sábado, 15 de março de 2014

Entre roteiros e manifestos, uma classe política pestilenta


Depois do homem do leme divulgar o seu roteiro, logo os 70 reumáticos senadores saltaram a terreiro. Retiraram a tampa da fossa e as natas pairam à superfície.

Muito recentemente tivemos a oportunidade de divulgar um texto com simulações demonstrativas de que a dívida pública, em crescimento vertiginoso nos últimos anos, não é pagável[1]. Como é evidente não obtivemos o favor da divulgação nos media portugueses, mais focados nos entertainers televisivos, nos jogos florais da classe política emanada da cleptocracia lusa. Bastou que a fedorenta nata do sistema se reunisse e desse mais uma prova da seu comprometimento com o capital financeiro para toda a imprensa se focar em comentários e entrevistas, laudatórios uns, subservientes quase todos. Jamais lhes será permitido, no âmbito do controlo redatorial, dizer que o rei, afinal, vai nu.
…………

Embora com números errados, o homem do leme apontou para a continuidade radical da austeridade e oferece a mesma receita por mais 21 anos, se… a economia crescer 4% ao ano! Um delírio que esconde ir a situação agravar-se acentuadamente. E assim, com ou sem programa cautelar, Cavaco pode apontar o dedo a Passos.
O homem do leme, fiel à sua pulsão totalitária, ficou tão agastado com a inclusão de dois dos seus moços de porão na equipagem dos 70 que, logo os exonerou do cargo. Para a execranda figura um “crime” de opinião é mais grave que a qualificação de burlão inerente a Dias Loureiro, mantido como conselheiro de estado durante tanto tempo, só porque companheiro de farra no bordel BPN. La nave va.

Como resposta aos desígnios do solitário sacripanta aquartelado em Belém, 70 magníficos políticos, patrões, académicos, juristas e outros habituais presentes no palco da cleptocracia lusa, apresentam um texto com muitas vulgaridades, contas erradas e alguns disparates.

Sem dúvida que a heterogeneidade do pelotão surpreende pela frontalidade da sua concertada aparição. É interessante a manifestação de erosão que se verifica na camada próxima da área governamental, com a presença de alguns elementos do PSD entre os subscritores, onde predomina gente do PS. A presença de caciques do BE nada tem de novo já que se trata de elementos defensores do atual regime político, propondo apenas dotá-lo de algum pó de arroz. A posição política do PC quanto à reestruturação da dívida é semelhante à dos valentes 70 mosqueteiros mas, a presença de membros do PC não se coadnuaria com a mania do controlo de tudo em que se metem, nem cairia bem junto das “massas” em vésperas de pleito eleitoral, apresentarem-se claramente ao lado da uma bem assumida direita. Nos 70 magníficos só a falta de membros do PC impede que se cumpra o desígnio de Cunhal, da “unidade dos portugueses honrados”, inter-classista e patrioteiro.

Do esforço unitário dos 70 magníficos que, segundo Bagão, vem de dezembro, nada vai resultar, como nada sobreviveu da inflamada assembleia da Aula Magna de novembro, patrocinada por Soares. Nada… talvez não. Tudo indica que o PS se pretende apresentar como portador de mensagem libertadora como alternativa a Passos.Tudo indica que Louçã deu um grande passo para concretizar o seu sonho de ministro num próximo governo do PS.

Passecos está sempre condenado. Se houver saída “limpa” como ordenado por Merkel ao seu gauleiter no Lusitanienbezirk, com a manutenção de taxas de juro elevadas e uma retoma que não aparece, por mais que gritem para ela entrar, demonstrar-se-á que não havia condições para uma saída esterilizada. Se por razões que não prevemos, houver uma saída enxovalhada, com o apoio do BCE, ao mesmo tempo que os indicadores económicos não surgem anunciadores da aurora, Passecos demonstrará que a sua governação falhou e paga por isso e pela troika, esta última, sempre isenta desses pútridos salpicos.

