizada por força
militar considerável que tornaria irrelevante a resistência das atuais forças
armadas portuguesas. Imaginemos que a UE é empurrada pelo sistema financeiro
para a venda dos Açores em leilão, como forma de devolver a dívida pública
portuguesa para níveis de razoabilidade.
O território português não é invadido desde meados do
século XIX e a atuação das forças armadas fez-se, posteriormente no exterior,
em África, na Índia e na Flandres com resultados estrategicamente desastrosos
ou colocados do lado errado da História. Em contrapartida, as forças armadas
portuguesas protagonizaram vários golpes de estado até que a criação das
democracias cleptocráticas, de mercado, lhes retiraram esse privilégio. Que o
digam italianos e gregos quando os mercados impuseram Monti e Papademos,
respetivamente, ao arrepio das práticas constitucionais. Por outro lado, o
território português não tem profundidade estratégica para uma guerra moderna
e, naturalmente, seria uma resistência popular que mais teria condições para
desgastar e tornar insalubre a permanência de um invasor militar.
Nos tempos que correm, as forças armadas portuguesas limitam-se
a organizar pequenos pelotões para enquadramento às ordens das forças da NATO
ou a promover luzidas paradas militares como a do dia 10. As forças armadas
deixaram sequer de se poder arrogar ao epíteto de “povo em armas” com o fim do
serviço militar obrigatório, sendo-lhes reservada uma função de força
repressiva de retaguarda, de guarda pretoriana do regime, constituída por
funcionários com forte espírito corporativo. Ou não fosse a guerra contra os
seus próprios povos a justificação mais profunda da existência da tropa.
A situação atrás descrita não é específica de
Portugal, uma vez que no contexto da UE, além da França e da Inglaterra, nenhum
país tem a chamada capacidade de projeção no exterior; embora alguns outros –
Alemanha, Itália, Espanha, Suécia – usem as suas forças armadas como elemento
complementar de uma indústria exportadora de armamento[4] que
Portugal, de facto, não tem.
4 – As intervenções externas não militarizadas
As intervenções externas nos países de média ou
pequena dimensão só excepcionalmente são militarizadas, nos dias de hoje.
Com a evolução do capitalismo o domínio político e
económico não se processa hoje, tanto pela ocupação militar, pela colonização
típica do século XIX e pela guerra, como antes. A liberalização dos movimentos
de capitais, a atuação das multinacionais e do sistema financeiro, a
segmentação da produção e a constituição de instituições internacionais ou
multilaterais, de uma classe política global são factores de enquadramento dos
espaços, dos povos e das riquezas tornando a maioria das nações irrelevantes
como tal. Para o capitalismo globalizado há apenas localizações de recursos,
individualizados através de bandeiras e hinos.
Nessa configuração atual do capitalismo, os países
são intervencionados através do investimento estrangeiro, nas movimentações das
bolsas, pelos sempre ignotos desígnios dos mercados, nas chamadas telefónicas
da Merkel para o mainato Barroso, nos almoços entre Draghi e Weidmann,
presidente do Bundesbank, nas cimeiras do G8, (reduzido para sete depois da
zanga com Putin), por debaixo da alva cabeleira da Lagarde ou nas manobras dos
altos funcionários da Goldman Sachs. Não custa imaginar uma intervenção militar
da tropa lusa na defesa da pátria com ameaças advinda daqueles lugares mais ou
menos etéreos; mas não podemos levar a sério uma entrada dos comandos na bolsa ou
a detenção dos técnicos da troika à chegada ao aeroporto para ditar ao Passos
as próximas decisões do conselho de ministros.
Mais concretamente, podemos apontar que a integridade
pátria está em risco, sobretudo com as privatizações dos portos, das vias de
comunicação, da ocupação da orla costeira por empreendimentos turísticos
invasivos, da previsível privatização dos aquíferos. O próprio aparelho de
estado não passa de um departamento do sistema financeiro que lhe enforma a
atividade e as decisões relevantes; muito mais do que a defesa de qualquer
harmonia social ou do tecido económico. E não consta que as forças ditas
armadas se mostrem ativas intervenientes para obviar essas situações na defesa
da grei, como genericamente lhes está cometido no texto constitucional; a não
ser em avisos patéticos das suas estruturas associativas ou sindicais a que já
ninguém liga por reiterada demonstração de que não passam de azedumes
corporativos de quem sempre se considerou num patamar acima dos reles paisanos.
