Da autoria do nosso amigo http://bilioso.blogspot.pt/
Existem em Portugal cerca de 3,6
milhões de pensionistas. É um exército.
A dimensão deste exército é
suficiente para provocar a queda de um governo, uma mudança de hábitos na
participação cívica, ou mesmo uma revolução.
Quando se formou o movimento de
reformados APRE, o meu coração encheu-se de esperança. É claro que eu não
estava à espera que o exército dos reformados fizesse uma revolução, nem coisa
que se pareça.
E no entanto, sim, esperava que
dali viesse uma revolução – não institucional ou regimental, mas antes nos
hábitos de participação e acção cívica. Esperava que a experiência encanecida
nos desse a todos uma respeitável lição de organização e acção cívica directa;
que o colectivo de cidadãos reunidos na APRE fosse capaz de pôr em marcha uma
autêntica locomotiva, que atafulhasse as repartições, direcções-gerais e
ministérios de reclamações, protestos, filas de espera, manifestações, que
moesse o juízo aos governantes de todas as formas possíveis e imagináveis (um
trabalhador reformado tem muito tempo para pensar e imaginar artimanhas), e que
essa locomotiva, mais tarde ou mais cedo, graças ao seu bom exemplo e aos seus
bons resultados, arrastasse consigo a demais população para a terra da
democracia participada, e não apenas delegada.
As tarefas centrais da APRE eram
simples:
1)
mostrar os dados e os
factos tal qual eles são; desautorizar as mentiras dos governantes e a
charlatanice dos falsos «técnicos» que pretendem encenar a insustentabilidade
da segurança social;
2)
criar uma campanha
mediática permanente, teimosa, enervante; não dar tréguas à opinião pública nem
às campanhas de contra-informação do Governo;
3)
realizar acções
colectivas visando travar o desmantelamento da Segurança Social e afirmar a
vontade de garantir a solidariedade com os mais desprotegidos.
O que a APRE não precisava nem
devia fazer, era meter-se em cavalgadas de política institucional, andar na
marmelada com os partidos no poder, transmitir recados dos poderes públicos.
Quanto menos o fizesse, mais razão teria e mais unidade produziria entre vastas
camadas da população, algumas delas sujeitas a um autêntico genocídio.
É por isso uma enorme desilusão
ver o descaminho impresso à APRE pela sua figura de proa, Maria do Rosário
Gama, que mais uma vez (é já a terceira, se não estou em erro) vem a público
zurrar coisas que uma representante da APRE devia recatar-se de dizer, para não
comprometer os objectivos e interesses da associação cívica que representa.
Vemo-la ao longo desta semana a fazer uma sistemática campanha mediática pelo
voto nos candidatos ao parlamento europeu – segundo as suas palavras, o
que é preciso é votar; vota!, nem que seja naqueles mesmos que estão agora
mesmo a cortar tua pensão –, chegando ao ponto de afirmar que «é criminosa
a campanha em curso nas redes sociais apelando à abstenção ou ao voto em branco
ou nulo» [cito de memória e desconhecendo as campanhas em questão]. Se alguma
coisa de criminoso houvesse a apontar, seria a campanha de Rosário Gama pelo
voto nos partidos instalados no poder (com indisfarçável recado de voto no PS,
diga-se de passagem), esvaziando a acção cívica directa da APRE e dividindo o
campo dos pensionistas em dois. Não é preciso ser bruxo para adivinhar o futuro
da APRE a partir de agora: uma aglomeração simbólica de cidadãos, pronta a ser
usada como força de pressão ao serviço de interesses partidários duvidosos; uma
tropa arregimentada para as urnas e completamente arredada da acção cívica
directa.
Aí está como se bloqueia
primeiro e mata depois um magnífico sonho.
Os factos
Existem cerca de 3,6 milhões de
pensionistas (números de 2012). Destes, quase 3 milhões recebem pensões de
velhice, invalidez, sobrevivência ou reforma antecipada (ou seja, uma miséria
na maior parte dos casos); os restantes 0,6 milhões recebem pensões da CGA
(Caixa Geral de Aposentações).