A questão da reestruturação é sempre algo inerente a uma dívida elevada de um devedor problemático. Em janeiro de 2012 demos isso como um facto a acontecer num tempo próximo.

A renegociação irá acontecer, forçosamente, desde há muito que sabemos da sua inevitabilidade. O problema é que em breve não será uma bandeira apenas da ala esquerda da AR, mas ser-lhes-á útil para reclamarem uma vitória e obter dividendos partidários. Faz lembrar os feiticeiros que clamam por chuva para depois dizerem que os deuses foram sensíveis aos seus esforços quando começa a chover;[2] 

No manifesto dos 70 apresenta-se a proposta - curta, coxa e pífia - de reestruturação de parcela da dívida hoje acima dos 60% do PIB (€ 143000 M), com redução de taxa de juro e aumento de prazo para 40 anos, sem abandono das responsabilidades face ao equivalente aos referidos 60% (€100000 M), ou a qualquer cêntimo que seja. Trata-se de um extended mode do que o governo tem feito[3]

De uma penada, espreme-se das 70 cabecinhas, muito claramente, que;

  • toda a dívida é legítima, porque constituída para a promoção da felicidade dos residentes em Portugal;
  • as políticas e negócios que beneficiaram banqueiros, especuladores, promotores imobiliários, adjudicatários de obras públicas, rentistas, costumeiros usufrutuários de benefícios fiscais, empresários manhosos, corruptos e parasitas afins foram construídos para o bem estar da grei;
  • a austeridade e os cortes em rendimentos e direitos podem continuar porque tudo o que se tem passado, particularmente nos últimos anos, é legítimo e executado por políticos amantes devotados da causa pública;
  • a multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores, para além do que já foi perdido com uma austeridade apontada como purga purificadora, deve aceitar serenamente, a continuidade ad eternum do pagamento de dívidas alheias;
  • a dívida tem de ser paga, a austeridade é inevitável… ma non troppo. O governo e o homem do leme preferem a música com os andamentos largo, presto, molto vivace. A peça musical, no entanto, é a mesma e ao público, requer-se esteja sereno.
As 70 ilustres figuras convergiram em algo como:

·     A reestruturação dos € 143000 M, com taxas de 2.5% que, admitindo a nada garantida benevolência dos credores, significaria um serviço de dívida (amortização e juros) inicial de € 7000 M (4.3% do PIB);

·      A restante dívida (€ 100000 M) – admitindo a continuidade deste patamar de dívida, no seio dos 60% do PIB exigidos no Tratado Orçamental - com uma taxa, também de 2.5%, contribuiria com € 2500 M de juros anuais (1.5% do PIB);

·      No total, o serviço de dívida absorveria cerca de 5.8% do PIB sem que a plebe seja contemplada com qualquer réstia de ideia sobre o modelo económico que enquadraria a vida dos portugueses sobrantes nas próximas décadas, a estrutura económica, política e social que estaria no terreno ou sequer, sobre as políticas a desenvolver para o cumprimento de tão exigente plano. E isso percebe-se porque fazer sair algo de inovador e representativo do conjunto de tão acomodadas cabeças é mais difícil que encontrar piolhos no pelo de um jacaré;

·       Cerca de 29.3% da dívida tem como credores o FMI e a UE e as taxas que cobram não se afastam muito dos 2.5% pelo que seria necessário convencê-los a aumentar os prazos de amortização, se os seus créditos se incluissem na parcela a reestruturar;

·      As taxas mais elevadas, adstritas a títulos detidos pela banca, portuguesa e não só, por fundos e outras entidades especulativas, não são de fácil redução. Convencer os possuidores de títulos da emissão a 10 anos realizada em fevereiro a uma taxa de 5.11% a trocar esses títulos por outros a 2.5% é trabalho muito pesado...  a não ser com avultados prémios, à cabeça;

Nenhuma daquelas ilustres figuras quer perceber o óbvio, porque continuam a viver bem. E por isso, a análise política da dívida fica de fora, é algo de estranho para quem está dentro do sistema e nele tem engordado.  