Essa inoperância na defesa da grei evidencia que as
forças armadas estão bem sintonizadas com a governação, obedientes e bem
inseridas no tal departamento do sistema financeiro, designado como Estado. Como
tal, se não reagem, antes se acomodam à situação, torna-se um espetáculo
circense o voo dos F-16[5] ou a
parada militar de 10 de junho. E torna-se evidente que as forças armadas para
nada mais servem do que constituir pelotões de retaguarda onde a suserania
estratégica do Pentágono, via NATO, ordenar, em locais como o Líbano, o
Afeganistão ou o Uganda que justificam visitas do aguiar-branco de serviço,
pelo natal.
5 – A marcha celebrante do dia da ‘raça’
Voltando ao festival patrioteiro do 10 de junho,
observámos, na bancada dos vips, uma hierarquia de protagonistas tendo, qual
cereja pútrida no cimo, o Aníbal que desmaiou, tendo a seu lado direito como
digna segunda figura do tal Estado dito soberano (?) a inconseguida,
publicamente conhecida por ter alguns fusíveis fundidos; e à esquerda um género
de drone telecomandado de Berlim que não brilha pelas capacidades intelectuais.
Este exemplar reles e santificado de trindade, constitui
o vértice de uma hierarquia estatal marcada pelo roubo e pela corrupção. Em
torno da trindade largas dezenas de gravatas ocupavam os gargalos dos mais
altos dignitários da pátria, sendo mais conspícua a presença de alguns bonés de
vários modelos, em regra reluzentes de incrustrações em pechisbeque de talha
dourada. Notámos a presença, lado a lado, de Passos e do presidente do Tribunal
Constitucional, apontado fulcro de todas as culpas de algumas dificuldades na
estratégia governamental de empobrecimento coletivo para cumprimento da sua
mais nobre missão de encarrilar uns € 7000 M por ano de juros, para saciar a
gula do capital financeiro.
Do outro lado de uma sebe de polícias, algumas centenas
de populares mostravam a sua pequenez, agradecidos perante tão elevada
concentração de gradas figuras do regime cleptocrático, ganhando naquele dia
direito a dormir sem a toma de soníferos, descansados com o estado de prontidão
das tropas para a defesa face aos inimigos da lusa pátria. Mas faltaram os
turistas e a CNN para espalhar o evento pelo mundo.
É espantoso como uma das mais inúteis instituições do
Estado português é alvo de toda aquela coreografia oferecida à multidão como mistela
para os males provocados pelo próprio Estado. Num momento em que a esmagadora
maioria das pessoas é tratada como esbanjadores inveterados, obrigados a
suportar as carências inerentes ao desemprego, à redução de rendimentos, às dificuldades
na manutenção da saúde, às jornadas de trabalho acrescidas e outras, no dia 10
o tenente-coronel que relatava os festejos circenses da Guarda dizia que ‘apesar
dos cortes, nenhuma missão dos militares tinha deixado de ser cumprida’. Ou os
cortes foram superficiais, menores, permitindo a continuidade das tais missões
ou foram de facto significativas, evidenciando com a sua continuidade, que
terão vivido com dotações acima das suas necessidades.
Apreciámos particularmente o desfile militar, pelo
colorido, pelo apuro musical da banda, pela diversidade colorida dos
marchantes, como se fora tudo aquilo um ensaio geral para as marchas populares
de Lisboa, representando cada farda a coreografia escolhida por cada bairro
popular da capital.
Vimos grupos vestidos de branco que mais pareciam vendedores
da praia, de gelados ou bolas de Berlim, em dias de gala. Ficámos sem saber
perante a exibição de sabres desembainhados se ainda hoje se praticam
abordagens como em séculos passados, com valentes marinheiros agarrados a
cordas com sabres nos dentes a cair no convés do navio inimigo. Ao que
apurámos, na recente intercepção de barcos de borracha com “piratas” somalis
não foram utilizadas técnicas de abordagem. O relator do evento também não
esclareceu se, perante a elevada altitude da cidade da Guarda, os marinheiros,
em regra atuando ao nível das águas do mar, tiveram treino de habituação à
altitude, como acontece com as equipas de futebol.