A título de exemplo, olhemos
para a CGA, donde saíam em 2013 as pensões de cerca de 471 mil reformados e
aposentados. Destes, 50% recebiam pensões inferiores a 1000 €. Fazendo as
contas por alto e por excesso, estes pensionistas, contra os quais tanto berra
Medina Carreira, recebem o equivalente a 0,36% do PIB. Isto significa que para
sustentar essas pensões eu tenho de desembolsar, na pior das hipóteses, 2 €
por semana – isto na hipótese de toda a gente estar a trabalhar em Portugal;
mas como o desemprego está muito alto e nem todos os empregados arranjam
trabalho a tempo completo, a factura sobe para 3 € por semana (na pior das
hipóteses). Olhem para a minha cara de preocupado (peço desculpa se não for
capaz de fazer umas caretas à Medina Carreira).
Entretanto, estes números
escondem um facto dramático: 21% dos pensionistas da CGA recebem menos de
500 € por mês, ou seja, encontram-se na sua maioria abaixo do limiar de
pobreza.
A charlatanice demográfica
Continua na moda os poderes
públicos e os Medina Carreira deste mundo promoverem a burla de que cada vez
haveria menos população activa, cada vez mais velhos, e portanto tornar-se-ia
impossível sustentar a segurança social. Esta propaganda é reforçada com
«projecções» muito imaginativas, que nos apresentam um cenário recheado de
matusaléns com mais de 100 anos, cheios de saúde, a correrem na praia em fato
de treino, a viverem à conta de meia dúzia de trabalhadores e incapazes de
fazerem mais bebés. Perante este cenário de ficção científica, o que aflige os
«especialistas» e os projeccionistas do filme não é a extinção da raça humana
mas sim a «necessidade» urgente de acabar com o estado social e enfiar toda a
gente num pacote das seguradoras, que depois é vendido na Bolsa em Hong Kong e
por fim faz uma linda bolha furta-cores e explode, derramando salpicos para
cima de toda a gente. Os matusaléns constipam-se então com os salpicos da
bolha, apanham uma pneumonia e morrem finalmente. Problema resolvido.
Olhemos para a realidade, embora
eu já esteja a ficar farto de repetir estes números ao longo dos meses.
População residente e em idade
activa:
1983:
62% do total da população residente
2012:
65% do total da população residente.
Façamos o jeito a «técnicos» e
olhemos antes para o número oficial de activos:
1983:
47% da população residente – ou seja, menos de metade da população
2012:
52% da população residente – ou seja, mais de metade da população.
Moral da história: ao contrário
do que nos é dito pelos «especialistas», a situação não piorou; muito pelo
contrário, melhorou. Por outras palavras, apesar do facto indesmentível de a
população ter envelhecido, há hoje mais gente disponível para trabalhar e
contribuir para a Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações, etc.
É claro que se o desemprego
aumentar e os salários baixarem, se houver uma dívida pública gigantesca
contraída para recapitalizar os bancos (os mesmos bancos que andam entretidos a
fazer despedimentos colectivos), se os bens e equipamentos da saúde e ensino
públicos forem pilhados em benefício de entidades privadas, … – bom, então é
natural que a situação fique preta. Não porque existam idosos a mais, mas sim
porque existe demasiado roubo e desvio de dinheiros públicos em benefício de
sociedades privadas, com a bênção dos poderes públicos.
E o que faz a Exma. Sra. Dona
Maria do Rosário Gama? Em vez de combater pelos pensionistas e moer o juízo aos
poderes públicos que nos trouxeram à presente situação de descalabro, aproveita
o pouco tempo de antena que lhe é concedido para chamar criminoso a quem acha
que é altura de manifestar o desagrado com os poderes públicos, retirando-lhes
o voto!
Sem dúvida algumas consciências
encontram-se mortas e enterradas, e outras carecem de QI (Quociente de
Independência?) suficiente para se manterem em funcionamento.
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