Muita daquela dívida tem o selo da ilegitimidade pois não foi constituída para o bem-estar da população. Quem tiver dúvidas observe que a dívida está em vias de chegar aos € 242000 M quando era € 150000 M em janeiro de 2011. Sabe-se quem ganhou com esse aumento e que não foi a larga maioria dos portugueses; e daí que não compete a estes o pagamento, como se explanou recentemente[4].

Quem comeu a carne - banqueiros, políticos, rentistas, especuladores - deve roer os ossos. Quem interveio no fomento da dívida, para não agravar a crise do euro, não tem legitimidade de exigir sacrifícios a 10 milhões dos mais pobres dos utilizadores daquela moeda. Ladrões do BPN e acomodados “investidores” em PPP têm de ser justiçados e expropriados.

Os 70 artífices do manifesto conhecem a palavra perdão de dívida porque referem a felizarda Alemanha de 1953; mas sabem pouco de história ou abusam do exercício de história comparada que citam. Desconhecem que naquela época de reconstrução europeia o crescimento da Alemanha era essencial para todos, para mais com um sistema político distinto a concorrer nas bandas de Leste? As condições em que se processaram os pagamentos efetivos da dívida - em marcos, moeda nacional da Alemanha, com pouca valia no “mercado” – deram uma vantagem enorme ao Bundesbank emissor; daí resultou que os credores, uma vez detentores dessa moeda ou o reciclavam através de investimentos na Alemanha, criando emprego e riqueza naquele país ou deixavam-no armazenado para recordação.  Mecanicamente, devem pensar, as 70 sumidades, porventura, que o crescimento ou decrescimento português é importante para a UE de hoje e susceptível de comover o capital financeiro global. Não se lembraram que Portugal representa apenas 1.2% do PIB europeu? E, ao que parece, sendo os pagamentos da dívida efectudos em euros, não consta que essas verbas venham a ser investidas em Portugal, como na Alemanha de há uns 60 anos.

Os ilustres declarantes ocultaram a trivialidade de perdões de dívida, hair cuts, na História recente. Entre 1970 e 2010 houve 180 casos em 68 países[5]  no âmbito dos quais os credores prescindiram de partes substanciais dos seus capitais; assim como ocultam os conhecidos casos de sucesso, no Equador e na Islândia.

Não há reestruturação virtuosa sem uma prévia ida ao barbeiro para um hair cut da ordem dos € 143000 M. Mesmo depois disso, um serviço de dívida contemplando juros de 2.5% absorverá 2.5% do PIB[6].

Porquê essa fixação na reestruturação que perpetuará a austeridade que não para agradar aos capitalistas, ao sistema financeiro? Porque não defenderão um saudável hair cut penalizando assim o referido capital financeiro e os especuladores, para favorecer a esmagadora maioria da população, evitar a emigração, o empobrecimento e a entropia demográfica?

Está claro que para esse hair cut se exige uma atitude política firme e dura perante a UE, o FMI e o capital financeiro sendo instrumental o rompimento com este regime cleptocrático e com os seus arautos tão bem representados no bafio intelectual que o manifesto dos 70 exala.

Dispensamos tanto os ladrões como os aldrabões que lhes dão cobertura.

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Documentos e textos em:    






[1] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
[2]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/01/v-behaviorurldefaultvmlo_1589.html
[4]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
[6] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html

1 comentário:

  1. Ver e Ler "Utopia e Realtà" e "Le Origini del Bene e del Male".

    Ver nos sites:

    http://utopiaerealteleoriginidelbeneedelmale.blogspot.com/

    http://utopiaerealidade-utopiaandreality.blogspot.com/

    http://www.edizioniatena.it/economia.asp



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