Não conseguimos apurar a razão dos marinheiros usarem
um babete assente nas costas; nem a razão de lenços coloridos no pescoço dos
operacionais peritos da camuflagem. Chamamos a atenção dos estados-maiores para
este último caso pois pode mesmo ter o efeito contrário desejado por uma boa
camuflagem; um lenço azul celeste no pescoço de um rambo pode denunciá-lo no meio
da vegetação, tornando inúteis as pinturas de guerra na cara.
Não notámos na plateia dos vips o incansável o
ministro das cervejas, promotor da exportação. A profusão de condecorações no
peito de generais era imensa; uma massa enorme de pendões e bandeiras dava
colorido à paisagem; tudo isso, juntamente com galões e os botões amarelos tão
do agrado dos militares, certamente justificam indústrias várias, a criação de
postos de trabalho e uma exportação interessante para os generalatos pagos em
dólares pelo Africom.
Registámos também o contraste entre o fino corte das
fatiotas dos convivas que rodeavam o ilustre desmaiado e as mangas arregaçadas
de muitos dos marchantes, como se fossem trabalhadores de mudanças preparados
para carregar colchões ou frigoríficos.
Era grande a variedade de fardas entre os marchantes,
identificadoras dos vários regimentos, “armas”, pelotões, companhias, batalhões
e é certamente a organização e a operacionalidade de toda essa gente que
justifica grande parte da alta hierarquia das forças armadas. Não é fácil
manter distinguíveis as tropas terrestres, face a marujos e araújos; seria
inadmissível que um tenor de 'mama sutra' por engano entrasse num dos submarinos
do Portas, onde o espaço tão ergonomicamente planeado não teria capacidade para
encaixar um berro daquele ente, sem a abertura de fissuras no casco.
Entre as fardetas, havia de todos os feitios, calças
e saias, chapéus, bonés, barretes, bivaques e boinas e até caras pintadas às
cores[6] para
se confundirem com a vegetação próxima em caso de ataque de algum inimigo que
quisesse aproveitar tão elevada concentração de tropa e de mandarins para
atacar e decapitar a nação. Alguns ostentavam mesmo uns engraçados pompons ou
penachos, excelente camuflagem pensada para a atuação em jardins com plumas ou
recintos de avestruzes. Uns poucos ostentavam passa-montanhas, certamente mal
informados sobre o clima agreste da Guarda que não se compara com um inverno no
Afeganistão.
Deixámos para o fim desta descrição do desfile das
marchas patrióticas de uma Guarda-2014 o que considerámos mais original; as
simbioses entre o passo militar e a dança.
Delicioso foi ver um pelotão de camuflados arremessar
a perna esquerda para o lado e graciosamente a colocarem de imediato à frente,
todos muito certinhos após muitas horas de treino na parada; outro pelotão
surgiu em corrida moderada dobrando regularmente a perna para trás, num género
de coicezinho (sem ofensa). Não conseguimos descortinar se se tratam de novas
formas de confundir o inimigo, de o convencer que vem ao seu encontro um grupo
de bailado e não soldados em missão de extermínio ou, se se trata de uma nova
tática guerreira já testada em West Point e distribuída entre todos os membros
da NATO.
Se ainda existir este regime, em 2015 há mais. Mas
talvez sob a forma de parceria público-privada com uma empresa privada de
eventos.
Este e outros documentos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
se eu disser -"simplesmente fantástico" fico em dívida para com o autor do trabalho publicado. Porém há dívidas que se podem pagar e são aceites como pagas, se dissermos simplesmente e com respeito,-" muito obrigado". Não tenho como dizer e agradecer de outra forma - "grazia tanta"!
ResponderEliminarFORÇAS MILITARES...
ResponderEliminarfarda - mesmo que bonita e leve
é sempre
albarda
Curiosamente(ou não)a "falência" da soberania está a ser "gerida" por aqueles que a deviam defender contra todos os inimigos internos e externos.Quanto à ideia de Pátria não me parece que deva ser confundida com ideologias ou com interesses particulares,apesar de ter sido ao longo dos tempos usada nesse sentido,e será ela o último reduto para a defesa do povo pois não será na UE e afins(onde os grandes interesses corporativos imperam) que seremos melhor defendidos da ditadura do capital.
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